quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Casarões no entorno do Dragão do Mar


No início do século XX, esses casarões que hoje emolduram o Dragão do Mar, funcionavam como empresas de importação e exportação. O bairro chamava-se Outeiro da Prainha. Até os anos 50, essa área também acolheu casas de tolerância.

O espaço hoje ocupado pelo Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O bairro era chamado de Outeiro da Prainha. Foto da déc. de 20/30. Nirez

Nos anos 80, artistas começaram a se instalar por ali. O artista plástico José Tarcísio (Foto ao lado) foi o primeiro deles. No final dos anos 90, uma parceria entre a Fundação Roberto Marinho e Tintas Ipiranga viabilizou o projeto Cores da Cidade, procedendo a restauração e pintura das fachadas de 58 prédios da área. Eu achei que ficaram lindos e vocês? 

A maioria desses casarões se localizam na rua Dragão do Mar, que foi incorporada ao Centro Cultural e pedestrianizada entre a Rua Boris e o prolongamento da Almirante Jaceguai, às margens do equipamento.

Prédio que já serviu de repartição pública, foi demolido para dar lugar a rampa do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Arquivo Nirez

O Restaurante Buoni Amici’s por exemplo, ocupa dois charmosos casarões com cerca de 100 anos. Em um, fica o Buoni Amici’s Pizza e no outro, o Buoni Amici’s Sport Bar, onde são realizados shows e eventos culturais.



Os casarões são em estilo neoclássicos e foram transformados em bares, restaurantes e casas noturnas.

Prédio do SOEC*, onde hoje é o Centro Dragão do Mar na Rua Dragão do Mar nº 81. Acervo de Manoel Enéas Alves Mota

No final da década de 1980, enquanto a Praia de Iracema fervilhava com os encontros multiculturais em pontos como o Cais Bar, Estoril e Pirata, um pouco mais à frente, nas proximidades da antiga alfândega, apenas casas de prostituição, galpões e velhos casarões abandonados compunham a cena do local. Prédios residenciais e restaurantes finos nem sonhavam em investir por ali, mas foi no meio dessa zona que, em 1983, o artista plástico Zé Tarcísio** decidiu se instalar, ocupando o casarão deixado pelo também artista plástico Hélio Rôla. Um casarão antigo, com pé direito alto, espaçoso e aluguel baratíssimo era o ponto ideal para montar um ateliê de arte.


O Dragão do Mar durante sua inauguração em 1999 e durante sua construção. À frente, à direita, a torre da Casa Boris. Ao fundo, o Seminário da Prainha e a Biblioteca Menezes Pimentel - Fotos de Gentil Barreira 

Foto Fortaleza2007

Depois dele - entre tantos outros -, vieram Tota, Sérgio Pinheiro, Kazane, Caetano, Mestre Pedrinho, Júlio Silveira... No início dos anos 90, o bairro virara um polo de ateliês e galerias de artistas cearenses. Muitos se chegaram atraídos pelos mesmos benefícios de Zé Tarcísio, outros, no entanto, foram na esperança de ver sua arte deslanchar com a abertura do esperado Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em 1999***.


Panorama do ateliê do artista plástico e colecionador cearense Zé Tarcísio - Acervo Overmundo

Antônio Severino Batista, mais conhecido como Tota, foi um deles. Ele se instalou por ali em 1997. “Nós fomos com a esperança de vencer, de melhorar. O referencial da cultura do Ceará era lá”, lembra Tota.


Onze anos depois da inauguração do Centro Dragão do Mar, o equipamento que deveria ter atraído ainda mais artistas e equipamentos culturais para o seu entorno assiste a um dos últimos espaços de arte das redondezas dar adeus ao local. A Galeria do Tota fechou suas portas para reabri-la na rua Pereira Filgueiras. “Quando o Dragão foi inaugurado, eu lembro muito bem que eu fui contar as galerias de arte: tinham 28. Onze anos depois, só tinha eu e o Zé Tarcísio”, recorda o artista. “Eu não tenho nada contra o Dragão do Mar, mas não dá mais. Hoje é o ‘dragão dos bares’ ”, desabafa.


Foto Fortaleza2007

Daqueles tempos de abandono, Zé Tarcísio foi o único que resistiu às mudanças (e problemas) atraídas pelo Dragão do Mar para a área. Ele viu o local ganhar nova vida, se encher de gente e, paralelamente, viu a especulação imobiliária fazer seus companheiros deixarem o local para dar lugar aos bares e boates. “Antes era barato, não era uma zona privilegiada. Com a criação do Dragão, a especulação imobiliária começou a querer mais dos artistas e aí foi saindo um, saindo outro...”, pontua. “O Dragão não tem culpa, ele é uma peça necessária”, ressalva.



Sérgio Pinheiro, que manteve seu ateliê por ali entre 1991 e 2007, foi um dos que precisou sair porque não tinha mais condições de pagar o aluguel. “Quando o Dragão surgiu, todo mundo quis, mas como artista não tem dinheiro, os bares ganharam”, diz. Ele conta que, na época, muitos se apegaram à ideia do então secretário de cultura do Governo do Estado e um dos idealizadores do centro cultural, Paulo Linhares, de desapropriar dois quarteirões do entorno do centro cultural para instalar o “Quarteirão dos artistas”, no qual os casarões seriam ocupados de acordo com a concessão do governo. O projeto não saiu do papel.


“O Banco Mundial se interessou, mas o Tasso Jereissati, então governador, achou que não era prioritário na época”, explica Linhares. Para ele, o projeto ainda se faz necessário e tem urgência. “Esse projeto tem que ser feito urgentemente, senão vai degradar. O Dragão era para liderar as mudanças do entorno. A compreensão de que o Dragão precisa dessa sinergia com o entorno é necessária”, conclui.


A atual gestora do CDMAC, concorda que há urgência para resolver essas questões. “Nós temos essa preocupação, mas falta decisão política para fazermos essa articulação”, diz. É necessário uma articulação dos poderes municipal e estadual em busca de soluções para o entorno do Dragão do Mar.

Foto Fortaleza2007

Saiba Mais


No final da década de 1990, os casarões das ruas Dragão do Mar, José Avelino, Boris, e outros ficaram tomados por ateliês e galerias de artes. Inaugurado em 1999, o Centro Dragão do Mar atraiu ainda mais artistas para o seu entorno. Hoje, no entanto, apenas o artista Zé Tarcísio resiste à especulação imobiliária e às mudanças trazidas pelo equipamento. Para o lamento de quem viveu e vive por ali, ao invés de outros equipamentos culturais, o que se vê na redondeza são bares, boates e outros equipamentos ligados ao entretenimento.



*Em 20 de julho de 1971, surge, através da Lei nº 9.498, a Superintendência de Obras do Estado do Ceará - Soec, hoje extinta.


**Quando o artista chegou, o lugar era conhecido como zona do meretrício da cidade, havia ainda alguns escritórios de importação e exportação, lugar de passado glorioso. Zé Tarcísio trabalha e mora no atelier da rua Dragão do Mar até hoje.


Rua Dragão do Mar quase esquina com Almirante
Jaceguai. Foto de 1935 de Robert S. Platt
***O Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura foi inaugurado oficialmente no dia 28 de Abril de 1999, data em que o Governo do Estado “entregou” o equipamento para o povo cearense. No entanto, o Dragão começou a funcionar experimentalmente desde 28 de Agosto de 1998.
O projeto Dragão do Mar é largamente criticado por arquitetos e planejadores urbanos por diversos aspectos, como sua escala monumental, que briga com a das edificações do entorno, o desrespeito aos casarões e galpões antigos, a demolição de alguns sobrados e a falta de referências locais, contrariando o discurso dos arquitetos autores do projeto.

Rua Dragão do Mar quase esquina com Almirante
Jaceguai.
Após um período experimental de oito meses, em 
28 de abril de 1999 

inaugura-se e entra em pleno funcionamento, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, 30 mil m² divididos em salas de exposições, cinemas, teatro, anfiteatro, auditório, planetário, café, ateliê de arte, salas de aulas e espaços para "shows".

Dentro do Centro, são também inaugurados o Planetário Rubens de Azevedo, pelo próprio, e o Anfiteatro Ministro Sérgio Mota.

Os arquitetos foram Antônio Fausto Nilo Costa Júnior e Delberg Ponce de Leon.
Localiza-se na Rua Dragão do Mar nº 81, na Praia de Iracema.



Créditos: Bodega Cearense, Viação Dragão do Mar, O Coração e o Dragão - Perspectivas de vida urbana em uma cidade fragmentada (Vol. 1), Nirez e pesquisas pela internet

3 comentários:

  1. Belo texto. Ele me fez ver o quão eu não conheço a nossa história. sou estudante de arquitetura e seu texto foi fonte de pesquisa pra mim. Obrigado.

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    1. Que bom, Adriano, fico feliz!!! :)
      Muito Obrigada pelo comentário!

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  2. ~~> Muito interessante saber sobre os bastidores de um empreendimento tão importante como o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. E como o próprio nome diz "Arte e Cultura" está com sua finalidade desviada. Concorda com a fala do artista Tota, quando diz que o Dragão agora é "Dragão dos barees".

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