Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



domingo, 7 de junho de 2015

Personagem do Mucuripe - Aída Balaio



Aída Santos e Silvacarinhosamente chamada de Aída Balaio, era cearense de Fortaleza, nascida em 16 de agosto de 1889, filha de José Simões e de Januária Simões. O sobrenome Balaio vem de apelido dado a seu marido. Aída casou-se no alvorecer da juventude com Francisco Balaio da Silva , que se fez herói da Guerra do Acre e um dia fincou-se nas terras do Mucuripe até a sua morte em 1950. Ele lutou no movimento chamado de Balaiada*.
Aída foi uma mulher simples que se dedicou ao ensino durante mais de 50 anos. 

Por volta de 1905, Aída Balaio veio morar no Mucuripe, acompanhando seu marido que viera ocupar um cargo na delegacia daquele arraial. Aída recebeu do próprio povo o título de "Madrinha do Mucuripe", possuía mais de 350 afilhados, segundo relatos ela não esquecia de nenhum, sempre presenteando e confortando com suas palavras carinhosas.

Tinha o hábito de caminhar de casa em casa, visitando as famílias, conhecendo seus problemas, acompanhando de perto a vida difícil dos humildes, que tinham como abrigo casas de pau-a-pique.
Foi nesse contato direto com o povo que ela percebeu que os pescadores tinham vontade de aprender, ou o desejo de que seus filhos viessem a conhecer o mundo das letras.

Como vemos, Aída veio morar no Mucuripe no tempo em que o Bairro era apenas um vilarejo de pescadores e conseguiu alfabetizar e despertar o interesse pelo aprendizado em várias gerações de alunos.  

Acervo - Sérgio Roberto

Foi nomeada professora em 24 de julho de 1911, designada para ensinar na Escola Mista dedicando-se a alunos carentes, aos quais alfabetizava e dava aulas de religião.

Em 09 de agosto de 1922, assume o cargo de professora na Escola do Outeiro, hoje Escola Clóvis Beviláqua, na esquina das avenidas Dom Manuel com Santos Dumont. Aí ficou até 1948.

Aída também deu o seu auxílio às pessoas que moravam próximo a sua nova escola. Mandava construir casa em terras que lhe pareciam sem dono. Quando estes apareciam, ela procurava ressaltar o valor humanitário, convencendo a permanência dos moradores.

Em 1948, o Secretário de Educação e Saúde, Walmik Albuquerque, nomeia a professora para o Curso de Alfabetização de Adolescentes e Adultos do Mucuripe. Aída foi professora até 1966, quando seus filhos decidiram que não iria mais lecionar, pois ela já apresentava sinal de cansaço. Mesmo assim, escondida, continuava a dar aulas, preparando muitos jovens que queriam ingressar na carreira militar ou a empregos públicos, agindo assim ela acreditava que essas pessoas não viessem a pedir esmolas.

Ao lado das atividades didáticas, seu interesse por filmes levou-a a participar da produção de Orson Welles no Ceará, intermediando o diálogo entre a equipe e a população local graças ao domínio da língua francesa que aprendera quando estudante do Colégio Imaculada Conceição. Profundamente religiosa, dirigia e orientava as festividades da Igreja do Mucuripe. O Padre José Nilson, então diretor espiritual da Confraria Nossa Senhora de Fátima, uma das associações a que Aída fizera parte traduziu em palavras a grandiosa mulher que foi Aída Balaio: “Uma mulher, uma mãe, uma educadora, uma cristã autêntica”.



Ao conferir o nome de Aída Santos e Silva ao CIES - Centro Integrado de Educação e Saúde, hoje, Unidade Básica de Saúde – Aída Santos e Silva a Prefeitura de Fortaleza resgata a memória daquela que se constituiu em uma das mais notáveis personalidades do Mucuripe.


Unidade Básica de Saúde – Aída Santos e Silva, foi inaugurada em 27 de novembro de 1992, na Avenida Trajano de Medeiros nº 813, no Vicente Pinzón.

Em sua homenagem, no bairro também existe a rua Professora Aída Balaio:




Em 19 de janeiro de 1970, a professora Aída Santos e Silva (Aída Balaio), líder no Mucuripe, morreu aos 80 anos de idade. 

*Aída Santos e Silva é o nome de registro da professora Aída Balaio. Ela ficou conhecida popularmente pelo sobrenome Balaio em decorrência de seu marido, Francisco Balaio da Silva, que foi um homem descrito como herói de guerra. Francisco da Silva incorporou o Balaio ao seu nome depois de retornar do Acre durante o período da revolta regencial chamada Balaiada, na qual lutou pelo governo (Girão, 1998).
Balaiada foi uma revolta popular ocorrida no Maranhão entre os anos de 1838 e 1841, que recebeu essa denominação devido ao apelido “Balaio” de Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, uma das principais lideranças do movimento, que trabalhava fazendo cestos, balaios.




Créditos: Uerbet Santos, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo e https://cearacultural.com.br/


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Zé Tatá - O Grande Chalaça que entrou no folclore da cidade (Parte II)


Quem nesta cidade, nasceu, viveu mesmo como adventícios, não conheceu tal figuraça com porte de homenzarrão, de tez ligeiramente acinzada, com estatura de girafa e acentuada ginecofobia, que nas noites de Fortaleza fazia um tipo folclórico alegrando na sua casa de recursos, apontado, como principal recinto das mais lídimas libações nas noites enluaradas, sob um céu turquesa, onde as estrelas gravitam num faiscar brilhante qual cardume de pirilampos que, nos dias chuvosos invadem a imensidão do escuro com sua fosforescência no ar. Quem não viu, perdeu por não ter aproveitado as aprazíveis noites de “cabaré” com mariposa dengosa “cheia de requebros e molejos” numa vasta corte onde fazia parte um rei, um chalaça em caçoadas que passava as noites a distrair os que ali frequentavam em busca das meretrizes que no prostíbulo faziam o seu meio de vida, trocando carícias ou como diziam
nos seus versos o inesquecível compositor cearense - Aleardo Freitas - “vendendo amor a granel/ eu fico sem seu carinho/ me acostumo com esse papel/ sem dizer nada/ sem dizer nada”...


O que se tem de certo, é que Zé Tatá - José Vicente de Carvalho, foi o homossexual mais assumido da época, enfrentando sem destemor os preconceitos da sociedade para entrar no folclore cearense ganhando seu nome o viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno, no cruzamento da rua José Avelino - antiga rua do Chafariz, General Mesquita ou SINGLEHURST (nome mais antigo), a denominação popular de TATAZÃO - em alusão ao trocadilho do nome ou pelo fato de se situar o último estabelecimento comercial e residencial no início da primeira quadra da rua José Avelino de logo reconhecido por todos pela opulência da estrutura e extensão do elevado ali erigido, permitindo passagem de cargas de alto porte, e demais veículos e pessoas que transpusessem por cima, por baixo e até servisse de morada dos desafortunados, que não têm onde morar.


O viaduto “Tatazão” veio aliviar sob forma o tráfego de carros e de pessoas, cortando as vias centrais Oeste-Leste, do Pirambu à AldeotaPraia.
Zé Tatá - não temia bravateadores e por vezes teve oportunidade de demonstrar sua valentia e quando forçado pelas circunstancias, era obrigado a por termo em situações vexatórias causadas por oprobiosos que se apresentavam na sua casa noturna para fazer baderna, que necessitavam urgente de corretivos.
Aí, Zé Tatá não tinha outra alternativa a não ser tomar as medidas drásticas e necessárias que o caso exigia. Por isso os que frequentavam seu ambiente noturno, não tinham receio de ser desrespeitados, porque contavam com a segurança e a valentia do dono da casa, que apesar de seus adamados gestos, na hora certa sabia defender seu estabelecimento pondo ordem e respeito a quantos lá permaneciam.


Assim o padrão de procedimento do famoso Zé Tatá somente a ele interessava, por inadmitir intromissão na sua postura porque não se mostrava “astroso”, manifestando muita astúcia no trato com os bordeleiros que reunidos em grandes número pareciam “abelha no coroamento do cortiço”, e, dificilmente, se abespinhava com os fregueses que o tratavam com respeito e cordialidade. Era uma casa de tolerância comandada por respeitado cáften, que no deslumbramento de suas atividades atraia para as “horizontais” que ali se hospedavam para o exercício da profissão.
Talvez se deva a esse conjunto de normas de conduta que pautaram sua existência, a grande popularidade que tomou conta de sua lendária personalidade, tornando-o conhecido e vulgarizando-o por suas aparências exteriores no folclorismo das tradições dos cearenses ou para investigações de folcloristas, ou, a quem pretende fazer estudo mais acurado sobre a sua personalidade, que só Freud explica ou os modernos psicanalistas.
Uma das coisas interessantes do ora focalizado, é que era conhecedor de todas as qualidades, defeitos e manias dos frequentadores, mantinha-se sereno, discreto dos segredos de alcova que tinha conhecimento e lhe eram confidenciados pelas raparigas... Era por assim dizer, confidente predileto dos casais que o amor procurava para dar alento a ilusão.Mas isso é coisa que o tempo levou e nunca mais devolveu aos corações apaixonados que acreditavam no amor da “grinfa” vendido a granel, coisa de antigamente e de cabaré!!!



Mas quem subisse as escadarias de qualquer uma das casas noturnas do temível (no bom sentido) Zé Tatá, como por exemplo Pensão UbirajaraHollywood, Tabariz, General Bezerril ao lado do Departamento do Correio e Telégrafo, ou da rua José Avelino n° 309, sentia de perto que " a felicidade é como a pluma/ que o vento vai levando pelo ar/ voa tão leve/ mas tem a vida breve/ precisa que haja vento sem parar ”... plagiando assim os versos insuperáveis do samba de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Morais.

Naquele tempo porque era “chic” toda mulher da comédia, ou andorinha, fazia questão de oxigenar os cabelos, amarelo aleonado e fulvo para se transfigurar e não ser reconhecida no bordel, chegando mesmo a mudar de nome “preferindo usar nome de guerra”, colocando um dente capeado a ouro de preferência dos um pré-molares que dava mais encanto a boca e ao sorriso, dificultando sua identificação perante a família. Grandioso era o escândalo que poderia causar à família se fosse descoberto o seu paradeiro numa das  “pensões altas”  do Centro da cidade. Era como se o mundo tivesse desabado sobre aquele lar, antes pacato e recatado, perante toda vizinhança que contristadas, participava das desventuras dos amigos em sinal da mais alta solidariedade humana e demonstração de amizade, às vezes indo a “moça falada” parar no Bom Pastor, situado na Praça Fernandes Vieira - Liceu do Ceará, hoje Praça Gustavo Barroso, dirigido por irmãs de caridade, cujo objetivo maior
era cuidar das órfãos, que vinham de diversos recantos do Ceará, ensinado-lhes artes manuais - bordados nos diversos tipos, crochê, culinária etc. Situado no recanto da Praça ocupava grande terreno cujos fundos alcançavam as margens do açude João Lopes, como costumeiramente era chamado.



Para quem ultrapassava o portão de entrada do Bom Pastor, sentia a consternação no íntimo, estampada dentro d'alma até no percurso entre os muros que fazem ladear o caminho extenso que separa de nós visitantes até chegar à capelinha ali existente. Os que lá dentro estão a transparecer tristonhos a revelação de magoa ou aflição, da desventura que a vida lhes reservou pagando o tributo com o recolhimento ao asilo privando do convívio comum para purgação dos pecados. Triste sina que o mundo reservou a quem desafortunado e sem sorte é obrigado a dar a sua contribuição como pagamento de pecado... todas com bisonha aparência, para uma recuperação do pecado cometido e depois voltar à casa paterna, numa forma de se depurar de todas as culpas, ou, purgando os pecados cometidos nas andanças em devaneio numa cidade outrora jovem tranquila que a todos compungia, e hoje causa medo
à traição que assalta a urbe a lembrar com saudade o passado não tão distante, e cheio de vivas recordações que dão alento abrigando no peito as gratas emoções que o tempo levou, deixando tortura no presente com ausências queridas que encheram e enfeitaram nossas vidas de bilontras duma pacata cidade, outrora participativa, de tudo tomava conhecimento, registrando fatos e episódios dantescos e burlescos para transformar no fim, o cearense amolecado, nos ditos gracejadores que chegam à comicidade, tornando-os muitas vezes pela espirituosidade verdadeiros cômicos.

Mas queridos leitores, não levem a mal esta mistura de coisas e fatos, porque no fundo tem um objetivo. O de não deixar esquecer tanta coisa boa que de vez em quando devem ser resgatadas para avivar a nossa lembrança, provocadas pelo animador das noites - Zé Tatá - que sorrateiramente balançava os corações com lindas “andorinhas” que vinham fazer ninho no seu famoso lupanar. 

Ah! Zé Tatá tão trêfego, no chamariz no seu bordelengo... As atrações se renovavam e, daí o sucesso, por estar sempre atualizando o plantel das “bagageiras” como parte dessa dicotomia na linguagem metafórica própria dos prostíbulos. Quem era Antônia passava a ser Marlene; RitaMarli, Sebastiana - Meire etc.

O astuto Zé Tatá, quando na sua pensão chegava “marafona” vinda do interior do Estado, a primeira providência era promover uma festa de confraternização, coincidente ou não com a data do aniversario da recém chagada. O que importava fazer era uma apresentação condizente da mesma a fim de atrair mais fregueses e a casa faturar mais. Mas com longos vestidos da mesma cor para o grande evento que se realizava para comemorar a chegada da rapariga adventícia.
Zé Tatá nunca exerceu o proxenetismo - Gay assumido e deslumbrado mas não era proxeneta, porque não intermediava casos amorosos para ganhar dinheiro. Mantinha em sua casa mulheres e quem lá comparecia estava disposto a participar das alegrias do ambiente, bebendo, dançando, sambando porque tudo era motivo de hilariantes saudações a “Baco” ao lado de lindas “moças-do-fado” que pululavam o recinto em forma de enxame a distribuir afagos, e, com perfumadas mãos acariciavam os assíduos participantes daquele festival de amor de mulher de cabaré.


Zé Tatá - estrela maior que cintilava do alto no sobrado comandando a trupe onde predominava a alegria e a satisfação das mulheres que desde a porta principal ou na entrada da escadaria que dava acesso ao sobrado, tinha como referência o ponto luminoso de uma lâmpada de cor vermelha a indicar que a parte superior do recinto destinado às libações dos dissolutos que por serem jovens, não tinham ainda senso de responsabilidade, mas também tarimbados, que aos principiantes davam verdadeiras aulas de ensinamentos de vida, cuja orientação servia como advertência na permanecia no prostíbulo. Para isso Zé Tatá, também era mestre, e dizia: “simpatia não se compra e nem se vende, nasce com a pessoa”... Era o seu lema de vida.

José Vicente de Carvalho, nasceu na cidade de Sobral, onde residiam seus familiares e se sentia orgulhoso por ter nascido na Princesa do Norte, embora permanecido mais tempo aqui nesta cidade, que lhe prestou uma homenagem ao pseudônimo ao viaduto conhecido como Tatazão por ser gigantesco e próximo ao seu recinto que serviu de
residência.


Dentre as moças camufladas que faziam residência fixa no chateau do Zé Tatá ou sejam as de mais idade, as “balzaquianas” ou coroas com mais de 30 anos, essas davam preferência aos rapazes mais jovens que por serem menos experientes careciam de orientação na desenvoltura do amor, o que ocorria inversamente, os maduros cidadãos, velhotes ou jovens há mais tempo, que só se acompanhavam dos brotinhos, hoje gatinhas que geralmente era lançamento novo da casa. Eram mais disputadas porque procedentes de outros estados ou mesmo de cidade interioranas, que de qualquer forma causavam sucesso, porque para cavalo velho capim novo...

Zé Tatá - com passividade a tudo assistia com muita fleuma, que talvez ao antropólogo ou psicólogo servisse como subsídio para estudo mais apurado de um comportamento histrião contudo facilmente se comunicava e transmitia aos frequentadores uma serenidade de quem o desenrolar de espetáculo previamente encomendado para distração dos que faziam uma alegria inusitada deixando correr célere a fama do cabaré.
Cheios de salamaleques os jovens se apresentavam às moças nas noitadas naquele recinto de prazer mundano cuja experiência se transmitia com o correr do tempo pelo grande mestre - o mundo - que ensinava aos jovens que não tiveram ou não receberam no convívio do lar, uma orientação segura e desenturvadora do comportamento.
Mas o bom mesmo naquele tempo, era participar e sentir de perto o amor vendido pela “grinfa” que na inexperiência de vida o retalhava mesmo sabendo que tudo não passava de uma momentânea e mútua atração sexual impulsionado pelos instintos dos jovens.
Pouca gente sabia ou tinha conhecimento do seu verdadeiro nome - JOSÉ VICENTE DE CARVALHO, inupto por devoção e convicção inveterada de sua personalidade, porque a alcunha de Zé Tatá vinha de Sobral, sua terra de origem da qual muito se orgulhava.
A pessoa José Vicente de Carvalho, era um cidadão, ser humano respeitador, dizem que muito pontual e correto nas suas transações comerciais, daí o grande segredo de ser por todos muito acreditado e ter durado décadas e décadas o seu ramo de negócio sem sofrer nenhum constrangimento comercial.
Sobretudo se revela a sua parte cintilante e agradável, pitoresca, e cheia de cavilações que a todos agradava por ser a até certo ponto, misto de ingenuidade e ignorância, sendo uma pessoa de poucas letras e cheio E de ensinamentos, o que merecia as atenções de quantos com ele privassem sua amizade. 


Também naqueles idos anos cinquenta/sessenta, a cidade ainda não tinha evoluído e crescido o bastante para entender ou comentar porque ainda nem se conheciam pessoas afetadas por “hábitos de consumo caro” sob aspecto formal e nem na gama de sua diversidade. Fala-se a boca miúda dos que faziam uso da “cannabis sativa”, “liamba” ou a mais conhecida e popular “maconha” no que se tinha o maior receio e cuidados para se noticiar quando alguém era apontado de fazer uso de maconha; para dar tal noticia chegava ao pé do ouvido da pessoa a quem transmitia notícia mas tinha o cuidado de em tom sutil e segredado e dizer: “sabe o filho do Sr. fulano” gente tão boa, família tão organizada, viu, estão dizendo que anda com más companhias e ainda não se tem certeza, mas, comenta-se que está fumando maconha... Oh desgraça terrível...!!!

Era um deus nos acuda a noticia dada sob o mais profundo e sepulcral segredo para que não fosse para alguém menos credenciado para receber tal revelação.
Tudo isso fruto de uma época de mais recato e pudor de vida como se dizia em respeito aos hábitos e costumes de nossa querida cidade de Fortaleza.

Hoje tão diferente! Depois que liberdade desenfreada tomou conta do nosso espaço terrestre o destemor as coisas de Deus a desobediência ao Ser Supremo e sobremodo a falta de respeito imperou sob todos os aspectos, pois, fuma-se, aspira-se os mais variados entorpecentes nos diversos recintos sem menor receio ou constrangimento de ser molestado, porque faz parte de uma juventude “descompromissada”, “alternativa”, “independente”, cujos valores morais são outros e estão pouco interessados em saber se vão ou não agradar, porque querem tão somente, mesmo inconscientes da verdade, atingir o nirvana.

Mas no Zé Tatá ou casa de José Vicente de Carvalho, não tinha disso não. A coisa lá girava de outra forma com pessoas de diversas camadas sociais de diferentes faixas etárias, mas todas com os mesmos propósitos de se divertirem e “pegar o sol com a mão” como se diziam nos velhos tempos - os jovens há mais tempo (velhotes) com a mesma euforia dos principiantes que durante a noite momentaneamente ficavam perdidos e apaixonados pela “horizontal” que só carinho tinha para dar e receber.
Também naqueles idos e recordados tempos ainda não se falava em “stress” ou “estressados”. Nem se tinha ouvido falar como hoje, em pessoas que apesar de jovens já suportam sobre si pesadas cargas emocionais que se valem dos cultores e especialistas no ramo, para tratar os “transtornos bipolares”; Naquele tempo, sobretudo, nos jovens a alegria
e a tristeza ocupavam o devido lugar nas horas certas. Mas com o mundo, mudaram as coisas também, evoluamos para ver onde as coisas vão chegar e principalmente os clones e outros inventos.
Pelo caminhar da carruagem vai chegar o tempo de se fabricar seres independentes de fecundação biológica, como exemplo já temos robôs?!... como tal, executando ordens sem pensar... fazendo miséria... teleguiados ou abúlicos? Mas fora brincadeira e deixemos de caçoada e vão pregar essa historia nos cafundós do Judas... Parece mais historia para inglês ver.
Mas o que vale a pena mesmo nesse despretensioso apanágio é o relato da figura de José Vicente de Carvalho, mais conhecido por Zé Tatá que por ser homenzarrão de corpo e estatura avantajada e que apesar de ter sido homossexual assumido, hoje “gay”, também tinha seu lado macho e quando entrava numa “imbuança” (como registra o termo Leonardo Mota) era temido e não levava desvantagem embora não gostasse de se envolver em “sururu” (brigas) porque não lhe metiam medo “os caga-baixinhos” nem suportava bafafá.
Não se perca da memória de nossa tão amada Fortaleza, quer por seus munícipes, pessoas estranhas, adventícias, nem queiram da lembrança apagar tipos que marcaram época e as que de certa forma engrandeceram com fatos e coisas de quaisquer natureza e se tornaram
valiosos, deixando registro de sua passagem no espaço de tempo que merece agora lembrar até porque insignificante que seja o relato, deve ter por todos nós o respeito pela própria cidadania e pelo aprendizado que se insere e transmite mesmo corriqueiros.

José Vicente de Carvalho dedicou a vida toda ao ramo negocial, cuja fonte principal era o de venda de bebidas. danceteria e casa de recurso.
Possuiu várias casas; umas melhores equipadas, mais chiques outras menos atraentes, mas todas obedeciam a certo padrão de preferência embora sem luxo, mas se comparava as que tinham bom estilo no mundo congênere.
Cultuava a boa música todas selecionadas com os cantores de sucesso da época onde desfilavam Nelson Gonçalves, Augusto CalheirosCarmem Costa, Ângela Maria, Augustinho dos Santos, Alcides Geraldi, Dircinha e Linda Batista e a famosa Araci de Almeida, Jorge VeigaDalva de Oliveira, Erivelto Martins, Carlos Augusto, Dorival CaymmiOrlando Silva, Jackson do Pandeiro, Silvio Caldas e uma gama imensa de cantores, que faziam o cancioneiro dos idos anos cinquenta/sessenta.

Tudo muda e não há nada eterno na nossa vida. A licenciosidade tinha a medida certa na sua dimensão. Naturalmente sempre houve de tudo e tudo se praticava, mas tinha local certo e não havia afronta direta em público. A turma mantinha mais respeito mesmo às raparigas que como profissionais mantinham-se dentro de uma certa linha de conduta no salão, deixando os afagos para o “quarto” - local certo para troca de carinhos. 



Dentre as casas que montou, sobressaíram muito bem durante muito tempo, - O Tabariz, casa noturna, situada na Avenida Pessoa Anta nº 120, prédio assobradado onde funcionou a Booth Line - Cia de Navegação; em seguida nos altos do prédio de rua Gal. Bezerril n° 156, em cima da garapeira - O Guará - ao lado dos Correios e Telégrafos;
depois montou nova pousada na rua José Avelino n° 309, vizinho ao Bar da Maria Cabelão; por último na rua José Avelino n° 156, ao lado do viaduto, que veio a tomar se nome, onde permaneceu até morrer, deixando lampejo do tempo, cintilando fagulha de recordações.



Mas onde quer que hoje esteja o velho “Chalaça” que não foi pária na sociedade e entrou e passou espontaneamente a fazer parte do folclore da nossa cidade, será sempre lembrado diante da homenagem tributada por populares como expressão da memória cognominando ao viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno, lado do Quartel General, no cruzamento da rua José Avelino, que dar acesso à Avenida Mons. TabosaPraia de Iracema - Viaduto Tatazão - que por certo o imortalizará na concepção popular e se lhe for dada a feliz ventura de ouvir a música de sua maior preferência à bela página musical de Antônio Carlos JobimTom Jobim e Vinicius de Moraes, composta em 1957, inserida como
trilha sonora do filme “Orfeu de Carnaval” - A Felicidade - que repetidas vezes tocava durante as noites na Pensão Tabariz, embalou seu aprimorado gosto musical, cuja nobreza de sentimentos ainda hoje lembrada por todos que o conheceram, privaram de sua amizade, foram seus fregueses, frequentadores de suas casas noturnas.



Tristeza não tem fim/ Felicidade sim/ A felicidade é como a gota/ De orvalho numa pétala de flor/ Brilha tranquila/ Depois de leva oscila/ E cai como uma lágrima de amor/ A felicidade do pobre parece/ A grande ilusão do carnaval/ A gente trabalha o ano inteiro/ por um momento de sonho/ Pra fazer a fantasia/ De rei ou de pirata ou jardineira/ Pra tudo se acabar na quarta feira/ Tristeza não tem fim/ Felicidade sim/ A felicidade é como a pluma/ Que o vento vai levando pelo ar/ Voa tão leve/ Mas tem a vida breve/ Precisa que haja vento sem parar/ A minha felicidade está sonhando/ Nos olhos da minha namorada/ É como esta noite/ Passando, passando/ Em busca da madrugada/ Falem baixo, por favor/ Pra que ela acorde alegre como o dia/ Oferecendo beijos de amor/ Tristeza não tem fim/ Felicidade sim.

Zenilo Almada

Leia também:

Parte I


Zé Tatá - O Rei da noite

Fonte: O Bonde e outras recordações - Zenilo Almada



quinta-feira, 21 de maio de 2015

Zé Tatá - O Grande Chalaça que entrou no folclore da cidade


"Quem conheceu Zé Tatá, que aqui nesta cidade residiu desde os fins dos anos quarenta até os anos noventa, e teve a calidez do convívio momentâneo e apaixonante de 

um cabaré, sentiu realizado o desejo ou frustrada a vontade, por não ter conhecido e participado das noites na zona, soube distinguir que o sussurro do impacto causado na paróquia, era maior do que o próprio pecado que já não era original, mas patrocinado pelo amor consagrado no impulso misto de virtude e pecado, que em nós pecadores se instalava como morada, tudo comandado pela força da mocidade, iniciada na infância, para realizar essa vontade quando se atinge a maioridade.

Era rumo à Pensão do Zé Tatá que toda juventude se dirigia como quem faz o caminho da roça em direção ao cortiço, como as abelhas, fazendo revoadas em torno dos mancebos, se acasalando naquele colmeal aconchegante do amor.

Zé Tatá, pessoa simples, era pouco alfabetizado, mas de tino comercial muito aguçado, o que lhe deu condição de administrar suas casas noturnas, porque era sobretudo uma figura hilariante, conhecedor de boa parte da sociedade Fortalezense, que lá frequentava e nutria suas paixões pelas desencaminhadoras odaliscas que dos diversos recantos dos Estados de Pará, Maranhão, Piauí, Recife e até do Rio de Janeiro, aqui chagavam para inquietar os corações dos cearenses desprevenidos da picada do “cupido”.

Sua maior lembrança ficou no nosso folclore, ao se dar nome de TATAZÃO ao famoso viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno, esquina com a rua José Avelino - antiga rua Mesquita, que marcou a última morada na mencionada rua José Avelino n.° 156, quase esquina com a citada Avenida Alberto Nepomuceno.


Hoje, no viaduto Tatazão, uma multidão passa de carro por cima e outros tantos veículos por baixo, e alguém até dorme debaixo dele.

Funcionou inicialmente como casa noturna, na Rua Major Facundo entre as ruas Senador Alencar e São Paulo, em cima do prédio onde ficava Agência Admiral de Peças de Motores, “A pensão Ubirajara, depois transferiu-se para um sobradão antigo, com escadaria de madeira, Pensão Tabariz na rua Pessoa Anta n.° 120, em cima do prédio da Booth Line, onde mantinha música ao vivo, composta de vários instrumentos, sanfona, bandolim, cavaquinho, maracas, pandeiro e instrumentos de sopro, como saxofone e flauta, que faziam uma boa orquestra e se dançava até às 3 horas da manhã ao sons de samba, rumba, bolero, samba canção, valsa e fox. Mesmo dançando “colado”, o cavalheiro aguardava o momento próprio, quando se recolhia para curtir as carícias manifestadas no salão, dando “cheiro na orelha em busca do cangote da parceira”.

O prédio da rua Major Facundo com Senador Alencar em dois tempos, 1910 e 1975 - Nirez e Nelson Bezerra respectivamente


Foi na Pensão Tabariz que obteve talvez maior êxito no ramo, pela exuberância do local, frequência e mulheril que lá se hospedava. Depois Zé Tatá, abriu a Pensão Hollywood, na rua Barão do Rio Branco, em cima de uma Cooperativa com resumido espaço que não dava para dançar.


As pessoas mais relacionadas com Zé Tatá eram as colegas Marion, que se dedicava a arte de pedicure, Marlene, Paulete e o famoso Tereza que com ele trabalhou durante muitos anos e foi talvez a maior e a mais fiel amizade que teve, e ainda hoje vive, ostentando os seus oitenta e uns “biscoitinhos” de existência morando na Praia do Futuro e com o mesmo ramo de negócio.

Zé Tatá era versátil, acompanhava passo a passo os eventos que nessa cidade se desenrolavam, participando ativamente dos festejos carnavalescos. Assim durante o período momino se fantasiava e fazia parte do Bloco das Baianas, que no seu porte de “homão” ocupava, no bloco, proeminente posição, recebendo calorosos aplausos de todos quanto assistiam o corso que se iniciava na Avenida Dom Manuel, percorrendo a Avenida Duque de Caxias até alcançar a Avenida Padre Ibiapina, quando fazia o retorno pelas mesmas avenidas até a Praça do Cristo Redentor, na Igreja da Prainha. Era, para seu gáudio, momento de delírio e ardente satisfação, receber e retribuir os aplausos que do povo partiam em forma de manifestação e de apreço pelos trajes primorosamente trabalhados para ornar a fantasia.

Gazeta de Notícias - 30 de janeiro de 1957

Com o passar dos tempos, não participava mais do “Bloco das Baianas” mas, alugava um caminhão alegórico e, com pequeno número de músicos e instrumentos de sopro, fazia no corso a exibição de seu plantel que residia no “chateau”, cujas mulheres eram suas comensais e durante a noite faziam “salão”, como profissão, na conquista do amor à primeira vista trocando carícias e, em contra partida, tendo remunerado o seu tempo.

Era o amor sensação, amor volúpia, bem parecido com o que se vê nas atuais novelas exibidas em horário nobre, despertando na juventude o que deveria ter o tempo certo, apropriado, para tais explicitações.

Zé Tatá era muito extrovertido, bem humorado, às vezes, irônico, um tanto satírico. Seus ditos procuravam a hilaridade condizente, no bom sentido, com os histriões fesceninos.

Aqui não se quer discutir ou tecer considerações ou dúvidas quanto a sua masculinidade, mas lembrar a figura humana, por ser igual aos demais seres, do “chalaceador”, que de forma espirituosa deixou vivas recordações nesta cidade, que o acolheu como cidadão passando a fazer parte do folclore cearense recebendo seu pseudônimo, o batismo de um viaduto, “O Tatazão”. Era do seu temperamento dizer gracejos animando os frequentadores de sua casa noturna, onde imperava a alegria, com danças e folguedos, virando alegoria, após viver nesta cidade, por mais de oitenta anos, vindo de Sobral, sua terra natal, entrando assim, no conjunto das tradições do povo, expresso em costumes espalhados na população.

Assim, aquela figura exótica, cuja estatura de aproximados dois metros de altura, com quase 120Kg de massa corpórea, traços fisionômicos corretos, de prolongada calvície, de cor parda, semblante alegre, caminhar compassado, sem muita afetação, bem trajado, com sandálias quase femininas, mas com roupa adequada. Trazia o pescoço ornamentado por correntes de puro ouro, relógio no pulso e anéis com pedras preciosas.

Arquivo Nirez

Aquele homão despertava certa curiosidade a todos quantos com ele cruzassem no centro da cidade, e porque nos anos 50 cinquenta, pouca gente ousava bater papo ou mesmo trocar palavras com Tatá, pois o simples cumprimento, poderia ser comprometedor e deixar dúvidas... ou denunciar alguma preferência...

Enfim todos receavam e se preveniam de por em dúvida, naqueles idos tempos, a boa reputação. Temiam o refrão “quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele” ou “dize com quem andas, que te direi que és!” Se fosse visto ou flagrado pelos filhos de “Candinha”, estava frito e com a cotação abaixo da crítica.

Ah, sociedade retrógrada, exigente, muitas vezes era hipócrita com os seres humanos. Afinal não têm culpa de terem nascido homossexuais ou lésbicas. Biologicamente não se auto-principiaram. Já nasceram assim e por isso não deixam de ser criaturas como todos nós. Têm tudo que nós temos e às vezes virtudes que nem todos têm.

E essa discriminação que existia não só para ele, mas se estendia até para as grinfas que moravam nas “pensões altas”, do centro da cidade, e eram também excluídas da sociedade.

Quase não saiam pela cidade para fazer compras, porque as jóias e o vestuário eram vendidos na própria pensão. Quando saiam, apanhavam o carro na porta da pensão e os motoristas aguardavam na porta da loja, quase sempre sapataria - enquanto experimentavam sapatos, sandálias etc, tudo com muita rapidez.

Se, por ventura encontrassem alguém conhecido, faziam questão de não cumprimentar guardando a maior distância para não serem identificadas por seus michês, ou frequentadores dos salões.

Assim nessa pesquisa - um personagem diferente dos tradicionais - dos que também se dedicavam a manter pensões alegres ou casas noturnas, que tradicionalmente - se intitulavam - as pensões altas, por serem localizadas sempre no andar superior dos prédios antigos do centro da cidade, que foram residências das tradicionais famílias, de viscondes,
de barões, de comerciantes, enfim pessoas de fino trato, que formavam a requintada classe alta da sociedade alencarina.

Desse tempo o que se ouve dizer é que as moças com longos vestidos, com anquinhas, corpetes, cabelos com penteado de cócó, com longos pentes, fivelas e travessas cravejadas de pedras, prendiam os cabelos no alto da cabeça dando um ar senhoril às damas e senescal aos cidadãos, que vestidos com casimira inglesa nos diversos tons e cores sem se falar do excelente tecido de linho inglês, paletó preto ou azul marinho, calça bege ou riscado, ou mesmo almofadinha, jaquetão, traduziam o hábito de vestir da época dos que se dirigiam ao Passeio Público, passeando pelas alamedas da Avenida Caio Prado - local reservado na quadra, para as famílias gradas. Havia no Passeio Público, junto ao centro da praça, outra alameda que se destinava à camada social de “gente do povo”, evitando que houvesse a mistura das classes sociais. Uma chamada classe “rica” e na outra classe “pobre” ou dos empregados domésticos.


Com a retirada da banda que fazia retretas e das famílias nobres que residiam no centro da cidade, os casarões deram lugar aos estabelecimentos comerciais situadas nas principais ruas do centro.

Como exemplo cito o do meu bisavô - português Joaquim Dias da Rocha, comerciante que permaneceu por muitos anos na rua Major Facundo antiga rua da Palma, com Senador Alencar - antiga rua das Hortas, no fundo do Banco Frota Gentil- hoje Edifício Jangada, com Armazém de Secos e Molhados produtos vindos dos diversos países da Europa ainda no início do século XIX.

Eram estas ruas no lado norte do centro nervoso do alto comércio de Fortaleza, composto das mais importantes firmas comerciais, que predominavam abastecendo a capital e às diversas cidades do Ceará, no comercio atacadista e no retalho, desde os móveis de fabricação da
Áustria, Inglaterra, Portugal, França, como tecidos, pianos, instrumentos musicais, perfumes, ferragens e etc.

Como tudo na vida tem o seu tempo certo e sofre mutações com o passar do tempo, os casarões do centro da cidade foram ocupados por pensões alegres - e as mariposas ou famosas raparigas tomaram lugar “sentando praça”, como se costuma dizer, depois que entram na vida mundana.

Antes do Zé Tatá, existiam outros locais destinados às libações, como a pensão da Amélia Campos a mais famosa e outras de menor procura -Maria Cabelão” gaguinha - Irinete Alves Cabral, Oitão Preto e tantas outras. Já no dourados anos sessenta.

Prédio em frente a Padaria Lisbonense - Próximo a Praça do Ferreira

Aqueles casarões antigos do centro da cidade que outrora abrigavam nobres famílias, foram pouco a pouco se transformando em lupanares alojando as grinfas que provinham dos mais longínquos recantos do Estado e estados vizinhos, que infestavam o mercado da nossa urbe para retalhar amores a granel nos mais variados apetites masculinos.

Zé Tatá, figura de retórica a tudo assistia manifestando seu hilariante humor, animando a todos. No salão a contra-dança era com uma das comensais de sua preferência para estimular aos que participavam daquela alegria mundana, não só para mancebos, mas para respeitáveis senhores daqui da nossa paróquia ou oriundos das distantes cidades do nosso sertão cearense, que quando por lá apareciam, eram verdadeiros termômetros das boas safras algodoeiras, de sementes de mamonas, cera de carnaúba, peles e couros que faziam a receita do nosso Tesouro, manifestada pela exportação para o Sul do país e outros países, os nossos apreciados e divulgados produtos.

Dessa forma o Cabaré do Zé Tatá, também participava dessa fartura econômica, vendo os coronéis (pessoas abastadas do sertão) que lá se aboletavam formando grandes mesas num festival de raparigas que dançavam, pulavam de alegria bebendo tudo que tinham direito, comandadas pelo coronel, que simploriamente vestido no seu dolman, chinelos de rabicho e chapéu de bombucacho, dominava aquele ambiente festivo “do jeito que o diabo gosta”...

Entre os vivas e aplausos quem mais atirada fosse, ganhava o coronel, cuja preferência, a estas alturas, já não se dava conta e dizia - “o que cair na rede é peixe”...

Até porque toda aquela exultação era fruto de uma boa negociação de um agricultor que realizara entre os grandes atacadistas da “praia” como eram conhecidos os comerciantes de peles, couros, algodão e sementes que se situavam nas ruas José Avelino, Pessoa Anta, Dragão do Mar, Boris, Senador Almino, Almirante Jaceguai e outras ruas próximas.

As mariposas elegantemente vestidas de “soirée” nos tons vermelho, preto, azul, amarelo, verde, róseo mais espalhafatosos e berrantes - era no que se diz hoje - “no tom cheguei!”... “Para abafar”... e enfezar a turma...

Mas era por demais interessante frequentar a casa do Zé Tatá - por ser na sua exuberância, local para divertimento de toda faixa etária, onde todos se distraiam esquecendo o tempo passar. Ainda não se conhecia tão vulgarmente o “Stress”, a hipertensão, e principalmente a
tão conhecida “depressão”. Existia de vez em quando a melancolia ou tristeza que após uns tragos de bebida, boa música e uma odalisca de lado ia embora dando lugar à alegria para cantar a música da trilha musical da novela Da cor do pecado, segundo meu estimado amigo Dr. Bosco Câmara, curioso musicófilo no bom sentido, me diz ser de autoria de Bororó - Alberto de Castro Simões da Silva(1898-1986) - descendente direto da Marquesa de Santos - amante de D. Pedro II, gravação original de 1939, interpretado por Silvio Caldas:

Esse corpo moreno/ Cheiroso e gostoso/ Que você tem/ É um corpo delgado/ Da cor do pecado/ Que faz tão bem/ Esse beijo molhado/ Escandalizado que você me deu/ Tem sabor diferente/ Que a boca da gente/ jamais esqueceu/ Quando você me responde/ Umas coisas com graça/ A vergonha se esconde/ Porque se revela/ A maldade da raça/ Esse cheiro de mato/ Tem cheiro de fato/ Saudade tristeza/ Esta simples beleza/ Teu corpo moreno; morena enlouquece/ Eu não sei bem porque/ Só sinto na vida/ O que vem de você.
Zé Tatá - homenzarrão era também muito disposto, respeitado por todos que conheciam sua fama, por não ser morredor. Era um tipo destemido e extrovertido, ninguém nunca o via abichornado, estava sempre satisfeito com a vida e de nada se queixava, vivia em paz consigo
mesmo, assim diziam todos que a sua casa frequentavam bem como as suas amigas hóspedes. Cumpria com seriedade as obrigações comerciais que assumia, daí porque todos lhe creditavam no comercio local, granjeando bom conceito que o distinguia como ótimo pagador das dívidas por ele contraídas.

Arquivo Nirez

Na Boate Tabariz - Zé Tatá era quem abria a festa rodopiando no salão ao som da orquestra de pau, corda e sopro, escalando uma dançarina-noturna que bem pudesse representar o cabaré, na contra-dança.
Essa se chamava Francisca - conhecida pela alcunha deChica ou na sua falta - Das Doresou Clébia que eram conhecidas como pés de ouro...

De repente todos os presentes começavam a dançar com muita animação e não demorava muito o cabaré se inflamava com as músicas nos seus diversos ritmos - desde samba, samba-canção, bolero, fox, baião, valsa, terminando sempre com o famoso tango na voz de Carlos Gardel.

O cancioneiro predominado por Chico Alves, Nelson GonçalvesAlcides Gerardi, Ciro Monteiro, Luis Gonzaga, Erivelto Martins, Dalva de Oliveira, Ângela Maria e o cearense Carlos Augusto interprete de “Vitrine”, “Negue o seu amor” e varias composições de Adelino Moreira, cuja família composta de vários cantores, a partir de sua mãe Nenen Bandeira detentora de linda voz, Cleide e Adamir Moura (irmãs-vocalistas) e Henriqueta Moura que inaugurou a rádio P.R.E. 9, juntamente com os cantores José Jataí, Hildemar Torres, José Lisboa, Terezinha Holanda, as Três Marias, filhas da Professora de Música Maria de Lourdes
Gondim
, Mário Alves - Trio Nagô, Zuíla Aquiles, Keyla Vidigal, Maria Guilhermina e Telma Regina, que formavam o grande elenco de artistas cearenses, sem esquecer os grandes compositores Lauro Maia, Evaldo Gouveia e Aleardo Freitas.

Um detalhe que merece realce, diz respeito à gente boa que frequentava o seu cabaré, e se por ventura com ele cruzasse nas ruas do Centro da cidade ou no Mercado Central, onde diariamente fazia suas compras, demonstrava que não conhecia ou simplesmente acenava com o olhar num cumprimento cauteloso, para não ser notado por outras pessoas nem comprometer, evitando enxovalhar o bom nome e a reputação da pessoa com quem falava...

Era próprio do provincianismo que dominava a nossa cidade cheia de preconceitos ou atavismo. Parecia até que a indigitada pessoa era portadora de doença, cujo mau poderia pegar até num simples cumprimento. Tudo causava horror e admiração diante do pieguismo e primitivismo cultural e social da nossa gente naquela época.

Hoje tudo mudou. É tudo tão diferente. Parece até que houve inversão de valores, que só Freud poderia explicar com exatidão essa transformação do entendimento racional das pessoas que antes se escondiam por detrás de pseudo moralismo e hoje já se expõem com exagero dando lugar às insinuações malévolas. Será por depuração da sociedade ou, mesmo evolução dos tempos? Deixemos esses questionamentos para os estudiosos no assunto, os sexólogos, psicólogos ou médicos psiquiatras que tão bem sabem se desincumbir da missão.

Aqui se tem em mente, lembrar tipos, episódios, pessoas e coisas que marcaram no passado seus jeitos, construindo nesta nossa querida cidade, marcos indeléveis que devem ultrapassar o tempo, não deixando a memória morrer no esquecimento, trazendo até subsídios de qualquer ordem que possam interessar aos historiadores, antropólogos, arqueólogos e demais interessados no passar dos tempos.

Por isso, em evidência, um ser humano - Zé Tatá, que durante décadas e mais décadas preencheu com hilaridade o folclore cearense."

Zenilo Almada

Bônus: A Pensão do Zé Tatá - Luizinho de Irauçuba


Causos na Pensão do Zé Tatá

“Nosso saudoso Zé Tatá, sobralense ilustre, dono de uma pensão alegre que guardava e garantia o trabalho de meninas de vida...vamos dizer...livre pra não falar fácil (fácil?)

Pois bem. Veio do Recife para Fortaleza um time de futebol e no time um carinha metido a besta, desses pernambucanos que no passado achavam que o mundo começava e terminava entre as doenças do Capibaribe e do Beberibe.

Depois do jogo procurou um lupanar e foi cair na Pensão do Zé Tatá.

Bebeu, dançou, foi pro quarto com uma das meninas, apalpou desagradavelmente outras tantas e no fim botou boneco. Não queria pagar.

Era coisa de três horas da manhã e o tal cavalheiro começou a esculhambar com todo mundo, gritando que no Ceará não tinha homem, que macho ali só tinha ele e que não ia pagar coisa nenhuma e essas coisas que todo bonequeiro faz. Uma das meninas foi acordar o Zé Tatá e contou.

Tatá subiu nos tamancos e foi ao salão. Quando o valentão viu aquele armário (quase dois metros de altura por dois de largura e pelo menos um de fundos) tentou afinar. Zé Tatá limitou-se a dar-lhe uma patada que jogou o tal pernambucano na metade da escada já gemendo de dor. Zé desceu e foi chutando o besta até a porta. Lá embaixo, com o cara de cara amassada, costela quebrada, coração parando.


Zé Tatá pegou o cabra pelas bitacas, e deu-lhe a porrada de misericórdia, não sem antes avisar; Vá seu corno. E diga lá no Recife que no Ceará levou uma surra de um Viado.


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Zé Tatá - O Rei da noite
Fonte: O Bonde e outras recordações - Zenilo Almada/ http://macariobatista.blogspot.com.br/
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