Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Boteco do Pezão
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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Marimbondos sem fogo



Sábado. Chovesse ou fizesse sol. Farra dos papudinhos no Boteco do Pezão, Lagoa do Opaia. Do meio-dia até o arrego do último pau d’água.
Chegante primeiro era o catraieiro Chicão, cem quilos, dois metros. Entre caboclo e afrodescendente. Furta-cor, no dito do poeta Olívio Gentil.
Lugar marcado na velha e ensebada mesa, acreditava ser-lhe respeito. Os parceiros bebuns o faziam pensar. Em verdade, possuía relevância maior. O soprar do vento contrário aos assentos dos demais farristas. Não aspirariam a inhaca axilar do marítimo que, somente depois de algumas talagadas e tira-gostos de tripa assada, acomodavam as narinas, imunizando-as da sovaqueira.
Conversas mil. Miolo de pote. Trato da vida alheia. Segundo eles, melhor fazer do mundo.
Puxador de fogo” encrenqueiro, Zé dos Reis, troviscado, mais pra lá do que pra cá, viu na goiabeira defronte a birosca fruto amarelinho. Conseguiu longa vara e, cambaleante, deu-se a catucação da árvore. Despercebido da morada de marimbondos-de-chapéu escondida na folhagem, ao bater na galha, os insetos voaram, ferroando-lhe todo. Susto e dores superaram o efeito etílico. Em desabalada carreira, seguido pelo enxame, rumou para a lagoa e atirou-se n’água.
Dois dos amigos de cachaçada partiram em auxílio. Findo o ataque, ajudaram-no a sair do charco margeador e chamaram ambulância que o levou ao hospital. Nesse ínterim, os demais bebaços entraram no botequim e continuaram a bebedeira. As beijucabas acalmaram-se e retornaram ao enxu. E os biriteiros, à mesa e à folgança, a comentar sobre os “perigosos animais”.
O vate deitou falação. Conhecimentos entomológicos. A irracionalidade dos apoica pallidas.   Insetos da espécie himenóptera, família dos vespíderos, de hábitos noturnos e pacíficos, quando não irritados. Reis atiçou-os. Em defesa, armaram-se. Com seus ferrões provocadores ardência e irresistíveis dores, fizeram-se à luta. Agiram movidos pela lei da natureza. Inimputáveis de culpabilidade!”.

Esticou a falácia. Citou autores e compêndios. Lembrou “Marimbondos de Fogo”, de José Sarney, que Millôr Fernandes descreveu como "um livro que quando você larga não consegue mais pegar".
Chicão discordava do “chove e não molha”. Indignara-se com o sofrimento do companheiro. Vingar-se-ia das “pestes”. Não haveria “turma do deixa disso” que o contivesse.
Pezão trouxe-lhe um cavalete, logo colocado embaixo do cortiço. O mareante preparou uma “bicada de dois dedos rasos de cachaça”, derramou o “gole do santo” e enfiou o resto goela abaixo. Desabotoou a camisa, meteu a mão direita sob a axila esquerda e friccionou-a algumas vezes. Igual procedimento, de forma inversa, deu à mão direita. Viscosas e aciduladas pelo suor estavam aptas a agir. Constituíam-se poderosas armas.
Galgou os degraus e chegou ao topo, próximo ao vespeiro, colocando-as concheadas em derredor e as aproximando vagarosamente. As vespas, em vôos ziguezagueantes, recolheram-se ao ninho. O portuário, raivosamente, abarcou o abrigo dos bichos com as mãos, atritando-as contra o mesmo, em movimentos de vai e vem, reduzindo tudo a pó.
Desceu, voltou a sua cadeira e falou: “Pronto, acabou a guerra!”.
Olívio, temeroso pelo posicionamento de antes, para desarmar maiores zangas, levantou um drinque a Chicão. Asseverou que seu poder superava o do fogo, elemento usado para destruir tais inimigos, aduzindo: “A força de Sansão estava no cabelo. A de nosso querido Chicão, no sovaco!”.
O homem das catraias, mesmo sem abraços dos cupinchas, por óbvios motivos, agradeceu emocionado.

Geraldo Duarte


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Conto publicado nas páginas 119 a 121 do SEGUNDO PENSAMENTO – 2ª Antologia de Prosa e Verso da Associação Cearense dos Escritores (ACE) – Premius Editora: 2011, Fortaleza – CE

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