Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Rua Boris
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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domingo, 30 de junho de 2019

Fortaleza - Uma cidade colorida

Rua Almirante Jaceguai antes da intervenção
do Programa Cores da Cidade. Fonte Ofipro
O projeto Cores da Cidade em Fortaleza foi uma parceria entre o Governo do Estado, Tintas Ypiranga e Fundação Roberto Marinho e tinha como objetivo mobilizar e conscientizar a população para a preservação dos conjuntos urbanísticos das  principais cidades brasileiras e resgatar seu passado histórico
O programa foi implantado em áreas centrais de outras capitais como Curitiba, Recife e Rio de Janeiro


 Imóveis selecionados pelo Programa Cores da Cidade
No caso de Fortaleza, a Secretaria de Cultura do Estado indicou a intervenção em uma área que abrangia quase todo centro histórico. Porém, a Fundação Roberto Marinho decidiu por priorizar os galpões da Praia de Iracema de maneira a aproveitar o impacto do Centro Dragão do Mar sobre a áreaA área escolhida era limitada pelas  Avenidas Pessoa Anta, Almirante Jaceguai, José Avelino e a famosa Rua Boris, no entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura


Edifícios ao lado do Dragão do Mar, antes e após a reforma pelo Cores da Cidade.
Fotos: Fausto Nilo (1995)/Sabrina Studart (2003)
Após a reforma
 Um total de 56 imóveis entre sobrados e armazéns típicos de regiões portuárias participaram da primeira etapa do programa. É necessário fazer uma crítica à seleção dos imóveis para o Programa Cores da Cidade por ter sido ignorado edifícios de grande valor histórico, arquitetônico e cultural - localizados a poucos metros do Centro Dragão do Mar – como a Igreja e Seminário da Prainha, Teatro São José etc. Apesar do arquiteto Francisco Veloso assumir este problema como um descuido da equipe do DEPAC, é condenável ignorar a entrada dos edifícios no programa.
Uma segunda etapa, entretanto, contemplaria as demais edificações também classificadas como relevantes, como a Igreja e o Seminário da Prainha e o teatro São José em um outro programa do Governo do Estado – o Projeto Fortaleza Histórica – que contemplaria quase todo o centro histórico. 

Além das fachadas pintadas, os prédios também tiveram seus interiores modificados. Os móveis foram transformados em bares e restaurantes. Foto Sabrina Studart (2003)

Rua Dragão do Mar
Os patrocinadores do projeto ficariam responsáveis por fornecer o material e a orientação técnica para a obra, enquanto os donos dos imóveis deveriam financiar a mão-de-obra para a execução. O escritório de arquitetura “Oficina de Projetos” foi selecionado pela Secretaria de Cultura para propor as reformas e acompanhar as obras nos imóveis. 


O arquiteto Francisco Veloso, chefe do DEPAC na época do projeto esclarece:

“As pessoas ficam perguntando assim: ‘mas essas cores eram originais?’ Não, foram feitas prospecções nessas edificações, foram detectadas suas cores originais. Originalmente, nós sabemos a limitação cromática era muito grande, você tinha 3 ou 4 cores e pronto. Hoje você tem uma infinidade de cores. Por outro lado, um dos grandes parceiros, talvez o maior parceiro deste projeto foi a AkzoNobel que é uma multinacional da Tintas Ypiranga. Nada mais justo que ela fizesse daqui um grande show-room do seu produto. Competiu aos arquitetos daqui buscar uma proposta cromática que destacasse essas edificações, que valorizasse seus elementos arquitetônicos e fosse harmonioso. Quanto a ser a cor original, ai, a gente entra nesta analogia. Amanhã ou depois as edificações podem ser pintadas com outras cores”.

Antes e depois do Programa Cores da Cidade.
Foto 1: Linda Gondim (1998)
Foto 2: Sabrina Studart (2002)
Sobre o encaminhamento do projeto em Fortaleza, os arquitetos do “Oficina de Projetos” afirmam:


“O primeiro passo dentro da metodologia a ser aplicada foi conhecer a história do lugar, suas transformações, evolução arquitetônica, seu contexto e o repertório da cidade onde foi gerado este conjunto. Iniciou-se o trabalho com a elaboração de um inventário arquitetônico e de deterioro para cada imóvel com preenchimento de fichas catalográficas para criar um banco de dados. Nestas fichas, se anotaram as caraterísticas morfológicas de cada edifício, dos seus elementos compositivos e se executaram prospecções em alguns pontos pré-determinados para garantir as hipóteses sobre algumas das alterações. Foram executados prospecções estratigráficas que nos revelaram as cores originais, que nortearam de forma inequívoca o nosso projeto”.

A partir destas informações, uma série de desenhos foi apresentada aos proprietários que se encarregaram de executá-las. Sobre a escolha das cores nas fachadas dos edifícios, o escritório ainda afirma que seus critérios levaram em conta quatro aspectos: fator estilístico (códigos de construção de cada época, lugar ou estilo), pesquisa arqueológica, uso e o contexto urbano atual. Mas revelam:


Galpões vizinhos ao Dragão do Mar.
Antes e depois da reforma.
 Ao fundo, edifício Casa Boris.
Fotos: Fausto Nilo (1995)/Sabrina Studart (2002)

“Além dos fatores técnicos, estéticos e históricos, outro fator importante que determinou em muitos casos a escolha das cores de cada imóvel foi o desejo e a opinião de cada proprietário, ou inquilino. Tendo em conta todos estes elementos decidimos que deveríamos optar por cores fortes,  jogando com a possibilidade que nos permite a ampla gama das tintas Ypiranga e manter uma coerência cromática, mas sem purismo mal entendido, já que as cidades históricas, incluindo-se o centro de Fortaleza, foram dotadas de uma sutil e vibrante policromia. Tratamos de criar uma gramática da cor, para dar esplendor a sua linguagem.

 A partir de fotografias antigas, os arquitetos propuseram a recomposição de elementos decorativos das fachadas com desenhos e utilizaram reboco com cal para refazê-los.  As práticas de intervenção utilizadas nesta área da Praia de Iracema são polêmicas e podem levantar algumas discussões. Os arquitetos assumiram que se deveria optar pelas possibilidades oferecidas pelas técnicas modernas, quando optaram pela escolha das cores, mas escolheram recompor os elementos arquitetônicos, sem os diferenciar dos originais. Já esclarecia a Carta de Veneza em seu artigo 12º que “os elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se harmoniosamente ao conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes originais a fim de que a restauração não falsifique o documento de arte e de história(IPHAN, 1995: 111). Todavia, nestes edifícios não é explicita a diferenciação entre o que foi reconstruído e o que sofreu restauração. 
Vista à partir da rua Bóris em 2017.
Rua José Avelino antes e depois do restauro
promovido pelo Programa Cores da Cidade.
Fotos: Fausto Nilo (1995)/Sabrina Studart (2002)
Semelhante ao que ocorreu em outras cidades brasileiras, o resultado final do programa Cores da Cidade foi a recuperação parcial dos edifícios: enquanto as fachadas foram pintadas e seus elementos ornamentais recompostos, os interiores permaneceram degradados. Cada proprietário ficou encarregado de intervir em seu edifício da maneira que desejasse e, em muitos casos, os imóveis sofreram fortes intervenções que acabaram por descaracterizar o aspecto original de seus interiores. Em alguns deles, foram criados mezaninos ou mesmo vários andares – aproveitando os altos pés direito dos imóveis – com diversos desenhos arquitetônicos e estruturas de sustentação. 


É importante ainda informar que os proprietários não receberam nenhum tipo de benefício tributário, como ocorreu em outras cidades onde o Cores da Cidade atuou. Era ainda proposta do Programa Cores da Cidade sugerir a transformação dos usos nestes imóveis, mas isto não aconteceu. Muitos proprietários dos imóveis aproveitaram-se da supervalorização provocada pelas reformas do Programas e passaram a aumentar os preços dos aluguéis ou instalaram atividades mais lucrativas. 
Rua José Avelino. Foto de 2017

É relevante apontar aqui uma das recomendações das Normas de Quito:

“Da mesma forma, deve-se tomar em consideração a possibilidade de estimular a iniciativa privada, mediante a implantação de um regime de isenção fiscal nos edifícios que se restaurem com capital particular e dentro dos regulamentos estabelecidos pelos órgãos competentes. Outros desencargos fiscais podem também ser estabelecidos como compensação às limitações impostas à propriedade particular por motivo de utilidade  pública” (IPHAN, 1995: 141).

Fachada da Fábrica Myrian (Hoje boate Armazém) - Foto do Álbum Fortaleza 1931
Operários em frente a Fábrica Myrian (Hoje boate Armazém) - Foto do Álbum Fortaleza 1931
Boate Armazém depois do restauro promovido pelo Programa Cores da Cidade.
O Centro Dragão do Mar inseriu-se em quadras onde anteriormente existiam galpões e sobrados remanescentes do início do século XX, alguns dos quais se encontravam bastante descaracterizados. Depois de sua inauguração, o entorno do Centro Cultural passou a acolher novas atividades que contribuíram para consolidar a Praia de Iracema como o maior pólo de turismo de Fortaleza, mas também trouxeram problemas para o bairro: poluição sonora, visual, deficiência de estacionamento, entre outros. 

Foi realizado no mês de fevereiro de 2003 um levantamento geral do uso, ocupação e estado de conservação dos imóveis próximos ao Centro Dragão do Mar. O objetivo era entender até que ponto o complexo cultural exerceu influência sobre as edificações ao seu redor. Infelizmente, não foi feito nenhum levantamento semelhante, antes ou depois da implantação do centro cultural, pelos órgãos de planejamento municipal e estadual, outra instituição ou organização. 

Rua José Avelino
Ficou claro que a grande maioria dos imóveis que passaram por reformas recentes tinha participado do Programa Cores da Cidade. Poucas reformas ou intervenções aconteceram por iniciativa de proprietários ou locatários dos imóveis buscando aproveitar a nova dinâmica econômica da área.  Além disto, foi possível também constatar que grande parte dos edifícios reformados não acolhe funções relacionadas à produção cultural ou à habitação, mas passou a receber atividades voltadas ao lazer e turismo: lojas, restaurantes, bares, casas de espetáculos, entre outros. Foi possível ainda observar que muitos lotes ainda se encontram sem ocupação ou utilizados como estacionamentos privativos. 
Rua Dragão do Mar com Almirante Jaceguai
Diretamente relacionada à utilização destes imóveis para fins comerciais está o problema do uso quase que exclusivamente noturno. A área de entorno do Dragão apresenta fluxo intenso de pessoas no período de final de tarde até a madrugada. Durante os períodos do dia, a área encontra-se subutilizada, embora alguns galpões ainda funcionem como depósitos e gráficas.

Fausto Nilo defende que este é um problema que poderia ter sido resolvido com uma ação mais forte da Prefeitura após a implantação do edifício na área. Seu projeto de arquitetura, apesar do programa e da escala com que se inseriu na região, não teria como reverter este problema ou propor soluções numa escala urbana.

Avenida Almirante Tamandaré
“Isto ai (o planejamento da área de entorno do Centro Dragão do Mar) demanda um papel importantíssimo da Prefeitura, uma política que o Jaime Lerner chama de acupuntura urbana. Tem colegas meus que são contra isto, eles dizem que “ah, eu sou contra fazer obras isoladas”, “obra  pontual”, como se fosse possível numa cidade fazer obra que não seja  pontual (...) é preciso começar com alguma coisa.



 Autoridades relacionadas ao Governo do Estado e a Prefeitura Municipal por vezes admitem o problema, mas esclarecem que não podem agir sobre a área. Pádua  Araújo - diretor-presidente do Centro Dragão do Mar – afirmou:
“É certo que o processo de ocupação não está ocorrendo da forma como idealizamos no início. A dinamização de todo aquele trecho deveria ocorrer não só à noite, mas durante o dia, quando funcionariam ateliês de arte, estúdios fotográficos, livrarias, escritórios e equipamentos afins. Mas os imóveis vizinhos são privados, os proprietários podem alugá-los para qualquer tipo de negócio(O Povo, em 24/01/2001).

Rua Bóris com a Dragão do Mar
Teria sido ideal que os órgãos responsáveis da Prefeitura de Fortaleza, pensando no impacto urbano do conjunto, tivessem revisado a legislação que trata do uso e ocupação do entorno, buscando estabelecer funções que garantissem o aproveitamento da área também durante o dia, entre elas moradia e educação.


Rua Almirante Tamandaré com José Avelino
Ateliê de José Tarcísio

Outra grave consequência dessas transformações foi a forte especulação imobiliária que se impulsionou e expulsou uma parte dos antigos moradores e usuários do bairro. Aproveitando o novo sucesso comercial, proprietários de imóveis da região aumentaram seus aluguéis e abriram novos espaços destinados ao comércio e lazer. José Tarcísio, artista plástico e antigo morador da área, relata:

“Há mais de 20 anos moro e trabalho em um dos galpões do calçadão do centro cultural. Mas hoje a gente vive com a barba de molho. Tive 100% de aumento no aluguel do meu ateliê e vivo no meio de uma feira: as mesas e cadeiras dos bares invadiram o lugar dos transeuntes; cada um deles apresenta um tipo diferente de música ao vivo, às alturas, promovendo uma ensurdecedora cacofonia. (...) Isso preocupa o artista, que esperava ter ali um corredor cultural e agora está sendo progressivamente expulso da área” (jornal o Povo, em 24/01/2001).

Rua José Avelino

Rua Bóris com a José Avelino

O deputado estadual Paulo Linhares, secretário de cultura do Governo Estadual à época do projeto do Centro Cultural, defende que havia inicialmente um projeto que visava diminuir os efeitos desta especulação e manter as funções existentes antes da implantação do edifício. O chamado Projeto Quarteirão do Artista buscava desapropriar alguns imóveis adjacentes ao Dragão do Mar e estimular a presença de produtores culturais na área. Segundo Linhares, “A gente sabia que ia ter uma supervalorização daquela área e ia ter expulsão de pessoas. Infelizmente o mercado de arte e cultura ainda é frágil em relação aos outros, então a gente tinha que ter um esquema de  proteção para que o artista pudesse ter lugar ali. Fizemos um projeto que se chama Quarteirão do Artista, apresentei para o representante do Banco Mundial em Brasília e ele adorou. Era para desapropriar inicialmente 40 imóveis. E ai, o Estado passaria a ser agente regulador, permitindo que cantores, escritores, pintores habitassem ali” (O Povo, 02/02/2001).

Casinha de 1919 na rua José Avelino
Este projeto, porém, não foi implantado pelo Governo Estadual.

Após a construção do Dragão do Mar e execução do programa Cores da Cidade, o Governo do Estado acreditou na potencialidade da área e não procurou interferir em sua dinâmica. Uma parceria com a prefeitura municipal, comunidades locais e a iniciativa privada poderia colaborar para a qualidade e vitalidade da área. A prefeitura não revisou a legislação da região, de maneira a coordenar os usos existentes, nem buscou incentivar os proprietários da região a investir em seus imóveis a partir da isenção de impostos ou benefícios fiscais.


Leia também:







Fonte: Intervenções na cidade existente - Um estudo sobre o Centro Dragão do Mar e a Praia de Iracema/2003 -  Sabrina Studart Fontenele Costa / Site oficial tintas Ypiranga/ 


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Casa Boris Frères



Casa Boris Frères em 1910 - Arquivo Nirez
Uma das casas mais importantes, não só no Ceará como em todo o Norte do Brasil. Os sócios da firma eram os srs. Théodore Boris, Isaie Boris e Achille Boris, que residiam em Paris e lá dirigiam a sucursal da casa, e o sr. Adrien Seligmann, era o sócio-gerente no Ceará.

Crédito: Carlos H. Bertelli
Esta casa, foi fundada em 1870 e fazia o comércio de exportação dos principais produtos do estado, tais como borracha, algodão, cera de carnaúba, couros e peles. Importava máquinas para agricultura, cimento, carvão etc.

Correspondência de João Brígido endereçada a Casa Comercial Boris Frères - 25 de janeiro de 1904 - Acervo de Nágila Maia de Morais

Correspondência de João Brígido endereçada a casa Comercial Boris Frères - 1904 
Acervo de Nágila Maia de Morais
Os srs. Boris Frères possuíam uma instalação para o beneficiamento da borracha, que recebiam do interior do estado. A borracha era posta de molho em uma solução especial durante 20 ou 30 horas; depois, tratada em máquinas diversas, e cortada, em seguida, por meio de facas circulares. A borracha era depois posta a secar em estufas, onde ficava durante trinta dias. A instalação tinha capacidade para 1.500 quilos diários e as máquinas eram provenientes dos conhecidos fabricantes Joseph Robinson & Co., Salford, Manchester. Os srs. Boris Frères pretendiam aumentar a sua instalação para o tratamento da borracha, visto o aumento constante que estavam tendo.


Propaganda Boris Frères de 1929 - LR Blogs Associados
Na seção de algodão, era enorme a quantidade de artigo bruto tratado pela firma. Vinha ele do interior em grandes fardos imprensados e no depósito da firma era limpo quando isso se tornava necessário. O armazém era iluminado à luz elétrica, fornecida por um dínamo; e havia também uma bateria de acumuladores (para o caso em que não se queria fazer funcionar o dínamo), a qual tinha capacidade para iluminar a instalação durante dez dias. A força motriz para o maquinismo era dada por um motor a vapor dos srs. Fawcett Preston.

Nota de despesas de trabalhadores da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais
Na seção de couros, que ficava em outro depósito fronteiro ao porto, o movimento anual sobia a 1.000.000 de couros e peles, dos quais os primeiros eram exportados, na maioria, para o Havre e Hamburgo, sendo as peles enviadas principalmente para Nova YorkFiladélfia.

Crédito Collectorcircuit
O representante da firma em Nova York era o sr. Emile Boris, Broad Street, 68. As exportações em borracha ficavam divididas entre os mercados de Liverpool, Havre, Antuérpia e Nova York; o algodão ia para o Rio de Janeiro, Liverpool e Havre; a cera de carnaúba para Hamburgo, Nova York e Liverpool. Os srs. Boris Frères eram cônsules da França no Ceará e vice-cônsules da Noruega; e eram agentes e representantes de bancos e firmas importantes, tais como London & River Plate Bank e todas as suas sucursais; Brasilianische Bank für Deutschland e todas as suas sucursais sul-americanas; British Bank of South America, Banco do Recife, Banque Française et Italienne, Banco Español del Rio de la Plata, Banco Transatlântico Alemão, Rio; Deutsch Sudamerikanische, Rio e Hamburgo. Fazia também a firma a emissão de vales-ouro para pagamentos alfandegários.


Crédito Collectorcircuit

Os srs. Boris Frères eram também proprietários de várias plantações de borracha, café, cana-de-açúcar etc., próximo a Baturité e Crato (Serra Verde), no estado do Ceará. A firma tinha agências nos estados vizinhos. O movimento anual da casa ia a R$ 12.000:000$000 (£800.000).


Filial da Boris Frères em 1921: vista fronto-lateral do prédio em Fortaleza

(fotografia cedida por Pierre Seligman) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

A casa em 1922. Acervo Charles Boris

Todo colecionar de selos ou história postal do Império do Brasil, em algum momento se 
depara com os envelopes destinados a Casa Boris Fréres.
Mas afinal quem foi está Casa comercial que tanta correspondência mantinha?

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

                                            Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
                                                                        Acervo de Nágila Maia de Morais

No decorrer do século XIX, sobretudo de 1850 até o seu final, a França ocupou uma posição privilegiada nas relações comerciais externas brasileiras: o segundo país no movimento de importação e exportação de mercadorias no Brasil, logo em seguida à Inglaterra.

Matriz da Boris Frères: vista frontal do prédio onde se localizava o escritório
da empresa entre as décadas de 1880 e 1940 - Rue de La Victoire, 65. Paris
(fotografia feita em 1990) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

A origem dessa posição privilegiada encontra-se no crescimento econômico ocorrido naquele país no chamado Segundo Império, caracterizado especialmente por um impulso industrial que passou a exigir mercados cada vez mais amplos.
Nesse processo, as casas comerciais importadoras-exportadoras, pertencentes a “comissários em mercadorias” na França, atuando no ramo atacadista e apoiada numa estrutura que implicava na existência de uma matriz francesa e uma filial no Brasil, tiveram 
uma importância fundamental ao viabilizarem essa expansão, materializando-a.
Dentre essas casas. Estava a Boris-Frères. Sua origem remonta à cidade de Chambrey
na região da Alsácia-Lorena, onde a família Boris comercializava com cavalos, pelo menos 
desde a segunda metade do século XVIII.

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Em 1865, um de seus membros, Alphonse Boris, viajou para a região nordeste do Brasil, dirigindo-se à província do Ceará, sendo seguido, dois anos depois, por seu irmão Théodore.
A primitiva casa comercial que então fundaram em Fortaleza, no ano de 1869, a Théodore Boris et Frères, desapareceu com o regresso deles ao país de origem, dois anos 
depois, mas não em definitivo: suas atividades no Brasil estavam, de fato, apenas começando.
Em Paris, cidade para a qual a família havia emigrado no contexto da Guerra Franco Prussiana, eles fundaram, a 14 de fevereiro de 1872, a Boris Frères, sociedade entre irmãos. Essa objetivava explorar “um comércio de comissão exportação-importação”, com matriz na capital francesa e filial no Ceará, para onde eles retornaram, ainda no mesmo ano, e estabeleceram a filial.

O comerciante Théodore Boris, Chambrey, 1841 . Paris, 1933. ( Uma casa chamada Boris, 1869-1969. Fortaleza, s. n., [1969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
A Província do Ceará experimentava, entre 1860 e 1870, uma expansão agroexportadora, apoiada principalmente na produção algodoeira, que integrava o mercado cearense às correntes do comércio internacional. Tal expansão significava para os interesses comerciais franceses, representados pela Casa Boris, a possibilidade de atuarem não só no ramo da exportação de matérias-primas para a Europa, mas também no ramo de importação de produtos manufaturados.
A opção deles contrastava com a da grande maioria dos comerciantes franceses que, neste período, emigraram para o Brasil com o objetivo de ai estabelecer casas comerciais. A capital do Império e as cidades do Recife e Salvador foram aquelas para as quais eles se dirigiam preferencialmente, sobretudo a partir dos anos cinquenta.
A partir da instalação definitiva em 1872, foi-se engendrando uma hierarquia na cadeia de distribuição das mercadorias importadas, tendo, em uma de suas extremidades, a casa matriz de Paris, e na outra, o pequeno comerciante do interior da província.

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

A exportação de produtos locais para o mercado externo alicerçava-se nos mesmos agentes e hierarquia. As matérias-primas dirigidas ao comércio exportador chegavam à Casa Boris, em Fortaleza, através dos comerciantes com que negociavam na importação, oriundas de fornecedores interioranos.

O comerciante Alphonse Boris. Chambrey, 1843. Paris, 1898. ( Uma casa chamada Boris, 1869-1969. Fortaleza, s. n., [1969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
Os tecidos vinham em primeiro lugar por ordem de importância. Eram constituídos tanto por aqueles de melhor qualidade, mais finos, como por aqueles mais baratos, destinados a um consumo mais popular. Estes últimos, que no Brasil foram de origem, sobretudo inglesa, 
predominaram nas vendas da Casa. Dessa forma, a Boris Frères soube esquivar-se de uns 
problemas enfrentados pelo comércio francês, especialmente no caso dos tecidos, ou seja, a 
dificuldade de consumo para artigos de luxo, que o caracterizavam. Logo após os tecidos, as 
demais mercadorias estrangeiras importadas e comercializadas foram peças de vestuário, 
perfumaria, objetos de decoração, vinhos, conservas, manteiga, drogas, artigos de armarinho e papelaria, cujas encomendas eram feitas à casa-matriz. Note-se, porém, que havia um produto bastante comercializado pela Casa Boris, cuja origem era norte-americana e constituía um dos principais itens das exportações dos Estados Unidos para o Brasil: a farinha de trigo, para confecção de pães e de bolachas.
A “flexibilidade” dos negócios da Casa, porém, é mais patente quando se observa que 
comercializou também com mercadorias de produção local, como velas de cera de carnaúba, 
charque ou ainda aguardente, que eram enviadas de uma área à outra dentro da própria 
Província.

O comerciante Isaie Boris. Chambrey. 1846. Versalhes. 1918. (Uma casa chamada Boris. 1869-1969. Fortaleza. s. n.. [I969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
Considerando-se a atividade exportadora da Casa Boris, em particular, consta-se que o 
algodão constituiu o principal gênero comercializado pela Casa. Ora, na medida em que os 
tecidos foram às mercadorias de maior peso nas importações, verifica-se que ocorria um 
intercâmbio comercial no qual se importavam manufaturas feitas com a matéria-prima que se exportava, vários foram os comerciantes cearenses cuja relação com a Boris Frères esteve assentada, sobretudo, na venda do algodão e na sua contrapartida: a compra dos tecidos, fabricados com aquela matéria-prima.
Os couros estiveram em segundo lugar, em ordem de importância. Por um lado, esse artigo manteve-se, na segunda metade do século XIX, como um dos principais itens as pauta 
das exportações brasileiras para a França; pelo outro, os objetos trabalhados com essa 
matéria-prima constituíram uma das oito mais importantes mercadorias importadas daquele 
país pelo Brasil, no período.
Em terceiro lugar, vinham as penas de ema, utilizada na França, provavelmente, na indústria de decoração e vestuário.
A cera de carnaúba e a borracha também foram comercializadas, embora em bem menor 
grau do que os três artigos anteriormente citados. Afora esses produtos típicos do Ceará
alguns outros despertaram o interesse da casa Boris, este foi o caso do “jaborandi” e de 
resinas”, empregados na fabricação de algumas drogas.
Dessa forma, a Boris Frères filial pôde estabelecer, nos anos de 1870, as bases seguras de sua presença comercial na Província. Suas lucrativas relações com o mercado cearense, que não foram abaladas pelos anos de seca, muito ao contrário, desdobra-se-iam, a partir dos anos oitenta, em novas atividades, colocando-a em posição cada vez mais importante no Ceará.


Prensa inglesa de algodão da Casa Boris Frères, inaugurada em 1924 (Fotografia cedida por Pierre Seligman). Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

As atividades mencionadas caracterizavam-se, em primeiro lugar, pela sua manutenção 
como casa comercial, reforçada por novas “conquistas”, como a da estável posição de gentes 
consulares, que deteriam durante décadas, e de companhias de seguro de navegação; em 
segundo lugar, por um desdobramento em novas atividades no setor da agroindústria, que se 
traduziram em investimentos diretos na agricultura e no processo de beneficiamento, ao 
mesmo tempo em que constituiu uma expansão da atividade da Boris Frères, consolidou-a 
como casa comercial, pois objetivava, em última instância, um aprimoramento da atividade 
exportadora.
A  primazia da exportação em seus negócios na província se consolidaria em 1910, quando a Casa deixou de realizar importações de mercadorias, num quadro marcado pela perda progressiva da posição da França no mercado internacional, após o final do século XIX. 
Quanto às exportações seriam interrompidas somente em 1930, como efeito da grande 
depressão de 1929, que atingiu o comércio exterior brasileiro. A partir de então as atividades 
da Boris Frères, no Ceará, restringir-se-iam, especialmente, ao ramo de navegação e seguros, 
no qual ainda hoje atua.
Carlos H. Bertelli

Saiba Mais

A Casa Boris foi fundada em 1869, tendo como razão social: "Théodore Boris & Irmão".
Localizava-se antiga Travessa da Praia (atual Rua Boris)





Fontes: ¹Livro Impressões do Brazil no Século Vinte, ²Szmrecsányl, Tamás. & Lapa, José Roberto do Amaral. História Econômica da Independência e do Império. Edusp, São Paulo, 1993 e ³Meyer, Peter. Catálogo Enciclopédico de Selos & História Postal do Brasil. 
RHM, São Paulo, 1999

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