segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O cordão das "Coca-colas"



O cordão das "coca-colas" foi criado logo após a guerra por um grupo de sargentos da Aeronáutica, como uma brincadeira em cima das moças que namoravam os soldados americanos. Fez sucesso pelos anos a seguir e chegou a ser um dos pontos de maior atração no Carnaval de rua de Fortaleza.

Nos idos de 45, terminada a Segunda Guerra Mundial, os soldados americanos retornavam ao seu país de origem e as "coca-colas" ficaram desativadas. Mas não estavam mortas, tanto assim  que continuavam a desfilar seu charme e sua elegância pelas streets da urbe, motivando as mais variadas reações: as velhas e respeitáveis matronas, guardiãs da sagrada moral cristã, resmungavam, olhavam de esguelha, condenavam as meninas ao fogo eterno do inferno e até benziam-se. "T'esconjuro, filhas do mal!" As muito feias (que me perdoem) e desprovidas dos bafejos da deusa da beleza davam muxoxos e olhares de desdém. Despeitadas! As crianças ficavam boquiabertas ante aqueles mulheraços, verdadeiras afrodites, desafiando os costumes e a chamada Moral vitoriana
_"Mãe, que moça linda!" e a mãe puxando o rebento pela orelha: _"Não olha! É uma 'coca-cola!'..." Quanto aos homens, bem, os homens olhavam em torno, conferindo a possibilidade de uma possível reprimenda e, quando a situação se mostrava favorável, tascavam o infalível fiu-fiu e mais alguns galanteios nem sempre aprendidos nas cartilhas das boas maneira. Alguns até apelavam para a grossura. Vôte!

Mas elas passavam incólumes, sem olhar para os lados, que mulher de classe só olha para frente. E do altos das suas elevadíssimas sandálias Gilda. Pois, como já dizia o poeta Zé de Sales, "os cães ladram, mas a caravana passa". E as "coca-colas" passavam...
E passavam. Pois hoje, elas, que representaram (ou foram) o fenômeno de uma época, são, agora, apenas vagas lembranças de pessoas mais velhas. Nada foi escrito, nenhum registro foi feito. Os preconceitos não o permitiram. Acredito que tenha passado pela cabeça de algum jornalista da época documentar o fato numa grande matéria. Mas os pudores falavam mais alto. Está claro que toda sociedade se levantaria contra a "imoralidade."


Década de 40 - As Coca-Colas com os militares

As "coca-colas" surgiram, simultaneamente, com a chegada dos soldados americanos que aqui instalaram uma base aérea, no alvorecer dos anos 40. Melhor dizendo, elas foram consequência da permanência daqueles militares ianques em nossa capital. O epíteto coca-cola surgiu do fato de elas terem o privilégio de tomar o famoso refrigerante americano que, àquela época, a gente só conseguia "saborear" através dos filmes made in Hollywood. Também, por ser a Coca-Cola um dos mais conhecidos símbolos americanos. Em suma, foi alguma mulher feia e despeitada ou algum machão desiludido quem apelidou as atrevidas moças de "coca-colas."


O cordão das "coca-colas" - Arquivo Nirez

Da mesma forma como faltou, até agora, quem resgatasse a memória das "coca-colas", não surgiu, ainda, um sociólogo ou mesmo um psicanalista para elaborar um profundo estudo sobre o fenômeno. Doce e nostálgico fenômeno do qual pouquíssima pessoas se apercebem. Pois elas representam, há mais de quarenta anos, os anseios das mulheres de hoje: o profundo desejo de liberdade, a emancipação, o assumir as suas próprias vidas.

O que mais causa estranheza e que torna o capítulo "coca-colas" um fenômeno sem explicações é o fato de que, sendo Fortaleza, naqueles idos, uma ingênua província de cerca de duzentos mil habitantes, apenas 10% da população atual, tenha surgido um punhado de moças para enfrentar todos os preconceitos da moral cristã da época, afrontar as próprias famílias e, o que é pior, as maledicências dos vizinhos, numa atitude que, até nos dias atuais, ainda chocaria muita gente.


Soldados americanos dançando no Estoril com as Coca-Colas, durante a Segunda Guerra. Acervo Will Nogueira

Sabe-se que as guerras geram tragédias de todas as espécies, sendo uma delas a prostituição de jovens como única maneira de mitigar a fome e obterem recursos para ajudar familiares. Mas não era esse o caso de Fortaleza, distante dos campos de batalha e sem outras consequências mais danosas, exceto a paralisação das importações, quando o Brasil dependia, em grande parte, dos produtos oriundos da Europa. Por outro lado, essas moças, regra geral, eram bem nascidas, provinham de famílias até tradicionais de nossa terra, viviam bem, moravam bem, não havendo, portanto, o fator carência financeira. Elas namoravam os soldados americanos, assim como um outro grupo namorava os cadetes, da mesma forma como, após elas, outras moças se interessavam pelos sargentos da nossa base aérea. "Ai, da base!..."


Em plena Praça do Ferreira, O Jangadeiro era outro front na batalha das "coca-colas" contra os preconceitos. Ali, elas tinham encontros vespertinos com os soldados do Tio Sam.

Estudando-se mais a fundo a questão, chega-se à conclusão de que se tratava de um punhado de mulheres de mentalidade evoluída, sendo obrigadas a viver numa pequena cidade sem maiores opções, além das monótonas sessões de cinema, do lanche no O Jangadeiro, o passeio de bonde, olhar as vitrinas das lojas mais aristocráticas, fazer o footing nas praças. Os soldados ianques trouxeram outras opções, ajudaram a tirar da rotina, a vida desmotivada da cidade modorrenta. E elas queriam ser diferentes, queriam sair da rotina, ver caras novas, não serem obrigadas a namorar os rapazes locais, conhecidos e manjados.

E como eram as "coca-colas", indagam as pessoas mais jovens, quando escutam falar no assunto. Era mulheres maravilhosas, lindas, elegantes, vistosas, educadas, imponentes. Eram estrelas cintilantes que brilhavam com luz própria, a luz da personalidade e do desafio. Estrelas de um firmamento sem estúdio nem palcos iluminados. Eram mulheres inteligentes, luminosas e iluminadas que souberam viver uma época, tirar proveito de um instante, de uma fase, de um flash da vida para fazer uma eternidade. Pois elas nunca serão esquecidas. Viverão sempre, no coração daqueles que as viram e admiraram, embora (e infelizmente), sem coragem de dizer. Pois, as "coca-colas" eram tabu. E hoje, quando quase todos os preconceitos já ruíram por terra, muita coisa já se apagou da memória.


Mas há de aparecer alguém que faça justiça a essas mulheres tão maravilhosas e incompreendidas na época. Alguém que as efetive na história de Fortaleza. Não como algo burlesco ou ridículo, ao contrário, como uma passagem bela e, por que não dizer, como um original capítulo da nossa cultura.


A Vila Morena, na Praia de Iracema, transformada em clube dos oficiais norte-americanos durante a Segunda Guerra, era reduto das atrevidas "coca-colas", as moças da sociedade local que tinham coragem de enfrentar as críticas e condenações e assumiam a soldadesca invasora.

Que apareça alguém para documentar aquele instante tão alegre da nossa província e as divinas personagens  que se escreva um livro  ou se monte um musical. Que seja um balé ou uma opereta. Uma novela para tevê, até um filme. Para tudo se presta a história das "coca-colas". O cenário seria o velho Estoril, de tantos fatos, de tantas histórias. Pois, foi ali, na bela Vila Morena, que os soldados americanos transformaram em base, que o cordão das nossas alegres "coca-colas" fazia a festa. Uma festa que parecia não ter fim, quando, nas madrugadas, de longe se viam as luzes e se escutavam os cantos e os risos de alegria esfuziantes de uma juventude que queria, antes de tudo, viver.



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Livro Royal Briar de Marciano Lopes

9 comentários:

  1. Ao Sr. Will Nogueira, gostaria de perguntar-lhe a origem dessa foto porque a recebi de um americano que lutou a segunda guerra no Brasil e não sabia de ninguém mais q a tivesse. Fred. site www.fundacaorampa.com.br

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  2. Olá, gostaria de fazer duas perguntas sobre as imagens nesta página. Seria possível dizer de onde tirou a primeira foto do cordão das cocacolas? Também gostaria de saber como conseguir uma cópia da foto de que Fred, acima, perguntou. Obrigada!

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  3. Oi Courtney, boa noite!

    A primeira foto, conforme dito no final da postagem, é do livro Royal Briar de Marciano Lopes e a segunda é do acervo de Will Nogueira e ele postou na sua página do Facebook.

    Abraços

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  4. Durante os anos 60 havia em Fortaleza um bloco carnavalesco chamado O Cordão das Coca-colas, onde eu encontro alguma referência e esse bloco que tanto animou o de Fortaleza?

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    1. Olá Paulo, bom dia!

      No próprio livro que eu citei ao final da postagem ou aqui no site, no marcador intitulado "Cordão das coca-colas" na sua lateral esquerda.
      <----------------------------

      Abraços

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  5. Antes de ser um fato histórico, vejo as “coca-colas” como uma efeméride histórica do burlesco. Repetida em qualquer lugar do mundo que, durante as guerras, recebe estrangeiros de farda. Parece que os olhos da mulher cintilam à uma farda. Seria uma questão de sentir-se protegida, nos braços dos guerreiros fortes e de línguas enroladas? Efêmeros relacionamentos de alcova, entrecortados por sorrisos a cada arroto dado após um gole nas famosas garrafas de vidro ou, diriam elas, vrido? Antes de retratar um punhado de mulheres dinâmicas, à frente do seu tempo, espirito de liberdade, vejo uma trupe cortesã, espirito libertino, submissas ao “bonito?”, quer dizer, ao “diferente” que as devassa frente aos conterrâneos homens de bem de quem elas, “por recato”, exigiam “respeito”. O abate era, de preferencia, ao por do sol nas matas do rio Cocó. Indo pela estrada do Cocorote ou Coco Route.
    Do outro lado, digo, do lado dos filhos do tio Sam, nada mais barato que o barato de desnudar, desvirginar – gratuitamente - e abandonar ao final da guerra, os presentes ingênuos que lhes foi dado pelos primos pobres do lado de baixo do equador. Quais serão as próximas vítimas? As indonésias, polinésias, malaias, colombianas?
    Lembra o Vicente Celestino cantando MIA GIOCONDA.
    Não! Talvez a versão do Chico Buarque com sua “MINHA HISTÓRIA” devido o rebento briguento, malandro e bandido, represente melhor as nossas cocacolas, como as cocacolas dos outros portos aportados pelos rapAZES americanos.Quantos rebentos rebentaram de olhos claros e cabelos bosta de rolinha sem nome de pai e de nome Uilame, Ueliton e Uóxiton para brilho e glória de Fortaleza, a virgem desposada do Sol? Ou seria do Sam?

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    1. Alguns desses soldados americanos usaram essas mulheres prometendo amor e jogaram elas fora como se elas fossem lixo.

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  6. Alguns soldados americanos usaram essas mulheres e as usaram como se fosse lixo.

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