quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Cem anos da seca (1915-2015)


"O céu, transparente que doía, vibrava tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, apenas um juazeiro ainda escapa à devastação da rama”. A escritora Rachel de Queiroz imortalizou a seca de 1915, mas as palavras da cearense também serviram de retrato de outras grandes secas ao longo desses 100 anos.

Muitas pessoas que sofriam com a seca chegaram à capital e, para conter o fenômeno, centenas de retirantes eram, literalmente, concentrados. Os primeiros campos de concentração foram criados em Fortaleza, um deles no Bairro Otávio Bonfim. O local hoje abriga uma praça e a Igreja de Nossa Senhora das Dores.

“A ideia era muito clara: concentrar, disciplinar essas pessoas. Colocar essas pessoas ali pra que elas não perturbassem a ordem social. Lá havia uma rígida disciplina. Não poderiam sair, tinham, muitas vezes, os cabelos raspados, separavam mulheres de homens. Muitas vezes, o governo que administrava os campos. Havia cadeias pra punir quem agisse com indisciplina. Então, era um modo de controle”, explica o professor e historiador Airton de Farias.


Veremos agora um conjunto de registros fotográficos de vítimas da seca. O autor das fotos é  Joaquim Antonio Corrêa, cujo ateliê ficava em Fortaleza.
Esse conjunto de fotografias pertence atualmente, ao acervo da Biblioteca Nacional. São imagens chocantes, em formato de 'cartes de visite', e retratam crianças, homens e mulheres desnutridos e maltrapilhos, de aparência doentia, e, muitas vezes, as fotos, feitas em estúdio, trazem textos rimados que se referem à miséria.



"Tenho fome! Tanta fome
Que já não me posso erguer!
Miseria que me consome,
Faze que eu possa morrer!"

"Foi o céu inexhoravel
Contra á mim, contra á meus paes,
Deixou-me na orphandade
Entregue a dores e ais!"

"Desgraçado! Assim creança
Pae, mãe e irmãos perdi!
A miseria á mim se avança
Abre as garras e sorri!"

"Triste orphão da ventura
Só dores no mundo achei
Dá-me oh" Deus a sepultura
Onde a paz encontrarei!"

 ILEGÍVEL
"...Foi lusidio e feliz!
Mas hoje é pallido espectro
Que a existencia maldiz"

"Coberto de immundos trapos
Dormindo exposto ao luar
Falta-me n'alma o talento
Té mesmo para chorar!"

"Porque me tornas cadaver,
Miseria, que me assassina?
Porque plantas tantas dores
Na minh'alma inda menina?"

ILEGÍVEL
"Vive exposto o corpo meu!
Meu pae e mãe, meus amores!"
ILEGÍVEL

"Deixei, por amôr a vida
Me roubarem o pudor!
E hoje mulher perdida
Morro de fome e de horror!"

"O filho, como uma furia
Ergueu-se a um pão pedio!
Pobre pae, ante á penuria
Tremeu de fome e cahio!"

"Eu sou cadaver esguio
Que por entre os vivos erra;
Meu-corpo tomba sombrio
No solo da ingrata terra!"

"Tão bello na face outr'ora
Eu tinha os risos dos céus!
E myrrada pelle agora
Cobre mal os ossos meus!"

(Obs.: Os textos das fotos estão com a grafia da época)

Em 1915, uma seca severa fez com que os sertanejos se dirigissem para as grandes cidades, desta feita o Governo do Ceará, optou por criar o primeiro "campo de concentração, no Alagadiço, hoje Otávio Bonfim, ao oeste da cidade de Fortaleza, lá foram "abrigadas" mais de 8 mil almas a quem eram fornecidas alimentação sob a vigília constante de soldados. Mais uma vez (sim, essa infelizmente não foi a primeira e não seria a última seca que tivemos) foi estimulada a migração para a Amazônia e o campo (curral humano) foi desativado em novembro do mesmo ano.

Decididamente aqueles não seriam anos bons para os cearenses. Depois das duas guerras de 1912 e 1914, seu Jader e sua família iriam assistir em 1915 a pior seca de todos os tempos. 

 
Relatório dos Presidentes dos Estados - 1916



Créditos: G1 Ceará/ Brasiliana Fotográfica

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