Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



domingo, 28 de julho de 2013

Cine Luz - 1931


O Cine Luz fundado em 1931, na Praça Castro Carreira - Ary Bezerra Leite

O mais popular de nossos cinemas, frequentado por pessoas simples e humildes, provavelmente tenha sido o Cine Luz, principalmente nos seus últimos anos de funcionamento. A razão dessa frequência nitidamente popular, advinha de sua localização na Praça Castro Carreira ou Praça da Estação, na esquina das ruas General Sampaio com Castro e Silva, no lado oposto da Estação Central dos trens da Rede de Viação Cearense.

Marciano Lopes, no seu livroRoyal Briar, comenta essa característica do Cine Luz, na década de 40, em contraste com outro cinema da mesma rua - o Rex: "Também na General Sampaio, ficava o Cine Luz, contudo na esquina da Praça da Estação. Nivelava-se, socialmente, ao Majestic, e era preferido pelos moradores do Arraial Moura Brasil, do “Curral” e das "Cinzas”, devido à proximidade com aqueles aglomerados humanos."

Quando de sua inauguração, entretanto, o Cine Luz propunha-se a ser um cinema destinado a um público do melhor nível social, tendo como destaque ter sido o primeiro dos pequenos cinemas que surgiram já sonorizados, ainda no período do processo Vitaphone.

O Cine Luz era localizado à rua General Sampaio, 526, esquina com rua Castro e Silva, e tinha outro acesso pela Praça Castro Carreira, 85. Foi inaugurado pela Empresa Cine Luz Ltda., de Bernardino Proença Filho e José Bezerra Rocha, no dia 28 de março de 1931, com o filme, distribuído pelo Programa Matarazzo, "Dama Escarlate (The Scarlet Lady; Columbia Pictures Corp., 1928, 7 rolos, direção de Alan Crosland, produção de Harry Cohn, argumento de Bess Meredithedição de Frank Atkinson, com Lya de Putti (Ao lado), Don Alvarado e Wamer Oland).

O surgimento do Cine Luz foi acolhido pela imprensa, tendo aGazeta de Noticias” (27.03.31) publicado:

CINE LUZ - SUA INAUGURAÇÃO AMANHÃ

Conforme anunciamos há dias, acaba de ser instalado mais um cinema nesta capital.

Trata-se do Cine Luz, de propriedade da  Empreza Cine Luz Ltda.", constituída pelos Srs. Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha.

O Cine Luz funcionará no prédio da antigaFábrica Proença, à rua General Sampaio nº48, esquina com a Praça Castro Carreira, e se acha confortavelmente instalado, de acordo com os requisitos indispensáveis a um cinema moderno. O salão de projeções é amplo e arejado e está muito bem mobiliado, de maneira a satisfazer as exigências do público em matéria de conforto.

A Fábrica Proença (em destaque) na Praça Castro Carreira - Nirez

A Empreza Cine Luz possue instalações de Electrola e Alto-falantes dynamicos da "Radio Corporation Company, de New York, para a synchronização motivada de todos os films a exhibir.

A inauguração do Cine-Luz, realizar-se-á amanhã, sábado, com um lindo programa escolhido a capricho e em duas sessões: às 18 1/2 e às 20 1/2.

Nessas sessões será focalizada a excelente pelicula "A Dama Escarlate", do Programa Matarazzo, com os queridos artistas Lya de Putty, Don Alvarado e Wamer Oland.

Completará o programa, um jornal noticioso.
É de se esperar, pois, que a inauguração do Cine-Luz constitua um acontecimento social com a afluencia numerosa dos elementos mais distinctos da sociedade cearense.

(Grafia da Época)

A respeito do novo cinema, o periódico católicoO Nordeste (28.03.31) dedica a seguinte nota:

MAIS UM CINEMA EM FORTALEZA

Inaugura-se, hoje, às 18:30, à rua General Sampaio nº48, esquina com a praça Castro Carreira (prédio da antiga "Fábrica Proença") mais um cinema em Fortaleza.
Trata-se do "Cine Luz”, de propriedade da “Empreza Cine Luz Ltda."constituida pelos Srs. Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha.

Essa nova casa de diversões se apresenta com instalações modernas e confortáveis, dispondo de electrolas e alto falantes dynamioos, da “Radio Corporation Company", de Nova York, para a syncronização motivada dos seus filmes.
O ato inaugural constará da fita “A Dama Escarlate”, em duas sessões, uma às 18:30 horas e outra às 20 horas.

Durante toda a Semana Santa o "Cine-Luz” exhibirá o primoroso film sacro "A Vida de Christo" colorida, com syncronização movida, última cópia da "Pathé Fréres", de Paris, recebida, directa e exclusivamente pela “Empreza Cine Luz Ltda”.

(Grafia da Época)

Os proprietários do Cine Luz, nesse primeiro ano de existência, tudo fizeram para assegurar um nível comparável aos melhores cinemas da Empresa Ribeiroconsiderando-se inferior apenas ao Cine Moderno, como atesta uma notícia do Correio do Ceará" (08.06.31):

A EMPREZA CINE LUZ OS NOVOS FILMS A SEREM EXHIBIDOS

O Cine Luz, da Empreza Cine Luz Ltda., de propriedade exclusiva dos Srs Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha, cavalheiros conceituadíssimos em nosso meio social, vem se estabelecer, no intuito de melhor servir aos seus numerosos frequentadores, várias soirées onde se exhibem as melhores cintas que se projectam nesta capital.

Às terças feiras funccionam as soirées d'art; às quintas e aos sabbados realizam-se as sessões populares com films appropriados e a preços accessiveis à bolsa de todos; aos domingos têm lugar as sessões Chics onde se apresentam films escolhidos.

Com esta organização os Srs Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha que já dotaram a nossa capital com excellente salão de projecção, o mais moderno de quantos existem e só inferior ao Moderno, procuraram servir ao nosso povo, correspondendo aos anseios de progresso que o caracteriza e justa é a preferencia que lhes tem dispensada.

(Grafia da Época)

O cinema com seus 800 lugares, divididos entre cadeiras e geral, conseguiu algum sucesso de público. Seu primeiro aniversário foi comemorado com brindes para os frequentadores. O Correio do Ceará" (28.03.32), noticia:

O 1°ANNIVERSÁRIO DO CINE LUZ

Hoje transcorre o primeiro anniversário do conceituado centro de diversões da Praça Castro Carreira, Cine Luz.

Em sua missão de agradar o número avultado de habitués deste aprazível cinema, a empresa organizou um atrahente programma, comemorando o feliz acontecimento.

Será levada a scena a revista burleta em 3 actos, Ultimo dia de Carnaval"Entre as senhoras e senhoritas que comparecerem a alegre noitada de hoje, serão sorteados trez brindes, no valor de 145$000.
Até o geral fará hoje a "sua independência”.

A conceituada Empreza de Cigarros Iracema Ltda.", distribuirá nelle grande numero de brindes.
E, para completar a atração da noite de hoje os preços das entradas serão minimos, contentando a todos.
As cadeiras a 2$200 e a geral a $500.
E, terminando, felicitamos a Empreza do Cine Luz, que tão bem tem sabido contentar a nosso ultra-exigente publico.

(Grafia da Época)

A tentativa de fazer um cinema ou um circuito Independente em Fortaleza, a partir do Cine Luz, com lançamentos próprios, também se frustou. Incorporado ao Grupo Severiano Ribeiro, em 1933, no que pese a existência de Investimentos para remodelação do prédio, assumiu gradualmente o status de “poeira", cinema para público menos exigente. Com uma geral na frente, próxima à tela, de bancos corridos, separada da área de cadeiras por uma grade. 
A noticia da reforma do prédio aparece no “Correio do Ceará” (27.06.33):

O "CINE LUZ" PASSA POR COMPLETA REFORMA

O velho e antigo casarão da Praça Castro Carreira, antiga Fábrica Proença, onde se aloja atualmente o popular salão de projecõees Cine-Luz, passa por completa reforma, adaptando-se a uma apreciável casa de diversões como as exigências do público que o frequenta está a pedir.

A Fábrica Proença (em destaque) na Praça Castro Carreira - Assis Lima

Assim é que, a “Empreza Ribeiro”proprietária desse salão e locataria do alludido predio, fal-o passar por uma pintura geral, transforma o seu velho piso, remodela-o enfim de modo a tornar esse centro de diversões procurado pela população amante do cinema, que lhe fica
nas imediações.

Cena do filme Três Pequenas do Barulho de 1936

A popular casa de exibição prosseguiu em sua programação de filmes mudos, até desaparecer em agosto de 1936. Não definitivamente. A 23 de fevereiro de 1939 é reinaugurado, agora equipado com projetores sonoros, exibindo na sessão inaugural a película Três Pequenas do Barulho (Three Smart Girls; Univesal Pictures Corp., 1936, 86 minutos, direção de Henry Koster, produção de Joseph Pastemak, argumento e cenário de Adele Comandini, edição de Ted Kentmúsica de Charles Previn, canções de Kus Kahn, Walterdusmann e Bronislau Kaperfotografia de Joseph Valentine, com Deanna Durbin, Barbara Reed, Binnie Bames, RayMilland, Nan Grey, Alice BradyCharles Winninger, Mischa Auer, Ernest Cossart e Hobart Ca vanaugh).

(Grafia da Época)


Continua...


Fonte:  Livro Fortaleza e a Era do Cinema de Ary Bezerra Leite

sexta-feira, 19 de julho de 2013

As Tabuletas de Reclame dos Cinemas em 1916


Pintura de Juracy Montenegro retratando a Praça do Ferreira da década de X

Há evidências, pela leitura de nossos jornais das primeiras décadas do século, que o centro vital de nossa cidade, a Praça do Ferreira, enquanto crescia o interesse do público pelos espetáculos cinematográficos, tornava-se vitima de grave poluição visual. Todos os recantos e espaços estratégicos eram ocupados por propaganda de filmes, na guerra pela preferência de nossa população.

Propaganda do filme Alvorada de Maio com Lila Lee

Praça Marquês do Herval

Consequência dos protestos de defensores da estética urbana, o Prefeito da cidade, coronel Casimiro Montenegro, resolveu regulamentar a exposição dos então chamados reclames, fazendo baixar o seguinte ato:

EDITAL Nº 5

"De ordem do sr. Prefeito Municipal, Coronel Casemiro Ribeiro Brasil Montenegro, faço público para conhecimento dos interessados que os logares designados pelo Sr. Prefeito, para a exposição das taboletas de annuncios dos cinemas, são os seguintes: Praça Marquez de Herval e Praça José de Alencar."

Secretaria da Prefeitura Municipal de Fortaleza, em 27 de janeiro de 1916.

Praça Marquês do Herval

O Amanuense

Alberto Campos de Goes Telles

Comentando o ato municipal, disciplinador da públicidade dos cinemas, e que afastava a Praça do Ferreira da intensa exploração publicitária, o “Diário do Estado”, edição de 1° de fevereiro, publicou:

CARTAZES DE CINEMA

Em destaque um "reclame" na Praça do Ferreira

"O Edital nº5 da Prefeitura. -Em edital sob o número 5, publicado no Diário do Estado, em dias da semana passada, a Prefeitura de Fortaleza fez saber aos senhores proprietários de cinema desta capital que, de ordem de nosso digno prefeito, coronel Casimiro Montenegro, os mesmos senhores só poderão expor sua “taboleta” de reclame nas praças Marquês de Herval e José de Alencar, unicamente.
Isso quer dizer que a Prefeitura, mui justamente, proibe que a Praça do Ferreirao coração da cidade, seja invadida pelas tais “taboletas”, como o tem sido sempre.
Parece, porém, que o Edital n°5 não chegou ainda ao conhecimento dos senhores proprietários de cinemas, pois a Praça do Ferreira continua a ser afeiada pelos enormes cartazes."


Fotos da então Praça José de Alencar, hoje Waldemar Falcão

Portanto, a medida tomada pelo Prefeito Casemiro Montenegro não surtiu o efeito desejado.

Além das “taboletas de reclame”, como afirma o cronista Otacílio de Azevedo, havia outro tipo de propaganda: “Quando o freguês se sentava para assistir a uma fita já sabia dos principais lances da história, pois tinha lido o programa, com um resumo, distribuído à entrada, ou mesmo na rua, de casa em casa. Os programas porém não contavam o fim da fita, o que não fazia muita diferença, pois todos sabiam que o bandido era sempre castigado e a heroína casava com o mocinho.”

Em destaque um "reclame" 

Fonte: Fortaleza e a era do cinema de Ary Bezerra Leite

sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Cinema de Arte do Cine Diogo





Era sábado. Exibição do Cinema de Arte do Diogo. O filme em questão: um surrealista de Luís Buñuel (Foto ao lado). De repente, diante dos espectadores, no filme projetado, inexplicavelmente surge uma galinha em primeiro plano – se tratando de um filme surrealista, isso não é de surpreender tanto. Um casal de namorados que assistia ao filme, ansioso para entender as tramas de Buñuel, começa a cochichar, tentando entender o significado existente no aparecimento da galinha. De repente, Augusto Pontes, que estava sentado em uma das poltronas da fileira atrás da que se encontrava o casal, se impacienta com o colóquio e, com uma voz lúgubre diz: “Isto não é uma galinha, é um símbolo”. Os jovens silenciam-se assustados diante da interrupção do diálogo cinematográfico comum nas salas de cinema. 
Olham para trás e, de repente, parecem compreender tudo. 
Cenas adiante, a tal da galinha que havia despertado interesse discursivo do jovem casal de namorados aparece novamente. Neste momento, a jovem moça cutuca o namorado e, num ato de demonstração de entendimento da obra cinematográfica, diz: “Olha aí, o símbolo!”. E, novamente, começa o burburinho intelectual diante do filme, agora contextualizado com uma nova forma de visualizá-lo. Posto irritado, Augusto, faz “fervilhar” ainda mais a confusão epistemológica dizendo: “Agora não é símbolo, é só uma galinha.” ¹
O cotidiano vivido dentro – e fora – do cinema pode parecer cena de filme. A atitude de frequentar o Cinema de Arte (CA) representava certa distinção social e para se fazer inserir no universo pertencente a este grupo, era necessário a utilização de certos preceitos, como por exemplo, o de discutir e entender cinema filosoficamente. É essencial ao grupo que frequentava o CA demonstrar o caráter intelectual que representava ser um frequentador das sessões de arte.


Sala de exibição do Cine Diogo - Arquivo Ary Bezerra Leite

Se, nas salas de cinema comercial, não se exige do público um conhecimento cinematográfico mais amplo, na sessão de arte do Cine Diogo, se tratando de um espaço exibidor no qual é possível ter acesso a um cinema de autor e a ciclos de filmes clássicos, não é suficiente somente assistir ao filme, mas, saber a que experiência estético/filosófica ele está vinculado. E isso se dava no ato de discussão pós-filme, bem como no status de cinéfilo ou de entendido de cinema. Esse status era comumente representado entre a juventude que frequentava o Cinema de Arte que, no ato de assistir a filmes alternativos se diferenciavam dos jovens “menos politizados” da cidade. A narrativa que vimos acima exemplifica a necessidade de exprimir conhecimento e de se fazer parte do universo marcado pela fruição de uma mídia de massa alternativa. 


Panorama da cidade vendo-se o prédio do Cine Diogo - Acervo Carlos Juaçaba

O Cinema de Arte do Cine Diogo surgiu a partir de uma iniciativa de sócios do Clube de Cinema de Fortaleza (CCF), entre eles, Tavares da Silva e Frota Neto, além de Darcy Costa, que pensaram que Fortaleza deveria ter um circuito de exibições cinematográficas que fosse semelhante ao Cine Paissandu², no Rio de Janeiro – comercial, porém com exibições de filmes de autor, alternativos às exibições convencionais das salas de cinema existentes na cidade. O objetivo seria também incluir a juventude no circuito de exibição “de arte”, pois o Clube de Cinema de Fortaleza não era tão frequentado pela mocidade da época. 
O conveniente agora, para a concretização do projeto, seria procurar alguma casa de cinema que aceitasse exibir filmes alternativos – também ditos “de arte”. Após um longo período de negociações entre Darcy Costa e o Grupo Severiano Ribeiro, o entusiasta cultural, usando de sua influência conferida pelo reconhecimento no setor comercial consegue autorização do grupo exibidor para realizar exibições cinematográficas, em uma única sessão, 
aos sábados, às 10h da manhã. 
Nos dias de sábados à tarde, o CCF realizava uma reunião com sua diretoria – o Clube tinha uma formação social institucionalizada, com estatuto, diretor, secretário, tesoureiro, etc. 
Quando foi comunicado o consentimento das exibições, muitos não acreditaram que seria 
possível que alguém fosse ao cinema no centro da cidade, no sábado de manhã. E já na 
primeira sessão, o cinema lotou. As notas também incentivavam a presença do espectador – 

principalmente de jovens – nas sessões de arte, exaltando-as:


"Ontem, o Cine Diogo foi bastante concorrido na sua sessão de 10 horas dedicada ao CINEMA DE ARTE. Muitos jovens presentes e isso é um bom sinal, pois onde há jovem, há probabilidades do movimento crescer. Amanhã o Cine Familiar³ apresenta nas duas sessões noturnas dedicadas ao CINEMA DE ARTE, a fita de Anselmo DuarteO Pagador de Promessas(Foto ao lado), premiado em Canes. Espera-se o comparecimento em massa dos admiradores da arte de Lumière, tão bem equacionada pelos diretores do CINEMANOVO."
(AUTO, Francisco. Gazeta de Notícias. 5 de março de 1967).


Cine Familiar - Arquivo Nirez

Sala de exibição do Cine Familiar

"Depois de um longo período de interrupção, voltou ontem às 10 horas a funcionar o CINEMA DE ARTE, promoção do Clube de Cinema de Fortaleza em colaboração com a Empresa Luiz Severiano Ribeiro. Como etapa preliminar, o CA vai funcionar no Cine Diogo. Para iniciar essa segunda fase, a qual esperamos que não venha a sofrer nova interrupção, foi apresentado “A Noite”, segundo filme da trilogia de Michelangelo Antonioni sobre o tédio reinante nas altas esferas sociais da burguesia contemporânea. Os filmes selecionados para o CINEMA DE ARTE que funcionará nas manhãs de sábado no Cine Diogo, obedecem a um rigoroso critério seletivo e já podemos assegurar para o próximo sábado uma película inédita e considerada pela imprensa do Rio de Janeiro como a melhor do ano passado." 
(Antônio Girão Barroso. Gazeta de Notícias. 5 de março de 1967).


Edifício Diogo, na Rua Barão do Rio Branco - Arquivo Nirez

Durante o período de um ano – o corrente ano de 1967 – o Cinema de Arte do Cine Diogo exibiu 44 filmes, sendo retratados em jornais em notas pré-exibição ou em críticas após as exibições. Por vezes, era retratado nas colunas a presença dos espectadores e o êxito 
alcançado pela iniciativa cinematográfica. 
Podemos entender, entretanto, que o Cinema de Arte do Diogo tratava-se também de um cineclube, tendo apenas algumas características que o diferenciavam do Clube de Cinema de Fortaleza, que eram, em primeiro lugar e, principalmente, o fato do consumo cinematográfico se dá em uma atitude capitalista. O consumo, enquanto fruição cultural, nesse caso, necessitava de uma disponibilização financeira do espectador. No Clube, assistir filme era gratuito, bastava interessar-se em participar. Poderia haver assiduidade ou não. 
Outra distinção entre as duas iniciativas culturais era o fato do CA do Diogo não requerer filiação social. Para participar das sessões do Clube não era necessário ser filiado. 
Entretanto, para ter voz e voto dentro da entidade, associar-se era fundamental. 
Outra característica das exibições em cineclubes e ausente nas sessões de arte do Cine Diogo eram os debates pós-exibições, que aconteciam em espaços  fora do cinema não engajando o público em um todo, sendo uma atitude isolada a grupos mais politizados. 

A prática social de ir ao Cinema de Arte do Diogo não se limitava apenas à sala de cinema e aos corredores do prédio exibidor. O ciclo de convivência extrapolava o ambiente cinematográfico e partia para as ruas. O espaço cedido pelo Grupo Severiano Ribeiro não permitia a realização de debates após os filmes, pois logo após a exibição, os espectadores deveriam desocupar a sala para a realização da nova sessão de cinema, agora do circuito comercial habitual da sala exibidora. Os “cinéfilos engajados” discutiam, então, em espaços da cidade. Lanchonetes, bares, lojas ou clubes tornavam-se espaço de convivência e "extensão” da obra cinematográfica. 
Dessa forma, a prática de ver cinema de arte provocou novas práticas sociais em novos espaços, no caso, a ocupação de outros lugares:

“Quando acabava a exibição dos filmes, não podíamos ter discussão dentro do cinema, pois tinha hora para vagar o cinema. A empresa tinha que limpar a sala para ter a primeira sessão da tarde, a vesperal, e agora, comercial. As pessoas iam, então, para essa lanchonete em frente – lá tinha um chope ou uma coisa assim – ou iam para o Clube dos Advogados, meio quarteirão depois. Aí iam comer a feijoada do Clube. Nosso ‘Cine Paissandu’ era no meio da rua, dia de sábado, em baixo do Sol cearense. Então, esse período foi essencial.” 
(Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).


O Clube dos Advogados, local de reunião dos cinéfilos.

A experiência do Cinema de Arte do Cine Diogo teve importante influência no cotidiano da cidade de Fortaleza e incutiu uma cultura cinematográfica ao público diverso cearense. Talvez fosse uma atitude isolada, reservada a pequenos grupos sociais – sabemos, contudo, que as sessões de arte lotavam o Cine Diogo, que dispunha de 995 poltronas – porém, parte da juventude universitária e secundarista frequentou as sessões de cinema:

“O Cinema de Arte estava sendo um catalisador de pessoas e idéias, de convergência de interesses. Acontece a Casa Amarela e o Cinema de Arte do Center Um, cria do Clube de Cinema. Aí já é a migração da cidade, do centro para os bairros. Esvaziar a cidade, esparramada. Nós somos umas das poucas cidades do mundo que não temos referência do centro da cidade, que não vive o centro.” 
(Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).


 Casa Amarela - Arquivo O Povo

Center Um - Arquivo O Povo

O Cinema de Arte do Cine Diogo pulsou em Fortaleza até o ano de 1972. Neste ano, a 
programação de televisão já era comumente abordada nos jornais. Sua grade era divulgada e comentada e o cinema perdeu o espaço de crítica nas páginas jornalísticas, restando apenas a 
divulgação dos principais filmes que estavam sendo exibidos na cidade.


Cíntia Mapurunga
(recém-graduada em Comunicação Social, com habilitação 
em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza)

 (13220 bytes)¹Os dados dessa história foram narrados por Augusto César Costa, mas aparece em 
várias lembranças dos cinéfilos da época. Augusto Pontes, publicitário, músico e pensador, funcionou como uma espécie de “guru” da geração dos anos 60. Faleceu no dia 15 de maio de 2009.

 (13220 bytes)² No final dos anos 60, tempo de ditadura militar, amantes de cinema, intelectuais e estudantes cultuavam “filmes de arte”, em sessões noturnas (22h30 e 0h30, às quintas, sextas e sábados), no Cine Paissandu, situado no bairro do Flamengo/Rio de Janeiro. Os frequentadores mais assíduos representavam o que passou a se chamar de 
Geração Paissandu”, superlotando fielmente a grande sala para, entre um e outro debate político, assistir, idolatrar e discutir filmes de diretores como Godard, Glauber Rocha, Bergman, o neo-realismo italiano, ViscontiAlain Resnais, Eisenstein, Bresson, Pasolini, entre quase todos os outros diretores de filmes alternativos. A 
Geração Paissandu era formada por estudantes, jornalistas e profissionais ligados às áreas artísticas e também por jovens advogados, bancários, químicos, comerciários e por qualquer pessoa com um mínimo de gosto pela arte e com certa necessidade de exprimir-se. Podemos dizer que nem todos eram os considerados cult, mas todos gostariam de o ser.

 (13220 bytes)³ O Cine Familiar também dedicava-se à exibição de filmes de arte, tendo surgido em 1966, sob iniciativa de Tarcísio Tavares e Maurílio Arraes, localizado no bairro de Otávio Bonfim. O Cine Familiar não se localizava, portanto, no “olho” das salas exibições cinematográficas fortalezenses, que era o centro da cidade. A imprensa retratava semanalmente as duas sessões de Cinema de Arte existentes em Fortaleza, a do Cine Diogo e a do Cine Familiar.

Leia também: O Culto ao Cinema na Fortaleza dos anos 60 


Fonte: O culto ao Cinema de Arte na geração de sessenta em Fortaleza

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O culto ao cinema na Fortaleza dos anos 60



Arquivo Nirez

Em uma cidade onde o ponto de convergência das pessoas era o centro urbano, o cinema era uma das principais fonte de cultura e lazer. A realidade de Fortaleza, de certa maneira, impunha o convívio social centralizado, de forma que tudo acontecia no centro da cidade. Lojas, mercado, igrejas, restaurantes, espaços de lazer, bancos e órgãos públicos eram encontrados, quadra-a-quadra, nesse espaço de convergência citadina. 


O Palácio do Governo na Praça dos Leões

As lembranças pontuam o depoimento dos integrantes da geração que vivenciou a época. O
jornalista Augusto César Costa relata que “Tudo acontecia no centro da cidade. A cidade viva no centro. Ali você tinha o Palácio do Governo, a Assembléia Legislativa, o Fórum, a Faculdade de Direito – que era a faculdade mais importante da época –, o Theatro José de Alencar. Então, a vida social de Fortaleza estava toda no centro da cidade.” (Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).



Arquivo Nirez 

O arquiteto e compositor Fausto Nilo retrata que o centro da cidade simboliza o ponto de convergência da cidade, ressaltando a importância da praça nesta característica urbana:

“As pessoas que moravam nas áreas periféricas chegavam de ônibus, tinha um limite, e parte dos ônibus paravam na Praça do Ferreira e tinha o Abrigo Central: uma coberta de concreto e embaixo tinha engraxate, venda de bilhetes de loterias, lanchonetes, era um ágora. E naquele tempo não tinha essa degradação, esse declínio que tem hoje. As lojas eram tudo chique. Não tinha shopping, era tudo ali. Era convergente. As pessoas da Aldeota iam comprar lá, trabalhavam lá, os escritórios eram lá, os bancos era lá, tudo era lá.” (Fausto Nilo, em entrevista concedida no dia 6 de maio de 2009).



Abrigo Central 

O escritor e dramaturgo José Mapurunga elucida também a respeito da importância do centro na história da cidade:

“Você imagina uma cidade sem shopping center, sem supermercado. Se você quisesse comprar alguma coisa, ia ao centro. Existia também, no ponto de vista comercial, uma relação de confiança entre o dono da mercearia e o cliente. Havia as cadernetas e você poderia comprar fiado e o comerciante anotava nela, para que o cliente fosse pagar depois, como acontece ainda em algumas cidade do interior. O centro era também principal ponto de lazer da cidade. A Praça do Ferreira, o ponto de encontro”. (José Mapurunga, entrevista concedida no dia 5 de maio de 2009)

É natural, portanto, que encontremos a forma de lazer moderno mais comum na década de 1960 localizada especialmente no centro da cidade, onde havia a maior concentração de casas de cinema da época¹



Acervo Jornal O Povo

Num período em que a televisão ainda não tinha se consolidado como forma de lazer doméstico predileto, os shopping centers ainda não existiam e não tínhamos também as iniciativas de construção de centros culturais. As formas de lazer sociais e culturais eram muito restritas. Fixavam-se apenas na praia aos finais de semana, no futebol – principalmente para os rapazes –, nas quermesses e nos cinemas. As classes mais abastadas poderiam usufruir, ainda, de clubes sociais privados, como o Náutico Atlético Cearense.


Praia dos Diários - Anos 60

“Vamos pegar aí a vida de um garoto com 16, 17 anos de idade. Tinha as paróquias e as comunidades se faziam em torno delas. A Igreja também era um ponto convergente da cidade, ponto de encontro. Tinha a missa de domingo e as pessoas se encontravam. Então, essas pessoas tinham dois níveis de gravitação de convergência. Tinha o de todos, que era a Praça do Ferreira e tinha os particulares em seu bairro, que era a igreja, que ficava rodeada por uma praça. E o que é que acontecia aí? Cada época do ano, cada paróquia tinha sua quermesse. Era onde os garotos de classe média que não frequentavam os clubes da cidade encontravam as garotas. Era na escola, nas quermesses, na praia e no cinema. Esses eram o ponto de intercâmbio, de poder se encontrar. Os lazeres na cidade eram esses e para os garotos tinham também o futebol. E aqui-acolá íamos a uma tertúlia.” (Fausto Nilo, em entrevista concedida no dia 6 de maio de 2009).

Acervo Jornal O Povo 

Com um caráter representativo de progresso e modernidade, o cinema converteu-se 
em lazer amplamente frequentado, sendo um importante ponto de encontro da juventude na 
década de 1960. 

“Muitos de nós saíamos da escola ou da faculdade e íamos ao cinema no sábado. 
Aos domingos, como era de costume: praia de manhã, cinema à tarde. O cinema também era o programa preferido para sair com a namorada. A sala escura criava um ‘clima’. Como tínhamos pouco dinheiro, geralmente já marcávamos dentro da sala, para não termos que pagar o ingresso da moça". (José Mapurunga, entrevista concedida em 5 de maio de 2009).

O interesse da população pelo cinema era representado frequentemente em colunas de jornais que tratavam, em específico, da sétima arte. O jornal Gazeta de Notícias e O Povo
tinham páginas inteiras reservadas à divulgação e à crítica cinematográfica, além de notas 
sobre a programação semanal ou diária das casas de cinema, dispostas aleatoriamente no 
decorrer do veículo. 

De acordo com José Mapurunga, a juventude que frequentava o cinema em Fortaleza,
em especial as sessões de arte, é caracterizada pelo figurino que vestiam, pelo que liam e pelo
que conversavam. O cinéfilo dos anos 60 vestia-se como “proletariado”, reflexo de uma visão política que aproxima-se das camadas sociais mais populares, proporcionado pelos filmes e pelos livros que compunham o repertório de construção visual e intelectual do espectador da época.

 A geração de sessenta em Fortaleza, embora também assistisse a filmes norte-americanos que impunha o gosto pelo rock 'n' roll e o uso da minissaia pelas mulheres, também
era influenciada pelo cinema europeu, que explicitava a revolução sexual, onde mulheres
também poderiam vestir-se da mesma maneira como apenas homens se vestiam antes,
adotando agora o uso da calças jeans e camisa. E assim o faziam. Como opção musical,
tinham a música popular brasileira como preferência, devido a popularização e disseminação desta nesse período e de sua ligação com a brasilidade, também buscada nas produções
cinematográficas brasileiras.

Entretanto, é importante atentar que o esteriótipo visual com que vestiu-se a geração de sessenta não era unânime. Podíamos encontrar a juventude vestida de jeans, camiseta
branca e sandália franciscana, figurino característico da época, mas não devemos nos fechar
nessa única concepção.

Abrigo Central 

Isso também se aplica ao mito do livro embaixo do braço. Era comum à geração cinéfila de sessenta em Fortaleza, a cultura de usar sempre um livro embaixo do braço, representado aquilo que estava lendo. Poderia ser Marx, Tolstoi, Freud, Lênin; algo de caráter valorativo e que simbolizasse um status de intelectualidade.
Entretanto, o arquiteto Fausto Nilo, frequentador assíduo do cinema na cidade de Fortaleza,
afirma esse não ser um hábito praticado frequentemente por ele, mas afirma a existência deste fato e relata:

“Eu tinha um primo que era meu companheiro de formação. Eu morei na casa dele. 
As curiosidades eram juntas. A gente via muito cinema. Aí, parava num sebo na Rua Guilherme Rocha e tinha um livro pra vender que era assim: ‘A interpretação dos 
sonhos, Freud’. Aí eu olhava pra ele e dizia: ‘Cara, é aquele Freud. Se lembra daquele filme que o cara falou?’. Aí a gente comprou o livro e a gente lia coisas desse tipo, mas não tínhamos interlocutores. A gente lia aquilo só nós e ficava tentando fechar esse mosaico. Então, o CCF e esses jovens intelectuais que foram se identificando na cidade, eles foram ajudando a criar uma teia de sustentação intelectual uns dos outros. E a linguagem era essa: se encontrar no cinema, se ver de longe, depois se conhecer, alguém apresentar e a partir daí, se afeiçoar às características uns dos outros. Era comum desses jovens ler (ou parecer que lia) livros de formação política e intelectual, como Sartre, Marx, Freud. Tinha isso de vê-los sempre com um livro embaixo do braço.” (Fausto Nilo, em entrevista concedida no dia 6 de maio de 2009).

Abrigo Central 

A década de 1960 – era associado, no Brasil, a um momento de intenso desenvolvimento econômico e de efervescência cultural, com proliferação de tendências e manifestações no campo das artes e em outros setores de produção de bens simbólicos. Estes aspectos eram comumente reportados nos periódicos cearenses.

Além de representar uma forma de diversão pura e simples, o cinema funcionou naquele contexto histórico, sobretudo, como um veículo por excelência, de disseminação de ideologia e mensagens ligadas aos mais diversos propósitos. É um tipo de lazer sedutor, que logo se universalizou na preferência do público. E em meio a essa trajetória ditatorial que vivíamos em nosso país, o cinema inseriu-se como aglutinador de grupos, catalisador de pessoas e idéias, lugar onde havia a convergência de interesses. Isso se dava não somente no ato de ir ao cinema, mas nas convivências pré e pós exibições do filme, nos salões de espera das casas de cinema, nas filas para entrar nos filmes e nos bares, lanchonetes e restaurantes da cidade.

Cine Diogo

No momento no qual dispomos de um já consolidado circuito cinematográfico comercial variado surge em Fortaleza o Cinema de Arte do Cine Diogo – melhor dizendo, ressurge² – como uma opção diferenciada de cinema que, a exemplo de outras experiências
vivenciadas no país, exibiria filmes não identificados com o circuito comercial convencional
que normalmente ocupava a programação do Cine Diogo. A ideia surge com objetivo de que
os filmes alternativos³ produzidos na França, Itália, Grécia, Japão, Inglaterra, Estados Unidos, etc., pudessem atrair também um espectador mais jovem.

Cíntia Mapurunga
(recém-graduada em Comunicação Social, com habilitação 
em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza)

Continua...

 (13220 bytes)¹No início dos anos 1950, a cidade contava com dezoito salas de exibição localizadas não só no centro da cidade, mas também em bairros e zonas periféricas, numa clara demonstração do nível de importância que essa forma de lazer assumia no cotidiano fortalezense nos vários segmentos da população. (PONTES, Albertina 
Mirtes de Freitas. A cidade dos clubes: modernidade e “glamour” na Fortaleza de 1950-1970. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005, p.45). Encontramos registrados em jornais da década de 60, o anúncio constante de seis casa de cinema: Cine São Luiz, Cine Diogo, Cine Moderno, Cine Jangada – pertencentes ao Grupo Severiano Ribeiro, que construiu um “império” de exibições cinematográficas no Brasil –, CineArt, Cine Samburá e Cine Familiar – este também com um circuito de Cinema de Arte. O Clube de Cinema de Fortaleza também tinha sua programação semanal divulgada nos jornais estudados.

 (13220 bytes)²O Cinema de Arte do Cine Diogo surge em 1963. Em 1967, o Cinema de Arte estava ressurgindo, no dia 4 de março, após um longo período de paralisação. 

 (13220 bytes)³ Aquilo que não se afina com valores e métodos convencionais ou tradicionalmente conhecidos. O convencional em questão é o cinema comercial hollywoodiano. 

Fonte: O culto ao Cinema de Arte na geração de sessenta em Fortaleza 

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