Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Nos palcos de Fortaleza - Parte II



Abram as cortinas da cidade: o processo de construção do teatro oficial de
Fortaleza.


Alfim temos um teatro, depois de tantos projetos vãmente elaborados, de tantas iniciativas perdidas e de tantos tentames malogrados. Está satisfeita a necessidade que quotidianamente se acentuava num relevo imperiosamente clamante. Temos um teatro, é certo, e todos nós o vemos, materialmente considerado. O teatro, porém, não está só na sua arquitetura está sobretudo na sua moral, no espírito que o deve dominar. (
Discurso inaugural do Theatro José de Alencar feito por Júlio César da Fonseca Filho. In COSTA, Marcelo Farias. Teatro na terra da luz. Fortaleza: Edições UFC, 1985. p. 92-93. )

Em 1859, o Presidente da Província do Ceará, João Silveira de Sousa, prevendo a precocidade do projeto afirma: “contra semelhante obra se levantarão centenas de objeções, entre elas a da necessidade de tratar-se antes da abertura de estradas, do melhoramento de portos, da construção de açudes, da colonização, de escolas normais etc”


Tiveram novas tentativas de efetivar a construção do teatro oficial nos anos de 1872 e 1891, mas não passaram de especulações, pois reafirmavam o discurso de 1859, a inviabilidade desse projeto devido às finanças e às obras consideradas prioritárias, estas muitas vezes relacionadas com as intempéries climáticas, ou seja, a seca. O primeiro projeto a sair das especulações e ser posto no papel, mas não sendo finalizado, aconteceu sob a presidência de José Freire Bezerril. As obras de construção do Teatro oficial de Fortaleza foram autorizadas pela Lei nº 144 de 25 de agosto de 1894, 10 sendo escolhido Isaac Amaral para fazer à obra, na Praça do Patrocínio, onde foi posta a pedra fundamental e tinha como matéria-prima, pela primeira vez no Ceará, alvenaria e cimento. Mas o teatro oficial só foi construído no governo acciolino com a denominação de Theatro José de Alencar

O processo de edificação deste teatro foi alvo de disputas políticas entre os oposicionistas e situacionistas do governo acciolino, sendo que em tais conflitos podemos perceber quais as concepções de teatro possuíam o governo, os jornalistas, os intelectuais, ou seja, a elite da sociedade fortalezense. 


Antonio Pinto Nogueira Accioly assume o governo em 1896 e rescinde o
contrato com Isaac Amaral prometendo dar continuidade à obra. Em 1902, Pedro Augusto Borges, então Presidente do Estado e correligionário de Nogueira Accioly, autoriza o subsídio de 50:000$000 para edificação de um teatro para capital, não sendo efetivada. Apenas em 1904, que Nogueira Accioly retornou ao projeto de construção de um teatro oficial da cidade de Fortaleza. Segundo os relatórios do Estado, o Ceará estava sofrendo com os períodos de seca e o orçamento destinado às obras públicas era aplicado no enfretamento desta, assim, Accioly justificava a não efetivação da obra
iniciada sob o governo de José Freire Bezerril.

A lei nº 768 de 20 de agosto de 1904 autorizou a construção do teatro oficial para a cidade de Fortaleza, permitindo o Estado realizar qualquer operação de crédito, se necessário for e despender a quantia de quatrocentos contos de reis.


A construção do teatro oficial seria uma forma de impulsionar a vida artística na capital cearense, assim as companhias dramáticas vindas de fora teriam um local definido para se apresentarem, pois nem sempre os teatros existentes tinham condições de recebê-las, além disso, as agremiações e companhias dramáticas cearenses teriam um espaço para o seu desenvolvimento. Essa era a expectativa da imprensa cearense, assim, como de Nogueira Accioly,pois seus argumentos em defesa da edificação do teatro foram: “da necessidade e dos resultados indiretos que as diversões artísticas podem trazer ao nosso desenvolvimento social”. (
Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Ceará em 1º de julho de 1908 ).

Mas obras iniciaram-se somente a 06 de junho de 1908, segundo consta na
pintura no foyer e seguiram dois anos ininterruptos. A localização foi definida ao lado do prédio da Escola Normal, não mais no meio da praça. O início das obras foi um ponto de controvérsia entre os acciolinos e opositores, o jornal A República escreve a 03 de junho de 1908 respondendo seu opositor O unitario: “Até agora, ao contrário do que affirmou hontem <> as obras do theatro não foram iniciadas, pelo que o decrépito rábula não pode saber se o serviço vai sendo feito mediante concurrencia ou não.” O jornal ainda acrescenta: “(...) dentre pessoas insuspeitas ao fellicitario, o seu sobrinho Sr. Aurélio Brígido, que foi o encarregado do transporte da parte metallica do Theatro, da alfândega para o ponto em que terá de ser construído.” O jornal é irônico ao falar de pessoas insuspeitas, dentre estas o sobrinho de João Brígido, proprietário do O unitario, trabalhando na construção do teatro.


Outras críticas dos oposicionistas em relação à edificação do Theatro José de Alencar são referentes ao emprego de parentes e amigos no projeto e aos gastos públicos para efetivação deste. As obras foram administradas diretamente pelo poder público, sob a direção de Raimundo Borges Filho, este genro do Nogueira Accioly e oficial do Exército. A planta geral do teatro foi projetada pelo amigo do Presidente da Província, o 1º tenente e engenheiro Bernardo José de Mello, também professor de desenho do Liceu do Ceará e autor dos projetos do Asilo de Mendicidade e de algumas residências de Fortaleza. Assim, o jornal O unitario afirma:


(...) o snr. Accioly, (...), foi espiar à semana passada a obra do theatro, que seo genro está fazendo, ajudado de seo superior e ajudante, todavia 
– engenheiro capitão Bernardo. O digno sogro foi recebido por ambos á porta do edifício, que ainda não tem porta, como auqelles ainda não teem carta de engenheiro. (...) fazia falta o mestre José Morcego, como o tem pretendido o Unitário! O velho comediante sabe mui bem o que deve ser uma casa de comedias, alem de que também trabalha em dramas, e nasceo para o palco.

O jornal Unitário provoca o governo ao atacar Raimundo Borges e Bernardo José de Mello, mencionando que estes não têm carta de engenheiro, ou seja, foram contratados para realização da obra por serem genro e amigo de Accioly, respectivamente. Nos últimos anos do governo acciolino, as disputas políticas ficaram cada vez mais acirradas e a construção do Theatro José de Alencar se encontrava no meio deste conflito, sendo alvo de críticas dos oposicionistas. O jornal O Unitario, também, ironiza os gastos excessivos na construção do Theatro José de Alencar ao escrever que Accioly “sahio agradavelmente impressionado de vêr que aquillo tem deixado muito dinheiro, e promette muito mais.” 

O custo de toda a obra alcançou o valor de 553,084$497, previsto inicialmente em torno de 400 mil réis. A arquitetura de ferro tomava conta do Ceará nas construções das pontes metálicas e no Mercado da carne em Fortaleza, na Estrada de ferro de Baturité, entre outras obras. O que não foi diferente na construção do teatro oficial, este recebeu uma estrutura de ferro importada da Europa através da firma Boris Frères junto à empresa escocesa Walter MacFarlane & Co
Os engenheiros desta firma projetaram a estrutura metálica da platéia, ou seja, a parte mais importante da arquitetura do teatro. O Garoto, jornal oposicionista, refere-se a essa estrutura de ferro de forma irônica, pois
considerava os seus gastos desnecessários, como também criticava as influências estrangeiras na capital cearense: “Teatro de Ferro; Reportagem d’o Garoto sobre o nosso teatro de ferro, que já chegou das oropicas, ó ferro!”.


Com o decorrer das obras a decoração do teatro ficou a cargo dos “artistas”
Herculano Ramos, arquiteto mineiro e pintou o primeiro pano da boca; Ramos Cotôco, pintor, desenhista, caricaturista, poeta e compositor, ficou responsável pela pintura dos nomes das obras do José de Alencar sobre as grades das frisas, além das decorações em volta dos retratos de José de Alencar e Carlos Gomes e as figuras femininas no teto do foyer; João Vicente, pintor cearense responsável pela pintura imitando mármore de
carrara nas paredes da boca de cena; Gustavo Barroso, escritor, desenhista e
caricaturista, ajudou na pintura do primeiro pano de boca; Jacinto Matos, pernambucano que pintou os florões no forro da sala de espetáculo e o medalhão acima da porta de saída para o pátio com o nome do autor do projeto; José de Paula Barros pintou os retratos de José de Alencar e Carlos Gomes no teto do foyer e a representação das três artes (pintura, música e drama) e Rodolfo Amoedo, carioca que pintou o tímpano da boca de cena. (BENEDITO, 1999, p. 13). 


O teatro À Italiana foi paradigma para todo o mundo, inclusive o Theatro José de Alencar. “O teatro a italiana foi concebido como lugar fechado, elitista, quase secreto dentro da cidade. (...) Ambiente privado da aristocracia e da burguesia nascente, ao qual o povo pouco tem acesso, em sua sala de espetáculos as elites desfilam seus privilégios e seu prestígio social.” (BARROSO, 2002, p. 17-18). 

Seguindo a proposta de Oswald Barroso, o Theatro José de Alencar, em sua estrutura arquitetônica, propôs uma hierarquia social, mas não se propunha ser um local “secreto dentro da cidade”, ao contrário, era para ser visto e admirado, inclusive pelas ditas massas. Segundo o Relatório do Estado, o espaço dos espectadores dividiu-se da seguinte maneira: A terceira secção (...) é disposta assim: 1º pavimento térreo ocupado pelas cadeiras (1ª e 2ª ordem) com corredores laterais e ampla vista para o jardim; 2º pavimento das frizas, ou anphitheatro, e forma e ferradura, sacando do plano dos camarotes cerca de 2m80; 3º pavimento dos camarotes, em número de 19 ao todo (destinando-se o do centro ao Presidente da Província do Estado) com vastos
corredores lateraes; 4º pavimento das torrinhas ou geraes. (
Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Ceará em 1910 pelo Presidente do Estado Antonio Pinto Nogueira Accioly.)



Portanto, a platéia possuía seu local definido, os comerciantes, os jornalistas, os políticos, os funcionários públicos, os trabalhadores, cada qual sabiam onde eram seus espaços, ressaltando a hierarquia social dentro do teatro. A inauguração do Theatro José de Alencar ocorreu em 17 de junho de 1910, sob a música da Banda Sinfônica do Batalhão de Segurança e o discurso inaugural ficou a cargo de Júlio César da Fonseca Filho (COSTA, 1972, p.28). 

O Theatro José de Alencar tornou-se a mais importante casa de espetáculos da cidade de Fortaleza, recebendo grandes produções e artistas brasileiros
e estrangeiros. Sua arquitetura opulenta no período da construção, destaca-se pela estrutura de ferro e pelos padrões do ecletismo, tendo como destaque a Art Nouveau e o Neoclássico. Homenageia o mais famoso romancista cearense, José de Alencar, que ficou conhecido por obras como Iracema, O Guarani, As Minas de Prata, O Sertanejo, Senhora e Lucíola entre outras. 

Assim, o prédio do Theatro José de Alencar transformou o espaço visual da cidade, além de proporcionar outras perspectivas sobre a prática teatral em Fortaleza.
“A cidade”, dizia Marsílio Ficino, “não é feita de pedras, mas de homens.” São os homens que atribuem um valor às pedras e todos os homens, não apenas os arqueólogos ou os literários. Devemos, portanto, levar em conta, não o valor em si, mas a atribuição de valor, não importa quem o faça e a que título seja feita. (...) É preciso prescindir, portanto, do que parece óbvio e ver como ocorre, em todos os níveis culturais, a atribuição de valor aos dados visuais da cidade. (ARGAN, 1993, p. 228). 


Deste modo, os discursos jornalísticos foram atribuídos valores ao Theatro José de Alencar, que perpassam pela sua estrutura, pela peças encenadas em seu palco, pelos artistas, pelos seus frequentadores e assim por diante. Neste sentido, Argan propõe uma relação entre função e valor, onde “não há função sem valor, nem valor sem função”, assim, indica dois tipos de valor: valor da função e função do valor. O Theatro José de Alencar é percebido, julgado e vivido conforme seu dinamismo funcional ou a contemplo, assim, tal prédio tem significados diferentes para sujeitos diversos, sendo que “nada de mais errado do que identificar a função e o significado de um edifício no
contexto urbano. A função não outorga o significado, mas simplesmente a razão de ser”
(ARGAN, 1993, p. 229-230). Mas não é apenas o prédio do Theatro José de Alencar que possui valores, função ou significados, tais atribuições podem ser percebidas nas peças encenadas em seu palco. “O teatro tem uma história específica, capítulo essencial da história da produção cultural da humanidade. Nesta trajetória o que mais tem sido modificado é o próprio significado da atividade teatral: sua função social” (PEIXOTO,
1980, p.11-12). 


Neste sentido, a função social provoca alterações na forma de conceber e realizar o teatro:

Muitas vezes negando princípios e técnicas que pouco antes pareciam essenciais e indispensáveis. Frequentemente transformando o processo narrativo e mesmo os processos interpretação e encenação. É
irrecusável que, dentro de certos limites, formas artísticas acabam criando novas formas artísticas. (...) o que se transforma na vida social e real dos homens é que determina modificações nas concepções filosóficas como nas representações artísticas (PEIXOTO, 1980, p. 11-12). 

A forma do teatro relaciona-se com aspectos culturais e sociais do local onde
está sendo produzido, assim, não se tem uma forma única da atividade teatral, existem muitas formas para o teatro acontecer. O teatro é formado pelo espaço, autores, atores, músicos, produtores, diretores, ajudantes e pelo público. Estes componentes podem produzir uma tragédia, uma comédia, um monólogo, uma ópera, uma opereta, um musical e assim por diante, ou seja, diversas formas de espetáculos teatrais, que mudam conforme o público. 


Portanto, os valores atribuídos ao Theatro José de Alencar estão relacionados com a própria prática teatral, ao mesmo tempo, que ganha contornos sociais, morfológicos e políticos. Desta maneira, o Theatro José de Alencar pode ser 
percebido como um marco da cidade de Fortaleza, pois “a característica essencial de um marco viável (...) é sua singularidade, o contraste com seu contexto ou seu plano de fundo” (LYNCH, 1997, p. 112). 

Como também pode ser entendido como uma “arquitetura monumental”, que é “a expressão do poder, este poder exibe-se na reunião de custosos materiais de construção e de todos os recursos da arte, bem como num domínio de todos os estilos de acessórios sagrados” (MUMFORD, 1998, p. 78).

O monumento é um traço característico da construção do espaço tanto na dimensão sagrada quando naquela aqui definida como de representação. A exigência de construir um espaço sagrado ou de representação pertence à função desempenhada pela legitimação (...) O espaço de representação ilustra os universos simbólicos: os valores, isto é, a estrutura de referência sobre o qual fundamenta a ordem institucional. (BETTANINI, 1982, p. 96-97). 

Segundo Bettanini, o espaço de representação produz significados para legitimar a cultura administrada pela ordem institucional, que pode ser percebida em órgãos como os periódicos, em lugares como as praças, em monumentos como estátuas, ou mesmo teatros. Para oligarquia acciolina, o Theatro José de Alencar tornou-se uma das principais obras realizadas, seguindo a estrutura do teatro italiano e utilizando as novas técnicas da arquitetura, assim colocava de forma concreta a sua defesa do desenvolvimento social e cultural. Desta forma, tornando-se um espaço não só de sociabilidade e prática teatral, mas como também um espaço de representação do governo acciolino.


Camila Imaculada Silveira Lima 

Mestranda em História pela Universidade Estadual do Ceará


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Nos palcos de Fortaleza



Fortaleza afrancesada. Aspecto da Praça General Tibúrcio - Acervo MIS

Nos primeiros anos do século XX, a cidade de Fortaleza encontrava-se sob um processo de transformações, ganhando novos espaços, técnicas e habitantes. Devido aos problemas provocados pelas secas no interior do Estado do Ceará, muitos sujeitos migraram para Fortaleza, esperando que nesta as condições de vida fossem melhores, assim, os retirantes foram alocando-se em espaços ainda não habitados e dando novos aspectos à cidade. Além disso, Fortaleza adquiria novidades tecnológicas oriundas dos países europeus e Estados Unidos, como por exemplo, a arquitetura de ferro, os bondes, a iluminação a gás e o cinematógrafo, assim, novos prédios foram sendo construídos. 




Jardins 7 de Setembro na Praça do Ferreira. (Cartão colorizado do início do Século XX)

Destes ressaltamos o Theatro José de Alencar, que foi edificado entre os anos de 1908 a
1910 para servir como teatro oficial ou público de Fortaleza, mas esta também possuía seus teatros particulares de iniciativa de empresários ou de companhias dramáticas.

Assim, Fortaleza vai modificando a sua forma, onde a prática teatral teria seu espaço. Nessas mudanças na morfologia da cidade de Fortaleza têm-se as disputas políticas entre os correligionários da oligarquia acciolina e os seus opositores, que são difundias nos periódicos A Republica, órgão oficial do governo acciolino e tendo como principal redator Antônio Arruda; O Unitário, jornal político e opositor a gestão de Nogueira Accioly e cita-se como redatores João Brígido, Rodolpho Ribas e Armando Monteiro e Jornal do Ceará, definido como órgão político de oposição e seu redator e proprietário foi Waldemiro Cavalcanti. Nesses periódicos também podemos perceber uma análise do cenário artístico da capital cearense, através de anúncios dos espetáculos, da descrição dos concertos, das peças e dos filmes exibidos, dos elogios ou desmerecimento dos artistas e ressaltando os cinemas e teatros existentes nas suas concorrências em busca de público. As conturbações políticas são refletidas na prática teatral em Fortaleza, onde os discursos são modificados, os espaços são diferenciados e assim por diante. 



A opereta A Valsa Proibida do cearense Paurillo Barroso em 1964 mobilizou a cidade nos anos 40, quando da temporada de estréia no Theatro José de Alencar

A prática teatral vai ganhando significados diferentes ao longo dos anos, neste sentido, as atribuições dadas ao teatro em Fortaleza no início do século XX refletem seus valores, seus conflitos, suas relações sociais e assim por diante, que podem ser verificados nos discursos jornalísticos.

Os primeiros teatros da cidade de Fortaleza




O primeiro teatro, registrado pela história, existente em Fortaleza foi o Concórdia datado de 1830, também conhecido como Casa da Ópera e popularmente deTeatrinho da Concórdia, sendo um estabelecimento particular, obra de negociantes portugueses e de empregados dos comércios, sendo localizado em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário. Em 1842 o Teatro da Concórdia transferiu-se para a Rua Formosa, 72 (atual Barão do Rio Branco) com o nome de Teatro Taliense, funcionando, ali, até 1872. Neste, pela primeira vez, um grupo de fora se exibiu, os músicos italianos Ugaccioni, os quais acabaram se fixando em Fortaleza depois de muito sucesso. Os espectadores do Taliense eram membros da elite, cujo senhoras com seu figurino eram o ponto alto de elegância.


Prédio do Círculo de Operários Católicos, onde foi construído o Teatro e Cinema São José.  Livro Fortaleza e a Era do Cinema

Em 1874, surge o Theatro São José na Rua Amélia (atual Senador Pompeu, entre
Guilherme Rocha e Liberato Barroso), onde se estabeleceu até 1884. Foi inaugurado em março pela Sociedade Dramática, de Antônio Joaquim de Siqueira Braga, permanecendo até hoje. O grupo amador Recreio Familiar ocupou o seu palco com animadas comédias, além dos incidentes engraçados:



A prática teatral em Fortaleza em meados do século XIX possuía certa informalidade, que anos mais tarde seria criticada pelos periódicos da capital. Tem-se também no Teatro São José apresentações das Meninas Riosas, dupla de mocinhas de muito sucesso eOs Campanólogos, estes grupo de cinco músicos que tocavam com cento e tantas campanhias e oitenta copos.

Localizado na esquina da Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) com a Rua Misericórdia (João Moreira), defronte ao Passeio Público, foi inaugurado a 21 de janeiro de 1977, o Theatro de Variedades, este não possuía teto e para sentar-se os espectadores levavam cadeiras.


Antiga Rua da Misericórdia em frente ao Passeio Público, onde em 1977 funcionou o Teatro de Variedades. Arquivo Nirez

Nos anos de 1880 a 1896, no mesmo local do Teatro Variedades, funcionou o Theatro São Luiz, considerado o mais importante anterior ao José de Alencar e de iniciativa do tabelião Joaquim Feijó de Melo. Muitas companhias que excursionavam em direção ao Norte passavam por Fortaleza e faziam apresentações de óperas, operetas, dramalhões, dramas e comédias no Teatro São Luiz:

Funcionou nos fins do século passado. Foi à fase retirante do Teatro em Fortaleza. No palco deste teatro contracenaram os mais célebres artistas brasileiros e portugueses daqueles tempos. Companhias que demandavam o Pará, então o foco de arte no Norte, faziam uma temporada no São Luiz para um público de gosto exigente, representado óperas, operetas, dramalhões e comédias, caprichosamente.


Na última década do século XIX, verificamos que a prática teatral em Fortaleza vai adquirindo um discurso de formalidade, onde o teatro deveria seguir uma estrutura específica conforme os grandes centros europeus e a capital federal, ou seja, o Rio de Janeiro, o público apresentaria um comportamento civilizado, os artistas teriam seus
reconhecimentos sejam locais ou nacionais, as peças encenadas seriam de prestígio e assim por diante. Mas o discurso não significa afirmar na existência de formalidade na prática teatral na capital cearense, pois essa vai ganhando formas diferentes conforme os sujeitos que a realizam, apesar de estarem nos palcos da cidade de Fortaleza.


“Com extraordinária concorrência”: os teatros particulares e as inovações tecnológicas
As transformações da cidade da cidade são responsáveis pela criação desse novo modo de exprimir os desejos, atingindo seu desenvolvimento em “Viação Urbana”. (RODRIGUES, 2000, p.66). 



Livro Fortaleza e a Era do Cinema

No início do século XX foram aparecendo outros teatros e grupos dramáticos na capital cearense, como por exemplo, o Theatro João Caetano; o Theatro Iracema; o Theatro Rio Branco; o Theatro Art Nouveau e o Theatro Polytheama. Alguns desses teatros surgiram por investimentos de empresários, mas também por iniciativas de grupos dramáticos ou sociedades esportivas, como por exemplo, o Theatro João Caetano. Este foi oriundo do Clube Atlético, que era uma sociedade esportiva formada por jovens do comércio, onde além das práticas atléticas, também organizavam seus dramas, tragédias, etc. (COSTA, 1972, p. 25-26). Tais teatros e grupos dramáticos foram desenvolvendo práticas sociais e culturais na cidade de Fortaleza, nas quais foram ganhando contornos diversos, pois os teatros particulares não eram apenas investimentos de empresários, também eram espaços de diversões e sociabilidade de parte da sociedade fortalezense. 



Os teatros particulares recebiam companhias dramáticas oriundas da capital federal e de Portugal, como por exemplo, a Companhia Alves da Silva, que encenou diferentes peças no palco do Theatro Iracema. Mas também recebiam as companhias dramáticas cearenses, que em sua maioria eram formadas por membros da elite, como no caso do Clube de Diversões Artísticas organizado por Papi Junior, onde agia diretor, autor, ator e ensaiador, tal grupo propôs organizar um teatro nos fundos do Clube Iracema. (GIRÃO, 1997, p. 144). 



Alguns encontravam na ida ao teatro uma forma de divertimento, mas para outros a diversão estava nas encenações das peças, na escrita destas, na organização do cenário etc. Portanto, os teatros particulares também foram sendo construídos para colocar em seus palcos grupos cearenses de arte dramática, definidos como amadores por Raimundo Girão, mas que os periódicos davam os devidos valores, não apenas pelos seus redatores frequentarem os mesmos espaços desses artistas, mas também por estes incentivarem a prática teatral na cidade de Fortaleza, já que essa é proposta como uma atividade de país civilizado: 

Judiciosos são, sem dúvida, os desejos expostos em favor dos artistas, elemento forte e poderoso, que em todo paiz civilisado concorre com seu prestígio para a formação e organização do Estado, constituindo uma classe nobre, digna e respeitada tal qual sonha o articulista d’A Republica.  (Grafia da época)

Mas tais artistas não eram membros apenas da elite, pois muitos faziam do palco o seu ganha pão do dia-a-dia. Os periódicos anunciavam os espetáculos, que ocorriam nesses teatros particulares, convidando o público para prestigiar e contribuir financeiramente com esses artistas, ao mesmo tempo, incentivando o hábito de frequentar tais teatros. Os empresários encontravam nas páginas desses jornais a forma de propaganda das suas casas de espetáculos, assim, o Jornal do Ceará noticiava:

“sabbado, no Theatro realisar-se-á o espectaculo de variedadesda 
artista cantora Victorina Cezana, que o dedicou ás familias cearenses”.   (Grafia da época)

As notícias dos espetáculos seguem com argumentos para incentivar a ida do público aos teatros, ao mesmo tempo em que ressaltam os valores defendidos pelos redatores dos periódicos, como por exemplo, a importância da família para o desenvolvimento social e cultural da cidade de Fortaleza. Portanto, a prática teatral em Fortaleza era uma diversão ou lazer, um negócio, uma atividade cultural, uma forma de sociabilidade e assim por diante.
Mas nos primeiros anos do século XX, o teatro encontrou no cinema uma concorrência. Com a chegada das maquinas de projeção de filmes na capital cearense, os teatros particulares abriram os seus espaços para essa novidade tecnológica, que segundo os jornais suas sessões eram bastante concorridas, onde “todas as noites, enchentes à cunha, todos devem aproveitar as boas noitadas, que está proporcionando o Rio Branco”


Atrás da Maison Art Nouveau, ficava o Cinema Di Maio.

Este era mencionado pelos periódicos em alguns momentos como cinema e em outras ocasiões como teatro, mas percebemos como os espetáculos teatrais foram perdendo espaço para a exibição de filmes, onde tais sessões poderiam ser acompanhadas de orquestras, números de mágicas ou mesmo encenação de peças, mas estas tornavam secundária diante da novidade que atrai cada vez mais público. Este seria composto por empresários, políticos, militares, intelectuais, trabalhadores do comércio, funcionários públicos etc. Tal público vai encontrando divertimento nos cinemas que vão surgindo, como por exemplo, o Cinema Di Maio pertencente ao Vitor Di Maio e localizado na Rua Guilherme Rocha, atrás da Maison Art Nouveau e o Cinema Cassino Cearense de Julio Pinto e com sede na Rua Major Facundo no antigo Palhabote, bar que pertenceu a Antônio Dias Pinheiro

Diante das novidades tecnológicas, que expressavam os desejos de civilidade dos discursos jornalísticos, onde a cidade é percebida como um “lugar da cultura”, ou melhor, “de produção cultural” (BARROS, 2007, p. 81-82), o comportamento do público era questionado nos discursos jornalísticos: 

Hontem á noite ao theatrinho, onde se dava um espectaculo cinematographico, houve o que se chama um rolo, entre um filho do dono da casa, o filho do Snr. Guilherme Moreira e o septuagenário, Coronel César da Rocha, intendente desta capital.
Houve entre as três partes litigantes, murros, taponas e quedas, terminando o sarilho pela prisão, que effetuou o último, do moço Mesiano, a quem aplicou ainda alguns murros, quando o mettia no xadrez. (...) Deixemol-os a divertirem-se que tudo vem a ser progresso
da liberdade, costumes novos, decência e gravidade dos homens da situação e governança. Até pouco tempo tínhamos duellos em brigas de dois, já agora temos triellos ou brigas de três.
 
 (Grafia da época)

A desordem descrita pelo jornal O Unitário ocorrida no Theatro Rio Branco demonstra que novos valores chegavam à cidade de Fortaleza junto com as novidades tecnológicas oriundas dos grandes centros europeus e Estados Unidos, como por exemplo, o progresso. Nos discursos jornalísticos Fortaleza estava se desenvolvendo, ou seja, o progresso estava chegando não só com o cinema, mas com os bondes, a iluminação a gás, etc, e com ele também chegava à civilização, portanto, o comportamento de brigas entre os membros do público de uma casa de espetáculo foi ironizado e criticado pelo jornal O Unitário, já que “triellos” não é algo para se considera como civilizado. Neste sentido, Fortaleza com seus teatros particulares e cinemas, que podem ser considerados meios urbanos de concretização e circulação da produção cultural da cidade, pode ser percebida como o “lugar da civilização”? Afinal, “a associação entre cidade e civilização remonta aos primórdios do desenvolvimento urbano” (BARROS, 2007, p. 82). Tal questão nos remete ao que se propõe por civilização, no caso dos periódicos da capital cearense podemos percebê-la como valores de comportamento e desenvolvimento da cidade, neste sentido, os discursos jornalísticos pretendem Fortaleza como um lugar de civilização, isso não significa afirmar que ela era representada nas práticas sociais urbanas. 

Os teatros particulares foram tornando-se pequenos para receber as grandes companhias dramáticas nacionais e estrangeiras, os cinemas foram adquirindo seus espaços, assim, as transformações que ocorriam na cidade de Fortaleza foram impulsionando novos desejos, dentre estes, citamos a construção do teatro público ou oficial defendida pelos intelectuais, artistas, políticos, jornalistas da capital cearense. 



Primeira montagem do Auto da Compadecida no Teatro José de Alencar em 1960. Acervo Almir Terceiro Teles

Em 1981 juntaram-se Virgílio Augusto de Morais, João Brígido, João Joaquim Simões, Manuel Gomes Barbosa e Antônio Papi Junior para formar a Companhia Cearina com objetivo de construir um teatro na atual Praça José de Alencar (GIRÃO, 1997, p. 142).
Assim, no final do século XIX e início do século XX, as discussões em torno da edificação do teatro público ou oficial vão ganhando força e neste contexto têm-se as disputas políticas do governo acciolino. 

Continua...


Camila Imaculada Silveira Lima 
Mestranda em História pela Universidade Estadual do Ceará

terça-feira, 9 de setembro de 2014

José Moreira da Rocha - O Desembargador Moreira


Desembargador José Moreira da Rocha (Foto ao lado).

1877, primeiro trimestre e nenhum prenúncio de inverno. Os estoques de alimentos do estado estavam praticamente esgotados e a fome se fez presente, com levas e mais levas sucessivas de rurícolas esquálidos e imundos inchando a capital Fortaleza, vindos dos quatro cantos do estado a procura de sobrevivência. Cerca de 7000 escravos são exportados a preços irrisórios para as províncias onde a seca não havia chegado, (esse movimento de escravos chamado de tráfico negreiro inter-provincial viria a cessar no ano de 1881, janeiro, com o grito do líder jangadeiro Dragão do Mar"no Porto do Ceará não se embarcam mais escravos...").
O Presidente da Província Caetano Estelita Cavalcanti Pessoa,a tudo assistia, distribuindo migalhas, impotente a falta de recursos. Já havia apelado para Vossa Alteza o Imperador D.Pedro II, (aliás D.Pedro já havia dado ordens ao Ministro da Agricultura Comércio e Obras Públicas - João Lins Vieira e Cansanção para que assinasse a ordem de serviço para a construção da Estrada de Ferro Camocim-Sobral  justamente no intento de empregar os flagelados da seca), que se mostrou solícito. Mas,a morosidade dos vapores impossibilitava o atendimento que a urgência cobrara.

O ramal de Camocim originalmente foi o trecho inicial da E. F. do Sobral (Camocim-Sobral), aberto nos anos 1881 e 1882. Fotos do acervo do Blog Sobral na História

Com a imensa aglomeração de infelicitados, sem o mínimo de higiene inchando Fortaleza, vieram os surtos epidêmicos, levando a morte de centenas, talvez milhares desses nossos irmãos cearenses. Esse foi o cenário encontrado poucos anos depois da mudança de Sobral para Fortaleza do Comendador José Antônio Moreira da Rocha, pai do Desembargador Moreira, eleito deputado provincial, em eleição passada -10 de março de 1870.

O Comendador, deprimido diante de tanto infortúnio e passividade dos governantes retira-se com a família para Salvador-Bahia. Lá José Moreira da Rocha matricula-se no Ginásio Bahiano, fundado pelo Barão de Macaúnas, onde cursou humanidades, (correspondente hoje ao nosso ensino fundamental). Em 1880, toda a família está de volta a Fortaleza. 

Primeiro Emprego 

Com o curso preparatório, (atual ensino médio) concluído, José Moreira da Rocha emprega-se na Cia.Cearense de Via Férrea de Baturité -1883, como aprendiz de topógrafo, passando depois a aprendiz de tornearia mecânica, sob a chefia de seu irmão-Engenheiro Leopoldo Jorge Moreira da Rocha. No ano seguinte matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, onde se bacharelou em ciências jurídicas e sociais, em 1908. De volta ao Ceará o bacharel José Moreira da Rocha foi promotor público das Comarcas de PacatubaCanindé e Maranguape, vindo depois a ser nomeado juiz de direito de Maranguape.

Casamento

Contraiu matrimônio em Fortaleza com Abigail Alves do Amaral. Desse enlace nasceram; Dr. Jorge Moreira da RochaCarlos Alberto Moreira da Rocha e Maria Júlia

Nomeação

Verificada uma vaga no Superior Tribunal de Justiça do Ceará, 1908, fora organizada uma lista contendo dez nomes dos juízes de direito com mais de quatro anos de efetivo exercício do cargo, (seis por antiguidade e quatro dos nomes por merecimento). O Dr. Juiz de Direiro José Moreira da Rocha foi escolhido pelo 'dono do Ceará' Presidente do Estado Antônio Pinto Nogueira Accióly, para preencher a vaga de desembargador. 

O Político Moreira da Rocha

A sua primeira experiência com a administração pública ocorreu em 1914, como Secretário dos Negócios da Fazenda, no segundo governo do Cel. Benjamim Liberato Barroso (1914-1916), quando enfrentou as agruras da famosa 'seca do 15'. Em 1916 assume a presidência do estado o também sobralense Engenheiro João Thomé de Saboia e Silva, (fruto da união de seu partido Democrata com o Partido Conservador, que tinha na Zona Norte como chefe político Francisco de Almeida Monte - Chico Monte). Quando da composição de seu secretariado designa para a pasta do Interior e Justiça o juiz sobralense Dr. José Saboya de Albuquerque. No final de 1918 ao nomear como intendente de Fortaleza Rubens Monte, fora o fato que determinou a renúncia de Dr.José Saboya e nomeação para a referida pasta do Desembargador José Moreira da Rocha. 

1.1- A Eleição de 1924: Decorrido o quadriênio de pacificação do governo do insigne jurista e parlamentar Justiniano de Serpa (1920-1923), irromperam novos dissídios na política cearense: os liderados por Pinto Accióly (oligarquia decadente), e os conservadores indicaram o nome de José Accióly para a presidência do estado, e os partidários dos Paula Rodrigues e Moreira da Rocha, então unificados sob o comando do Engenheiro João Thomé de Saboya e Silva, desfraldaram a candidatura do Desembargador José Moreira.
Unindo-se Conservadores e Democratas, tendo firmado um pacto em que se comprometiam mutuamente a aceitar e prestigiar o nome de Moreira da Rocha como postulante à presidência do estado, agora conciliados das divergências existentes entre os dois grupos partidários. Em 12 de maio de 1924 é eleito presidente do estado assumindo a 12 de julho para um mandado de 4 anos (1924-1928).

1.2- Secretariado: O Governo Moreira da Rocha fora composto; Vice-Presidente Dr.Manuelito Moreira, médico clínico obstetra. Secretaria da Saúde, Dr.Amaral Machado,médico. Secretaria de Saneamento e Obras Públicas, Dr.Vitoriano Borges de Melo, engenheiro. Secretaria dos Negócios da Fazenda, Dr. Manoel Theófilo Gaspar de Oliveira, Capitão Médico do Exército, deputado à Assembléia Legislativa do Ceará pelo Partido Conservador, e ex-titular da Secretaria da Fazenda no Governo Justiniano de Serpa. Para a Chefatura de Polícia, Dr.José Pires de Carvalho. Secretario do Interior e Justiça, Dr.José Carlos de Matos Peixoto, e para a Prefeitura de Fortaleza o advogado de Baturité, Dr.Godofredo Maciel.

No centro da foto, vemos José Moreira da Rocha e Padre Cícero

Governo Moreira da Rocha

Logo no início de seu governo, José Moreira da Rocha enfrentou a Legião Cearense do Trabalho, criada pelo então Tenente Severino Sombra; a incursão da Coluna Prestes; a Insurreição de Juazeiro; e até a visita indesejada do bando de lampião o 'Rei do Cangaço'. A tudo reagiu, "assegurando de pronto o restabelecimento da ordem pública, intervindo a polícia com a energia dentro da órbita das suas atribuições, mas sem a quebra do princípio de autoridade, sendo entregues a justiça os autores de crimes praticados nos conflitos desenrolados", conforme Ele próprio, presidente, asseverou em sua mensagem em 1927. 

Realizações

Reforma do código de processo civil e comercial do estado, constante da Lei nº 2420, de 16.10.1926. Reforma da Constituição Estadual, promulgada em 24 de setembro de 1925; Reforma da Legislação eleitoral, através da Lei nº 2327, de 13 de janeiro de 1923; Construção da rede da coleta e tratamento de água de Fortaleza; Construção da rede de esgoto de Fortaleza; Construção do Posto Central de Profilaxia de Doenças Venéreas e da Lepra; Instalação do Conselho penitenciário; Criação do Gabinete Médico Legal; Construção de uma Colônia Correcional Agrícola na Fazenda Três Lagoas, em Sobral, inaugurada a 8 de janeiro de 1928; Construção do Leprosário Canafístula; Construção da ponte de desembarque no Porto de Fortaleza; melhoria dos Campos de Demonstração Agrícola de Sobral, BaturitéQuixeramobimSenador Pompeu; Execução da lei que determinava a eleição de prefeitos municipais, através do voto popular, (até então os mandatários municipais eram nomeados pelo presidente do estado, por isso eram chamados de intendentes).
Enfermo, José Moreira da Rocha renuncia ao mandato a 19 de maio de 1928, assumindo o Presidente da Assembléia Legislativa Professor Eduardo Girão. Faleceu no Rio de Janeiro a 22 de agosto de 1934. Em sua homenagem, importantes logradouros públicos recebem seu nome, tanto em sua terra natal-Sobral, como em Fortaleza

Bibliografia: ARAÚJO, Francisco Sadoc de. Cronologia Sobralense, Vol.III. Sobral: Imprensa Universitária (UVA), 1983. BARROSO, José Parsifal. Uma História da Política do Ceará: (1889-1954). Fortaleza-BNB S.A, 1984. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. História das Secas.2. Ed. Mossoró: Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte, 1982. ROCHA, José Moreira da (presidente do Estado do Ceará), Mensagem de 1927. Fortaleza, Typografia Gadelha, 1927. Studart, Guilherme (Barão de Studart). Dicionário Bibliográfico Cearense. Fortaleza: Typografia Studart. 

Texto: Santana Júnior 


domingo, 17 de agosto de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960 (Parte IV)




Os tramways de Fortaleza foram paralisados numa segunda-feira, 18 de maio de 1947, enquanto o capitão Josias* procurava solução para a crise da companhia inglesa junto com as autoridades no Rio de Janeiro. Findo o prazo de cinco dias, a empresa anunciou o prolongamento da suspensão dos bondes por mais alguns dias. Depois, publicou que precisaria de três meses para concluir os reparos na usina.

No final do mês de maio, as esperanças de que os bondes elétricos voltassem ao tráfego pareciam sepultadas, uma vez que o Ministro da Agricultura recomendara como prioridade manter-se o serviço de luz e força para a indústria de Fortaleza. Segundo o capitão Josias, isso só seria viável se a Light se dedicasse exclusivamente a ele.

Além disso, havia a forte possibilidade de ser suspensa a intervenção federal, legando a companhia à própria sorte. Por isso, o capitão Josias começou a montar uma engenharia de recuperação mínima. Visitou a embaixada inglesa, acertando a importação de um novo motor para substituir as caldeiras de força danificadas. Marcou audiência com o Presidente Dutra (Foto ao lado) para pedir-lhe uma subvenção e transformar a Light numa empresa de economia mista, com a participação de brasileiros e britânicos. Finalmente, calculou faturar mais de 800 mil cruzeiros com a venda dos trilhos aos ferro-velhos de Fortaleza, criando receitas para quitar as obrigações com os trabalhadores do tráfego.

Sem que as autoridades ensaiassem qualquer desfecho, durante junho e julho de 1947, os trabalhos para a recuperação do material da usina prosseguiam em Fortaleza


Nesse tempo, quem mais sofreu com a situação foram motorneiros e condutores. Há mais de um mês sem trabalhar, prejudicados pela postura titubeante do Governo e da direção da empresa, eles recebiam metade dos salários, sem perspectivas de retorno aos volantes ou de afastamento da Light para se engajarem em outra ocupação. Logo eles se reuniram no sindicato, lançando manifestos e apelando para a solidariedade das “demais classes 
cearenses no movimento que empreendem para serem tratados de maneira mais condigna”

A publicação das queixas nos jornais gerou réplicas da gerência da empresa, que argumentava que os salários de no mínimo Cr$ 12,20 eram mais elevados que o mínimo industrial da cidade.

Em 30 de julho, tanto patrões quanto trabalhadores já não acreditavam na retomada dos bondes elétricos, mas parecia certo que a Light arcaria com os custos das demissões ou ofereceria qualquer tipo de indenização aos empregados. Em entrevista à Gazeta de Notícias, o presidente do sindicato, seu Otávio Sebastião da Silva, desmentiu uma afirmação do capitão Josias de que fizera um acordo no qual os trabalhadores aceitariam receber somente 70% ou 75% das suas rescisões de contrato. Segundo ele, os operários “não desejavam indenização e sim trabalho, o que [significava] dizer que [poderiam] ser admitidos pela Companhia em qualquer serviço”.

De fato, os bondes não voltaram às ruas e o provisório se tornou definitivo. E não houve recolocação de pessoal no quadro da empresa. Ao voltar do Rio de Janeiro, o capitão Josias anunciou a demissão dos 311 operários do tráfego.

Sem emprego e com o dinheiro da indenização – que chegaria a cerca de Cr$ 3 milhões, eles pretenderam montar uma empresa de ônibus, como que antecipando o legado do transporte da Light à cidade. Seria a primeira empresa desse tipo montada exclusivamente por trabalhadores no Brasil



Se houve quem sentisse a falta dos bondes, foram poucos os argumentos defendendo sua superioridade em relação aos ônibus. Os defensores dos tramways não negavam o “estado lastimável em que se encontram os veículos da Ceará Light, que, em sua grande maioria, rodam ininterruptamente desde 1913, encontrando-se assim num estado de extremo desgaste”. Construíam um discurso benevolente, porque, na ameaça de vê-los fora de circulação, era possível declinar de algumas exigências. 


Bonde de tração animal passando entre o Colégio Jesus Maria José e a Igreja do Pequeno Grande. - Foto do Álbum Boris. - Arquivo Nirez

Espera-se na linha o veículo [bonde elétrico]. A demora não é deste mundo, porém, logo que o mesmo se aproxima, todos ficam satisfeitos na certeza que o pobre animal, embora cansado, conduzirá os passageiros aos pontos destinados.


Antigo bonde de tração animal

Os bondes estavam no afeto popular como símbolos da cidade antiga, que ainda ensaiava seus passos na modernidade. Representavam quase uma resistência silenciosa às tecnologias do segundo pós-guerra

Estou decepcionado, Vicente Roque, com o fato de vê-lo colocado na fila dos que não querem mais bondes na nossa velha cidade. Admira-se que você, um cronista popular, nascido no século XIX e amante das coisas velhas, das modinhas ao violão e das serenatas, das coisas, enfim, que o nosso tempo levou, não queira mais bondes, porque estes 
são velhos e desengonçados.


Bonde de tração animal puxados por burros,
implantado em 1880 em Fortaleza. Foto: Acervo Nirez

E se a suspensão do tráfego de bondes e a encampação da Light pela Prefeitura não foram alternativas às demandas das ruas, certamente responderam aos problemas internos da própria companhia, cuidadosamente esquadrinhados pelo capitão Josias Ferreira Gomes. Nesse sentido, foram evidências da superação do antigo modelo de exploração do transporte, tanto do ponto de vista da reordenação econômica dos serviços públicos quanto das novas relações entre os poderes públicos e sociedade depois do Estado Novo e das construções culturais de progresso. 

Em 01 de junho de 1946, é Decretada, pelo Governo Federal, a intervenção na Ceará Light, sendo nomeado interventor, o capitão Josias Ferreira Gomes. Fonte: Cronologia Ilustrada de Fortaleza - Roteiro para um turismo histórico e cultural - 2005 Autor: Miguel Angelo de Azevedo - Nirez 

O Fim dos bondes anunciado pelo Jornal Correio do Ceará, clique e leia:


Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960


domingo, 3 de agosto de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960 (Parte III)


A retirada dos bondes 


Arquivo Assis Lima

Em 19 de setembro de 1946 o capitão Josias, seu Batista e o advogado da Ligth apresentaram pela primeira vez ao governo no Palácio da Luz um plano para suspender o tráfego de bondes em Fortaleza e salvar as finanças da companhia.
Os bondes já não serviam para a cidade e modelo de exploração estava esgotado. 
Restava garantir a continuidade do serviço de luz e cuidar para que os fortalezenses não pagassem a conta. 
Por outro lado, os apelos para a manutenção dos bondes sensibilizaram o novo interventor federal no Ceará, coronel José Machado Lopes, que, em resposta ao Memorial da Federação das Associações de Comércio e Indústrias do Cearáconsiderou que somente autorizaria a retirada dos bondes se a Light garantisse o transporte da população lançando mão de outra estratégia. Afinal, até então, “economia, eficiência e comodidade [eram] artigos que a Light reserva[va] exclusivamente para uso próprio”.



Vista de um postal de 1940 da rua Major Facundo - Arquivo Nirez

Se a suspensão dos bondes elétricos dividia opiniões, a ineficiência da Light em acompanhar o crescimento de Fortaleza era consensual. A cidade estava no caminho do progresso. Em breve atingiria a população de 200.000 habitantes e necessitava de mais bondes, mais linhas e da duplicação das que já existiam.
Os caminhos do Centro à Vila de Messejana e da Praia de Iracema ao promissor lugar do Mucuripe, onde estava sendo construído um porto, mereciam cuidados urgentes¹. Isso demandava recursos da concessionária – talvez por isso a sugestão do interventor José Machado Lopes em manter o novo transporte ainda sob a batuta inglesa não tinha agradado a opinião pública. 

Mas, infelizmente, a Ceará Light pouco ou nada liga ao progresso da nossa urbs. [...] parece primar em tratar-nos como se fôssemos povos coloniais, de civilização rudimentar e aspirações limitadas. [...] É o caso de perguntar-nos: quando nos veremos livres dessa malfadada companhia estrangeira que tão acintosamente abusa de nossa paciência?


Bondinho na Avenida Pessoa Anta - Arquivo Nirez

Em março de 1947, o governo brasileiro firmou contrato com a Inglaterracriando uma comissão mista com representantes dos dois países para avaliar as condições financeiras e as necessidades da empresa “Great Western da Leopoldina Railway e dos serviços de força, luz e bonde de Manaus, Belém e Fortaleza”, com interesse de nacionalizá-los.
Como de praxe, no dia 17 de março, o capitão Josias prestou contas ao Governador Faustino de Albuquerque sobre “a calamitosa situação em que encontra a Light”. Revelou que o governo inglês repudiara a proposta brasileira de ceder os capitais congelados em Londres para os reparos nas instalações em Fortaleza, o que dificultava ainda mais a gestão da empresa. Sem manutenção na usina, a cidade corria sério risco de ficar às escuras. Entretanto, o interventor acreditava que, em cerca de um ano, a Light estaria saneada, com a usina operando com óleo diesel e livre do oneroso serviço de transporte público. 


Serão muito provavelmente retirados de circulação os bondes da Light, com o que os fortalezenses ficarão privados do seu principal meio de locomoção, pois não se pode negar que assim é, malgrado a quase imprestabilidade dos antiquados tramways.

O transporte, mais que nunca, virara um tema indigesto. Tanto a disposição pública em nacionalizar os prejuízos da empresa quanto a retirada dos bondes inspirou a indignação popular. Os deputados estaduais enviaram um ofício para o governador pedindo informações sobre o futuro dos serviços de força, luz e transporte da Capital e sobre o destino da Light, recebendo como retorno respostas lacônicas


Bonde Soares Moreno

E, com a inglesa com os dias contados, os bastidores das suas relações com o governo passaram a ocupar os políticos da ocasião. Udenistas e pessedistas protestavam na tribuna da Assembleia Legislativa contra o descaso da companhia com a população. Bradavam opiniões contra a proteção especial que os governos reservavam à empresa, fazendo vista grossa aos compromissos contratuais, elevando tarifas e deslocando recursos públicos diretamente para a empresa. 

Confrontando dados estatísticos de 1920 e 1940, o deputado Valdery Uchoa fez ver que aquela empresa estrangeira continuava, numa data e noutra, com o mesmo capital empregado na sua usina e no seu serviço de transporte. Ao referir-se à encampação da Light, foi aparteado pelo deputado Barros dos Santos, que perguntou: 
- V. Excia. sabe quanto a Light tem do governo? Estou informado de que o coronel Machado Lopes entregou 2.000 contos do povo àquela companhia! 
Ouviram-se palmas.


Interior dos antiquados Tramways.

É provável que os motivos de tantas reclamações de políticos se fundamentassem no impacto que o tema causava nos humores do eleitorado. A aceleração da urbanização das maiores cidades brasileiras no período pós-guerra fez com que os problemas de transporte público se destacassem nas preocupações da ainda tímida mas relevante classe média urbana, usuária de ônibus e bondes. Isso chamava a atenção dos candidatos.²
A presença da falida companhia estrangeira em cada uma das principais artérias da capital exaltava os ânimos dos defensores do nacionalismo econômico. Os privilégios que outrora a Light tivera podiam ser identificados com a proteção inconsequente do período autoritário. Em 24 de maio de 1947, a Gazeta de Notícias publicou uma reportagem com a manchete: Nos tempos da ditadura - Quando reclamar contra a cobiça da Ceará Light era considerado crime contra a segurança do regime em que era denunciada a perseguição a um ex-deputado opositor da empresa.



Vista Parcial da Usina da Light

No meio do debate, em maio de 1947, a Light resolveu paralisar duas caldeiras da Usina de Força e Luz que estavam danificadas e em risco de explosão. A medida, aprovada pelo governador para evitar o colapso total dos serviços, acarretaria uma considerável diminuição da geração de energia e gerava um impasse contratual: 

Impõe-se uma medida urgente para o racionamento de energia [...] A Light não pode tirar os bondes de circulação por não ter com que pagar as indenizações garantidas aos operários pelas leis trabalhistas. O Estado, igualmente, não pode autorizar tal retirada porque consequentemente se responsabilizaria pela indenização decorrente da 
dispensa dos operários. Outrossim, a suspensão de energia para deixar os bondes em circulação traria uma crise muito maior pois a consequente paralisação da indústria traria desemprego [...] ao passo que uma crise transportes seria de mais fácil solução.
Outrora símbolos do progresso da Capital, os bondes eram, passados 35 anos de funcionamento, obstáculos ao desenvolvimento. Entre paralisar a indústria e enfrentar uma crise de circulação, anunciavam-se os problemas de transporte de Fortaleza que chegavam. A solução, como de costume, foi conciliatória e improvisada. No dia 17, o prefeito da Capital, Jorge Moreira da Rocha, o capitão Josias e a comissão de técnicos federais acordaram com o Governo do Estado um plano emergencial para garantir o fornecimento mínimo de eletricidade, estabelecendo reduções do uso nas indústrias, nas ruas e retirando os bondes de circulação provisoriamente por cinco dias.


¹“Em 24 de janeiro de 1948, a Empresa Iracema inaugura a linha Centro, da Praça Waldemar Falcão ao Cais do Porto, no Mucuripe, utilizando quatro ônibus mistos, para o transporte de cargas e passageiros”. O Porto do Mucuripe tinha um ramal ferroviário que o ligava à Parangaba desde 1941. ESPÍNOLA, Rodolfo. Caravalelas, jangadas e navios: uma história portuária. Fortaleza: Omni, 2007. 


Praça Waldemar Falcão

Ônibus da Empresa Iracema

² A constituição de 1946 excluiu o direito de voto aos analfabetos, legando à classe média, embora numericamente incipiente, um papel determinante nas escolhas políticas. Suas inclinações nacionalistas ligadas ao desenvolvimento e o processo de urbanização no segundo pós-guerra podem ser acompanhadas em SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930 a 1964). Rio de Janeiro: Saga, 1969 e SAES, Décio. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: TA Queiroz, 1985.  

Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960


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