Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Marciano Lopes
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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terça-feira, 4 de abril de 2017

Avenida do Imperador - Especial Fortaleza 291 anos


Praça da Lagoinha, destaque para a avenida do Imperador. 

Nos  idos de 45, a avenida do Imperador era uma espécie de porta de entrada para o aristocrático bairro de Jacarecanga. Com suas largas calçadas, sua pavimentação de pedras toscas, seus frondosos e elegantes oitizeiros, era para o memorialista e escritor Marciano Lopes, a sua Via Veneto, Avenue Foch e Fifth Avenue. Suas casas são diferentes, portentosas, nobres, um relicário arquitetônico das senhoriais vivendas construídas nas primeiras décadas do século XX. As fachadas são bem características da nossa assimilação do estilo art nouveau com as imprescindíveis sacadas de ferro em notáveis trabalhos que são verdadeiras "rendas" e arabescos fundidos. As portas têm rótulas e postigos com vidraças coloridas importadas da França, da Bélgica e da Holanda. As portas de entrada dão acesso aos pequenos vestíbulos ou salas de espera. As artísticas platibandas ostentam balaústres, "pinhas", "abacaxis", jarrões.


Casa de Thomaz Pompeu vista da Praça.


Mas existem, também, soberbos bangalôs. São as construções mais recentes, espelhadas nas residências das estrelas de Hollywood. Eram assim as mansões do médico Newton Gonçalves, do milionário Checo Diogo, do interventor Menezes Pimentel. Até uma típica mansão inglesa tem na avenida do Imperador. É a residência da família Thomaz Pompeu, em frente à Praça Capistrano de Abreu (da Lagoinha). 

É encantadora sua fachada austera, de tijolinhos vermelhos, enegrecida pela pátina do tempo e sua platibanda com tantos detalhes, além da imponente varanda do andar superior.

Praça da Lagoinha vista da avenida do Imperador

No seu livro Royal Briar, Marciano detalha para nós, a avenida na década de 40: 
"E há singelas casas de beira e bica, como a da inglesa miss Sand, uma solteirona altíssima e muito religiosa, que passa, todas as tardes, para rezar no Santuário da Adoração Perpétua. Usa, sempre, vestidos estampados de preto e branco, minúsculos chapéus pretos, enormes sapatos de linha masculina e, no pescoço, rosário de grandes contas negras.


Casa de Saúde Dr. César Cals

Na minha nobre avenida, há a asséptica Casa de Saúde Dr. César Cals, dirigida pelas irmãs franciscanas. O prédio é gracioso e alegre,  contornado por bem cuidado jardim, cheiroso a jasmins e espirradeiras. Possui uma limpíssima capela, acolhedora e silenciosa, na parte superior e, embaixo, no centro, onde a escada se bifurca, um oratório de São Francisco onde, dia e noite, há sempre gente pagando promessas, rezando e acendendo velas.


Fábrica Progresso na Avenida do Imperador. Arquivo Nirez

A Escola Doméstica São Raphael. Arquivo Nirez

(Ao lado, a avenida vista da praça em 1939. Acervo Sérgio Roberto).

Na avenida do Imperador, ficam o Instituto São Luiz, as fábricas Progresso e Santa Elisa, uma loja Maçônica, a Padaria Ideal, a Farmácia São Francisco, a Escola Doméstica São Raphael, a Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo, o Patronato Maria Auxiliadora, onde, no período do Natal, tem o bem montado Pastoril, de irmã Breves, há a pequenina e barroca igreja de São Benedito, com o convento dos padres sacramentinos, há a loja O Gambettá, famosa pelas tintas para tingir roupas, a escola de datilografia do professor Antonio Pimentel, que é dirigida pela Marola; a Villa Diogo, a mercearia do Seu Carlos, velhinho de cabelos brancos, que todas as manhãs brinda sua freguesia com retratos feitos a lápis dos políticos em maior evidência, como Getúlio Vargas, Otávio Mangabeira, Nereu Ramos, Zenóbio da Costa, brigadeiro Eduardo Gomes. O velhinho, que tem aparência de um tranquilo vovô, é simpatizante do Partido Comunista e fica frustado porque não pode expor o retrato do seu líder, Luiz Carlos Prestes. Dá cadeia!


Padaria Ideal - Arquivo Nirez


Destaque para a avenida do Imperador

Quando consigo um tostão, vou comprar "peixinhos" no seu Carlos e sempre tenho a curiosidade de ver a constante renovação da "galeria" de retratos do merceeiro-artista. 
Nossa casa, de duas sacadas de ferro fundido e uma porta, é imponente e elegante, com sua fachada cor de vinho, balaústres, cornijas e frisos bege. As portas têm vidros incolores e vermelhos de bela e forte coloração. Às quatro horas, o sol, através da vidraça, tinge de sangue o velho sofá da sala de visitas.


(Ao lado, a avenida em 1985. Foto Acervo O Povo).

Defronte à nossa casa, mora dona Santinha, virtuosa dama, mãe do político Stênio Gomes, de dona Dolores Caracas e de dona Dulce Gondim. Ao lado da casa de dona Santinha, mora dona Eva Cunha, senhora muito bonita e elegantes, mãe do jornalista Ary Cunha e das elegantes moças Evenita, Berenice, Erbene e Suzy, bem como da menina Marlene, linda loirinha, que é amiga de minha irmã Maria do Carmo e de minhas primas IreneAurinha e Lindete.

Nosso vizinho da direita é o venerado vovô, o velhinho mais simpático do mundo. Ele, que é avô de verdade do Guilherme Neto, é o vovô faz de conta de todas as crianças das redondezas. Mora com sua mulher, dona Virgínia, e suas filhas Laura, Margot e Lúcia. As duas últimas, são professoras de piano e na sala de visitas há dois desses instrumentos. No final da tarde, todos os dias, seu Guilherme, o querido vovô, de terno branco, chapéu do Panamá, gravata-borboleta e bengala, dá o seu passeio que consiste em rodear a quadra. Vai sozinho, caminha devagar e, a cada instante, é assediado pelas crianças, que param suas cantigas de rodas, suas cirandas, para beijar a mão do sempre sorridente velhinho. Retorna, quando o papagaio já põe em polvorosa a casa, indagando: "Margot, o vovô já chegou?" "Ei, Margot, o vovô já chegou?" e, como Margot, ocupada em suas aulas de piano, não responde, ele apela para Lúcia: "Lúcia, o vovô já chegou? Lúcia, Lúcia, o vovô já chegou?" sem obter resposta, dirige-se a Laura e fica a repetir a mesma pergunta, até que vovô chega e o papagaio faz aquela algazarra e no dia seguinte tudo será repetido.


Avenida do Imperador em 1939. Ao fundo o Casarão de Thomaz Pompeu. 
Acervo Sérgio Roberto

Nossos vizinhos são muito especiais. Além dos já citados, há o médico José Carlos Ribeiro, os professores Otávio Farias e João Pinto, o poeta Teixeirinha, a viúva do poeta Epifânio Leite, a família Chaves, de moças muito elegantes; seu Cristóvão e dona Iaiá, genitores do Zé Aírton, da Paulinha e da Marilac. Há seu João, da Viva o Brasil, pequena bodega que faz jogo do bicho.

É também, na avenida do Imperador, que fica a casa cor-de-rosa da milionária e benemérita dona Elisa Diogo. E há as lindíssimas filhas do professor Antonio Pimentel e dona Jatobá, a Yolanda, a Eliane e a Terezinha. Há a imponente casa de Moisés Pimentel, o conhecido Pimentel do Álcool; e a casa de "bonecas" dos manos Maria de Sousa, Vicencinha e Boa Ventura, as pessoas mais prestativas e verdadeiramente cristãs que já conheci.
É linda a minha avenida, sem favor, a mais aristocrática da cidade. Nobre, tranquila, limpa, habitada por gente fina e altaneira. Faz jus ao seu nome."

A Avenida Imperador Hoje:









Crédito: Livro Royal Briar - A Fortaleza dos anos 40 de Marciano Lopes

segunda-feira, 27 de março de 2017

O dia que descobri Fortaleza - Especial Fortaleza 291 anos



"Descobri Fortaleza aos nove anos de idade, precisamente no dia 27 de agosto de 1945, quando vim de Beberibe, tangido pela tragédia que foi a morte de meu pai.
Lembro demais, era uma linda e ensolarada manhã de segunda-feira. Tão linda era aquela manhã, plena de sol, que amei, de pronto, esta cidade, apesar do estado de quase torpor em que me encontrava, em virtude do passamento de meu genitor, cuja missa de sétimo dia ocorrera no dia anterior.

Fui morar na parte mais aristocrática da avenida do Imperador, com seus bangalôs e casarões nobres, suas amplas calçadas e seus majestosos oitizeiros.
O percurso entre a parada do ônibus, na praça dos Voluntários, e a casa de meus familiares, foi de surpresas sucessivas. Embora Fortaleza daquele tempo fosse uma encantadora província, se comparada à minha pequenina e inocente Beberibe, me parecia uma metrópole. Algo como deixar Fortaleza, agora, e chegar a Nova York. Encantavam-me os prédios altos, as lojas bonitas e suas vitrinas, as ruas movimentadas, os carros, o barulho ensurdecedor dos bondes, a elegância das pessoas, as residências chiques.


Avenida do Imperador, vendo-se ao fundo o casarão de Thomaz Pompeu. 
Acervo pessoal de Sérgio Roberto

Naqueles dias, a população de Fortaleza, de cerca de duzentos mil habitantes, assim como as populações de todos os quadrantes do mundo, vivia, ainda, a euforia pelo término da Segunda Guerra Mundial, daí o clima de festa, a alegria que parecia estar em cada face, em cada sorriso.


Ideal Clube meados dos anos 40


Talvez por ser tão pequena e tão singela, Fortaleza, na metade da década de 40, era uma cidade com ares aristocráticos, tinha pudores de donzela, não obstante ser tão francesa no seu aculturamento. A França determinara a formação das senhorinhas de boa estirpe, assim como comandava a moda, o padrão das lojas e de suas artísticas vitrinas, a vida social que acontecia no Clube Iracema (foto ao lado), no Clube dos Diários e no Ideal Clube. Por isso, era chic, na Fortaleza daqueles tempos idos, prendadas donzelas conversando em francês e tocando piano, nos fins de tarde, nas senhoriais moradias do centro da cidade.


Clube dos Diários funcionando no Palacete Guarani e sua diretoria na década de 40.


Como chic era assistir à sessão das sete e meia do Cine Diogo, fazer compras na Casa Sloper, ver vitrinas da Casa Parente, merendar no O Jangadeiro ou no Eldorado, ter, na sala, uma ampliação colorida da Aba Film, usar perfume Promessa, encomendar chapéus às Irmãs Almeida, frisar os cabelos na Madame Santinha, comprar tecidos finos na A Cearense ou na Broadway e, aos domingos, assistir à missa das oito, na Capela das Missionárias, na Avenida Rui Barbosa.
Em agosto de 1945, com o término da guerra e a debandada dos soldados americanos, as "coca-colas" estavam em recesso, mas, ainda faziam sucesso, principalmente, a estonteante Cyres Braga, que chamava as atenções gerais quando desfilava, pelas ruas do Centro, com seu andar ondulado e seu olhar de mormaço.
As damas de fino trato usavam peças de bronze e alabastro para ornamentar suas casas, não dispensavam os cristais da Boêmia, as baixelas de prata, os abajures com cúpulas de pergaminho legítimo, os aparelhos de jantar, em faiança "castelo azul", de origem chinesa, via Inglaterra.


Os americanos na sede da Uso (Estoril) com as Coca-Colas na década de 40. 
Acervo Castro Cascais

Fortaleza, nos idos de 45, compunha-se, além do Centro, que era comercial e residencial, de poucos bairros e, consequentemente, de poucas linhas de bondes e de ônibus. A vida era pacata. Nas calçadas das residências, à noite, formavam-se as chamadas rodas de calçadas com papos os mais variados e as reuniões iam noite adentro. As ruas, muito limpas, eram pavimentadas a paralelepípedos, a pedras toscas e a concreto. As praças eram ajardinadas, fartamente arborizadas, convidando ao repouso e aos folguedos os idosos e as crianças. Havia segurança, não se ouvia a palavra assalto, e ladrões, havia os de galinha. Podia-se andar,  despreocupadamente, a qualquer hora do dia ou da noite, em todos os quadrantes da cidade, sem o menor receio.



Praça General Tibúrcio (Praça dos Leões) em registro dos anos 40.

Não havia exploração nem carestia e os preços das mercadorias, principalmente dos chamados "secos e molhados", passavam até ano sem serem majorados.
Também a moda era duradoura. Roupas, sapatos e chapéus eram usados até a saturação. Não havia técnicos de marketing determinando que a moda tinha de ser efêmera e mudar, continuamente,  para agradar os industriais têxteis, os fabricantes de calçados, os chapeleiros. Não havia, ainda, a indústria da confecção, todo mundo era obrigado a comprar os tecidos e procurar os alfaiates ou as costureiras.


A elegância dos homens na Fortaleza antiga. Na foto, vemos João Clímaco Bezerra, Mozart S. Aderaldo, Edval Távora e Chico Novaes, na Praça do Ferreira em 1946.

Os homens usavam ternos de linho irlandês de dia e,  de casimira inglesa, à noite. Os bem talhados ternos eram feitos pelos mestres alfaiates, instalados, regra geral, na rua Guilherme Rocha, entre as ruas Barão do Rio Branco e General Sampaio. As mulheres usavam muita seda francesa, com estampas florais sobre fundo negro; musselinas para os vestidos de noite, muito laço, muito drapeado, fivela, "apanhados", fricotes. Os sapatos eram, quase sempre, combinados de pelica e camurça, abertos, de preferência e, não raro, os ditos "plataforma", inspirados em Carmen Miranda. As luvas, indispensáveis até para as compras no mercado, do mesmo jeito que o chapéu. Os decotes eram discretos, as saias desciam até esconderem as batatas das pernas, envoltas em meias de seda.

Exemplos de figurinos usados pelas mulheres na metade da década de 40, quando Marciano Lopes chegou em Fortaleza.

As compras de mercadoria fina e comestíveis importados eram efetuadas na Casa Tupy, na Casa Joana D'Arc, na A Miscelânea, na Casa Leitão, na Casa Tabajara e na Leão do Sul. O Posto Mazine oferecia  os melhores carros de aluguel e era de bom tom tomar sorvete no Café Belas Artes, do Palácio do Comércio, após sair das sessões da noite, do Diogo e do Moderno.


O Palácio do Comércio com destaque para o Café Belas Artes


A propósito, os cinemas do Centro apresentavam duas sessões, sendo uma às três e meia e a outra às sete e meia. Naquele dia, 27 de agosto de 1945, era esta a programação das nossas salas cinematográficas:  DiogoPrisioneiro de Zenda, da Art-Films; ModernoMinha namorada favorita, da Fox; Majestic - Império da desordem, da Columbia; RexNão adianta chorar, da Atlântida; Luz - o mesmo programa; Nazaré - (sessão colosso) Os valentes de guarda, da ColumbiaFuzileiros da Fuzarca, da RKO Rádio; Centro - Serenata azul, da Paramount

Assim era Fortaleza, em 1945, quando as mulheres se "arrumavam" para sair, se faziam elegantes para ir o cinema, quando as bijuterias eram  filigranas e marcassitas, quando as meias eram de seda, quando as sombrinhas protegiam dos raios solares, as "cútis aveludadas como pétalas de rosa".




E você, quando descobriu a sua Fortaleza?


Fonte: Livro Royal Briar

terça-feira, 7 de março de 2017

As lojas na Fortaleza da década de 40




Nos idos da década de 40, os proprietários das grandes lojas não se preocupavam em camuflar (ainda bem!) as fachadas das lojas, com vergonha de estarem ocupando prédios antigos, nem tinham, ainda, descoberto a técnica de rebaixar os tetos dos salões, diminuindo o pé-direito dos mesmos e diminuindo, também, consequentemente, a ventilação. Os donos e administradores das lojas de Fortaleza preocupavam-se, principalmente, em apresentar mercadorias de alta qualidade, vendedores educados e asseados e vitrinas de alto nível, melhor veículo promotor de vendas. 
Hoje, infelizmente, quase não se consegue observar os antigos prédios ocupados pelas lojas, visto a quantidade de tapumes que são usados para encobrir o "velho". :(



Naqueles tempos, sem as indústrias de confecções dos nossos dias, que oferecem ao cliente a roupa prontinha, ao gosto de cada um, predominava, na cidade, o comércio de tecidos, obrigando as pessoas a adquirirem as fazendas necessitadas e levá-las à costureira ou alfaiates, conforme o caso ou o sexo. Por isso, as lojas de tecidos ou casas de fazendas, como eram mais conhecidas, tinham esmero em suas vitrinas, caprichavam nos "vestidos" de suas bonecas-manequins que eram montadas por verdadeiros mestres na arte de modelar as roupas, usando apenas o tecido e alguns alfinetes, sem ser necessário cortar pano nem utilizar linha ou agulha. 
A Casa Plácido, do comerciante milionário Plácido de Carvalho, na rua Major Facundo, ao lado do Excelsior Hotel. Comerciava produtos europeus: tecidos, confecções masculinas e femininas, perfumes, móveis, luminárias, leques, louças, cristais e pratarias. Durante a Primeira Grande Guerra, quando a Europa ficou carente de tudo, Plácido, que tinha armazéns abarrotados, revendeu tudo o que o velho mundo necessitava. A preços elevadíssimos.

A expressão Casa, certamente, seria a influência francesa Maison. Quanto à denominação armazém, tão grosseira e desprovida de it só surgiu na década seguinte, quando a cidade começou a perder seu encanto, seu refinamento, seu "chiquê", consequência das violentas secas que se abateram sobre o sertão, despejando milhares de flagelados famintos em nossa capital, originando as favelas, a profusão de mendigos, gerando, enfim, uma nova condição social que  modificou, radicalmente, os costumes da nossa urbe.
Loja A Cearense na rua Barão do Rio Branco. Arquivo Nirez

As principais casas de tecidos na Fortaleza dos anos 40 eram: A Cearense, de Aprígio Coelho de Araújo, localizada no meio do Chamado Quarteirão Sucesso, na rua Barão do Rio Branco. Aprígio, homem de larga visão e de muito bom gosto, mandou construir sua loja inspirado nas grandes maisons parisienses: gigantesco salão, bastante requintado, com ambientes de espera e nichos iluminados para exposições de peças finas. Ao fundo, uma elegante escada em  forma de leque se bifurcava e dava acesso aos salões dos dois andares superiores que tinham imensas rodas vazadas como visores emoldurados por belos gradis de ferro. De linhas art déco, como era comum às lojas chiques daquele tempo, sua frente era rigorosamente simétrica, com duas vastas vitrinas laterais e muitos manequins artisticamente vestidos.

Loja Broadway na "esquina do pecado", ao lado do Excelsior Hotel em 1953. Acervo Lucas Jr. Foto do jornal Gazeta de Notícias
Uma loja que, embora bem menor em instalações, possuía, talvez mercê de seu nome, incrível fascínio na cidade, era a Broadway, de Alberto Bardawill, na esquina famosa das ruas Major Facundo e Guilherme Rocha. Tinha duas vitrinas, uma em cada rua e era o próprio Bardawill quem montava as vitrinas e "vestia" as bonecas-manequins. A casa não tinha maiores atrativos em decoração, porém só trabalhava com tecidos de alta classe e sua clientela, a exemplo de A Cearense, era de primeira linha. Sua fama maior veio do forte vento que soprava constantemente na sua esquina, levantando as saias das moças e  provocando ajuntamento de rapazes, o que deu origem ao epíteto de "esquina do pecado". Aquele vento seria originado pelos altos tapumes da construção do Cine São Luiz que não permitiam a sua passagem pelas galerias laterais obstruídas.
A loja tinha o slogan: “Rianil, a loja azul da Floriano Peixoto”

A Rianil, localizada na rua Floriano Peixoto, entre as travessas São Paulo e Pará, tinha, sem favor, as mais bem arquitetadas vitrinas de tecidos da cidade. Seu vitrinista, verdadeiro artista, fazia trabalhos maravilhosos com as fazendas e as bonecas-manequins. Estas,  eram tão bem "vestidas" que se podia jurar que eram vestidos de verdade, cortados e costurados. Essa loja era toda azul, devido ao nome Rianil, originado de rio Anil, no Maranhão, em cuja capital, São Luís, estava a matriz daquela loja.
A Ceará Chic, no extremo sul da Praça do Ferreira, também tinha vitrinas bem elaboradas, com bonecas muito bem vestidas, e só trabalhava com fazendas de alta qualidade. A sua  vizinha, Rainha da Moda, na esquina e defronte ao Cine Moderno, também vendia tecidos, embora fosse especializada, igualmente, em bolsas, sombrinhas e outros acessórios.


Na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Guilherme Rocha ficava As Duas Américas, de Pedro Coelho de Araújo, irmão de Aprígio (já citado). Não era uma loja de luxo, mas era bastante simpática. Tinha apenas uma vitrina, na quina. Não possuía manequins, que eram detalhes de alto requinte naqueles tempos. Já na década de 50, mudou de ramo, passando a ser casa de merendas, para fazer concorrência à Sorveteria Variedades. Com o nome de Cabana fez sucesso durante vários anos, sempre do mesmo proprietário da loja As Duas Américas.

Reclames de 1932 no Jornal Nação

A Casa Ouvidor localizava-se na rua Floriano Peixoto, vizinha à Livraria Comercial. Era uma loja simples, não tinha vitrinas, apenas uma só boneca-manequim colocada sobre um balcão.


Na rua Major Facundo, quase esquina com a travessa Liberato Barroso, tinha a Casa Londres, outra loja sem maiores pretensões, não obstante o nome pomposo. Não tinha vitrinas nem manequins.

Curiosa era a Casa Vênus, na rua Floriano Peixoto, local atualmente ocupado pelo Edifício Sul América. Era uma loja de porte médio e o seu detalhe interessante era uma boneca-manequim que ficava numa das duas vitrinas.  
Esse manequim chamava tanto a atenção do escritor, que ele escreveu:"Eu tinha fascínio pela mesma, pois, sendo menino, ficava a contemplá-la, uma vez que nunca vira, antes, manequim daquele tamanho.
Teria, se muito, meio metro de altura e formas de mulher, linda, com olhos azuis, de vidro. Estava sempre de vestido novo, na moda. Parece que o dono daquela loja tinha carinho especial por ela. Nunca mais vi outra peça semelhante, em nenhuma das cidades por onde andei."

A Granfina também ficava no Quarteirão Sucesso, no local onde está, atualmente, a Casa Pio. Era uma loja feia e sem qualquer atrativo, malcuidada, mal arrumada e de aparência suja. Tinha estoque reduzidíssimo de mercadorias e, para piorar a imagem, exibia um horroroso manequim, "choroso" e extremamente "anêmico". Nunca se via qualquer cliente ali e acho que fechou por falência. Sua vizinha era a Casa Armênia, de seu Carlos Fermanian, genitor do genial músico e regente Vasquen Fermanian. A Loja era um pouco melhor do que A Granfina, porém, sem ser chic, sem ter atrativos.

A esquina do pecado

De linha bem popular, mas badaladíssimas, eram as Casas Novas, de Gutemberg Telles. Se não estou enganado, eram três lojas, localizadas nas ruas Major Facundo e Floriano Peixoto, na confluência dos Correios e Telégrafos. Patrocinavam o programa de José Limaverde "Coisas que o tempo levou", apresentado pela PRE-9, nas noites das segundas-feira. Seu proprietário tinha noções da moderna propaganda, usava faixas e panfletos, além de "pregões" nas calçadas, atraindo os fregueses para o interior das lojas.

Ao lado do prédio dos Correios e Telégrafos, na rua Floriano Peixoto, estava a Casablanca, outra loja de linha popular e muito procurada pois tinha fama de vender mais barato do que as concorrentes. Possuía grandes instalações, sem o mínimo de luxo, mas apresentava movimento constante. De todas as lojas de tecidos existentes na década de 40, foi a única que sobreviveu. Cresceu e formou uma cadeia de lojas, grande centro comercial na Aldeota e já envereda por outros ramos de atividades, prova do dinamismo e tenacidade de seus dirigentes.

Casa Blanca - A sobrevivente

Com exceção da Casablanca, as lojas da década de 40 fecharam suas portas e hoje constam apenas em alguns livros sobre a cidade amada e nas histórias dos mais velhos...

"Todas as demais lojas dos meus tempos de menino e adolescente desapareceram e, hoje, são apenas saudade. Algumas, pelo chic, pelo carisma que possuíam, outras, pela simpatia e singeleza de suas promoções de vendas, numa época em que a publicidade era puro artesanato, sem as sofisticações do marketing de hoje." 

Marciano Lopes




Créditos: Livro Royal Briar - Marciano Lopes/Portal da História do Ceará/Biblioteca Nacional/Arquivo Nirez/ Revista Bataclan 

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