Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : O bonde (IX) - Alagadiço
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segunda-feira, 21 de junho de 2010

O bonde (IX) - Alagadiço

Bondes na rua Major Facundo - Anos 30 (Foto: OPovo)

Hoje vamos recordar o bonde que fazia o maior percurso de linha. Vamos nos transportar ao lado oposto da cidade, ou seja, zona Oeste no aprazível bairro do Alagadiço, conhecido por seu mangueiral, cajual, bananeiral e outras fruteiras próprias daquele solo. Como em quase sua totalidade as linhas servidas por bondes elétricos saíam da Praça do Ferreira, com raras exceções, como é o caso da Prainha e da Praia de Iracema. O bonde Alagadiço saía da Praça do Ferreira, seguia pela Rua Major Facundo, até alcançar a Rua Clarindo de Queiroz, percorrendo-a até encontrar a Rua Dona Tereza Cristina, hoje Tereza Cristina; dobrava à esquerda (um quarteirão do Mercado São Sebastião) até chegar na Rua Meton de Alencar, quando em direção à direita contornando o Mercado São Sebastião, tomava a Rua Juvenal Galeno (1a seção); Farias Brito - em frente à Igreja de Nossa Senhora das Dores, Av. Bezerra de Menezes até a Igreja São Gerardo (2a seção); daí em diante ainda pela Av. Bezerra de Menezes até o Colégio Santa Isabel - próximo à Escola de Agronomia era a 3a seção e última. Por ser a linha mais extensa de todas, o bonde estava sempre superlotado. Os bancos quase sempre com excesso de sua capacidade. Muita gente segurando nos balaústres - com os pés nos estribos (plataforma ou degrau), com certo perigo de vida, aguardando a chegada das seções seguintes para conseguir assento nos bancos. Nos idos dos anos 1940, era costumeiro ao cair da tarde, quase todas as pessoas que trabalhavam no Centro e que moravam nos bairros de Farias Brito, Otávio Bonfim, São Gerardo e Alagadiço, adquirirem nas padarias situadas nas diversas ruas centrais, pães, bolachas, biscoitos - ainda quentes do forno com inconfundível, agradável e denunciador aroma, que aguçava logo o apetite de qualquer um! Ah tempo bom! Das inigualáveis bolachinhas “Ceci”, feitas com “leite condensado da Holanda”, vendidas na Padaria Duas Nações - cujo proprietário - o distinto português, pai do nosso amigo - desembargador Raimundo Bastos. Tudo era acessível a todos. Mais fácil. Não pairava a existência de qualquer desigualdade econômica ou hegemonia social. Todos eram iguais, resguardados pelo respeito mútuo próprio da época. Na etapa do ano que se comemorava a Semana Santa, pobres e ricos tinham como comprar o pão de coco, bacalhau, vinho mesmo em pequena quantidade, até o vinho a granel vendido na Padaria Modelo - do português João Martins Canito, na Rua General Sampaio, entre as ruas Senador Alencar e São Paulo, mesmo sendo pobres, também participavam dos atos religiosos celebrados com muito respeito. Recordando ainda as padarias que se localizavam no Centro, vem-nos à mente a Padaria Palmeira - situada na esquina da Rua Guilherme Rocha com Senador Pompeu, onde grande número de fregueses se dirigia a um recanto no qual se encontrava um nicho com vulto de tamanho pequeno de Santo Antônio, conhecido como santo casamenteiro e, abaixo, incrustado na espessa parede um cofre para colocar moedas como esmola, às vezes com pedidos escritos das moças donzelas, que haviam dado os primeiros pulos da “macaca” e, por isso, se valiam com muito fervor nas súplicas ao santo, para não receber, coitadas, a peja de titia, solteirona, coroa, balzaquiana, e o pior de todos esses qualificativos, o de terem ficado na “peça” e receber o apelido de “vitalina” porque ficara no “caritó”. Era na inesquecível Padaria Palmeira que as jovens que se consideravam ultrapassadas pela idade se postavam a pedir a santo antônio recitando além da oração os versos trazidos de Portugal que diziam:

Santo Antônio de Lisboa que em Lisboa foste nado, em Roma coroado, em Pádua visitado, pelo hábito que vestistes, pelo cordão que cingistes, eu vos peço uma graça pelo poder que adquiristes.

Assim, após a oração ficavam mais confortadas e esperançosas de arranjar um “gajão” enviado pelo santo casamenteiro, ou fazendo outras tentativas no dia 13 de junho, por ser-lhe o dia consagrado e, como última esperança o responso, ou ceia de São Pedro no dia 29 de junho.

Além dessas, outras padarias existiam no Centro e ruas contíguas, como a Lisbonense, Aliança, Triunfo, Nordestina, Globo, Santa Teresa, Ideal, Lisboa, Benfica, ou por onde o bonde passava...

Major Facundo, final dos anos 30 início dos anos 40

No caso da linha Alagadiço, por ser muito longo o seu trajeto, algumas pessoas cochilavam com o agradável balanço do vaivém que o bonde fazia. Tinham os passageiros, por sua vez, o cuidado de descer nos pontos certos que serviam de orientação. no caso da 1a seção - a Fábrica Siqueira Gurgel, após a Praça Otávio Bonfim e o Grupo Escolar Presidente Roosevelt; o Instituto dos Cegos e a Igreja de São Gerardo - 2a seção; e, Secretaria de Agricultura do Ceará, próximo à 3a seção, quando chegava na grande propriedade do Dr. Rocha Lima.

O nosso passageiro ilustre da linha do Alagadiço é o falecido humanitário médico - Dr. Abnegado da Rocha Lima, nascido em Fortaleza aos 17 de fevereiro de 1887. Residia numa casa de sua propriedade quase no final da linha do bonde da Av. Bezerra de Menezes, cujo sobrado ocupava mais de uma quadra com fundos pertencentes. Ao lado, uma capela da família onde todos assistiam às missas aos domingos.

Em 1913, contraiu matrimônio com Maria Braga da Rocha Lima, conhecida como D. Filhinha, nascida em 12 de outubro de 1892. Do enlace, o casal teve os seguintes filhos: Paulo, Afonsina, Hélio e Alberto. Dentre seus filhos, destacou-se o general Paulo Braga da Rocha Lima, um dos componentes da Força Expedicionária Brasileira que, em Monte Castelo, na península itálica, soube elevar com brilho e galhardia o nome de nossa pátria.

Foi o percursor da implantação da manutenção de orfanatos no Ceará. Sempre mantinha de 80 a 100 crianças internadas sob suas expensas. Fundou, dirigiu e era o principal mantenedor, durante muitos anos, do Instituto de Proteção e Assistência à Infância.

Para doutorar-se em medicina, a 28 de dezembro de 1911, defendeu tese perante a Faculdade Médica do Rio de Janeiro, atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, versando a dissertação sobre Rachistovanização e suas vantagens.

Foi inspetor de higiene do estado do Ceará. Organizou e publicou o Boletim Trimestral de Estatística Demográfico-Sanitário da Cidade de Fortaleza, no ano de 1912, primeiro ano de sua publicação.

Antes de sua morte, fez um levantamento em seu fichário de atendimento gratuito de nada menos que 75 mil crianças, conforme dados estatísticos constantes do arquivo do Instituto de Proteção à Infância. Faleceu em Fortaleza aos 24 de outubro de 1954. (Dicionário Bibliográfico Cearense - Pág 39/40 - Barão de Studart - 2a edição - Organizado por Newton Jacques Studart - Vol. I).

Na administração do general Murillo Borges, a Avenida Bezerra de Menezes passou por grande modificação, dando maior amplidão à visão, com a retirada de todos os pés de “ficus-benjamins” - árvores de porte robusto, de copa densa e com muitas raízes aéreas e aventícias, que ali cresceram ao longo de toda a avenida formando canteiros e alamedas, no centro, dividiam a avenida, fazendo separação de toda sua extensão.

Assim, os antigos pés de “ficus-benjamins”, que na sua vetustez sombreavam a avenida em quase todo comprimento, onde famílias inteiras ali residentes se abrigavam como passatempo debaixo das copiosas árvores, que ia além do apreciar o constante descer e subir dos passageiros, se refrescavam do calor do nosso verão abrasador e, para deleite de todos, uma imensa visão da avenida junto ao canteiro central servia de divisória ornamentada pelas árvores altaneiras.

Realmente, deve ter sido a Av. Bezerra de Menezes, uma das principais obras da administração Murillo Borges (1963 a 1967), porque modernizou e mudou o antigo aspecto de uma avenida extensa, sombria, com árvores envelhecidas ao longo do tempo, testemunha de variados episódios onde a lembrança e a saudade são companheiras inseparáveis.

Como dizia, a Av. Bezerra de Menezes teve na gestão Murillo Borges o seu ponto alto, quando mudou para camada asfáltica toda a malha que compõe a avenida.

Assim, a inauguração teve a singularidade de congraçamento dos moradores e de todos que percorriam aquela avenida, unindo-se a um só, numa quilométrica mesa posta pelos moradores da avenida que promoveram um grande banquete, em que cada um expunha suas iguarias, guloseimas e acepipes dos mais variados tipos. Com o corte da fita simbólica pelo general Murillo Borges, teve início a grande festa de inauguração da Avenida Bezerra de Menezes, que daí em diante trouxe outra imagem que a modernidade transformou no apreciável centro de comércio.

Ah! se o tempo retrocedesse ou não deixasse apagar da nossa imaginação as coisas boas que a vida nos dá. Seria o céu na Terra com tudo que tem direito um pecador temente a Deus e que Dele recebe sublime inspiração para divulgar o estado de espírito...

O bonde na rua Major Facundo

Mas, fora da caçoada! - Quem teve a oportunidade de se transportar nos bondes pela Avenida do Alagadiço nas manhãs de inverno, com céu pardacento carregado de nuvens plúmbeas embruscando o tempo, contemplando aquela imensa paisagem, acolhe no peito as saudades, nos olhos marejam as lágrimas, a lembrar do que se foi na poeira do tempo a que tudo se reduz, só sente o pulsar do velho coração que continua fiel e resistindo aos percalços do cotidiano.

Zenilo Almada Advogado


quase sua totalidade as linhas servidas por bondes elétricos saíam da Praça do Ferreira - Era freqüente em algumas cidades brasileiras esse sistema de todas (ou quase todas) as linhas convergirem a um ponto determinado, geralmente uma praça. Por exemplo, em Niterói (RJ) o ponto geral de partida era a Estação das Barcas. No Rio de Janeiro, como sugere o porte da cidade, os pontos de convergência eram diversos, localizados de acordo com as seções (o termo seção pode significar tanto a subdivisão da linha, que define a variação dos preços de passagem, quanto a seção administrativa do sistema, que abrange determinado número de linhas que atendem especificamente um espaço ou região da cidade), definidas nos centros dos bairros ou num ponto de saída específico para determinada região, como no caso dos bondes da Zona Sul, que se dirigiam aos bairros do Catete, Humaitá, Praia Vermelha, Copacabana, etc., partindo todos do célebre “Tabuleiro da Bahiana”, uma estação localizada numa extremidade do Largo da Carioca (onde hoje passa a Avenida Chile, próximo ao atual ponto de partida dos bondes de Santa Teresa), cuja cobertura deve ter-lhe gerado o apelido, devido ao formato.

Todos eram iguais, resguardados pelo respeito mútuo próprio da época - É interessante notar que este fenômeno social ocorria - e talvez ainda ocorra - com freqüência em ambientes provincianos ou semi-provincianos, nos quais, paradoxalmente, costuma existir uma certa valorização das hierarquias. Acontece que, apesar disso, o espírito ameno desses ambientes gera uma atmosfera de amizade e consideração geral e mútua entre as pessoas, ocorrendo, de forma espontânea, uma condição na qual as desagradáveis “barreiras sociais” tornam-se flexíveis e às vezes abertas. Em ambientes ferroviários do interior, por exemplo, pelo menos até a década de 1960, eram comuns (e talvez ainda o sejam) as visitas mútuas entre operários e diretores de oficina e todos eram mutuamente convidados (e compareciam) às festas familiares.

o agradável balanço do vaivém que o bonde fazia - O balanço característico dos bondes, como de qualquer veículo ferroviário, tem um efeito de “berço”, que provoca uma agradável sensação de repouso, às vezes de letargia. Principalmente nos trens dormitório é comum sentirmos esse efeito e chegarmos ao destino após uma ótima noite de sono.





Crédito: Artigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza.
Ceará - Domingo, 08 de junho de 2003


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