Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



domingo, 26 de outubro de 2014

História do Voto - Objeto de desejo da famigerada classe política


O voto, tem sido motivo de disputas, em bastidores e fora dele, acirradas e inflamadas principalmente nas redes sociais, com os postulantes e alguns simpatizantes, ao Palácio do Planalto-sede do poder tupiniquim, e ao Palácio Abolição-sede do poder executivo cearense. Mas, como começou a história do voto? 

Brasil, 23 de janeiro de 1532. Os moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa, São Vicente - São Paulo, foram as urnas para eleger um Conselho Municipal, (os conselhos municipais foram embriões das Câmaras Municipais - formato de administração e poder dado a um lugarejo/aldeia quando de sua elevação à vila, por ordem de vossa majestade - o rei de Portugal, claro para viabilizar a cobrança de impostos dos moradores do local). 
"Por quanto S. Magestade que Deus guarde me manda por sua real ordem que haja uma nova vila nesta Fortaleza de N.Senhora D'assunção no Siará Grande, para aumento desta capitania e deseja da dita real ordem, fundo e creio esta vila em nome d'El-Rei". (Trecho da ata de instalação da Vila de Fortaleza - FARIAS, Airton de. História do Ceará Colônia. Fortaleza, Editora Tropical-1997. Pág. 40, párs 41-47.

A Cidade que conta hoje com dois milhões e quinhentos mil habitantes, teve seus fundamentos em Vila, conforme trecho acima, em 13 de abril de 1726. Durante o Brasil Colônia as capitanias como a do Siará Grande eram governados por um triunvirato; Capitão-Mor, Ouvidor-Mor e em cada vila as Câmaras Municipais. Na capitania do Siará Grande as 10 primeiras vilas foram: Fortaleza-1726/Icó-1738/Aracaty-1748/Viçosa do Ceará, Caucaia e Parangaba em 1759/Messejana-1760/Baturité e Crato-1764/Sobral e Granja-1773 e Quixeramobim-1789. 

Coronelismo - As vilas eram prolongamentos das aldeias e fazendas (A Vila Distinta e Real de Sobral, 5 de julho de 1773, por exemplo nasceu da Fazenda Caiçara) e os cargos públicos eram preenchidos por grandes proprietários de terra-os latifundiários, e seus parentes, os chamados "homens bons" (ou homens de posse). Esses ricos fazendeiros montavam via de regra verdadeiros exércitos de jagunços, gente armada até os dentes, para proteger sua família e seus interesses. E era ele, o fazendeiro, o "senhor do pedaço", ou como dizia o matuto o "manda-chuva". Com a criação pelo Ministro da Justiça em 1831 - Padre Diogo Antônio Feijó da Guarda Nacional, (para proteger o latifúndio/o modelo escravocrata e conter as rebeliões), e por conseguinte o início da venda de patentes, sendo a maior a de coronel, e principalmente no Nordeste do Brasil, sendo adquirida pela endinheirada elite matuta, formou-se assim a base para o coronelismo.
Durante o primeiro período depois da Proclamação da República - República Velha, 1889 a 1930, o coronelismo foi, junto com a Comissão Verificadora de Poderes, um dos dois pilares de todo o sistema político vigente. No Estado do Ceará por boa parte desse período foi comandado apenas por uma família, a poderosa Família Accióly, que tinha na figura do comendador Antônio Pinto Nogueira Accióly o líder máximo de políticos, beatos e coronéis. Ao ponto de Padre Cícero Romão Batista, primeiro intendente de Juazeiro do Norte, fazer uma reunião com 17 coronéis da região do Cariri (todos de patente comprada), reunião que ficou conhecida no Brasil como "Pacto dos Coronéis", (na intenção de proteger Pinto Accióly). Num futuro próximo, 14 de março  de 1914, seria responsável por derrubar o presidente do estado, esse oficial de fato do exército - Cel Marcos Franco Rabelo

Pormenor da Vila de Nossa Senhora da Assunção (Fortaleza), desenhado em 1726 pelos padres Jesuítas.

Curral Eleitoral - A propriedade do coronel, (depois da patente comprada e de força armada legitimada) era o curral eleitoral, onde quem ousa desafiá-lo, não votando em seus candidatos, poderia sofrer punição; perda do campo para plantação, da moradia e porventura de algum emprego de parentes, conseguida por ele. 


Voto de cabresto - A essa época as cédulas de votação eram abertas e o morador da propriedade do coronel não tinha como esconder em quem votava, aliás às vezes ele assinava a cédula de votação sem saber nem em quem estava votando, quando não era levado a urna coagido-por isso era chamado de Voto de Cabresto

Eleição a Bico de Pena - Termo caracterizado pelas fraudes eleitorais que imperavam na época; até defunto votava. As eleições no Brasil, desde 1532 eram de brancos e ricos. Com a Independência do Brasil em 1822, e a constituição outorgada - imposta ao povo (1824) por D.Pedro I, estipulava que só poderia votar o cidadão que tivesse a renda mínima de cem mil réis. 

Arquivo Biblioteca Nacional

Para ser candidato a Deputado Federal a renda mínima estipulada era de quatrocentos mil réis, e para ser candidato a Senador teria de ter uma renda mínima anual de oitocentos mil réis. 
Com o advento da república em 1889 e sua primeira constituição em 1891, esses valores venais foram abolidos, mas ainda havia algumas restrições: Não podia votar; mendigos, analfabetos e mulheres, esta última a partir de 1932 teve seu direito de voto autorizado.

A primitiva cidade de Fortaleza

Hoje o voto é livre e popular, vivemos numa democracia! Vivemos?
O povo ainda continua a ser manipulado e sua situação financeiro/educacional pouco mudou, desde a primeira eleição, lá em São Vicente em 1532.

Texto: Santana Júnior (Colaborador do site)

Fontes: Bibliografia na Web; Ceará Nobre - Raízes do Coronelismo no Brasil e a Revolução de 30/página da Câmara Federal-História do Voto/Wikipédia. FARIAS, Aírton de. História do Ceará Colônia.Editora Tropical. Fortaleza-1997. DAROS, Azevedo &. História de um Povo. Sociedade Brasileira, Império e República. FTD-1989. 


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Nos palcos de Fortaleza - Parte II



Abram as cortinas da cidade: o processo de construção do teatro oficial de
Fortaleza.


Alfim temos um teatro, depois de tantos projetos vãmente elaborados, de tantas iniciativas perdidas e de tantos tentames malogrados. Está satisfeita a necessidade que quotidianamente se acentuava num relevo imperiosamente clamante. Temos um teatro, é certo, e todos nós o vemos, materialmente considerado. O teatro, porém, não está só na sua arquitetura está sobretudo na sua moral, no espírito que o deve dominar. (
Discurso inaugural do Theatro José de Alencar feito por Júlio César da Fonseca Filho. In COSTA, Marcelo Farias. Teatro na terra da luz. Fortaleza: Edições UFC, 1985. p. 92-93. )

Em 1859, o Presidente da Província do Ceará, João Silveira de Sousa, prevendo a precocidade do projeto afirma: “contra semelhante obra se levantarão centenas de objeções, entre elas a da necessidade de tratar-se antes da abertura de estradas, do melhoramento de portos, da construção de açudes, da colonização, de escolas normais etc”


Tiveram novas tentativas de efetivar a construção do teatro oficial nos anos de 1872 e 1891, mas não passaram de especulações, pois reafirmavam o discurso de 1859, a inviabilidade desse projeto devido às finanças e às obras consideradas prioritárias, estas muitas vezes relacionadas com as intempéries climáticas, ou seja, a seca. O primeiro projeto a sair das especulações e ser posto no papel, mas não sendo finalizado, aconteceu sob a presidência de José Freire Bezerril. As obras de construção do Teatro oficial de Fortaleza foram autorizadas pela Lei nº 144 de 25 de agosto de 1894, 10 sendo escolhido Isaac Amaral para fazer à obra, na Praça do Patrocínio, onde foi posta a pedra fundamental e tinha como matéria-prima, pela primeira vez no Ceará, alvenaria e cimento. Mas o teatro oficial só foi construído no governo acciolino com a denominação de Theatro José de Alencar

O processo de edificação deste teatro foi alvo de disputas políticas entre os oposicionistas e situacionistas do governo acciolino, sendo que em tais conflitos podemos perceber quais as concepções de teatro possuíam o governo, os jornalistas, os intelectuais, ou seja, a elite da sociedade fortalezense. 


Antonio Pinto Nogueira Accioly assume o governo em 1896 e rescinde o
contrato com Isaac Amaral prometendo dar continuidade à obra. Em 1902, Pedro Augusto Borges, então Presidente do Estado e correligionário de Nogueira Accioly, autoriza o subsídio de 50:000$000 para edificação de um teatro para capital, não sendo efetivada. Apenas em 1904, que Nogueira Accioly retornou ao projeto de construção de um teatro oficial da cidade de Fortaleza. Segundo os relatórios do Estado, o Ceará estava sofrendo com os períodos de seca e o orçamento destinado às obras públicas era aplicado no enfretamento desta, assim, Accioly justificava a não efetivação da obra
iniciada sob o governo de José Freire Bezerril.

A lei nº 768 de 20 de agosto de 1904 autorizou a construção do teatro oficial para a cidade de Fortaleza, permitindo o Estado realizar qualquer operação de crédito, se necessário for e despender a quantia de quatrocentos contos de reis.


A construção do teatro oficial seria uma forma de impulsionar a vida artística na capital cearense, assim as companhias dramáticas vindas de fora teriam um local definido para se apresentarem, pois nem sempre os teatros existentes tinham condições de recebê-las, além disso, as agremiações e companhias dramáticas cearenses teriam um espaço para o seu desenvolvimento. Essa era a expectativa da imprensa cearense, assim, como de Nogueira Accioly,pois seus argumentos em defesa da edificação do teatro foram: “da necessidade e dos resultados indiretos que as diversões artísticas podem trazer ao nosso desenvolvimento social”. (
Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Ceará em 1º de julho de 1908 ).

Mas obras iniciaram-se somente a 06 de junho de 1908, segundo consta na
pintura no foyer e seguiram dois anos ininterruptos. A localização foi definida ao lado do prédio da Escola Normal, não mais no meio da praça. O início das obras foi um ponto de controvérsia entre os acciolinos e opositores, o jornal A República escreve a 03 de junho de 1908 respondendo seu opositor O unitario: “Até agora, ao contrário do que affirmou hontem <> as obras do theatro não foram iniciadas, pelo que o decrépito rábula não pode saber se o serviço vai sendo feito mediante concurrencia ou não.” O jornal ainda acrescenta: “(...) dentre pessoas insuspeitas ao fellicitario, o seu sobrinho Sr. Aurélio Brígido, que foi o encarregado do transporte da parte metallica do Theatro, da alfândega para o ponto em que terá de ser construído.” O jornal é irônico ao falar de pessoas insuspeitas, dentre estas o sobrinho de João Brígido, proprietário do O unitario, trabalhando na construção do teatro.


Outras críticas dos oposicionistas em relação à edificação do Theatro José de Alencar são referentes ao emprego de parentes e amigos no projeto e aos gastos públicos para efetivação deste. As obras foram administradas diretamente pelo poder público, sob a direção de Raimundo Borges Filho, este genro do Nogueira Accioly e oficial do Exército. A planta geral do teatro foi projetada pelo amigo do Presidente da Província, o 1º tenente e engenheiro Bernardo José de Mello, também professor de desenho do Liceu do Ceará e autor dos projetos do Asilo de Mendicidade e de algumas residências de Fortaleza. Assim, o jornal O unitario afirma:


(...) o snr. Accioly, (...), foi espiar à semana passada a obra do theatro, que seo genro está fazendo, ajudado de seo superior e ajudante, todavia 
– engenheiro capitão Bernardo. O digno sogro foi recebido por ambos á porta do edifício, que ainda não tem porta, como auqelles ainda não teem carta de engenheiro. (...) fazia falta o mestre José Morcego, como o tem pretendido o Unitário! O velho comediante sabe mui bem o que deve ser uma casa de comedias, alem de que também trabalha em dramas, e nasceo para o palco.

O jornal Unitário provoca o governo ao atacar Raimundo Borges e Bernardo José de Mello, mencionando que estes não têm carta de engenheiro, ou seja, foram contratados para realização da obra por serem genro e amigo de Accioly, respectivamente. Nos últimos anos do governo acciolino, as disputas políticas ficaram cada vez mais acirradas e a construção do Theatro José de Alencar se encontrava no meio deste conflito, sendo alvo de críticas dos oposicionistas. O jornal O Unitario, também, ironiza os gastos excessivos na construção do Theatro José de Alencar ao escrever que Accioly “sahio agradavelmente impressionado de vêr que aquillo tem deixado muito dinheiro, e promette muito mais.” 

O custo de toda a obra alcançou o valor de 553,084$497, previsto inicialmente em torno de 400 mil réis. A arquitetura de ferro tomava conta do Ceará nas construções das pontes metálicas e no Mercado da carne em Fortaleza, na Estrada de ferro de Baturité, entre outras obras. O que não foi diferente na construção do teatro oficial, este recebeu uma estrutura de ferro importada da Europa através da firma Boris Frères junto à empresa escocesa Walter MacFarlane & Co
Os engenheiros desta firma projetaram a estrutura metálica da platéia, ou seja, a parte mais importante da arquitetura do teatro. O Garoto, jornal oposicionista, refere-se a essa estrutura de ferro de forma irônica, pois
considerava os seus gastos desnecessários, como também criticava as influências estrangeiras na capital cearense: “Teatro de Ferro; Reportagem d’o Garoto sobre o nosso teatro de ferro, que já chegou das oropicas, ó ferro!”.


Com o decorrer das obras a decoração do teatro ficou a cargo dos “artistas”
Herculano Ramos, arquiteto mineiro e pintou o primeiro pano da boca; Ramos Cotôco, pintor, desenhista, caricaturista, poeta e compositor, ficou responsável pela pintura dos nomes das obras do José de Alencar sobre as grades das frisas, além das decorações em volta dos retratos de José de Alencar e Carlos Gomes e as figuras femininas no teto do foyer; João Vicente, pintor cearense responsável pela pintura imitando mármore de
carrara nas paredes da boca de cena; Gustavo Barroso, escritor, desenhista e
caricaturista, ajudou na pintura do primeiro pano de boca; Jacinto Matos, pernambucano que pintou os florões no forro da sala de espetáculo e o medalhão acima da porta de saída para o pátio com o nome do autor do projeto; José de Paula Barros pintou os retratos de José de Alencar e Carlos Gomes no teto do foyer e a representação das três artes (pintura, música e drama) e Rodolfo Amoedo, carioca que pintou o tímpano da boca de cena. (BENEDITO, 1999, p. 13). 


O teatro À Italiana foi paradigma para todo o mundo, inclusive o Theatro José de Alencar. “O teatro a italiana foi concebido como lugar fechado, elitista, quase secreto dentro da cidade. (...) Ambiente privado da aristocracia e da burguesia nascente, ao qual o povo pouco tem acesso, em sua sala de espetáculos as elites desfilam seus privilégios e seu prestígio social.” (BARROSO, 2002, p. 17-18). 

Seguindo a proposta de Oswald Barroso, o Theatro José de Alencar, em sua estrutura arquitetônica, propôs uma hierarquia social, mas não se propunha ser um local “secreto dentro da cidade”, ao contrário, era para ser visto e admirado, inclusive pelas ditas massas. Segundo o Relatório do Estado, o espaço dos espectadores dividiu-se da seguinte maneira: A terceira secção (...) é disposta assim: 1º pavimento térreo ocupado pelas cadeiras (1ª e 2ª ordem) com corredores laterais e ampla vista para o jardim; 2º pavimento das frizas, ou anphitheatro, e forma e ferradura, sacando do plano dos camarotes cerca de 2m80; 3º pavimento dos camarotes, em número de 19 ao todo (destinando-se o do centro ao Presidente da Província do Estado) com vastos
corredores lateraes; 4º pavimento das torrinhas ou geraes. (
Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Ceará em 1910 pelo Presidente do Estado Antonio Pinto Nogueira Accioly.)



Portanto, a platéia possuía seu local definido, os comerciantes, os jornalistas, os políticos, os funcionários públicos, os trabalhadores, cada qual sabiam onde eram seus espaços, ressaltando a hierarquia social dentro do teatro. A inauguração do Theatro José de Alencar ocorreu em 17 de junho de 1910, sob a música da Banda Sinfônica do Batalhão de Segurança e o discurso inaugural ficou a cargo de Júlio César da Fonseca Filho (COSTA, 1972, p.28). 

O Theatro José de Alencar tornou-se a mais importante casa de espetáculos da cidade de Fortaleza, recebendo grandes produções e artistas brasileiros
e estrangeiros. Sua arquitetura opulenta no período da construção, destaca-se pela estrutura de ferro e pelos padrões do ecletismo, tendo como destaque a Art Nouveau e o Neoclássico. Homenageia o mais famoso romancista cearense, José de Alencar, que ficou conhecido por obras como Iracema, O Guarani, As Minas de Prata, O Sertanejo, Senhora e Lucíola entre outras. 

Assim, o prédio do Theatro José de Alencar transformou o espaço visual da cidade, além de proporcionar outras perspectivas sobre a prática teatral em Fortaleza.
“A cidade”, dizia Marsílio Ficino, “não é feita de pedras, mas de homens.” São os homens que atribuem um valor às pedras e todos os homens, não apenas os arqueólogos ou os literários. Devemos, portanto, levar em conta, não o valor em si, mas a atribuição de valor, não importa quem o faça e a que título seja feita. (...) É preciso prescindir, portanto, do que parece óbvio e ver como ocorre, em todos os níveis culturais, a atribuição de valor aos dados visuais da cidade. (ARGAN, 1993, p. 228). 


Deste modo, os discursos jornalísticos foram atribuídos valores ao Theatro José de Alencar, que perpassam pela sua estrutura, pela peças encenadas em seu palco, pelos artistas, pelos seus frequentadores e assim por diante. Neste sentido, Argan propõe uma relação entre função e valor, onde “não há função sem valor, nem valor sem função”, assim, indica dois tipos de valor: valor da função e função do valor. O Theatro José de Alencar é percebido, julgado e vivido conforme seu dinamismo funcional ou a contemplo, assim, tal prédio tem significados diferentes para sujeitos diversos, sendo que “nada de mais errado do que identificar a função e o significado de um edifício no
contexto urbano. A função não outorga o significado, mas simplesmente a razão de ser”
(ARGAN, 1993, p. 229-230). Mas não é apenas o prédio do Theatro José de Alencar que possui valores, função ou significados, tais atribuições podem ser percebidas nas peças encenadas em seu palco. “O teatro tem uma história específica, capítulo essencial da história da produção cultural da humanidade. Nesta trajetória o que mais tem sido modificado é o próprio significado da atividade teatral: sua função social” (PEIXOTO,
1980, p.11-12). 


Neste sentido, a função social provoca alterações na forma de conceber e realizar o teatro:

Muitas vezes negando princípios e técnicas que pouco antes pareciam essenciais e indispensáveis. Frequentemente transformando o processo narrativo e mesmo os processos interpretação e encenação. É
irrecusável que, dentro de certos limites, formas artísticas acabam criando novas formas artísticas. (...) o que se transforma na vida social e real dos homens é que determina modificações nas concepções filosóficas como nas representações artísticas (PEIXOTO, 1980, p. 11-12). 

A forma do teatro relaciona-se com aspectos culturais e sociais do local onde
está sendo produzido, assim, não se tem uma forma única da atividade teatral, existem muitas formas para o teatro acontecer. O teatro é formado pelo espaço, autores, atores, músicos, produtores, diretores, ajudantes e pelo público. Estes componentes podem produzir uma tragédia, uma comédia, um monólogo, uma ópera, uma opereta, um musical e assim por diante, ou seja, diversas formas de espetáculos teatrais, que mudam conforme o público. 


Portanto, os valores atribuídos ao Theatro José de Alencar estão relacionados com a própria prática teatral, ao mesmo tempo, que ganha contornos sociais, morfológicos e políticos. Desta maneira, o Theatro José de Alencar pode ser 
percebido como um marco da cidade de Fortaleza, pois “a característica essencial de um marco viável (...) é sua singularidade, o contraste com seu contexto ou seu plano de fundo” (LYNCH, 1997, p. 112). 

Como também pode ser entendido como uma “arquitetura monumental”, que é “a expressão do poder, este poder exibe-se na reunião de custosos materiais de construção e de todos os recursos da arte, bem como num domínio de todos os estilos de acessórios sagrados” (MUMFORD, 1998, p. 78).

O monumento é um traço característico da construção do espaço tanto na dimensão sagrada quando naquela aqui definida como de representação. A exigência de construir um espaço sagrado ou de representação pertence à função desempenhada pela legitimação (...) O espaço de representação ilustra os universos simbólicos: os valores, isto é, a estrutura de referência sobre o qual fundamenta a ordem institucional. (BETTANINI, 1982, p. 96-97). 

Segundo Bettanini, o espaço de representação produz significados para legitimar a cultura administrada pela ordem institucional, que pode ser percebida em órgãos como os periódicos, em lugares como as praças, em monumentos como estátuas, ou mesmo teatros. Para oligarquia acciolina, o Theatro José de Alencar tornou-se uma das principais obras realizadas, seguindo a estrutura do teatro italiano e utilizando as novas técnicas da arquitetura, assim colocava de forma concreta a sua defesa do desenvolvimento social e cultural. Desta forma, tornando-se um espaço não só de sociabilidade e prática teatral, mas como também um espaço de representação do governo acciolino.


Camila Imaculada Silveira Lima 

Mestranda em História pela Universidade Estadual do Ceará


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Nos palcos de Fortaleza



Fortaleza afrancesada. Aspecto da Praça General Tibúrcio - Acervo MIS

Nos primeiros anos do século XX, a cidade de Fortaleza encontrava-se sob um processo de transformações, ganhando novos espaços, técnicas e habitantes. Devido aos problemas provocados pelas secas no interior do Estado do Ceará, muitos sujeitos migraram para Fortaleza, esperando que nesta as condições de vida fossem melhores, assim, os retirantes foram alocando-se em espaços ainda não habitados e dando novos aspectos à cidade. Além disso, Fortaleza adquiria novidades tecnológicas oriundas dos países europeus e Estados Unidos, como por exemplo, a arquitetura de ferro, os bondes, a iluminação a gás e o cinematógrafo, assim, novos prédios foram sendo construídos. 




Jardins 7 de Setembro na Praça do Ferreira. (Cartão colorizado do início do Século XX)

Destes ressaltamos o Theatro José de Alencar, que foi edificado entre os anos de 1908 a
1910 para servir como teatro oficial ou público de Fortaleza, mas esta também possuía seus teatros particulares de iniciativa de empresários ou de companhias dramáticas.

Assim, Fortaleza vai modificando a sua forma, onde a prática teatral teria seu espaço. Nessas mudanças na morfologia da cidade de Fortaleza têm-se as disputas políticas entre os correligionários da oligarquia acciolina e os seus opositores, que são difundias nos periódicos A Republica, órgão oficial do governo acciolino e tendo como principal redator Antônio Arruda; O Unitário, jornal político e opositor a gestão de Nogueira Accioly e cita-se como redatores João Brígido, Rodolpho Ribas e Armando Monteiro e Jornal do Ceará, definido como órgão político de oposição e seu redator e proprietário foi Waldemiro Cavalcanti. Nesses periódicos também podemos perceber uma análise do cenário artístico da capital cearense, através de anúncios dos espetáculos, da descrição dos concertos, das peças e dos filmes exibidos, dos elogios ou desmerecimento dos artistas e ressaltando os cinemas e teatros existentes nas suas concorrências em busca de público. As conturbações políticas são refletidas na prática teatral em Fortaleza, onde os discursos são modificados, os espaços são diferenciados e assim por diante. 



A opereta A Valsa Proibida do cearense Paurillo Barroso em 1964 mobilizou a cidade nos anos 40, quando da temporada de estréia no Theatro José de Alencar

A prática teatral vai ganhando significados diferentes ao longo dos anos, neste sentido, as atribuições dadas ao teatro em Fortaleza no início do século XX refletem seus valores, seus conflitos, suas relações sociais e assim por diante, que podem ser verificados nos discursos jornalísticos.

Os primeiros teatros da cidade de Fortaleza




O primeiro teatro, registrado pela história, existente em Fortaleza foi o Concórdia datado de 1830, também conhecido como Casa da Ópera e popularmente deTeatrinho da Concórdia, sendo um estabelecimento particular, obra de negociantes portugueses e de empregados dos comércios, sendo localizado em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário. Em 1842 o Teatro da Concórdia transferiu-se para a Rua Formosa, 72 (atual Barão do Rio Branco) com o nome de Teatro Taliense, funcionando, ali, até 1872. Neste, pela primeira vez, um grupo de fora se exibiu, os músicos italianos Ugaccioni, os quais acabaram se fixando em Fortaleza depois de muito sucesso. Os espectadores do Taliense eram membros da elite, cujo senhoras com seu figurino eram o ponto alto de elegância.


Prédio do Círculo de Operários Católicos, onde foi construído o Teatro e Cinema São José.  Livro Fortaleza e a Era do Cinema

Em 1874, surge o Theatro São José na Rua Amélia (atual Senador Pompeu, entre
Guilherme Rocha e Liberato Barroso), onde se estabeleceu até 1884. Foi inaugurado em março pela Sociedade Dramática, de Antônio Joaquim de Siqueira Braga, permanecendo até hoje. O grupo amador Recreio Familiar ocupou o seu palco com animadas comédias, além dos incidentes engraçados:



A prática teatral em Fortaleza em meados do século XIX possuía certa informalidade, que anos mais tarde seria criticada pelos periódicos da capital. Tem-se também no Teatro São José apresentações das Meninas Riosas, dupla de mocinhas de muito sucesso eOs Campanólogos, estes grupo de cinco músicos que tocavam com cento e tantas campanhias e oitenta copos.

Localizado na esquina da Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) com a Rua Misericórdia (João Moreira), defronte ao Passeio Público, foi inaugurado a 21 de janeiro de 1977, o Theatro de Variedades, este não possuía teto e para sentar-se os espectadores levavam cadeiras.


Antiga Rua da Misericórdia em frente ao Passeio Público, onde em 1977 funcionou o Teatro de Variedades. Arquivo Nirez

Nos anos de 1880 a 1896, no mesmo local do Teatro Variedades, funcionou o Theatro São Luiz, considerado o mais importante anterior ao José de Alencar e de iniciativa do tabelião Joaquim Feijó de Melo. Muitas companhias que excursionavam em direção ao Norte passavam por Fortaleza e faziam apresentações de óperas, operetas, dramalhões, dramas e comédias no Teatro São Luiz:

Funcionou nos fins do século passado. Foi à fase retirante do Teatro em Fortaleza. No palco deste teatro contracenaram os mais célebres artistas brasileiros e portugueses daqueles tempos. Companhias que demandavam o Pará, então o foco de arte no Norte, faziam uma temporada no São Luiz para um público de gosto exigente, representado óperas, operetas, dramalhões e comédias, caprichosamente.


Na última década do século XIX, verificamos que a prática teatral em Fortaleza vai adquirindo um discurso de formalidade, onde o teatro deveria seguir uma estrutura específica conforme os grandes centros europeus e a capital federal, ou seja, o Rio de Janeiro, o público apresentaria um comportamento civilizado, os artistas teriam seus
reconhecimentos sejam locais ou nacionais, as peças encenadas seriam de prestígio e assim por diante. Mas o discurso não significa afirmar na existência de formalidade na prática teatral na capital cearense, pois essa vai ganhando formas diferentes conforme os sujeitos que a realizam, apesar de estarem nos palcos da cidade de Fortaleza.


“Com extraordinária concorrência”: os teatros particulares e as inovações tecnológicas
As transformações da cidade da cidade são responsáveis pela criação desse novo modo de exprimir os desejos, atingindo seu desenvolvimento em “Viação Urbana”. (RODRIGUES, 2000, p.66). 



Livro Fortaleza e a Era do Cinema

No início do século XX foram aparecendo outros teatros e grupos dramáticos na capital cearense, como por exemplo, o Theatro João Caetano; o Theatro Iracema; o Theatro Rio Branco; o Theatro Art Nouveau e o Theatro Polytheama. Alguns desses teatros surgiram por investimentos de empresários, mas também por iniciativas de grupos dramáticos ou sociedades esportivas, como por exemplo, o Theatro João Caetano. Este foi oriundo do Clube Atlético, que era uma sociedade esportiva formada por jovens do comércio, onde além das práticas atléticas, também organizavam seus dramas, tragédias, etc. (COSTA, 1972, p. 25-26). Tais teatros e grupos dramáticos foram desenvolvendo práticas sociais e culturais na cidade de Fortaleza, nas quais foram ganhando contornos diversos, pois os teatros particulares não eram apenas investimentos de empresários, também eram espaços de diversões e sociabilidade de parte da sociedade fortalezense. 



Os teatros particulares recebiam companhias dramáticas oriundas da capital federal e de Portugal, como por exemplo, a Companhia Alves da Silva, que encenou diferentes peças no palco do Theatro Iracema. Mas também recebiam as companhias dramáticas cearenses, que em sua maioria eram formadas por membros da elite, como no caso do Clube de Diversões Artísticas organizado por Papi Junior, onde agia diretor, autor, ator e ensaiador, tal grupo propôs organizar um teatro nos fundos do Clube Iracema. (GIRÃO, 1997, p. 144). 



Alguns encontravam na ida ao teatro uma forma de divertimento, mas para outros a diversão estava nas encenações das peças, na escrita destas, na organização do cenário etc. Portanto, os teatros particulares também foram sendo construídos para colocar em seus palcos grupos cearenses de arte dramática, definidos como amadores por Raimundo Girão, mas que os periódicos davam os devidos valores, não apenas pelos seus redatores frequentarem os mesmos espaços desses artistas, mas também por estes incentivarem a prática teatral na cidade de Fortaleza, já que essa é proposta como uma atividade de país civilizado: 

Judiciosos são, sem dúvida, os desejos expostos em favor dos artistas, elemento forte e poderoso, que em todo paiz civilisado concorre com seu prestígio para a formação e organização do Estado, constituindo uma classe nobre, digna e respeitada tal qual sonha o articulista d’A Republica.  (Grafia da época)

Mas tais artistas não eram membros apenas da elite, pois muitos faziam do palco o seu ganha pão do dia-a-dia. Os periódicos anunciavam os espetáculos, que ocorriam nesses teatros particulares, convidando o público para prestigiar e contribuir financeiramente com esses artistas, ao mesmo tempo, incentivando o hábito de frequentar tais teatros. Os empresários encontravam nas páginas desses jornais a forma de propaganda das suas casas de espetáculos, assim, o Jornal do Ceará noticiava:

“sabbado, no Theatro realisar-se-á o espectaculo de variedadesda 
artista cantora Victorina Cezana, que o dedicou ás familias cearenses”.   (Grafia da época)

As notícias dos espetáculos seguem com argumentos para incentivar a ida do público aos teatros, ao mesmo tempo em que ressaltam os valores defendidos pelos redatores dos periódicos, como por exemplo, a importância da família para o desenvolvimento social e cultural da cidade de Fortaleza. Portanto, a prática teatral em Fortaleza era uma diversão ou lazer, um negócio, uma atividade cultural, uma forma de sociabilidade e assim por diante.
Mas nos primeiros anos do século XX, o teatro encontrou no cinema uma concorrência. Com a chegada das maquinas de projeção de filmes na capital cearense, os teatros particulares abriram os seus espaços para essa novidade tecnológica, que segundo os jornais suas sessões eram bastante concorridas, onde “todas as noites, enchentes à cunha, todos devem aproveitar as boas noitadas, que está proporcionando o Rio Branco”


Atrás da Maison Art Nouveau, ficava o Cinema Di Maio.

Este era mencionado pelos periódicos em alguns momentos como cinema e em outras ocasiões como teatro, mas percebemos como os espetáculos teatrais foram perdendo espaço para a exibição de filmes, onde tais sessões poderiam ser acompanhadas de orquestras, números de mágicas ou mesmo encenação de peças, mas estas tornavam secundária diante da novidade que atrai cada vez mais público. Este seria composto por empresários, políticos, militares, intelectuais, trabalhadores do comércio, funcionários públicos etc. Tal público vai encontrando divertimento nos cinemas que vão surgindo, como por exemplo, o Cinema Di Maio pertencente ao Vitor Di Maio e localizado na Rua Guilherme Rocha, atrás da Maison Art Nouveau e o Cinema Cassino Cearense de Julio Pinto e com sede na Rua Major Facundo no antigo Palhabote, bar que pertenceu a Antônio Dias Pinheiro

Diante das novidades tecnológicas, que expressavam os desejos de civilidade dos discursos jornalísticos, onde a cidade é percebida como um “lugar da cultura”, ou melhor, “de produção cultural” (BARROS, 2007, p. 81-82), o comportamento do público era questionado nos discursos jornalísticos: 

Hontem á noite ao theatrinho, onde se dava um espectaculo cinematographico, houve o que se chama um rolo, entre um filho do dono da casa, o filho do Snr. Guilherme Moreira e o septuagenário, Coronel César da Rocha, intendente desta capital.
Houve entre as três partes litigantes, murros, taponas e quedas, terminando o sarilho pela prisão, que effetuou o último, do moço Mesiano, a quem aplicou ainda alguns murros, quando o mettia no xadrez. (...) Deixemol-os a divertirem-se que tudo vem a ser progresso
da liberdade, costumes novos, decência e gravidade dos homens da situação e governança. Até pouco tempo tínhamos duellos em brigas de dois, já agora temos triellos ou brigas de três.
 
 (Grafia da época)

A desordem descrita pelo jornal O Unitário ocorrida no Theatro Rio Branco demonstra que novos valores chegavam à cidade de Fortaleza junto com as novidades tecnológicas oriundas dos grandes centros europeus e Estados Unidos, como por exemplo, o progresso. Nos discursos jornalísticos Fortaleza estava se desenvolvendo, ou seja, o progresso estava chegando não só com o cinema, mas com os bondes, a iluminação a gás, etc, e com ele também chegava à civilização, portanto, o comportamento de brigas entre os membros do público de uma casa de espetáculo foi ironizado e criticado pelo jornal O Unitário, já que “triellos” não é algo para se considera como civilizado. Neste sentido, Fortaleza com seus teatros particulares e cinemas, que podem ser considerados meios urbanos de concretização e circulação da produção cultural da cidade, pode ser percebida como o “lugar da civilização”? Afinal, “a associação entre cidade e civilização remonta aos primórdios do desenvolvimento urbano” (BARROS, 2007, p. 82). Tal questão nos remete ao que se propõe por civilização, no caso dos periódicos da capital cearense podemos percebê-la como valores de comportamento e desenvolvimento da cidade, neste sentido, os discursos jornalísticos pretendem Fortaleza como um lugar de civilização, isso não significa afirmar que ela era representada nas práticas sociais urbanas. 

Os teatros particulares foram tornando-se pequenos para receber as grandes companhias dramáticas nacionais e estrangeiras, os cinemas foram adquirindo seus espaços, assim, as transformações que ocorriam na cidade de Fortaleza foram impulsionando novos desejos, dentre estes, citamos a construção do teatro público ou oficial defendida pelos intelectuais, artistas, políticos, jornalistas da capital cearense. 



Primeira montagem do Auto da Compadecida no Teatro José de Alencar em 1960. Acervo Almir Terceiro Teles

Em 1981 juntaram-se Virgílio Augusto de Morais, João Brígido, João Joaquim Simões, Manuel Gomes Barbosa e Antônio Papi Junior para formar a Companhia Cearina com objetivo de construir um teatro na atual Praça José de Alencar (GIRÃO, 1997, p. 142).
Assim, no final do século XIX e início do século XX, as discussões em torno da edificação do teatro público ou oficial vão ganhando força e neste contexto têm-se as disputas políticas do governo acciolino. 

Continua...


Camila Imaculada Silveira Lima 
Mestranda em História pela Universidade Estadual do Ceará

terça-feira, 9 de setembro de 2014

José Moreira da Rocha - O Desembargador Moreira


Desembargador José Moreira da Rocha (Foto ao lado).

1877, primeiro trimestre e nenhum prenúncio de inverno. Os estoques de alimentos do estado estavam praticamente esgotados e a fome se fez presente, com levas e mais levas sucessivas de rurícolas esquálidos e imundos inchando a capital Fortaleza, vindos dos quatro cantos do estado a procura de sobrevivência. Cerca de 7000 escravos são exportados a preços irrisórios para as províncias onde a seca não havia chegado, (esse movimento de escravos chamado de tráfico negreiro inter-provincial viria a cessar no ano de 1881, janeiro, com o grito do líder jangadeiro Dragão do Mar"no Porto do Ceará não se embarcam mais escravos...").
O Presidente da Província Caetano Estelita Cavalcanti Pessoa,a tudo assistia, distribuindo migalhas, impotente a falta de recursos. Já havia apelado para Vossa Alteza o Imperador D.Pedro II, (aliás D.Pedro já havia dado ordens ao Ministro da Agricultura Comércio e Obras Públicas - João Lins Vieira e Cansanção para que assinasse a ordem de serviço para a construção da Estrada de Ferro Camocim-Sobral  justamente no intento de empregar os flagelados da seca), que se mostrou solícito. Mas,a morosidade dos vapores impossibilitava o atendimento que a urgência cobrara.

O ramal de Camocim originalmente foi o trecho inicial da E. F. do Sobral (Camocim-Sobral), aberto nos anos 1881 e 1882. Fotos do acervo do Blog Sobral na História

Com a imensa aglomeração de infelicitados, sem o mínimo de higiene inchando Fortaleza, vieram os surtos epidêmicos, levando a morte de centenas, talvez milhares desses nossos irmãos cearenses. Esse foi o cenário encontrado poucos anos depois da mudança de Sobral para Fortaleza do Comendador José Antônio Moreira da Rocha, pai do Desembargador Moreira, eleito deputado provincial, em eleição passada -10 de março de 1870.

O Comendador, deprimido diante de tanto infortúnio e passividade dos governantes retira-se com a família para Salvador-Bahia. Lá José Moreira da Rocha matricula-se no Ginásio Bahiano, fundado pelo Barão de Macaúnas, onde cursou humanidades, (correspondente hoje ao nosso ensino fundamental). Em 1880, toda a família está de volta a Fortaleza. 

Primeiro Emprego 

Com o curso preparatório, (atual ensino médio) concluído, José Moreira da Rocha emprega-se na Cia.Cearense de Via Férrea de Baturité -1883, como aprendiz de topógrafo, passando depois a aprendiz de tornearia mecânica, sob a chefia de seu irmão-Engenheiro Leopoldo Jorge Moreira da Rocha. No ano seguinte matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, onde se bacharelou em ciências jurídicas e sociais, em 1908. De volta ao Ceará o bacharel José Moreira da Rocha foi promotor público das Comarcas de PacatubaCanindé e Maranguape, vindo depois a ser nomeado juiz de direito de Maranguape.

Casamento

Contraiu matrimônio em Fortaleza com Abigail Alves do Amaral. Desse enlace nasceram; Dr. Jorge Moreira da RochaCarlos Alberto Moreira da Rocha e Maria Júlia

Nomeação

Verificada uma vaga no Superior Tribunal de Justiça do Ceará, 1908, fora organizada uma lista contendo dez nomes dos juízes de direito com mais de quatro anos de efetivo exercício do cargo, (seis por antiguidade e quatro dos nomes por merecimento). O Dr. Juiz de Direiro José Moreira da Rocha foi escolhido pelo 'dono do Ceará' Presidente do Estado Antônio Pinto Nogueira Accióly, para preencher a vaga de desembargador. 

O Político Moreira da Rocha

A sua primeira experiência com a administração pública ocorreu em 1914, como Secretário dos Negócios da Fazenda, no segundo governo do Cel. Benjamim Liberato Barroso (1914-1916), quando enfrentou as agruras da famosa 'seca do 15'. Em 1916 assume a presidência do estado o também sobralense Engenheiro João Thomé de Saboia e Silva, (fruto da união de seu partido Democrata com o Partido Conservador, que tinha na Zona Norte como chefe político Francisco de Almeida Monte - Chico Monte). Quando da composição de seu secretariado designa para a pasta do Interior e Justiça o juiz sobralense Dr. José Saboya de Albuquerque. No final de 1918 ao nomear como intendente de Fortaleza Rubens Monte, fora o fato que determinou a renúncia de Dr.José Saboya e nomeação para a referida pasta do Desembargador José Moreira da Rocha. 

1.1- A Eleição de 1924: Decorrido o quadriênio de pacificação do governo do insigne jurista e parlamentar Justiniano de Serpa (1920-1923), irromperam novos dissídios na política cearense: os liderados por Pinto Accióly (oligarquia decadente), e os conservadores indicaram o nome de José Accióly para a presidência do estado, e os partidários dos Paula Rodrigues e Moreira da Rocha, então unificados sob o comando do Engenheiro João Thomé de Saboya e Silva, desfraldaram a candidatura do Desembargador José Moreira.
Unindo-se Conservadores e Democratas, tendo firmado um pacto em que se comprometiam mutuamente a aceitar e prestigiar o nome de Moreira da Rocha como postulante à presidência do estado, agora conciliados das divergências existentes entre os dois grupos partidários. Em 12 de maio de 1924 é eleito presidente do estado assumindo a 12 de julho para um mandado de 4 anos (1924-1928).

1.2- Secretariado: O Governo Moreira da Rocha fora composto; Vice-Presidente Dr.Manuelito Moreira, médico clínico obstetra. Secretaria da Saúde, Dr.Amaral Machado,médico. Secretaria de Saneamento e Obras Públicas, Dr.Vitoriano Borges de Melo, engenheiro. Secretaria dos Negócios da Fazenda, Dr. Manoel Theófilo Gaspar de Oliveira, Capitão Médico do Exército, deputado à Assembléia Legislativa do Ceará pelo Partido Conservador, e ex-titular da Secretaria da Fazenda no Governo Justiniano de Serpa. Para a Chefatura de Polícia, Dr.José Pires de Carvalho. Secretario do Interior e Justiça, Dr.José Carlos de Matos Peixoto, e para a Prefeitura de Fortaleza o advogado de Baturité, Dr.Godofredo Maciel.

No centro da foto, vemos José Moreira da Rocha e Padre Cícero

Governo Moreira da Rocha

Logo no início de seu governo, José Moreira da Rocha enfrentou a Legião Cearense do Trabalho, criada pelo então Tenente Severino Sombra; a incursão da Coluna Prestes; a Insurreição de Juazeiro; e até a visita indesejada do bando de lampião o 'Rei do Cangaço'. A tudo reagiu, "assegurando de pronto o restabelecimento da ordem pública, intervindo a polícia com a energia dentro da órbita das suas atribuições, mas sem a quebra do princípio de autoridade, sendo entregues a justiça os autores de crimes praticados nos conflitos desenrolados", conforme Ele próprio, presidente, asseverou em sua mensagem em 1927. 

Realizações

Reforma do código de processo civil e comercial do estado, constante da Lei nº 2420, de 16.10.1926. Reforma da Constituição Estadual, promulgada em 24 de setembro de 1925; Reforma da Legislação eleitoral, através da Lei nº 2327, de 13 de janeiro de 1923; Construção da rede da coleta e tratamento de água de Fortaleza; Construção da rede de esgoto de Fortaleza; Construção do Posto Central de Profilaxia de Doenças Venéreas e da Lepra; Instalação do Conselho penitenciário; Criação do Gabinete Médico Legal; Construção de uma Colônia Correcional Agrícola na Fazenda Três Lagoas, em Sobral, inaugurada a 8 de janeiro de 1928; Construção do Leprosário Canafístula; Construção da ponte de desembarque no Porto de Fortaleza; melhoria dos Campos de Demonstração Agrícola de Sobral, BaturitéQuixeramobimSenador Pompeu; Execução da lei que determinava a eleição de prefeitos municipais, através do voto popular, (até então os mandatários municipais eram nomeados pelo presidente do estado, por isso eram chamados de intendentes).
Enfermo, José Moreira da Rocha renuncia ao mandato a 19 de maio de 1928, assumindo o Presidente da Assembléia Legislativa Professor Eduardo Girão. Faleceu no Rio de Janeiro a 22 de agosto de 1934. Em sua homenagem, importantes logradouros públicos recebem seu nome, tanto em sua terra natal-Sobral, como em Fortaleza

Bibliografia: ARAÚJO, Francisco Sadoc de. Cronologia Sobralense, Vol.III. Sobral: Imprensa Universitária (UVA), 1983. BARROSO, José Parsifal. Uma História da Política do Ceará: (1889-1954). Fortaleza-BNB S.A, 1984. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. História das Secas.2. Ed. Mossoró: Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte, 1982. ROCHA, José Moreira da (presidente do Estado do Ceará), Mensagem de 1927. Fortaleza, Typografia Gadelha, 1927. Studart, Guilherme (Barão de Studart). Dicionário Bibliográfico Cearense. Fortaleza: Typografia Studart. 

Texto: Santana Júnior 


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