Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ruas de Fortaleza - Mudanças (Rua General Bezerril)


RUA GAL. BEZERRIL - ANTIGA RUA DOS QUARTÉIS

Na esquina da Rua dos Quartéis (atual Rua General Bezerril) com a Rua da Misericórdia (atual Rua João Moreira), existiu, por volta de 1876, a escola do professor Raimundo Vieira e na mesma casa morou depois o Dr. Pauleta. Vizinho à casa da esquina ficavam estas casas que vemos na foto antiga e que eram, até bem pouco tempo, as casas mais antigas de Fortaleza. As quatro casas fotografadas até a demolição, serviram de residências. A casa maior, que vemos por trás, era o consulado britânico em Fortaleza. Esta foto foi publicada na revista "Cruzeiro", em artigo de Gustavo Barroso.


Sendo as casas mais antigas da cidade, situadas no início da primeira rua que teve a cidade, bem que poderiam ter sido conservadas, se aqui fosse uma terra de cultura, até para chamariz turístico.

A Segunda foto mostra o que ficou no local, o prédio da esquina e um muro com terreno para estacionamento. Ao fundo, vê-se os prédios do centro da cidade.

A terceira foto, colhida por Osmar Onofre, mostra um prédio de linhas modernas, que serve hoje de sede ao "Hotel Caxambu".
Para os que ainda não sabem, o local fica por trás de onde foi o Fórum Clóvis Beviláqua que já não existe - foi implodido. Na esquina, prédio que serviu de anexo ao Fórum e que hoje se encontra em reforma. Ao longe vemos uma banca de jornais e revistas e em primeiro plano uma estaca formando uma cerca em redor da Praça Caio Prado (da Sé) que encontra-se em obras.
O restante do quarteirão antes ocupado por diversos sobrados, inclusive o do Hotel Bitu, está hoje somente com pedaços de muros mal cuidados que só enfeiam a cidade, com alguns estacionamentos e um mercado de rendas e bordados tipo "beco da poeira".


Crédito ao Portal do Ceará/Arquivo Nirez

Igreja de São Pedro


Em 1934, uma comissão, tendo à frente Mariinha Holanda, resolveu construir uma igreja. O terreno foi conseguido com a Prefeitura, no ano seguinte. Houve, no dia 24 de dezembro de 1935, o lançamento, da pedra fundamental da Igreja de São Pedro, na Praia de Iracema, em cerimônia presidida pelo Arcebispo Dom Manoel da Silva Gomes. A inauguração foi no dia 22 de janeiro de 1939.
Cria-se, no dia 23 de agosto de 1953, a Paróquia Oriental de Nossa Senhora do Monte Líbano, do rito Melquita a fim de prestar assistência religiosa à colônia sírio-libanesa de Fortaleza. A sede é na Igreja de São Pedro na Praia de Iracema e o vigário é o Monsenhor Paulo Kalas, até ser inaugurada a Igreja de Nossa Senhora do Líbano.

A fotografia antiga é da década de 50. O templo tinha portas com o cimo em forma de triângulo, duas janelinhas no pé da torre e uma, mais acima, todas também com topo triangular, como triangular também parece ser o cimo da torre que é em forma de pirâmide aguda, onde na ponta há uma cruz branca.
A Rua Tabajaras é bem mais movimentada que a Avenida Presidente Kennedy, que na época da foto era Presidente Vargas (não se sabe porque a troca). Afinal a Praia de Iracema era um dos bairros elegantes de Fortaleza à época. As ruas eram calçamentadas, com coxia dando preferência à rua Tabajara.

A segunda fotografia mostra o mesmo local com várias modificações, com o asfalto em substituição ao calçamento; fios de alta-tensão pela avenida Presidente Kennedy; postes de Iluminação pública pela Tabajara; edifícios de muitos pavimentos já existem na rua, enquanto na avenida cresce a arborização; a igreja foi muito modificada: as portas deixaram de ser triangulares; as janelas também; a torre deixou de ser aguda.


Crédito ao Nirez e Portal da História do Ceará/Arquivo Nirez


terça-feira, 27 de julho de 2010

Hospital São Vicente: A evolução da psiquiatria no bairro da Parangaba


Arquivo Nirez

"Época do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo, conhecido como Asilo de Parangaba, sofrimento de mentes e corações. O tenebroso hospício, construção secular com paredes de quase meio metro de largura, deprimia a quem ali entrasse. Gritos lancinantes, risadas histéricas, choros copiosos e palavrórios agitados extremavam o horror.
Uma ala de celas gradeadas, pisos imundos de tijolo de barro, em penumbra e com extenso corredor, completava o máximo da degradação, impossível de imaginar por quem não a conheceu. Naqueles vãos, verdadeiros farrapos humanos, alguns com pulsos e tornozelos atados por cintas de couro, inertes ou agitados, deitavam-se no piso, depois de tratamento com choques elétricos. Era o espaço dos classificados como loucos bravos.
Na lateral dessa área, isolado, via-se um pátio de verdes mangueiras, cajueiros e palmeiras imperiais. Local sombreado, ventilado, com calçadas e bancos de cimento. Seria ambiente agradabilíssimo, não fosse o sofrimento das pessoas ali confinadas. Umas vagando, atabalhoadamente, sem objetivo. Outras, paradas em pé, sentadas nos bancos ou no chão, falando, gritando, chorando, rindo ou emudecidas. Algumas mais, com olhar de espanto ou de tristeza, em busca do nada no infinito. Ou, quem sabe, talvez da razão de suas desgraçadas vidas, perdidas na própria mente ou nas daqueles buscadores de suas curas ou alívios. Sofreguidão menor havia para eles, chamados loucos mansos, livres de impulsos energéticos. Semelhantes a autômatos ou zumbis, chegavam a ser levados, por um enfermeiro, para assistir missa na Capela do Asilo, igrejinha existente na esquina das avenidas João Pessoa e Carneiro de Mendonça, defronte ao antigo Bar Avião. Ao trafegar por ali, vivifico as tristes imagens assistidas durante as ações sociais encetadas, nos anos sessenta, pelo humanitário coronel João Olímpio Filho e um grupo de voluntários. E pergunto-me: onde e como são tratados os indigentes de hoje padecentes da trágica enfermidade? Existirá ainda o hediondo choque elétrico como terapêutica? "
Geraldo Duarte
(advogado, administrador e dicionarista)

Tudo teve início no dia 1º de março de 1886 quando o vice – provedor da Santa Casa de Misericórdia, o comendador Severiano Ribeiro da Cunha inaugurou o Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, o chamado “Asilo dos Alienados”. Logo após, Dr. Meton da França Alencar, nomeado o primeiro médico da instituição foi quem lutou ao lado das irmãs de caridade filhas de São Vicente para o hospital funcionar. Já no final dos anos 60, o provedor Miguel Gurgel do Amaral reformou totalmente o prédio, destruindo as celas e construindo enfermarias.
Desde então começava um novo tempo. O pontapé inicial era dado com a contratação de médicos, enfermeiros e assistentes sociais.
Na gestão do Coronel Lívio França, mudanças nos campos técnico e administrativo foram implementadas. Logo após, entre os anos 1997 – 2000, durante a administração do provedor General Torres de Melo, o Hospital São Vicente de Paulo iniciou uma nova revitalização intensificada. Hoje, 124 anos depois, o que antes era chamado de “Asilo dos Alienados” se transforma em Hospital São Vicente de Paulo. Tudo graças a união de 11 Psiquiatras, três Psicólogos, três Terapeutas Ocupacionais, três Assistentes Sociais e um Clínico Geral.
Também fazem parte da equipe uma Nutricionista e um Farmacêutico. Além de seis Enfermeiros e 36 Auxiliares de Enfermagem. Todos esses profissionais aliados a perseverança do Coronel Francisco José de Andrade Bomfim, atual Diretor Administrativo do hospital, fazem a mudança do conceito de psiquiatria na Parangaba.

O São Vicente de Paulo é composto por 140 leitos, divididos em 40 femininos e 80 masculinos.
Na instituição, os pacientes desfrutam de seis refeições diárias, tratamento clínico com diversos
profissionais ligados a área da saúde, brincadeiras e palestras. Além disso, eles participam também de exposições e diversas atividades, tendo suas obras expostas nas alas do hospital. “São pequenos gestos que nos movimentam”, declara Coronel Bomfim, falando de uma carta de agradecimento da família de uma ex-interna.

O São Vicente de Paulo faz parte de um grupo onde estão inclusos a Santa Casa, o Cemitério São João Batista e a Funerária de Fortaleza. Para o hospital, o futuro apresenta-se com boas perspectivas, pois aos 124 anos, renova e adequa-se mais uma vez às novas regras de modernos tratamentos interdisciplinares à portadores de transtornos mentais. Afinal, o São Vicente de Paulo, segue o que diz a lei 10.216 de 06 de abril de 2001: “o respeito, a cidadania e individualidade do paciente, visam a sua reinserção na comunidade e na família”.
Com o objetivo de proporcionar à sociedade mais opções de atendimento às demandas dos serviços de saúde, foi feito o aproveitamento do enorme potencial da área construída existente no hospital. Tudo se transformou no Centro de Tratamento Integrado Elisa Diogo Rodrigues (CTI Parangaba). São consultórios, clínicas e ambulatórios que oferecem à comunidade serviços médicos, complementares da área médica e dentários a preços populares.

Asilo de Alienados São Vicente de Paulo, no Ceará do Século XIX:

Segundo o atual Diretor do Hospital São Vicente de Paulo, Coronel Bonfim, em conversa informal realizada em 2005, o hospital passou por uma de suas maiores reformas estruturais durante o Regime Militar, com a perspectiva de ampliar e melhorar o atendimento ao paciente com sofrimento mental.
Tal reforma pode ter ocasionado, por sua vez, a destruição de documentos essenciais para reconstrução da historicidade do Hospital, no advento de sua inauguração e nas décadas posteriores, prejudicando na preservação de sua memória. Os prontuários, por exemplo, uma grande ferramenta para compreensão do perfil e do tipo de atendimento dado aos pacientes que
ingressavam no Hospital foram completamente destruídos. A ausência deste registro de memória se, por um lado dificulta a reconstrução de dada época, por outro, poderia ser problematizada a partir de sua própria destruição. Coincidência ou não, os Hospitais Psiquiátricos durante a década
de 1960 foram alvos de profundas críticas e denúncias de segmentos sociais em geral e médicos, especificamente, conhecido como a Reforma Anti-manicomial. Esta poderia ser uma das muitas hipóteses que justifica a ausência de documentos internos do Hospital.
Historiograficamente, tal situação provoca uma profunda lacuna na investigação porque dificulta a compreensão de quem eram os homens e mulheres considerados alienados no Ceará no Século XIX. Contudo, a prática historiográfica ensina que o exercício de garimpagem dos variados materiais documentais é realizado nas entrelinhas e nos cruzamentos de informações.
Este artigo propõe-se a reconstruir uma parte da História da Loucura no Ceará deste período através da inauguração do primeiro hospital voltado para a alienação, o Asilo de Alienado São Vicente de Paulo, como forma de responder às questões preliminares como: quem eram os indivíduos considerados alienados e quais interesses e relações de poder estiveram inserido o asilo de alienado.
Construído em 1886, o Asilo de Alienado São Vicente de Paulo atendeu a uma ampla demanda correspondente a toda a Província do Ceará. Localizado no distrito de Porangaba inicialmente denominado de Arronches, ele representava um lugar estratégico, pois o distrito representava uma ponte entre Fortaleza e o Sertão. A questão da espacialidade da construção do asilo torna-se uma problemática importante a ser destacada para analisarmos as redes de relações sociais da época.
Fortaleza, como capital da Província, concentrou desde sua colonização vários centros de poder, como o pelourinho, a cadeia pública, a câmara municipal. Todos eles estavam situados em um mesmo espaço, que corresponde o atual centro da cidade no raio de abrangência que compreende desde o cemitério São João Batista até aproximadamente a Praça Coração de Jesus e circunvizinhanças. Esta área é considerada pela historiografia o coração da cidade não só pelo sentido político-administrativo, mas pelas práticas cotidianas, tendo em vista a sociabilidade intensa de lazer e comércio exercida pela circulação de indivíduos de várias condições sociais. O que não significa dizer, entretanto, que aqueles de menor ou quase nenhuma situação financeira, fossem tolerados. Em períodos críticos vivenciados pela seca, eles representavam incômodo às elites, como ocorreu na seca de 1877-79.
A construção do Asilo de Alienados estava situada em outra perspectiva espacial. Localizada a 7 km e 200 metros ao sudoeste de Fortaleza, Arronches na década de 1870 ainda conservava traços culturais de uma aldeia indígena e era considerada distante de sede da Província. Através de narrativas de contemporâneos como a crônica de Antônio Bezerra e a poesia de Juvenal
Galeno, a localidade era destacada por seu ambiente agradável e bucólico destacando-se, neste cenário, a Lagoa de Parangaba.


Ainda na primeira metade da década de 1870, há registros sobre a necessidade da criação de um asilo para alienados. Em 1874, o Visconde de Cauhipe, pessoa de grande reputação entre seus pares, tendo exercido as funções como Tenente Coronel e Vice-Provedor da Santa Casa de Misericórdia, demonstrou interesse em construir um espaço destinado aos loucos depois de ter contemplado, errante e perseguida, andrajosa e faminta, uma pobre louca nas ruas desta cidade.
Para Guilherme Studart, o asilo de alienados foi produto de sua criação.
Surgia assim a ideia de construção de um local para abrigar loucos para a província o qual não era algo inovador ou extemporâneo à realidade nacional, tendo em vista que o primeiro asilo com tal finalidade já tinha se efetivado ainda na década de 1850, quando da construção do Hospital D. Pedro II. Ao contrário, se considerarmos que o asilo no Ceará apresentou uma grande distância
temporal, datada em sua inauguração de mais de 30 anos após a instalação do primeiro em território brasileiro, perceberemos um atraso na sua concretização. Antes da construção do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo, os loucos ficavam espalhados em outros espaços. Via de regra, em Fortaleza, quando não estavam vagando a esmo pelas ruas da cidade, estavam concentrados na Cadeia Pública ou na Santa Casa de Misericórdia. Desta forma, o perfil essencial do alienado no Ceará em fins de Século XIX era o indigente e o criminoso.
As fontes trabalhadas, sobretudo a dos jornais, cumprem em parte a função dos prontuários inexistentes que retratamos anteriormente, principalmente no que se refere ao público internado no asilo de alienados. Nesse sentido, O Libertador e O Cearense noticiaram pequenas notas em que demonstravam serem os indigentes e as pessoas em geral das classes menos favorecidas
que foram o público alvo do Asilo. A questão da alienação enquanto tema abordado nas fontes apresenta-se de maneira pontual e descontínua. Ela aparece diluída nos episódios cotidianos da cidade e da província, não se constituindo em um material volumoso ou permanente. Mesmo em épocas de flagelo em que a sociedade presenciou casos de situações limites podendo ser nomeada de alienação, a documentação ainda é residual. Contudo, foi através dos episódios da seca de 1877-79 a partir de seus efeitos de grande caos social que, não só o asilo tornou-se uma necessidade, como outras instituições com o mesmo perfil.

É bastante significativo observar que meses antes da inauguração do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo, não havia ainda sido contratado um médico alienista para dirigir o Asilo. Também é significativo analisar que o médico que cumpriu a função de diretor foi um clínico geral, não tendo uma formação ou especialização em Psiquiatria. Estes indícios permitem-nos analisar que os espaços de disputa de poderes observados por uma historiografia mais geral não se fazia presente da mesma forma no Ceará. Entretanto, não queremos afirmar que não houvesse um cenário de poderes no que se refere à tutelagem do louco no Ceará. Ele havia, mas estava situado em outra direção.
O Asilo de Alienados São Vicente de Paulo, desde sua inauguração até hoje, estava sob a administração direta da Santa Casa de Misericórdia. E com tal vinculação, ele atendeu a outras demandas e interesses sociais. Uma instituição com finalidade médica, como um Hospital Psiquiátrico, veiculada à outra instituição religiosa não era uma prática rara no Brasil. Ao contrário, o próprio Hospital de Alienados Dom Pedro I, no momento de sua inauguração e durante anos, pertenceu à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Entretanto, internamente, houve durante os últimos anos do fim do Império conflitos entre
dois segmentos: os médicos e as irmãs superioras, responsáveis pela administração nos quais os médicos reivindicavam a separação do Hospital da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Em um deles, o clima de tensão tornou-se mais evidente em 1882, quando o médico Nuno de Andrade foi demitido da direção do serviço sanitário do Hospício de Pedro II, por criticar o poder e as funções exercidas pelas irmãs de caridade, propondo ao hospital uma nova regulamentação. (ENGELS, 2001, p. 241).
No Ceará, não apenas não há registro de conflitos ou indisposições entre os poderes médicos e religiosos, como a Igreja Católica – através das Irmandades – possuía maior poder que a própria figura do médico. Numa perspectiva de identificarmos quais sujeitos ou agentes tornavam-se peças chaves quanto às responsabilidades pelo Asilo de Alienados São Vicente de Paulo poderíamos destacar a figura do Vice-Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza.
Foi o Capitão Manoel Francisco da Silva Albano, então Vice-Provedor, que em 1875, doou um terreno na estrada Empreitada de Arronches para a construção do edifício do Asilo de Alienados São Vicente de Paulo e que esteve na comissão cujo objetivo era examinar o andamento dos serviços de construção do asilo. Foi também o Vice-Provedor da Santa Casa de Misericórdia o responsável pelo ingresso de uma mulher considerada alienada naquela instituição. E no Relatório da Santa Casa, ele situou o vínculo estreito desempenhado pelos setores da igreja e da medicina na condução administrativa do Asilo São Vicente de Paulo quando fez menção à atuação das Congregações de São Vicente de Paulo que estavam inseridas no mesmo cenário filantrópico ocupado pelo asilo de alienados.
O Asilo de Alienados São Vicente de Paulo possuía uma ligação fundamentalmente dependente da ação exercida pela Religião Católica no Ceará, não somente porque sua administração esteve ligada à Santa Casa de Misericórdia como porque fez parte de um conjunto de práticas
assistencialistas e caritativas condizentes com as realizadas pelas Congregações ou Conferências Vicentinas, que surgiram na Província. Em Fortaleza, a primeira Conferência Vicentina datou de 1882. Mas, a cada ano o Barão de Studart noticiava (1896) a instauração de dezenas em todo o Ceará.
Confrarias e Irmandades foram estratégias utilizadas pela igreja e pelas elites políticas e religiosas da sociedade com o interesse de promover assistência e caridade aos pobres. Eduardo Campos, na obra 'As Irmandades Religiosas do Ceará Provincial', faz uma distinção entre as duas apontando que, enquanto as Irmandades preocupavam-se com questões relacionadas à construção de cemitério e/ou melhoramento de igrejas, as Confrarias atendiam mais a uma demanda de assistência aos menos favorecidos (CAMPOS, 1980, p.82).
As Conferências surgiram em grande medida no Ceará no momento em que Império e Igreja Católica enfrentavam a Questão Religiosa. Guilherme Studart, médico e católico atuante, foi um dos grandes responsáveis por seus surgimento e manutenção.
Numa perspectiva de contribuir para o fortalecimento de um ambiente católico e filantrópico do Ceará, o Barão de Studart atuou ativamente na fundação de dezenas de Congregações de São Vicente de Paulo, inclusive presidindo o Conselho Central da Sociedade Vicentina, no longo período correspondente entre 1889 a 1931. Um dos objetivos das Congregações Vicentinas foi a divulgação do ensino do catolicismo, auxiliando as vocações religiosas na província cearense. Nesse sentido, fundaram-se instituições como escolas primárias e bibliotecas e instituições de saúde. Mas, instituições voltadas para a saúde também foram um foco das Confrarias como podemos inserir o Asilo São Vicente de Paulo, freqüentemente nomeadas de obras pias.
Barão de Studart tornou-se uma figura emblemática na relação entre religião e medicina, conciliando suas atividades médicas e cristãs. Então estudante da Faculdade de Medicina na Bahia, em fins dos anos 1870, Guilherme de Studart participou da criação de uma sociedade vicentina em Salvador. Finalizando seus estudos e voltando para o Ceará, empenhou-se na
fundação de dezenas de Congregações Vicentinas (AMARAL, 2002, p. 22).

Além da fundação das Sociedades Vicentinas, o Barão de Studart criou e presidiu o Círculo Católico de Fortaleza. (BARREIRA, 1956; PAIVA, 1956; AMARAL, 2002).
Como médico, presidiu a Ordem Médica Brasileira na Seção Ceará, em 1902. Antes disso, em fins dos anos 1870, após receber o título de doutor, Studart voltou a Fortaleza e exerceu a função de médico durante a seca de 1877-79, atuando contra os quadros alarmantes da epidemia de varíola. Com o término da seca, esteve presente no ato de solenidade de inauguração e foi um dos colaboradores do asilo para alienados.

Asilo de Parangaba, hoje denominado Hospital São Vicente

O hospital mantém ainda viva sua missão de receber pacientes com problemas psíquicos. O psiquiatra Anchieta Maciel afirma que a unidade hospitalar era, no século XIX até meados do século XX, a única que atendia a pobres e desvalidos, apesar das limitações médicas e terapêuticas da época. No entanto, conseguiu acompanhar a modernidade, adotando o que há de mais apropriado para o tratamento das doenças da mente.
1886 é o ano de fundação do Hospital São Vicente, antigo Asilo de Parangaba. A instituição é mantida pela Irmandade Beneficente da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza.

Um pouco sobre o bairro Parangaba:

Missão dos Jesuítas

O bairro era a antiga aldeia indígena catequizada pelos jesuítas da Companhia de Jesus. Foi elevada à condição de vila no anos de 1759, com o nome de Arroches. Foi incorporada à Fortaleza pela lei nº 2, de 13 de maio de 1835; depois foi restaurado município pela lei nº 2.097, de 25 de novembro em 1885, com o nome de Porangaba; e finalmente foi incorporado à Fortaleza pela lei nº 1.913, de 31 de outubro 1921. No século XVIII, o antigo Arroches se destacava como ponto intermediário no transporte de gado, com a Estrada do Barro Vermelho-Parangaba, estrada que ligava o Barro Vermelho (Antônio Bezerra) à Parangaba; e a Estrada da Paranjana, que ligava Messejana à Parangaba. Com a construção da Estrada de Ferro de Baturité, uma estação de trem é instalada em 1873, e Parangaba estava ligada com a Capital. Durante o último período como município, chegou a ter sua própria linha de bonde, entre os anos de 1894 e 1918. Em 1941, a malha ferroviária de Parangaba foi expandida com direção ao Mucuripe, e, em 1944, o nome da estação foi alterada para Parangaba. Essa estação, nos dias de hoje, faz parte do Metrô de Fortaleza. Uma estação elevada está sendo construída pelo Metrofor.

Benefícios e desvantagens do lugar para os seus moradores:

"É um privilégio morar em Parangaba, embora tenha sido negligenciado pelo poder público, como é o caso da limpeza"
Aurélio Alves
41 ANOS
Compositor

"Aqui, contamos com quase tudo, mas a insegurança nos causa medo e inibe as pessoas na procura por espaços públicos"
Jeová Pedra
80 ANOS
Aposentado

"Os assaltos têm sido constantes, inclusive na igreja. Por isso, chegamos a mudar horários de algumas missas"
Teresinha de Jesus Lopes
50 ANOS
Secretária


Créditos: Informativo do 17º Juizado Especial de Justiça - Ano III Nº 7 - Março de 2005, Cláudia Freitas de Oliveira (Doutorada em História pela Universidade Federal de Pernambuco e membro do Instituto Praservare) , Carlos Alberto Cunha Miranda (Professor da Universidade Federal de Pernambuco) e Diário do Nordeste

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Raimundo Girão



O Prefeito de Fortaleza Raimundo Girão (1933)

Raimundo Girão, Filho de Luís Carneiro de Sousa Girão e Celina Cavalcanti, nasceu na fazenda Palestina, do Município de Morada Nova, perto três quilômetros da cidade sede municipal, no dia 3 de outubro de 1900, uma quarta feira.

Os pais de Raimundo Girão

Aos cinco anos de idade, com os pais, mudou se para Maranguape, cidade em que permaneceu até 1913 e teve a oportunidade de fazer os primeiros estudos frequentando a escola pública dirigida pela professora Ana de Oliveira Cabral (D. Naninha) e o colégio particular do prof. Henrique Chaves. Em novembro de 1913, transferiu se para Fortaleza, passando a frequentar o colégio Colombo, do prof. Manuel Leiria de Andrade, e em seguida matriculou se no Liceu do Ceará, no qual tirou os necessários preparatórios (1919). No ano seguinte, matriculou se na Faculdade de Direito do Ceará, cujo curso terminou, colando grau de Bacharel no dia 8 de dezembro de 1924. Nessa mesma faculdade, doutorou se em 1936, sendo aluno laureado. Advogado nos auditórios do Estado, quando em 1932 é chamado para exercer as funções do cargo de Secretário Geral da Prefeitura de Fortaleza (Secretaria Única) para a 14 de dezembro desse ano receber a nomeação de Prefeito Municipal interino. Efetivou se no cargo no dia 19 de abril de 1933 e o exerceu até 5 de setembro de 1934, dedicando todos os seus empenhos e experiências aos interesses administrativos da Capital cearense.

O casal Raimundo Girão e Marizot, em 1930

No ano seguinte, por ato governamental de 21 de setembro, foi nomeado sem que o pleiteasse, Ministro do Tribunal de Contas do Ceará, criado pelo Dec. n° 124, do dia 20, anterior, do Governador Francisco Menezes Pimentel. Nesse governo, foi distinguido com várias e importantes Comisssões, inclusive a Comissão que representou o Ceará nas Conferências de Assuntos Econômicos e Fazendários, a primeira reunida no Rio de Janeiro (1940) e a segunda em Salvador (Bahia, 1940). Outra Comissão, de alta significação, de que fez parte foi a encarregada de elaborar o Projeto de Estatuto dos Funcionários do Estado (1942). Nomeado em 2 de março de 1946 Livre Docente da Faculdade de Ciências Econômicas do Ceará, na Cadeira de Estudos Comparados das Doutrinas Econômicas. Em 1949, como representante do Estado do Ceará e do Instituto do Ceará (para o qual entrara como Sócio Efetivo em 1941 e do qual foi Presidente de Honra e recebeu, post mortem, o titulo de Sócio Benemérito), participou do I Congresso Histórico do Estado da Bahia, comemorativo do 4° Centenário de Fundação da Cidade de Salvador, realizado nos dias 18 a 30 de março.

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O casal Raimundo Girão e Marizot em Paris, 1968 

Quando Prefeito Municipal (1933 34) teve a oportunidade de concorrer para a instalação do primeiro Club de Rotary do Ceará, a que por duas vezes presidiu. De caráter rotário, tomou parte, além de outras, da Comissão Distrital de Manaus (1951), demorando se algum tempo na Amazônia para sentir melhor as belezas da Hiléia. Duas vezes mais esteve naquela maravilhosa região. Em 1952, é nomeado presidente do Conselho Penitenciário do Ceará, ao qual já servira como Conselheiro desde 1935. Foi Mordomo da Santa Casa de Fortaleza. Com o prof. Mozart Soriano Aderaldo participou do congresso comemorativo do Tricentenário da Restauração Pernambucana, realizado no Recife em julho de 1954. Foi um dos fundadores e primeiro Diretor da Escola de Administração do Ceará. Nomeado em 9 de janeiro de 1960 Secretário Municipal de Urbanismo, de cuja Pasta foi o primeiro titular, pois foi ela criada por sugestão sua. Nomeado, por Ato de 3 de outubro desse ano, recebeu a nomeação como primeiro titular da Secretaria de Cultura do Ceará (1966 71), pasta criada com o desdobramento (a primeira no Brasil) da anterior Secretaria de Educação e Cultura, em consequência de trabalho seu, constante e cuidadoso, adotado pelo Governo do Estado. Presidiu a Academia Cearense de Letras, no biênio 1957/58, na qual ocupava a Cadeira n° 21 de que é Patrono José de Alencar. Em 1985 foi aclamado "Presidente de Honra" e, posteriormente, eleito sócio efetivo da Sociedade Cearense de Geografia e História, tendo ocupado a Cadeira de n° 22, patroneada pelo romancista Franklin Távora.

O casal Raimundo Girão e Marizot, em 1986


Recebeu Raimundo Girão em vida, e mesmo in memoriam um grande número de honrarias, representadas por medalhas, troféus, títulos honoríficos e outras condecorações. A sua bibliografia é alentada: legou-nos 54 títulos entre livros e plaquetas, além de ter organizado 12 volumes de variados assuntos. Prefaciou 19 livros de terceiros. Sua colaboração em periódicos – jornais e revistas- alcançou a quase cinco dezenas, entre artigos, crônicas e entrevistas.

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Raimundo Girão, Marizot e os 10 filhos 

Em enquete promovida pela TV Cidade, de Fortaleza, no ano de l987, foi consagrado como um dos vinte maiores cearenses de todos os tempos.

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Raimundo Girão, o Prefeito, é o terceiro em pé da esquerda para a direita em foto com o Interventor Carneiro de Mendonça e seus auxiliares 


Faleceu em 24 de julho de 1988, nesta Capital. Em 1991, o Prefeito Juraci Magalhães, por decreto, prestou lhe expressiva homenagem, mudando a denominação da Avenida Aquidabã para Avenida Historiador Raimundo Girão. Casou se pela primeira vez corn Maria Monteiro de Lima, que veio a falecer em 19.11.1925, sem filhos. Era filha de Manuel Gonçalves de Lima e Maria do Carmo Monteiro. O segundo casamento deu se em 27.11.1926 com Maria Gaspar Brasil (Marizot), nascida em 18.03.1910, em Fortaleza, filha de Prudente do Nascimento Brasil e Inês de Moura Gaspar. Do casal nasceram dez filhos, que se multiplicaram em trinta e um netos e quarenta bisnetos.


Sociedades científicas, literárias e culturais a que pertenceu:



  1. ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS. Sócio efetivo e presidente no biênio 1957/58.
  2. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO CEARÁ. Sócio efetivo, Presidente de Honra e Sócio Benemérito, título este recebido post mortem.
  3. INSTITUTO CULTURAL DO CARIRI. Sócio Correspondente.
  4. INSTITUTO HISTÓRICO DE IGARAÇU (RS). Sócio Correspondente.
  5. INSTITUTO HISTÓRICO DE NITERÓI. Sócio Correspondente
  6. INSTITUTO HISTÓRICO DE OEIRAS (PI). Sócio Correspondente
  7. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS. Sócio Correspondente.
  8. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO. Sócio Correspondente.
  9. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE. Sócio Correspondente.
  10. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO SUL. Sócio Correspondente.
  11. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SERGIPE. Sócio Correspondente
  12. ASSOCIAÇÃO CEARENSE DE IMPRENSA. Sócio Efetivo.
  13. INSTITUTO CEARENSE DE GENEALOGIA. Sócio Efetivo.
  14. INSTITUTO GENEALÓGICO DO BRASIL Sócio Efetivo.
  15. SOCIEDADE CEARENSE DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA. Sócio Efetivo e Presidente de Honra
  16. INSTITUTO DO MUSEU JAGUARIBANO. Sócio Fundador.
  17. ACADEMIA SOBRALENSE DE ESTUDOS E LETRAS. Sócio Honorário.
  18. CENTRO DE DESENVOLVIMENTO EMPRESARIAL DO CEARÁ. Sócio Honorário.
  19. INSTITUTO CULTURAL DO VALE CARIRIENSE. Sócio Honorário.
  20. LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA. Diplomas (2) pelos relevantes Serviços prestados a causa da Maternidade, Infância e Adolescência do Brasil.
  21. SECRETARIA DA CULTURA E DESPORTO DO CEARÁ. Diploma de Amigo da Cultura.
  22. INSTITUTO MARIA IMACULADA DE PACOTI. Diploma de Honra do Mérito.
  23. SOCIEDADE MUSICAL HENRIQUE JORGE. Patrono Benemérito.
  24. ACADEMIA AMAZONENSE DE LETRAS. Sócio Correspondente.
  25. SOCIEDADE CAPISTRANO DE ABREU. Sócio Correspondente.
  26. INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE PERNAMBUCO. Sócio Correspondente.
  27. ACADEMIA LIMOEIRENSE DE LETRAS. Patrono da Cadeira nº 25
  28. ACADEMIA MORADANOVENSE DE HISTÓRIA E LETRAS. Patrono
  29. ACADEMIA CARIOCA DE LETRAS. Sócio Honorário.
  30. ACADEMIA CEARENSE DE CIÊNCIAS, LETRAS E ARTES DO RIO DE JANEIRO. Sócio Honorário.
  31. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (Rio de Janeiro). Sócio Correspondente
  32. INSTITUTO DOS ADVOGADOS DO CEARÁ. Sócio Efetivo, título recebido post mortem.
  33. ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DO CEARÁ (ALACE) Patrono da Cadeira nº 21
  34. ACADEMIA DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO CEARÁ. Patrono.
  35. COMISSÃO NACIONAL DE HISTÓRIA (Rio de janeiro). Conselheiro
  36. INSTITUTO DO NORDESTE (Fortaleza-Ce). Sócio Efetivo.
  37. ROTARY CLUB DE FORTALEZA. Sócio e Fundador.
  38. ROTARY CLUB DE FORTALEZA - PRAIA. Presidente Honorário - Biênio 1987-1988).
  39. ASSOCIAÇÃO CULTURAL FRANCO-BRASILEIRA.Presidente.
  40. CENTRO JUAZEIRENSE DE CULTURA. Sócio Honorário.
  41. ASSOCIAÇÃO DOS VAQUEIROS E CRIADORES DE MORADA MOVA. Patrono.
  42. SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA AOS CEGOS DO CEARÁ. Sócio Benemérito.

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Raimundo Girão - o Doutor em Direito (1937)

Raimundo Girão e a bandeira do Ceará

Raimundo Girão (1987)

Os Braços de Meu Pai

Por Raimundo Girão

"Vi-os sobre o seu corpo no caixão funéreo. Nunca os vira assim imóveis, inertes, impo tentes. Faz dez anos, hoje.
Os braços que ali estavam não eram mais os braços de meu pai, antes nem um só momento repousantes, quedos, em descanso. Sempre os vira em movimento, como que esgrimindo e na verdade lutando, construindo na ânsia de trabalhar, no insofrido, impaciente, incontido desejo de não parar.
Nas madrugadas aurorais do sertão já estavam a mover-se empenhados nas labutas suarentas do campo, que ele era do sertão, fundamente campônio, integrando-se no amanho difícil da terra e no pastoreio perigoso dos gados nas caatingas. E os dias todos, as horas todas, os minutos todos, aqueles braços másculos não cessavam de agitar-se como braços de guerreiros lendários em duelos renhidos.
Mas as maldades da politicagem forçaram-no a emigrar de lá, de sua fazenda, do seu chão nativo, do seu rio decantado - o Banabuiú de Morada Nova, "Deus magnífico, protetor das plantas e dos animais, bendito pelas estrelas nas alturas, e a quem, na imponente nave da terra, os ventos entoam exaltações, vibrando, festivos e farfalhantes, nos vastos carnaubais", - e o trouxeram para outro cenário todo diverso, o da serra, em Maranguape, o cenário alto de um sítio ali, no mais alto da montanha, adquirido quase em abandono, o mato tomando conta de tudo. E ei-lo com os seus braços, eis os braços de meu pai a por as coisas em febril apresto para a transformação produtiva - as laranjeiras carcomidas mudadas em laranjais, pomosos, os velhos cafeeiros, agora, feitos cafezais em flor, os roçados sáfaros estuando em bananais abundantes.
E os braços não tinham sossego, de manhã até noite, fazendo, refazendo e plantando e regando podando e colhendo, ajudados pelos meus doze anos a os dez do Raul, anos de recordações já distantes, ajustados nós ambos por força do exemplo e da necessidade ao ritmo de trabalho daqueles braços. Dobravam os nossos ombros de menino o peso dos fardos de frutas e ao da gravidade, puxando para baixo, nas ladeiras íngremes, desde que o sol se anunciava, rasgando o nevoeiro denso e aliviando um tanto o frio da serra, dilacerantemente frio, e até que resolvia esconder-se, tarde triste, nas quebradas do poente, onde reboavam os retinidos metálicos das minúsculas arapongas, como que saídos da bigorna de ferreiros coléricos e invisíveis.
E os braços de meu pai refizeram o desgosto da saudade do sertão, da pobreza com que o exílio o feriu. Recuperaram o sítio, refizeram o pão de cada dia, refizeram a roupa da família, amenizaram os sacrifícios de minha mãe, na solicitude de cada instante, maternalmente santa no auxílio que nos dava, resignada e forrada de ânimo, fabricando doces e bolinhos que vendia vintém a vintém, para jogar no mealheiro das despesas a sua admirável, sagrada contribuição.
Depois, veio o Sousa para a Capital, atraído por mão amiga, para os misteres de uma escrivania do foro, que encontrou em desmantelo e desordenado atraso, tal como o sítio da serra. E os braços de meu pai transplantaram-se para nova lida diferente, toda outra, e consertaram o cartório e deram marcha aos processos, garantiram a confiança das partes, conquistaram a estima dos magistrados - os sacerdotes daquele buliçoso templo da Justiça.
Não estancaram de um segundo sequer aqueles braços de coragem e de fé, escrevendo com letra firme e cheia de tinta e dignidade, as peças processuais, as certidões, os mandados, os depoimentos e - o que ele fazia com maior contentamento - os alvarás de soltura de culpados que a ignorância e a crueldade da sorte haviam empurrado às desgraças e agruras das prisões.
E o Sousa Girão fez-se o serviçal do templo, multiplicando favores a dando asos à sua bondade desafetada, à sua obsequiosidade que não pretendia volta, nem uma vez negando ou se excusando, antes sempre compreensiva, indulgente,tolerante para quantos a solicitavam - advogados, juizes, litigantes e réus, misturados no afã das defesas a das acusações, dos despachos e das sentenças.
Durante mais de trinta anos praticou o bem e foi útil, servindo com desinteresse, dando de si cordial e satisfeito, espontâneo e simples, na sua função pública e nos deveres do seu CONSULADO de mil providências em benefício de parentes e estranhos, sempre com os seus braços que os meus olhos fitavam agora sobre o corpo, sobre o peito com um coração sem sangue a sem calor, não mais a pulsar, como tanto pulsara dantes, pelos bons intentos, pelas probas atitudes sem qualquer mácula de ódio ou malquerença.
A morte prostrara os braços vigorosos de meu pai naquele silencioso adormecimento, que a dor dos filhos e da segunda esposa haviam enfeitado de flores, e nunca mais havia de ver fortes, diligentes, lestos, operantes, paternais, acolhedores, nunca mais havia eu de os ver fazendo, desfazendo, refazendo.
Os braços de meu pai não eram mais os braços de meu pai."

Pompeu Sobrinho e Raimundo Girão nos 80 anos do Instituto do Ceará

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Na redação do O Povo. Visita de Gustavo Barroso em companhia de Raimundo Girão e do seu primo Dr. Valdir Liebmann, recebidos pelo jornalista J. C. de Alencar Araripe 

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Raimundo Girão , Luís da Câmara Cascudo e outras personalidades na UFC 

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No Restaurante Lido com amigos e colaboradores da Secretaria de Cultura: Rui Guédis, João Ramos, Carlos Studart Filho, Mozart Soriano Aderaldo, Raimundo Girão e José Aurélio Câmara (1970) 

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Membros do Tribunal de Contas do Ceará: Brasil Pinheiro, Paulo Avelar Rocha, Raimundo Girão, Antônio Coelho de Albuquerque (Presidente) Dário Correia Lima e Eduardo Ellery Barreira (1956) 

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Academia Cearense de Letras 

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Raimundo Girão discursando no Instituto do Ceará 

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Raimundo Girão como Secretário de Educação (Governo Franklin Chaves) 

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Mozart Soriano Aderaldo (Secretário de Educação), Gal. Humberto Ellery (Vice-governador), Raimundo Girão (Secretario de Cultura) e o Governado Plácido Aderaldo Castelo

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Instalação da Biblioteca Pública do Estado, em prédio à praça Cristo Redentor. Renato Braga, Cel. Teles Pinheiro, Raimundo Girão,Parsifal Barroso, José Lins de Albuquerque

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Governador Plácido Castelo e o Secretário de Cultura Raimundo Girão. Na instalação da 1ª Secretaria de Cultura do Brasil

Uma de suas últimas fotos

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Raimundo Girão com o Reitor Antônio Martins Filho


"Afinal realizei-me. Sei que não existi; vivi. Vivi sabendo não ser coisa vã o viver como superior e essencial função do homem, não só biologicamente e sim também espiritualmente, moralmente.A vida biológica é autônoma, ele não a faz. A espiritual e a moral ele se ajuda a construir , pois que não as constrói sozinho, sem a influência arbitrária e multitentacular do meio social que a rodeia. Mas de qualquer modo terá na face os vincos das canseiras para - e este o seu verdadeiro destino - tornar digna a sua qualidade humana, conseguindo pouco às vezes, às vezes completando-se. Para que não seja tão só um número estatístico."

Raimundo Girão

Depoimentos Sobre Raimundo Girão:

Antônio Martins Filho

"O Meu Amigo Girão: as Origens do Nosso Relacionamento"
"Raimundo Girão, considerado um dos 20 dos maiores cearenses de todos tempos foi, acima de tudo, imperecível patrimônio para o Ceará e, particularmente, para esta cidade de Fortaleza - A Princesa Vestida de Baile - que ele tanto amou". Quando o visitei pela última vez, esse meu irmão espiritual e duplamente compadre pediu os óculos para fixar bem a minha fisionomia. E num gesto simbólico de aperto de mãos, com uma lucidez extraordinária, transmitiu sua derradeira mensagem: SEMPRE AMIGOS! Aquelas duas palavras me emocionaram profundamente e, durante o retalho de vida que o destino ainda me conceder, delas jamais esquecerei." (D.O. Letras Ano III nº 12 julho/setembro de 1988).
Barros Alves
"Adeus ao Mestre Raimundo Girão"
"Raimundo Girão morreu aos 87 anos deixando um vazio a todos nós. Principalmente naqueles que o conheciam e privaram de sua amizade, ouvira seus ensinamentos. Mas não nos esqueçamos que Girão é imortal . Não apenas pelo fato formal de pertencer a uma Academia de Letras, mas sobretudo porque sua obra é imorredoura. Pelo menos eu o terei sempre comigo e com ele deverei conversar ainda por muitos anos. Sempre a consultar suas inestimáveis obras é claro. Paz eterna para o mestre e amigo Raimundo Girão". (Tribuna do Ceará, ed. de 29.07.1988).
Eduardo Bezerra Neto
"Raimundo Girão - um Homem Bom"
"A saudade é sentimento humano legítimo. Mas há por outro lado, a compensar, a fé na imortalidade da alma, tal como a mensagem cristã anuncia. Neste sentido, a presença imaterial do mestre Raimundo Girão é um fato". (Tribuna do Ceará, ed. de 08.08.1988).
Eduardo Campos
"Raimundo Girão e o Ceará"
"Perde o Ceará, indiscutivelmente, uma das figuras mais respeitáveis da sua vida cultural. Raimundo Girão escreveu história com a capacidade só dada a conhecer aos privilegiados da arte de contar. Contar com desejável criatividade". (Diário do Nordeste ed. de 28.07.1988).
Moreira Campos
"Porte de Academia"
"Um polígrafo, portanto, com vocação de origem pela história, como já assinalei. Bem sei que ainda acalentava projetos, não obstante a idade de oitenta e sete anos com que morreu, tal a sua fortaleza de espírito". Pranteio aqui o homem de letras e o amigo leal, homem empreendedor, lúcido que sempre foi. Uma grande perda para os valores maiores da nossa terra e uma saudade a mais para todos nós". (O Povo, ed. de 13.08.1988).
Mozart Soriano Aderaldo
"Ele era um Homem Poliédrico"
"[...] Sua bagagem intelectual é das mais volumosas e valiosas. Destaco aqui as de minha especial preferência, como a sua apenas no nome "Pequena História do Ceará"; a publicação "O Ceará", em colaboração com Antônio Martins Filho; as monografias que escreveu sobre a nossa cidade, especialmente a "Geografia Estética de Fortaleza"; suas deliciosas memória sob o sugestivo título de "Palestina (a "fazenda" onde nasceu), uma Agulha e as Saudades" ; sua magnífica pesquisa sobre "A Abolição no Ceará"; "História da Faculdade de Direito de o Ceará"; seu "Dicionário da Literatura Cearense"; em colaboração com Maria da Conceição Sousa e finalmente a sua pioneira "História Econômica do Ceará". A relação é indiscutivelmente incompleta e outros salientariam diversas publicações de sua lavra que aqui não foram referidas. . Explico novamente: questão de inclinação pessoal.
Foi desse estofo o homem que o Ceará perdeu há pouco, deixando uma lacuna impreenchível no mundo cultural e associativo de nossa terra. E é sobre sua tumba que deposito as flores da minha saudade". (Tribuna do Ceará, ed. de 06.08.1988).

Lúcio Alcântara (Deputado Federal Constituinte)
Excerto do discurso pronunciado na ANC
"Cumpro o doloroso dever de participar à esta Casa o falecimento do professor e historiador Raimundo Girão falecido ontem em Fortaleza depois de uma longa vida dedicada à cultura e à história do Ceará.
Membro da Academia Cearense de Letras, do Instituto Histórico do Ceará, foi o inspirador da criação, no governo de Plácido Castelo, e primeiro titular, da Secretaria de Cultura do Estado. Deixou numerosos livros, sobretudo sobre temas cearenses aos quais dedicou invulgar eficiência. Foi ainda prefeito de Fortaleza. [...] Trata-se sem dúvida de um grande desfalque para a cultura cearense o seu desaparecimento. Conforta saber que seus trabalhos irão permanecer como símbolo de tenacidade de um homem voltado para as coisas do espírito com grande contribuição ao desenvolvimento cultural do Ceará. Ficará também em nossa lembrança o cidadão exemplar e o chefe de família bem constituída a que pedimos seja comunicada do voto de pesar da Assembléia Nacional Constituinte, pelo seu falecimento". (Sessão da Assembléia Nacional Constituinte, de 25.07.1988)".


Crédito: Site Oficial

domingo, 25 de julho de 2010

Cajueiro da Mentira ou cajueiro botador


O Cajueiro Da Mentira ou Cajueiro Botador ficava na Praça do Ferreira do lado da Rua Floriano Peixoto, aproximadamente entre a 
delegacia de Polícia (hoje o Palacete Ceará) e a telefônica (hoje Livraria Alaor), por trás da parte urbanizada em 1902 por Guilherme Rocha, onde ficava o Jardim Sete de Setembro.
A foto mais antiga, que data aproximadamente de 1907, traz um dos momentos de reunião dos habitues da Praça do Ferreira que no Cajueiro da Mentira ou Cajueiro Botador, contavam suas histórias, seus "causos", seus contos, enfim, dão vazão a seus espíritos criativos.
Todos os dias 1º de abril à sombra do "Cajueiro Botador" havia uma sessão de mentiras e em seguida a eleição do melhor dos mentirosos, tudo feito festivamente, com urna pendurada no tronco da árvore, tudo enfeitado de bandeirinhas de papel colorido, fogos a valer, música tocada por parte de alguma banda da polícia ou de outra corporação. A bebida não faltava e o café mais próximo ao cajueiro era o Café Java, que no dia tinha cerveja à vontade.
À noite o nome do vitorioso era colocado escrito em placa no tronco do cajueiro, sendo na hora homenageado com discursos, aplausos, risos, palmas, mas havia os que não gostavam da brincadeira e apupavam.
A brincadeira, de acordo com Raimundo Girão, iniciou-se em 1904, sendo iniciada por Álvaro Weyne, Antônio Martins, Henrique Cals, José Raimundo Costa, Porfírio da Costa Ribeiro, todos comerciantes na Rua Floriano Peixoto em frente à Praça do Ferreira. Outros elementos engrossaram a fila dos "mentirosos", todos ilustres, como Amâncio Cavalcante, Leonardo Mota, Eurico Pinto, Gérson Faria, William Peter Bernard, Ramos Cotoco, Chamarion, Carlos Severo, Gilberto Câmara, Quintino Cunha, o Rochinha da farmácia e o Pilombeta, conforme nos diz Otacílio de Azevedo em seu "Fortaleza descalça".
Em 1920 a praça foi reformada, na gestão do prefeito Godofredo Maciel e foram banidos os quiosques dos cafés e também o "cajueiro botador", assim chamado por dar frutos o ano inteiro.
A segunda foto, batida por Nirez, é do mesmo local quando da existência da praça feita na gestão do prefeito José Valter Cavalcante.
No local existe hoje uma placa que diz: "Neste local existiu um frondoso cajueiro que por frutificar o ano todo era apelidado "Cajueiro Botador", ou por se realizarem, sob sua copa, cada 1º de abril as eleições para o maior "potoqueiro" do Ceará, era também chamado de "cajueiro da mentira". Abatido, em 1920, com a reforma do logradouro, então realizada, foi em sua memória plantado um novo cajueiro, quando da restauração da praça, na administração Juraci Magalhães. Só que o cajueiro ali plantado há muito morreu e não foi plantado outro, restando apenas a placa. Será mais uma mentira do cajueiro?
Fonte: Portal do Ceará/Arquivo Nirez

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