quarta-feira, 23 de junho de 2010

O bonde (XI) - Prado

Bonde em 1943, linha Prado - Arquivo Nirez

Naquele tempo só se falava em bonde, quando se queria passear. Era o que havia de mais “chic” subir, tomar assento no bonde. Às vezes os admiradores, hoje “paqueras” já estavam de olho e coincidentemente (sofismas) se encontravam no mesmo local, e daí se iniciava o diálogo, quase sempre a costumeira linguagem dos principiantes do namoro. Geralmente se comentava que a jovem era muito presa aos princípios e costumes da casa dos pais, não tinham nenhuma “folga”, liberdade para sair com o namorado mesmo que fosse o jovem mais disputado da urbe (cidade), porque muitas vezes pesavam fortes acusações de ser um Dom Juan, que só pensa em iludir as incautas donzelas deixando-as muitas vezes na “peça” ou no caritó, como forma de condenação se dizia das moças que haviam ultrapassado a faixa dos trinta anos. Tão diferente de hoje... a começar pela liberdade sob todos os aspectos. Enfim não é necessariamente a prisão dos pais aos filhos, o exagero do recatamento que propicia a felicidade conjugal ou sirva de garantia para êxito dos jovens nubentes. Mesmo porque muito antigo é o refrão que diz: “Casamento e mortalha no céu se talha”. Hoje, modernamente se proclama - “quem ama com fé, casado é...”, até porque hoje mesmo se “casado na igreja verde” tem-se assegurado direitos de companheira, porque o concubinato está ficando em desuso. É letra morta na convivência conjugal, não está mais adstrito ao concúbito, porque os casais dormem até em camas separadas, quanto mais em domicílios... Há outros modos de comprovar a convivência de fato. Mas, deixemos de lado o concubinato, companheirismo e outros tipos de liames, e vamos percorrer de bonde a linha do Prado, carregado de saudades. Talvez por alusão ao local das corridas de cavalos, tenha sido denominado o bairro com referência ao hipódromo, porque se tem conhecimento que de lá se partia para a corrida de cavalos, por apostadores e tangerinos que vinham dos sertões. Dizem que o maior criador de gado que havia naquela época era o Cel. Antônio Diogo, que dominava o mercado da “carne verde”, como assim era chamada para diferenciar da “carne velha”, carne do sol ou salgada. Já naqueles tempos havia uns com tanto e outros com tão pouco... Foi também doado Leprosário Antônio Diogo, que deu origem ao município com o mesmo nome.

Rua Guilherme Rocha - Anos 20

Mas voltemos à vaca fria e subamos no bonde do Prado cujo ponto de partida era o seguinte: - “No início dos anos 1930, as linhas de bonde já estavam ampliadas para diversas áreas da cidade, como Praia de Iracema, Av. Epitácio Pessoa, Praça José Bonifácio e Prado, e outras tinham sido prolongadas como Fernandes Vieira (até a Escola de Aprendizes de Marinheiros), Alagadiço, Via Férrea e Estação (Joaquim Távora)”.

Todas as linhas operadas por bondes elétricos partiam da Praça do Ferreira, onde existia um posto de controle, ou da Travessa Morada Nova (por trás do atual Museu do Ceará). Assim, a linha do Prado - o bonde se deslocava da Praça do Ferreira - fazia o contorno da praça e seguia pela rua Guilherme Rocha até a rua General Sampaio à altura do antigo Bar Americano, dobrando à esquerda na Praça José de Alencar para alcançar a Av. Visconde de Cauípe, dobrando à esquerda na Av. 13 de Maio, prédio da Reitoria - antiga vivenda da família Gentil - chegando à rua Marechal Deodoro - (antiga Cachorra Magra) defronte ao Bar do Bola de Ouro, onde predominava o jogo de sinuca nas confluências do Prado - hoje Estádio Presidente Vargas, com separação das duas áreas. O percurso de volta era feito pela Marechal Deodoro, passando em frente ao Ponto Chic e à Mercearia Esporte Clube, entrando à direita na rua Domingos Olimpo até chegar à Floriano peixoto, alcançando a Praça do Ferreira.

Parece que a ideia de ainda se ter de volta os tão saudosos bondes não desapareceu da cabeça dos nossos administradores, como o prefeito Juraci Magalhães, que afirmou na imprensa que iria a Portugal com o objetivo de conhecer vários projetos urbanísticos desenvolvidos naquele país e, principalmente, trazer “know-how” do chamado VLT - Veículo Leve Sobre Trilhos -, espécie de bonde refrigerado que segue concepção de um metrô de superfície. O prefeito o considera viável para a capital cearense e diz que quer implantar um VLT no trecho Parangaba - Mucuripe. É, por conseguinte, uma ideia louvável que por certo terá a mais ampla aceitação por parte dos seus munícipes que desde já aplaudem tão necessária e imperiosa iniciativa que muitos benefícios trará à população.

Mas, enquanto não chega o “bonde refrigerado”, vamos anunciar a nossa passageira ilustre do bonde do Prado, nossa tão querida e estimada professora Irene Barbosa de Arruda, que deu inequívoca e valiosa contribuição ao ensino médio desta capital durante longos anos à frente da Escola Normal Pedro II.

Irene nasceu em 4 de abril de 1917, em Rio Branco - Acre, filha dos cearenses - José Macário Barbosa e Cecília Cabral Barbosa. Com o falecimento de sua mãe veio residir em Fortaleza, em 1929, na companhia de sua tia Cleonice Cabral Nunes de Melo, concluindo o curso normal.

Postal de 1925 - Foto do livro Lembranças do Brasil - As capitais brasileiras nos cartões-postais e álbuns de lembranças. Trecho muito antigo da Praça do Ferreira, vemos ao fundo e a direita, o antigo sobrado do comendador Machado, hoje substituído pelo Excelsior Hotel.

Num dia marcado pelo destino, a passageira do bonde que fazia a linha do Prado conheceu o cavalheiro de alto bordo - Raimundo Leopoldo Coelho de Arruda Filho, conceituado advogado, com quem veio a casar-se em 1938. São seus filhos Vera Sílvia, casada com Sílvio Roberto de Almeida e Castro, Regina Alice, em segundas núpcias com Danísio Dalton da Rocha Correia, Francisco Roberto, casado com Cássia Azevedo Fernandes e Teresa Lúcia, engenheira de pesca, solteira.

Com sua vocação para o magistério começou a acalentar o sonho de ser professora e cooperar com a educação do Ceará e após a conclusão de seus estudos, já nomeada professora substituta efetiva do Grupo Fênix Caixeiral, ministrou durante oito anos aulas às crianças, comprovando o amor e a dedicação, reafirmando que escolhera a profissão certa. Nasceu para ser professora. O magistério foi o seu ideal. Sua identidade com a sala de aula e suas alunas se misturava entre transmitir o saber, experiência cujo aprendizado tomava forma e proporção numa simbiose que no tempo não demorou a fluir os loiros, agigantando-se de conhecimentos naquela professorinha que só amor, dedicação e obstinação reinava na sua mente já direcionada ao ensino público. Foi o ceará, a terra mãe por ela escolhida, para servir de berço ao cabedal de jovens que dela se aproximavam ávidos de receber orientação, ensinamentos, para também saírem a propalar o bálsamo da sabedoria que lhes fora transmitida pela mestre Irene Arruda, como era chamada.

Submetendo-se a vários concursos para o cargo de professora, obteve sempre ótima classificação, assumindo o cargo de Técnica Auxiliar de Educação, com responsabilidade de lecionar aulas em diversos grupos escolares da capital.


Parada de bondes na rua Guilherme Rocha, foto Aba Film, 1939

Obteve o primeiro lugar no concurso para professora de Economia Doméstica, vindo a integrar o corpo docente como catedrática da Escola Normal Pedro II, exercendo depois por nomeação o cargo de professora de Trabalhos Manuais e Economia Doméstica nos quais tornou-se titular.

Em 1956 foi nomeada 1a vice-diretora da Escola Normal Pedro II. Em 1958, galgou todos os degraus que a levaram a ser diretora do Colégio Estadual Justiniano de Serpa durante seis anos, deixando comprovado o seu amor e a sua dedicação ao ensino do Ceará, o que valeu para especialização de vários cursos inclusive nos Estados Unidos.

Em 1966 aposentou-se como professora e diretora. Mesmo assim, não parou de estudar e prestou vestibular para o Curso de Pedagogia na Universidade Federal do Ceará, concluindo em 1970 e aclamada para ser a oradora da turma, coroando com êxito os 38 anos dedicados ao Magistério e assumiu a Secretaria de Educação do Estado.

Hoje, a professora Irene representa um dos ícones da sociedade cearense, participando ativamente de todos os movimentos intelectuais, numa evidente demonstração da sua cultura, sobretudo dedicada ao ensino, colaborando com desvelo para o engrandecimento do Ceará, colocando à causa da educação os princípios básicos para o desenvolvimento intelectual e sobretudo cultural, base que solidifica o ensino do aprendizado.

Ainda se pode atribuir ao bonde, o mais importante meio de transporte, que durante muitas décadas prestou inestimáveis serviços à coletividade, carregando passageiros para os diversos locais da cidade, atendendo numerosa classe de estudantes e de outras categorias sociais, facilitando a aproximação, interligando bairros mais distantes e proporcionando com baixos preços cobrados pelo transporte, que comparados aos auto-ônibus e carros de praça (aluguéis) eram bem convidativos por serem mais acessíveis ao bolso da população.

Bondes; postal aspecto em 1925 do Livro Lembranças do Brasil, as capitais brasileiras nos cartões-postais e álbuns de lembranças.

Era fascinante por ser agradável aproveitar nas manhãs de junho e carruajar, recebendo aquela brisa amena nos bondes das diversas linhas da nossa capital, cuja tranqüilidade deixava uma autarcia própria da cidade que ainda engatinhava, mas com ares de metrópole, porque já aportava vasto lastro cosmopolita emigrado de Portugal, França, Itália, Inglaterra, Japão e do mundo árabe que aqui se fixou por ser o Ceará considerado - o Eldorado.

Zenilo Almada Advogado


Portugal - Em Portugal, bem como na Turquia, há cidades (em particular Lisboa e Istambul) que incluem sistemas de bondes antigos e modernos (VLT), geralmente funcionando os antigos nas regiões tradicionais e os modernos nas partes novas das cidades.

VLT - Veículo Leve Sobre Trilhos - O conceito de VLT aplica-se tanto à concepção do metrô de superfície (via seletiva) quanto ao bonde moderno que trafega em meio ao trânsito urbano (via compartilhada).

Juraci Magalhães morreu no dia 21 de Janeiro de 2009


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Veja também:




Crédito: Artigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza. Ceará - Domingo, 07 de setembro de 2003


2 comentários:

  1. Olá Leila,
    muito excitante essas entradas (é assim que os espanhóis chamam esses "posts") sobre os bondes, é maravilhoso só em pensar seguir a Bezerra de Menezes, a José Bastos, a Aguanambi ou mesmo a Santos Dumont, num bonde, meu pai andou muito de bonde.
    É interessante essa idéia de se adotar o sistema de VLT na nossa cidade, é uma cidade bem traçada, plana e de ruas largas, acho que daria muito certo, só falta vontade política. Esse sistema é muito comum em várias cidades da Europa, além de Lisboa eu vi também em Milão, e em Bordeaux, na França, nesta, em plena fase de implantação, é muito confortável além de suave e silencioso. Se em vez desse Metrofor, que nunca fica pronto, tivessem pensado nesse outro sistema, talvez já tivesse funcionando, criando emoções e, que sabe, mexendo com os corações.
    Abraços,
    Walter - Recife

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  2. Pois é Walter, esse Metrofor pelo visto só vai sair mesmo na copa de 2014 e olha lá se sair até lá afffff
    Enquanto que no Cariri o Metrô já está funcionando, dar pra acreditar?
    É, tem coisa que não me entra na cabeça tsc tsc

    Abraços e obrigada pelo comentário

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