Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



sábado, 9 de fevereiro de 2013

Náutico e o Carnaval da Saudade - 46 Anos


O Carnaval da Saudade é o grande presente do Náutico Atlético Cearense ao folião alencarino e todos que visitam Fortaleza no Reinado de Momo*. É a alegria maior da cidade. A folia saudável. O (re) encontro de gerações. A segurança garantida e a animação da inconfundível orquestra carnavalesca “Brasas 6”.

Sucesso absoluto do IV Baile da Saudade - Arquivo Ivan Gondim

IV Baile da Saudade - Arquivo Ivan Gondim

"Idealizado por mim com a valiosa colaboração do companheiro de Diretoria Hariberto Xavier Onofre, o Carnaval da Saudade foi realizado pela primeira vez em 17 de fevereiro de 1968. Grande sucesso que, no decorrer dos anos, ganhou a aceitação da sociedade cearense, embora seja uma primazia da família “alviverde”.

Uma festa realmente surpreendente, sob todos os aspectos, considerando-se o grande número de sócios participantes, a preservação cultural do cancioneiro popular, a beleza da decoração e, finalmente, o desempenho da orquestra executando um roteiro musical de grande animação, contagiando todas as idades.

... Sinto-me feliz e realizado, certo de que nossa ideia e o nosso trabalho dedicados desinteressadamente ao Náutico... desde a saudosa Praia Formosa, não foi em vão, continua válido e prosperando."

Palavras de Helano Studart Montenegro – Criador do Carnaval da Saudade

I Carnaval da Saudade - 1968

"Quando o nosso querido e ilustre sócio, Helano Studart Montenegro, idealizou, planejou e juntamente com a diretoria de 1968 realizaram em 17 de fevereiro o primeiro Carnaval da Saudade, a grandiosidade do evento foi definido pelo próprio idealizador, como: “Uma festa realmente surpreendente, sob todos os aspectos, considerando-se o grande número de sócios participantes, a preservação cultural do cancioneiro popular”... Acrescento que a aprovação e participação dos eventos subsequentes extrapolaram aos nautiquinos contaminando a sociedade cearense e inclusive com a participação de foliões de outros estados"  João Otávio Lobo Neto

Em 17 de fevereiro de 1968, sábado magro, acontece o I Carnaval da Saudade, no Náutico Atlético Cearense, com o tema "De Zé Pereira a Zé Keti", com roteiro musical elaborado pelo pesquisador Christiano Câmara.

É hora de juntar a turma, combinar a fantasia, separar o confete e serpetina, fazer um bloco e se preparar para a diversão que toma conta dos salões do Náutico Atlético Cearense. Com a ideia de preservar os antigos carnavais, o clube realiza hoje o seu tradicional Carnaval da Saudade.

II Carnaval da Saudade - 1969
Arquivo João Otávio Lobo Neto

Capa do roteiro de músicas - Arquivo João Otávio Lobo Neto

“É uma festa animada, com amigos fazendo blocos, levando estandartes, num clima de brincadeira saudável e familiar”, garante Joaquim Guedes Neto.

O Carnaval da Saudade, que já faz parte da história da cidade, teve sua primeira edição em 1968, conquistou a sociedade cearense, que passou a se reunir no Náutico para uma espécie de Abertura Oficial do Carnaval a cada ano. 

Capa do livreto do III Carnaval da Saudade: Nirez
Arquivo João Otávio Lobo Neto

Carnaval da Saudade de 1970 - Arquivo João Otávio Lobo Neto

Cheio de tradição e história, o Carnaval da Saudade vem mantendo a proposta de relembrar o som e o clima dos antigos carnavais. Por isso o repertório é formado por marchinhas, frevo, samba, marcha-rancho e outros ritmos que marcaram os salões. 

Capa do roteiro de músicas do IV Carnaval da Saudade - 1971
Arquivo Diário do Nordeste

E quando se fala em tradição, é tradição mesmo. Ideias que foram dando certo ao longo dos anos, foram virando marcas registradas da festa. Uma das mais conhecidas é um livrinho que é distribuído a todos os foliões contendo a ordem e as letras de todas as canções que vão ser tocadas na noite.

Arquivo Diário do Nordeste

Arquivo Diário do Nordeste

Alguns desses livrinhos. Carnaval da saudade de 1976-1979
 Arquivo João Otávio Lobo Neto

"Sempre tem um bebo pedindo pra tocar alguma música. Com o livrinho, ele já sabe quando vai tocar a que ele quer”, explica Ary Araripe (ex-presidente do clube)
Outra marca é que a banda começa com o Zé Pereira (considerada uma das primeiras canções carnavalescas do Brasil) e encerra com Está Chegando a Hora (Rubens Campos).

Animado Carnaval da saudade do Náutico - Arquivo João Otávio Lobo Neto

O maestro Zé Maria, da Orquestra Brasas Seis, é músico autodidata e lapidou seu conhecimento no curso de Música da Universidade Estadual do Ceará, o tecladista de 70 anos está há 13 no Baile da Saudade e não pensa em largar sua banda. “Cansa, mas nós... já estamos acostumados. Nosso descanso é na hora das músicas mais lentas”.

Brasas Seis - acervo Keit Luna

Cansaço, inclusive, é uma palavra que também não faz parte do dicionário dos foliões do Náutico. O advogado Adriano Garcia, por exemplo, tem 80 anos e frequenta a festa desde sua primeira edição. “A animação é a mesma nesses anos todos. Hoje, vou com meus filhos netos e bisnetos”. Ele ainda conta que, antigamente, fazia parte da brincadeira deixar o baile já de manhã cedo para ir tomar banho de mar com fantasia e tudo. Embora essa parte não tenha resistido ao tempo e às mudanças da Beira Mar, hoje ele espera o dia amanhecer para aproveitar a carneirada oferecida pelo Náutico para os brincantes mais resistentes.

Carnaval da Saudade de 2005

"A marcha Zé Pereira de 1870, apresentada pelo sapateiro português da Rua São José ao também ruidoso número francês do antigo Alcazar, Francisco Correia Vasques arranjou uma cena cômica que intitulou de Zé Pereira Carnavalesco e montou-a então pela Companhia Jacinto Heller. Era um pequeno ato com a pretensão única de comicidade, sem qualquer outro destaque que não o de apresentar a melodia excitante para a qual o cômico brasileiro escrevera uns versos que, no ano seguinte com a designação de "poesia" seria incluída com o titulo de Viva o Zé Pereira na coletânea Lira de Apolo, como consta da publicação da Biblioteca Nacional - Rio Musical - crônica de uma cidade (1965)" João Otávio Lobo Neto

XL Carnaval da saudade - 2007
Acervo Clóvis Acário Maciel

O Carnaval da Saudade, foi o legado mais importante que restou dos grandiosos bailes que aconteciam no clube antigamente. A tradicional Festa das Crianças, que possui mais de 50 anos, também é oriunda dos primeiros bailes carnavalescos. 

Em 12 de fevereiro de 1977, na festa Carnaval da Saudade, o Rei Momo Francisco José Torres de Sá e Benevides (Titico I e Único) é coroado juntamente com a Rainha do Carnaval de 1977, Heloísa Helena, recebendo das mãos do prefeito em exercício Manuel Sandoval Fernandes Bastos (Sandoval Bastos), a chave da Cidade.

No Carnaval da Saudade de 14 de fevereiro de 2004, são coroados o Rei Momo e a Rainha do Carnaval para 2004, Renato Fagundes Diógens Viana e Amanda Lopes Veloso.

XLI Carnaval da Saudade - 2008
Arquivo Diário do Nordeste

Chegando à sua 46ª edição, o Carnaval da Saudade do Náutico é um dos eventos mais tradicionais do Carnaval de Fortaleza. Com eleição de Rei Momo e Rainha do Carnaval e o repertório tradicional dos grandes bailes, a festa atrai pessoas de todas as idades, sempre no sábado magro, ou seja, um dia antes do Carnaval.

Luizianne Lins curtindo o carnaval da saudade do Náutico - João Otávio Lobo Neto

Saiba mais

A festa foi idealizada em 1968 pelo sócio do Clube, Helano Studart Montenegro, que junto à diretoria realizou em 17 de fevereiro, o primeiro carnaval.

Apaixonado por carnaval desde a infância, Helano Montenegro, na década de 1960 já sentia falta de antigos carnavais. Até que sugeriu ao então presidente do clube, Ary Araripe, que promovesse um carnaval da saudade. "A festa cresceu ano a ano, deixando a casa sempre lotada. É a expressão mais significativa de que o nosso trabalho continua sendo reconhecido", destaca Araripe.

Carnaval do Náutico na década de 50. Nessa época, ainda não existia o Carnaval da Saudade. Arquivo Blanchard Girão

Os dois fazem questão de destacar o papel do colecionador e historiador Cristiano Câmara nessa história de sucesso. Por vários anos, era ele quem escolhia o repertório e o repassava para as bandas. "Cristiano tinha um acervo muito rico", lembra Montenegro, que também idealizou o primeiro folheto, com as letras de músicas, outra marca registrada do evento.

“O Carnaval da Saudade iniciou com a finalidade de preservar os antigos carnavais, e até hoje só tocamos músicas antigas, marchas ranchos, samba enredo, As Pastorinhas, Mamãe eu quero. Nós estamos no ápice do nosso carnaval." 
A festa comporta cerca de 5.000 pessoas e contempla dois setores (um mais perto do palco) Setor A e o outro um pouco mais longe, Setor B.
A maioria dos foliões usa fantasias, faz blocos, cria as próprias roupas. “Eles se preparam mesmo para a festa". 
São cerca de 800 mesas espalhadas pelo grande salão e a orquestra Brasa Seis animando à noite. Cada mesa recebe um livreto com as canções que vão embalar o Carnaval da Saudade. “É uma festa belíssima em que toda a sociedade cearense se encontra. E assim, há anos que não temos confusão nem briga, as pessoas vão com espírito de carnaval mesmo. Tem jovens de 25 até senhores de 90 anos. Os mais antigos vão para reviver antigos carnavais, os mais novos vão para conhecer o carnaval antigo”, garante Joaquim Guedes Neto.

Carnaval da Saudade - João Otávio Lobo Neto 

Carnaval da Saudade - João Otávio Lobo Neto

*Antes o Rei Momo e os Cronistas Carnavalescos apresentavam-se nos clubes e no Corso acompanhados de casais fantasiados de “Romeu e Julieta”, “Sansão e Dalila”, “Tristão e Isolda”, variando a cada ano.

O primeiro Rei Momo de Fortaleza, Ponce de Leon, e a primeira crônica carnavalesca. Publicada no jornal Tribuna do Ceará, de 19/01/1978. Acervo Fernando Antº Lima Cruz

Remota a década de 40 a indicação do Rei Momo do Carnaval do Ceará: Ponce de Leon, que foi deposto por haver sido flagrado comprando pão, em pleno Carnaval, na Padaria Palmeira, ato difamante para um Monarca da Folia... Foi substituído por Luizão I e Único (Maguari). Dispensava corneta real, e apresentava-se no Corso e clubes com o jargão: “Eu cheguei, cachorrão!” Célebre, ganhou concurso de “Melhor Rei Momo do Brasil”, no Rio de Janeiro.

Côrte do Rei Momo Luizão - Arquivo Nirez

Vários monarcas foram oriundos do rádio ou jornal: Cirão I e Único (Ciro Saraiva – Correio do Ceará; Fernando Mendes (O estado); Irapuan Lima (Rádio Iracema); Jadir Jucá (Rádio Dragão do Mar - por sinal casou com a Rainha, a modelo Lucráia Garcia); Bezerrão (“Rádio Dragão do Mar”). Este foi deposto em Sobral, por não esperar pela Rainha, trocá-la por uma “mulher de cabaré” e com ela ingressar na festa do tradicional Derbi Clube Sobralense. Um escândalo para a sociedade. Foi substituído na Segunda-Feira Gorda por Catunda Pinho (Catundão I e Único - Rádio Verdes Mares). Jurandir Mitoso (PRE – 9), magérrimo, foi Príncipe Regente por falta de um “rei gordo”...
Também foram reis: Marcelo (Clube de Regatas Barra do Ceará), Paulão I e Único (filho do deputado Paulo BenevidesPresidente da Assembléia Legislativa); Javeh (alfaiate da sociedade). Uns ficaram tão populares que se elegeram vereador à Câmara Municipal de Fortaleza: Narcílio Andrade e Martins Nogueira.
De tudo isto, o mais importante é que ainda hoje permanece a magia dos Monarcas da Folia, e o Náutico, com o Carnaval da Saudade, faz parte desta história!


Fontes: O Povo, O Estado do Ceará, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo e Diário do Nordeste

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Quem passou no carnaval que passou



Passou o carnaval que passou e passou o Bloco das Baianas, rapazes de pernas cabeludas, saias de chitão, batas e turbantes de panos brancos, argolas nas orelhas, colares de contas multicores e maquilagens ridículas.


O cordão das "coca-colas" - Arquivo Nirez

Passou o Carnaval que passou e passou o Cordão das Coca-colas, de rapazes tão animados, risos rasgados nos lábios de batom Naná e semblantes de festa, com bigode e tudo. Eles parodiavam um recente fenômeno local, originado pela Segunda Guerra Mundial.

Estandarte do Maracatu Estrela Brilhante em 1953 - Acervo do blog Ong-Solar

Maracatu Estrela Brilhante em 1953 - Foto Nação Fortaleza


Passou o Carnaval que passou e eu vi passar, com os olhos da saudade, o Maracatu Estrela Brilhante e o Maracatu Rancho de Iracema e o Maracatu Az de Espadas e o Maracatu Az de Ouro e o Maracatu Rei de Paus. E fiquei eletrizado por aquele ritmo soturno e cadenciado marcado pelos ferros dos triângulos e as batidas surdas dos bumbos e tambores. E segui sua rainha, imponente e garbosa, altiva, magnífica e com ela fui, pela Senador Pompeu, pela Duque de Caxias, pela Floriano Peixoto, até a Praça do Ferreira onde, ao pé da Coluna da Hora, o meu sonho acabou: o maracatu esvaiu-se, com seus membros retornando à insignificância de suas próprias e pobres vidas. Sumira o alvo sorriso no rosto negro da rainha,  o ritmo emudeceu, os penachos foram atirados ao chão de mosaicos frios. Era como se uma rara peça de biscuit caísse e se fragmentasse em mil padacinhos.


Impossível acreditar que essa era a rua Senador Pompeu de antigamente. Fartamente arborizada com fícus-benjamins podados em forma de meia esferas, era tranquila e bucólica, com suas moradias conjugadas. Na pavimentação de concreto passava o Carnaval. Quando Fortaleza tinha carnaval.

Como sofri com aquela perda...

Passou o Carnaval que passou e senti o cheiro do "cloretil" que ardeu nos meus olhos de menino curioso, que não quis usar os coloridos "óculos" de cartolina e celofane que os garotos da rua faziam para vender...

Raridade, frasco de lança-perfume Rodouro (Rhodia), provavelmente anos 60.

O lança-perfume era comum nessa época. Podemos visualizar alguns foliões segurando o frasquinho nesse Baile de Carnaval do Ideal Clube. Foto da década de 30/40. Acervo de Marcelo Bonavides de Castro
Passou o Carnaval que passou e o concreto da rua Senador Pompeu ficou coloridinho de confete e as serpentinas tremelicavam sobre o verde dos fícus-benjamins. E passou o Zé Pereira que a ninguém faz mal. E passou um castelo medieval feito de "pedras" de papelão e areia prateada, com suas ameias e torreões e o mulherio da Fascinação, de guarda...

Passou o Carnaval que passou e quem passou foi o Mazine e sua famosa "vedete" de lantejoulas douradas sobre o maiô preto, meias de rendão negro, tentando esconder os músculos das pernas peludas e o grotesco dos óculos "fundo de garrafa", disfarçados pela máscara do Zorro com "chorão" e tudo.
E os sapatões à Carmen Miranda...


Passou o Carnaval que passou e passou Airtinho, na exuberância da sua juventude, "puxando" as Meninas do Barulho, que já passaram...

Prédio do Clube Iracema - Arquivo Assis de Lima
E passaram damas chiques e cavalheiros elegantes para o baile do Clube Iracema, que já passou e gente circunspecta, para o Clube dos Diários, no Palacete Guarany...

Clube dos Diários funcionando no Palácio Guarany
Passou o Carnaval que passou e passou gente do povo, para as batalhas de confete. E passou gente animada no corso de automóveis, na Duque de Caxias...

Vi o Carnaval da Vitória. E vi semblantes iluminados, na euforia do fim da guerra que já passara. E todos sorriam. E todos cantavam. E as serpentinas eram mais coloridas e os confetes eram mais fartos. E moças lindas e rapazes atléticos e garbosos, sentados sobre suas amplas capas, nos capôs dos Packards, Buicks, Fords, Oldsmobiles, Hudsons, Jeeps. E vi sorrisos nos rostos descontraídos e mãos para o alto, ostentando os Rodouro que perfumavam a folia...

Imagem meramente ilustrativa
E passaram pierrôs e passaram colombinas. E, espreitando na esquina da Broadway, arlequins choravam. Oh, jardineira, por que estás tão triste? Por que o sol estava quente e queimou a nossa cara?...


E passou um homem bigodudo, vestido de mulher, com os peitos de quengas. E passou um grupo de papangus. E passou Zé Tatá (foto ao lado), com sua baiana paquidérmica. E passou Beatriz, com sua gigantesca princesa do maracatu. E passou o Rei Momo, primeiro e único, com sua Rainha do Carnaval, que era moça de família, coisa que também já passou. E a sala do trono era um jipe Land Rover, que não passa mais...

Passou o Carnaval que passou e passou a mais exótica escola de samba do mundo, a Luiz Assunção, que estava mais para banda marcial do que para G.R.E.S. Mas, ninguém reclamava, pois o padrão Globo de qualidade ainda não existia, nem o gênio Joãozinho Trinta havia conseguido decifrar as "mensagens fenianas" da Pedra da Gávea. Por isso, no palanque da PRE-9, João Ramos (que também já passou) pedia aplausos calorosos para a Escola de Samba Luiz Assunção, com seu impecável "pelotão" de músicos ( a escola compreendia apenas os músicos) vestidos à militar, com dólmãs e quepes. Imponentes e garbosos, pareciam os autênticos generais da banda, os instrumentos de sopro refletindo o sol daquelas tardes de fevereiro: "Adeus Praia de Iracema/Praia dos Amores que o mar carregou..."

Arte sobre foto do sambista Luiz Assunção, pertencente ao arquivo Nirez 
Arte: Felipe Goes
Passou o Carnaval que passou e passou a Turma do Camarão e passou a Turma Bamba e passaram os Garotos do Frevo. Quem passou, também, foi o Prova de Fogo, que ainda teima em passar, imutável, com suas fantasias de cetim barato salpicadas de lantejoulas, e os chapéus que parecem penicos de alumínio Ironte. E a marcação mais cafuçu do mundo...


A turma do Camarão - Arquivo Nirez

Prova de Fogo - Arquivo Nirez
Passou o Carnaval que passou e passou a raia miúda e passou o canelau e passou o arrabalde, com seus estandartes de pobreza, saudando a "imprensa falada e escrita" e pedindo passagem. Pois eram eles quem melhor sabia passar no Carnaval...

Passou o Carnaval que passou e passou Benoit, a Rainha das Rainhas , disputado por todos os maracatus, mas, com passe exclusivo do Az de Espadas, que já passaram...

Passou o Carnaval que passou e passou a descontração dos rapazes do Cordão das Cola-Colas e as animadas baianas e passaram as "elegantes" Marietas, que não mais passarão. E passou o Zé Tatá e passou Beatriz que não tornarão a passar...

Passou o Carnaval que passou e passou Airtinho, tão jovial, tão belo, com seu sorriso de criança. Que nunca mais voltará a passar...

Porque os clarins da folia tocaram silêncio...   


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Livro Royal Briar - Marciano Lopes
Foto do Zé Tatá - Arquivo Totonho Laprovitera

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Bocas de ouro



Tempo houve dos dentes de ouro luzir em bocas mil. Protéticos, em regozijo, produzirem artísticas peças qualificadas pelos quilates. Feitura de próteses em amálgama especial, a módico preço e garantia de, ao contato da saliva, em meses, tornarem-se áureas. Hoje, seriam ditas genéricas.
Até a década de sessenta, deveras comum encontrar ciganos pela Capital.
Grupos deles, ostentando maiores posses e identificação étnica, acampavam em área de terra da rua Barão do Rio Branco, entre as ruas Carlos Gomes e Joaquim Magalhães. Roupas coloridas, adereços em ouro, prata e pedras preciosas, falando dialeto próprio, distinguiam-se de pronto. Os homens, mais ainda, por seus vistosos brincos e arcadas dentárias auríferas.

O modismo fez-se tão exagerado ao ponto de jornais e rádios noticiarem constantes profanações de túmulos, no Cemitério São João Batista, por ladrões com tendências garimpeiras. 
Nahum Veras, antigo merceeiro da rua Pinto Madeira, esquina com Gonçalves Ledo, possuía coroas reluzentes sobre os caninos e molares. Do mais puro ouro fino. Ao falecer, a família providenciou suas extrações e divulgou ao máximo, inclusive por mensagens radiofônicas, para evitar que vândalos o perturbassem no sepulcro.


Já os parentes de Nicolau Dognini*, 82 anos de idade, fazendeiro de Vidal Ramos, município de Santa Catarina, padeceram por não ter dedicado igual cuido ao dado a Nahum por seus familiares. Nicolau, mais conhecido como Sorriso Dourado, foi sepultado usando seus reluzentes aparelhos dentários confeccionados no nobre metal.
Um mês depois do enterro, o túmulo foi violado, o vidro do caixão quebrado e levadas às ricas dentaduras. Avaliadas entre doze e vinte mil reais, a polícia catarinense investiga e alerta não sepultarem entes queridos com pertences valiosos.
Candidato a deputado pelo PRB, Oswaldo Martins de Oliveira, autodenominado Wadão Dj - Jegue Dente de Ouro prometeu se eleito, dar dente de ouro para toda a população paulista. Esquecido eleitoralmente, poderia oferecer o dentário projeto ao correligionário de coligação deputado federal Tiririca.

                                  Geraldo Duarte
(Advogado, administrador e dicionarista)


*Sul Notícias - Matéria de 25/09/2009:

Polícia investiga roubo de dentadura de ouro de cadáver

A Polícia Civil de Santa Catarina investiga o inusitado roubo de uma dentadura de ouro de um cadáver, ocorrido na cidade de Vidal Ramos, localizada a 160 quilômetros da capital Florianópolis
A violação de uma sepultura no cemitério local é o principal assunto na cidade de pouco mais de seis mil habitantes. Nicolau Dognini, que morreu aos 82 anos no último dia 11 de agosto, teve o caixão violado exatamente um mês após sua morte. 
Os ladrões abriram a sepultura, quebraram o vidro do caixão e levaram uma chapa com dentes de ouro. Nicolau era bastante popular e conhecido na cidade com o apelido de "Sorriso Dourado".

Segundo levantamento feito pela polícia, a sua dentadura de ouro estaria avaliada em aproximadamente dez a doze mil reais. "Não há como definir exatamente o valor, mas estaremos chegando a esse dado após colher novos depoimentos", afirma o agente da Polícia Civil, João Paulo Martins, responsável pela investigação.

Após ouvir uma série de testemunhas, João Paulo revelou que a família de Dognini decidiu enterrá-lo com os dentes valiosos. Segundo o policial, todo mundo na comunidade onde ele morava, sabia que a sua dentadura era de ouro. "Ele era bastante popular e ainda brincava com isso. Dizia as pessoas que poderiam fazer o que quisessem com os seus dentes", disse.

A Polícia ainda vai colher alguns depoimentos nos próximos dias para tentar solucionar o roubo. Por enquanto, não existem suspeitos, mas o policial João Paulo destaca que a violação de sepultura deve servir como um alerta para as famílias que insistem em colocar objetos de valor junto ao corpo de familiares. "É um tipo de crime que existe nos grandes centros. Agora descobriram o interior", disse. "Estamos trabalhando para solucionar o caso, mas fica o alerta para as pessoas de que não é uma prática aconselhável sepultar os entes queridos com objetos de valor".




domingo, 3 de fevereiro de 2013

Ceará moleque - Antecedentes Históricos



A palavra moleque é de origem africana e o  Novo Dicionário da Língua 
Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira diz que ela provém do 
idioma Quimbundo onde o seu substantivo significava “negrinho” e o seu adjetivo “indivíduo sem gravidade, ou sem palavra”, ou ainda, “canalha, patife, velhaco”. Ainda, esse dicionário acrescenta que no português do Brasil a palavra passa a significar, também, “menino de pouca idade”.
Contudo, o termoCeará moleque foi cunhado nos fins do século XIX e apareceu pela primeira vez em uma obra literária que tinha a cidade 
de Fortaleza como cenário: o romance A Normalista, de Adolfo Caminhapublicado em 1893. A obra retrata o cotidiano de uma Fortaleza provinciana, habitada por “alcoviteiros e uma gentinha canalha”. Neste romance de cunho naturalista, Caminha tenta criar uma crônica social sobre Fortaleza onde “buscou esmiuçar os detalhes sujos do cotidiano” (Albuquerque, 2000, p.16-17). 
Logo, a alcunha ‘moleque’ indicava aí certa característica cultural do Ceará a ser interpretada negativamente como “canalhismo de província”.

Para Marco Aurélio Ferreira da Silva (2003), o romance de Caminha desenvolve sua trama na Fortaleza do final do século XIX, onde o ambiente provinciano é visto como um “antro de maledicências e coscuvilhice” e onde “a vida social se reduz a um jogo em que todos invadem o privado do outro”
Com este mote é que a personagem principal deste romance, a normalista Maria do Carmo, reclama a Lídia, sua amiga mais próxima, do pasquim chamado A Matraca, que escreveu versos sobre seu envolvimento com o Zuzaestudante de Direito de Pernambuco e que passava férias em Fortaleza: 

Lídia achou graça na versalhada. Ela também já saíra na Matraca. – Um desaforo, 
não achas? Perguntou a normalista indignada. – Que se há de fazer, minha filha? 
Ninguém está livre destas coisas no Ceará Moleque. Não se pode conversar com um 
rapaz, porque não faltam alcoviteiros. (CAMINHA, 1997, p.37).


Na época deste romance, o Ceará figurava na economia internacional como um grande exportador de algodão. As indústrias têxteis europeias começaram a procurar pelo algodão cearense com maior intensidade no período em que foi suspenso o comércio com os EUA, o principal produtor de algodão até então, devido à eclosão da Guerra de Secessão, ocorrida nos anos 1860. Este fator foi fundamental para as transformações sócio-econômicas e culturais por que passou o território cearense, especialmente a capital da então Província, que se urbanizava e acelerava, modificando drasticamente o modo de vida de seus habitantes.

Em Fortaleza Belle Époque, Sebastião Rogério Ponte (2001) conta que nesse período surgiram em Fortaleza lazaretos, hospitais, asilos e cemitérios construídos fora do perímetro urbano seguindo, assim, uma ótica sanitarista – o saber médico social então em constituição – que fazia parte da lógica de remodelação e controle do projeto modernizador para a organização da capital. Na contracorrente desta lógica modeladora, Ponte (2001) identifica a “irreverência popular que se expressava em condutas debochadas e galhofeiras da população citadina”

Tais condutas significaram uma espécie de rebeldia velada, um desvio que se constituiu em contraponto ao “mundanismo chique” que se instaurava na cidade. A época da Fortaleza Belle Époque, em que se tenta afrancesar os costumes da cidade é, ironicamente, aquela em que uma grande seca assolou o Ceará, coalhando a periferia da capital de retirantes esfomeados enquanto a burguesia se empoava e tomava chá. É também a época em que um grupo de debochados intelectuais, dentre os quais o próprio Adolfo Caminha (o padeiro Felix Guanabarino), funda a confraria denominada Padaria Espiritual. 
Reunidos em torno do periódico O Pão, que buscava levar o pão do espírito a quem dele necessitasse, os espirituosos jovens debochavam, inclusive, do fenômeno absolutamente europeu das próprias confrarias e grupos de letrados que pipocavam pela cidade.


A compulsão popular pelo deboche e pela sátira era uma questão relevante para Fortaleza naquele período, e prova disso é, de acordo com Ponte (2001), a existência de “tantas referências a uma incorrigível ‘molecagem’ pública presente na cidade a partir do final do século XIX”. O autor encontra estas referências à molecagem do cearense na literatura, justamente no já citado A Normalista; em revistas de moda e atualidades como a Jandaia (1924) e a Ba-Ta-Clan (1926); e nos escritos dos memorialistas Otacílio de Azevedo
Herman Lima e Raimundo de Menezes, que descreveram o cotidiano fortalezense do início do século XX.

A praça em 1963 - Arquivo O Povo

Num destes registros, Herman Lima (1997), no seu livro Imagens do Ceará, publicado em 1959, nos indica o lugar onde tal propensão popular ao deboche, ao escárnio ou aos ditos espirituosos exercia-se com maior intensidade: a Praça do Ferreira. O ensaísta Abelardo F. Montenegro, citado por Lima (1997), considera este logradouro, como a “sede social do Ceará Moleque”, nela “funciona cotidianamente uma escola de humor, em que professores e alunos permutam sofrimentos por gargalhadas, preocupações por cascalhadas” (apud 
Lima, 1997, p.54). 
Foi num dos cantos da praça, mais especificamente no Café Java, que Antonio Sales, o padeiro-mor Moacir Jurema, Rodolfo Teófilo (Marcos Serrano) e outros companheiros fundaram a Padaria Espiritual.

Raimundo de Menezes (2000), em seu Coisas que o tempo levou: crônicas 
históricas da Fortaleza antiga, publicado originalmente em 1936, relata acontecimentos e curiosidades sobre os tipos populares – o Chagas, o Pilombeta, o Tostão, o Manezinho do Bispo (foto ao lado), o Casaca de Urubu, o Tertuliano, o Bode Ioiô e o De Rancho – que habitaram a capital no início do século XX. Dentre estes, Menezes (2000) destaca o Bode Ioiô como “um dos tipos mais populares e queridos da Fortaleza de outrora (...) era uma espécie de mascote da capital daqueles tempos, uma figura obrigatória na pacatez da cidade provinciana” (p.183). Segundo ele, Ioiô “representa bem a imagem do espírito irreverente e 
profundamente irônico dos filhos desta gleba heroica de sofrimento” (p.185). 


Na sua obra de crônicas, Fortaleza Velha, João Nogueira relata que, em certo culto religioso no ano de 1922, um moralista alertava aos de boa índole: “Não se queixem do automóvel nem de certas novidades de que está cheia a Fortaleza, mas do Ceará moleque, que tudo acanalha e desrespeita” (apud Silva, 2003, p.22-23). Para a moral e os bons costumes, geralmente desprovidos de humor, a molecagem deve ser banida, pois que toda irreverência é associada à canalhice.

A referência a uma molecagem do cearense ou ao ‘Ceará moleque’ se encontra presente em outros escritos como O Cajueiro de Fagundes de Tristão de Alencar Araripe Júnior (1909); nos pasquins Ceará Moleque – Revista Caricata (1897) e O CharutinhoJornal Amolecado (1900). Digno de nota é igualmente o relato jornalístico da vaia ao sol na Praça do Ferreira. No ano de 1942, após longa estiagem e sem uma nuvem sequer que prenunciasse chuva no horizonte, os fortalezenses indignados e sem outra ação possível passaram a vaiar o astro-rei, que permaneceu impávido, na certa pensando que o que vem 
de baixo não lhe atingia.


Também cabe lembrar que este atributo de identidade cultural não é oriundo da elite erudita, que preferiria antes ser identificada aos traços importados da cultura européia. Embora seja muitas vezes por esta retratado, como no romance de Caminha, sua origem deve ser encontrada junto às classes populares, menos abastadas financeiramente, mas ricas de um humor peculiar e pouco sutil. 
A estética do grotesco, de que fala Bakhtin em sua obra sobre a cultura popular no Renascimento, está viva na Fortaleza de antanho e igualmente no mundo midiático de hoje em dia. Por ser identificada às classes populares e à sua estética particular, não é de estranhar o sucesso que tal imagem tem nos meios de comunicação de massa, onde há o império absoluto do grotesco, do bizarro, do exagero. É terreno fértil para a criatividade extravagante e sexualmente escrachada de homens, mulheres e homens travestidos de mulheres (digna de nota é a presença majoritária entre os humoristas locais de caricatos transformistas que atendem por nomes tais como Aurineide, Escolástica e Raimundinha).   
Em síntese, existe uma construção histórica e simbólica do ‘Ceará moleque’ que não vem de hoje. Trata-se de uma invenção social que foi e é simbolizada coletivamente, fazendo parte do imaginário cearense e do imaginário sobre o cearense. 


Crédito: A identidade cultural em tempos liquefeitos: o ‘Ceará moleque’ e 
a contemporaneidade - Francisco Secundo da Silva Neto/Marcio Acselrad 




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