Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Rádio
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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte V)



Os programas Musicais e a Proximidade com as Classes Populares

Aos domingos, ia ao ar das 19 horas até meia-noite, na Ceará RádioClube, o programa Bazar de Música, apresentado pelo locutor José Limaverde (Foto ao lado). “Em cada domingo uma casa recebia os dançarinos para os passos do samba e marcha brasileiros, ao bolero até a conga, uma dança gaiata, com três passos e um levantamento de perna” (LIMAVERDE, 1999, p. 197). O Bazar da Música envolvia o público por meio da conversa que o locutor mantinha com os ouvintes, de forma íntima e coloquial, características do rádio. José Limaverde pedia licença para entrar nas residências, convidava todos para dançar e fazia referência aos dançarinos que se reuniam para ouvir e se divertir ao som do programa.

O caráter destas relações era determinado por uma amabilidade, um refinamento, uma cordialidade que se absorvia das conversas advindas dos conteúdos radiofônicos que funcionavam como fonte de alimentação de desejo de inserção em um mundo que se revelava bem maior do que as fronteiras da província e como fomentos de um novo status social (ANDRADE E SILVA, 2007, p.11).

Dentro do programa Bazar da Música, o público conferia um quadro chamado Passatempos E-9, no qual Limaverde elaborava perguntas para os ouvintes responderem. Como premiação, a pessoa que enviasse mais rapidamente a resposta ganhava: ingressos para os cinemas da Empresa Ribeiro (Diogo, Moderno, e Majestic) ou frascos de um perfume fabricado no Joaquim Távora, pelo Benjamim Torres. “Eram vidros bonitos, embalagens um tanto luxuosas, valorizando a fragrância que, positivamente, não era nenhum perfume francês” (GIRÃO, 1998, p. 272). 
A audiência do programa era tamanha, que as cartas enviadas com as respostas enchiam a caixa de correio da emissora.
Além das cartas, o público também se evolvia em gincanas, participava dos sorteios feitos pela emissora e oferecia músicas para homenagear uma pessoa querida. Aqueles que conseguissem entrar no circuito midiático do rádio adquiriam novo status, criando uma nova visibilidade social.

Tinha um programa de contato com os ouvintes que era “Mensagens Sonoras”. Era quase uma hora de rádio. As pessoas aniversariavam e os outros queriam homenagear através de músicas no rádio. Aquilo ali dava status, faziam bem. Então saía música de todo jeito, música erudita e música popular (PEIXOTO, entrevista, 2001).

João Ramos

Outro sucesso em audiência entre os rádio-ouvintes fortalezenses, na década de 1940, era o programa Noturno Pajeú, apresentado pelo locutor João Ramos, nas noites de terça-feira. O programa tinha patrocínio da fábrica de cigarros Araken e incluía como atração máxima o quadro Clube das Gargalhadas. Este último “funcionava a base de anedotas (piadas) que eram encaminhadas pelos ouvintes. (...) As piadas eram vividas pelo famoso Cast Prenove, com Augusto Borges, Maria José Braz, Ângela Maria, José Júlio Barbosa, Clóvis Matias e Aderson Braz (LIMAVERDE, s/d, p. 45).


Foto 1: Ângela Maria como professora e os alunos (da esquerda para a direita): Clóvis Matias, João Ramos, Augusto Borges e José Júlio. 
Foto 2: Maria José Braz.

Os Programas Humorísticos

Os programas humorísticos sempre foram presença constante dentro da programação radiofônica cearense. Dentre os mais queridos pelo público estiveram: A Carrocinha, A Escola da Fuzarca, o Restaurante Vuco-Vuco com seu cozinheiro Beiçola, Dona Pinóia e Seus Brotinhos, este, escrito por Elano de Paula, irmão de Chico Anísio e, segundo afirmam,  teria sido o ‘piloto’ para a ‘Escolinha do professor Raimundo” (LOPES, 1994, p. 187).

Clovis Matias atuava no Clube das Gargalhadas era um grande ator da época, autodidata, humorista de skets, forjado entre o riso dos palhaços e a emoção do melodrama circense que arrancava lágrimas das plateias dos circos poeira, armados no areial da periferia de Fortaleza.
Em meados da década de 1940, as emissoras cearenses registraram o aparecimento de grandes produtores e intérpretes humorísticos. Na Ceará Rádio Clube, Augusto Borges despontava na pele do personagem “Oscarzinho”. No horário de meio dia, Borges e seu personagem malandro atuavam no programa Pensão Paraíso. Segundo Marciano Lopes (1994, p.186), “quando o comércio fechava para o almoço, era notória a correria das pessoas na pressa de chegarem em casa a tempo de assistirem às tiradas deliciosas dos personagens da ‘pensão’”. A verve cearense foi sempre revelada, tanto na produção, como na interpretação e na recepção ávida pelas piadas e molecagens. Esses programas embora planejados e roteirizados em um script, na sua apresentação obedeciam muito mais à presença de espírito dos atores e estavam recheados de “cacos”, acréscimos que os intérpretes introduzem no ato da representação, de sua própria autoria.

O Radiojornalismo e a sua Especialização

No início da década de 1950, a Ceará Rádio Clube aumentou seu quadro de funcionários, com a contratação de artistas e profissionais do rádio. Em 1954, a Emissora realizou um concurso para radialistas, dentre os três primeiros colocados, especificamente em terceiro lugar, foi classificado Narcélio Limaverde, filho de José Limaverde, um dos primeiros locutores da PRE-9. O Rádio também trouxe ao cotidiano social um novo significado de notícia, os acontecimentos ganharam maior velocidade perante o novo veículo.
Segundo Lia Calabre, “ao partilharem das mesmas fontes de notícias, os indivíduos se sentiram mais integrados, possuindo um repertório de questões comuns a serem discutidas” (2002, p. 09). Não eram só as notícias que possuíam destaque no radialismo  cearense, de acordo com Narcélio a preferência dos ouvintes era pelos programas musicais:

Durante a programação eram apresentados vários noticiosos de cinco minutos, de hora em hora, durante o dia e à noite também. Mas o grande forte, o mais importante do rádio era a música, principalmente, porque os ouvintes exigiam mais música. Entre uma canção e outra havia somente a publicidade e os intervalos comerciais (NARCÉLIO, entrevista, 2007).

A relação entre ouvintes e profissionais, segundo Narcélio, era permeada por um vinculo que perdurava durante décadas. Porém, para se alcançar esta fidelidade, por parte do público, os produtores de rádio deveriam obedecer a “uma série de tabus e interditos sociais” (ANDRADE e SILVA, 2008, p. 07).

No rádio não se podia dizer determinadas coisas. Um palavrão dito aqui, numa emissora de rádio, palavrão que é típico do cearense que identifica um homossexual, chegou a demitir um radialista por tê-lo pronunciado ao microfone, achando que este estava desligado (NARCÉLIO, entrevista, 2007).

O Rádio, aos poucos, transformou-se em um equipamento marcante no cotidiano da população fortalezense, e até à década de 1950, foi um “ícone da modernidade”, assumindo o papel de mediador das interações sociais na vida privada e pública. “Lançado como uma novidade maravilhosa, o rádio transformou-se em parte integrante do cotidiano. Presença constante nos lares converteu-se em um meio fundamental de informação e entretenimento” (Calabre, 2002, p. 7). 
Os anos 50 do século XX, também ficaram marcados no radialismo cearense, pela fundação de mais três emissoras: em 1956, a Rádio Uirapuru de Fortaleza; em 1957, seria a vez da Rádio Verdes Mares, que assim como a PRE-9, também fazia parte dos Diários e Emissoras Associados. A rádio Dragão do Mar foi a última emissora de rádio fundada na “Década de Ouro” no Ceará, o início de suas transmissões se deu no ano de 1958, e a emissora tinha, segundo Blanchard Girão, “o objetivo primordial de levar a flamejante palavra de ordem das oposições (políticas) aos mais recônditos pontos do território cearense” (2005, p. 21). Segundo Dejane Lopes, essa foi à melhor época da radiofonia no Ceará. “Foi uma época caracterizada pelo grande número de emissoras que se instalaram em Fortaleza e no Estado durante toda a década, cada uma com seus estilos e peculiaridades” (LOPES, 1997, p. 20).

Considerações Finais

O rádio, gradativamente, ganhou a aceitação da sociedade que passava por profundas transformações na sua malha urbana e nos seus costumes, invadida que foi por 50 mil soldados norte-americanos, no período estudado. Com eles veio a coca-cola, o chiklets, e a sedução das nossas mocinhas, umas advindas da periferia, outras nem tanto. A cor da pele e os cabelos louros encantavam e a música que tocava no rádio embalava o romance.

Infelizmente, desses fatos, poucos registros se encontram. A memória em áudio não alcançou a atualidade. O rádio era sinal de status e ocupava lugar de destaque nas amplas salas das mansões que se erguiam nas dunas. No centro da cidade, ele estava nos cafés, nos estabelecimentos comerciais e no abrigo central. Nos bairros periféricos ocupava, estrategicamente, o canto mais vistoso da sala, sobre uma mesinha entoalhada. Ao girar o dial se assistia de forma silenciosa e emocionada as dramáticas novelas, dançava-se aos domingos ao som do Bazar Musical, mas também na hora do Angelus, compungida a sociedade cearense rezava a Ave Maria, ao pé do rádio! 

Fim

Leia também:

Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.). 

Fotos: Assis Lima e AOUVIR


sábado, 14 de junho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte IV)



O  Radioteatro e o Encanto das Radionovelas



As primeiras transmissões de radionovelas, no Brasil, se deram por volta de 1930. As emissoras, a exemplo do que acontecia nos jornais, passaram a retransmitir as narrativas presentes nos romances de folhetim. A primeira radionovela transmitida no Brasil foi “Em Busca da Felicidade, originalmente escrita pelo cubano Leandro Blanco com readaptação e tradução de Gilberto Martins.

Foram 284 capítulos em quase dois ano de transmissão sempre nas manhãs de segunda, quarta e sexta. A ideia de importar o texto partiu da Empresa de Propaganda Standard de Cicero Leurenroth, que via no rádio um excelente veículo para alcançar as donas de casa. Detentora da conta publicitária da Colgate-Palmolive, a agência projetou a veiculação de uma radionovela para alcançar as vendas do creme dental da industria Norte-Americana. (FERRARETTO, 200l. p. 119).


Naquele mesmo ano, a Rádio São Paulo começava a transmitir a primeira radionovela criada no Brasil: Fatalidade, escrita por Oduvaldo Viana. De acordo com Ferraretto (2001), “as tramas traziam como características um enredo simples e relativamente conservados” (p. 119). 

No Ceará, o radioteatro – precursor da radionovela - passou a ser uma das principais atrações da grade de programação, ainda nos primórdios da emissora, na década de 1930. “Com um elenco invejável, notadamente de radioatrizes, a PRE-9 marcou época com trabalhos memoráveis que jamais serão esquecidos” (LOPES, 1994, p. 131). As radionovelas incitavam a imaginação do público, propondo um lugar específico para a fantasia. Os efeitos especiais produzidos no rádio, a interpretação dos artistas, o timbre de voz, construíam um imaginário peculiar que se adaptava perfeitamente à ordem melodramática.O rádio como era uma coisa feita com carinho e com zelo, com respeito,
principalmente, ele induzia as pessoas a pensar. Você ouvia a novela e você criava o cenário, você criava o personagem. Ah, esse fulano, esse ‘galanzinho’ deve ser assim, assim e assim. Ele deve ter olhos verdes, ele deve ter cabelos loiros, deve ter um nariz muito bonito, uma boca assim, assim e assim. A sua coleguinha aí vizinha que tava ouvindo fazia uma outra imagem, ela idealizava aquele homem, que aquela voz induzia ela a pensar... Ou aquela mulher... (PEIXOTO, entrevista, 2005). 

Dentre as tramas teatrais de maior destaque, no início da década de 1940, podemos citar Arizona nos quatro cantos do mundo. A coluna Radiofônicas, de um jornal da época, destacou o sucesso da transmissão perante o público cearense:

“Arizona nos quatro cantos do mundo já tomou conta das boas graças dos
ouvintes. Aventuras sensacionais teatralizadas eis o que apresenta o novo programa das segundas e quartas-feiras ao microfone da querida emissora local.”
 (outubro de 1940). 

No Ceará, em meados da década de 1940, o consumo de livros, revistas, jornais e filmes era restrito a uma pequena parcela da população. O valor das publicações e o alto índice de analfabetismo eram fatores que impossibilitavam o acesso da maioria da população a tais bens culturais. Diante deste contexto, as radionovelas surgiram como um dos mais importantes produtos da indústria cultural. As histórias romanceadas, divididas em capítulos, eram “levadas ao ar” pela manhã, às 9 horas, e no período da noite, no chamado “horário nobre”

Arquivo Biblioteca Nacional

De acordo com Eduardo Campos (1984), a primeira novela irradiada pela Ceará Rádio Clube, ao vivo e com o seu próprio cast, foi o seriado Penumbra, de Amaral Gurgel, transmitida primeiramente na Rádio Tupi, do Rio de Janeiro (p. 14). Já a primeira radionovela cearense foi Aos Pés do Tirano, escrita por Manuelito Eduardo (Foto ao lado), em meados da década de 1940. No ano de 1944, a Ceará Rádio Clube lançou o primeiro concurso radiofônico de peças de radioteatro, sob o tema: Os Grandes Processos da História. O vencedor foi o jornalista Eduardo Campos, com o tema Processo de Maria Antonieta. O jornalista passou a compor o quadro de funcionários da emissora, no dia 04 de setembro de 1944, sendo batizado artisticamente de Manuelito Eduardo¹
Nesse período, também atuaram na PRE-9: Paulo
Cabral de Araújo, João Ramos, Heitor Costa Lima, Mozart Marinho, Aderson Brás, Luzanira Cabral (Stela Maria), José Limaverde e Silva Filho, todos como locutores (CAMPOS, 1984, p. 13).


GRANDES NOMES DA ÉPOCA DE OURO DO RÁDIO CEARENSE: KEYLA VIDIGAL, BARBOSA, NOZINHO SILVA, MIRIAM SILVEIRA, ISMY FERNANDES, GUILHERME NETO, JOÃO RAMOS , MARIA JOSÉ BRAZ, LAURA SANTOS E MARILENA ROMERO. Arquivo Radiouvintes

A Programação Esportiva

As primeiras transmissões esportivas seguiram o mesmo caráter amador
predominante nos outros formatos do início do rádio. No Ceará, a primeira partida de futebol foi transmitida pela Ceará Rádio Clube, em 1938, quatro anos depois de sua instalação. O locutor era José Cabral de Araújo, ele narrou o jogo dos estúdios da emissora, onde se comunicava por linha telefônica com o repórter Rui Costa Sousa, que falava do Campo do
Prado². Segundo Eduardo Campos “graças a esse artifício, os que estavam na cidade puderam acompanhar todo o jogo, narrado com maestria pelo locutor, que se julgava presente (no estádio)” (CAMPOS, 1984, p. 15). 

A primeira reportagem esportiva, de nível profissional, feita no Ceará, também foi levada ao ar pela Ceará Rádio Clube, o repórter era Oduvaldo Cozzi (Foto ao lado), que atuava em programas de entrevista, na PRE-9. Anos mais tarde, Odulvaldo passou a fazer parte do quadro de profissionais da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde se firmou como especialista em transmissões esportivas. As primeiras transmissões de jogos já se caracterizavam pelo estilo pessoal da narração. Cada locutor imprimia a sua marca, traço que se desenvolveu e permanece na atualidade, é o estilo de transmissão que diferencia o locutor ou a equipe. Tom de voz, velocidade, silêncio, metáforas, aliterações, interpretações tornam a equipe inconfundível.
O linguajar diferente do comunicador esportivo tem motivos vários, que vão desde a necessidade de fugir ao comum, imprimindo à expressão verbal um significado conotativo, até a incessante luta pela conquista de maior audiência. Este fato leva, inclusive, à necessidade de atrair ouvintes através de auto-afirmação capaz de criar uma terminologia às vezes inédita, que caracterize a busca da marca pessoal de cada comunicador (CAPINUSSÚ, 1988, p.15).

No final da década de 1930, Boletim Esportivo, ia ao ar ao meio-dia, pela PRE-9. O programa Boletim Esportivo trazia as novidades sobre o Foot-Ball, esporte caracterizado como elitista e praticado, exclusivamente, por homens brancos. Foi nesta década que o esporte alcançou uma grande expansão no que diz respeito à sua prática e aos seus torcedores.
Criaram-se, nos subúrbios, times de futebol formados por trabalhadores. De acordo com Rodrigo Pinto (2007, p. 04), “os trabalhadores passaram a ver que esporte, música, dança, piqueniques domingueiros eram possibilidades de lazer diante da opressão do sistema de produção ou do rígido controle patronal”. O futebol, aos poucos, passou a fazer parte da programação radiofônica, tornando-se um dos maiores atrativos do veículo. “O futebol ajudou a popularizar o então emergente veículo de massa, enquanto o rádio retirou o esporte de dentro dos estádios e o levou para o imaginário popular” (ALMEIDA E MICELLI, p. 01, 2004). 
Almeida e Micelli afirmam que o radialismo esportivo se antecipou, a qualquer outro setor radiofônico, no que diz respeito à linguagem e aos avanços técnicos. Os locutores por se verem diante da expansão do veículo e da obrigação de improvisar nas suas narrações desenvolveram técnicas narrativas para atrair os ouvintes. Palavras de origem inglesa foram adaptadas para o português (Por ser um esporte de origem inglesa, o futebol, ao chegar no Brasil, trouxe expressões como: fiels (campo), goalkeeper (goleiro), referee (juiz), dentre outras.), o ritmo veloz e emotivo passou a ser utilizado nas locuções, a criação dos bordões e o jogo com as palavras passaram a dinamizar as narrativas futebolísticas. “A nova linguagem permitiu ao ouvinte ‘visualizar’ o campo e todos os lances do jogo, contribuindo assim para transformar o futebol em espetáculo de massas e paixão.” (ALMEIDA e MICELLI, p. 02, 2004). 
O objetivo era envolver o público emocionalmente a cada partida. “A emoção faz com que o jornalismo esportivo esteja sempre numa linha tênue entre a pieguice e a razão. Costuma-se dizer que não há cobertura esportiva sem emoção, mas o jornalista não se pode deixar levar por ela” (BARBEIRO E LIMA, 2001, p. 76). 
A linguagem utilizada pelos locutores possuía em sua essência, um caráter regional; eram repetidas expressões conhecidas pelo público e diálogos que estavam presentes no cotidiano social do fortalezense. Para Jung, “uma das características do rádio é a proximidade com o ouvinte, a conversa direta com o cidadão. (...) O público se identifica com a emissora da cidade e com o radialista de plantão” (2005, p. 39). 
Essa é uma das características que aproximou o rádio do público, facilitou sua expansão para além das fronteiras sociais, e estimulou o empreendedorismo no mercado de informação.

A Primeira Concorrente e a Mudança para o Edifício Pajeú

No final da década de 1940, a Ceará Rádio Clube se viu diante de mais um desafio, a inauguração, em 09 de outubro de 1948, da sua primeira concorrente: a Rádio Iracema de Fortaleza, ZYR-7. É neste período, que o profissional do microfone começa a fase de amadurecimento profissional e se estabelece a especificação de suas funções.


As funções dentro do rádio vão-se tornando independentes, passando a fase em que o mesmo radialista, por solicitação da empresa ou de seu próprio espírito de trabalho, era levado a diversificar a sua atuação, constatando-se a presença do locutor também como radioator, organizador de programa, redator, animador de auditório, etc. (CAMPOS, entrevista, 2005).

ZYR-7 não foi uma ameaça direta à pioneira, Ceará Rádio Clube, de acordo com Marciano Lopes (1994, p. 42), “mesmo chegando para disputar ouvintes, a ‘Iracema’ não vinha como guerreira”. A emissora tinha consciência de que não seria fácil desbancar a emissora dos Associados. Com o surgimento da Rádio Iracema, a Ceará Rádio Clube tratou de “crescer, melhorar e mostrar que tinha de continuar sendo a melhor” (LOPES, 1994, p. 59). 

A emissora deixou sua antiga sede no Edifício Diogo e se transferiu, no dia 13 de maio de 1949, para o Edifício Pajeú. A Rádio Iracema, localizada no Edifício Vitória, também atraia o público com os espetáculos encenados no roof-garden, nome dado ao auditório da emissora que ficava ao ar livre. “O palco era coberto, mas a platéia ficava a céu-aberto, inclusive com mesas onde os frequentadores assistiam aos ‘shows’ tomando wisky, cerveja, refrigerante, etc.” (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 39). 

Um dos programas apresentados no palco da ZYR-7 foi o Fim de Semana na Taba, apresentado por Armando Vasconcelos. O programa era apresentado aos domingos, das 20h às 23h, e atraia a sociedade local para participar de brincadeiras e ouvir a voz da cantora cearense Aíla Maria. Sempre com o auditório lotado, o 
programa era anunciado como “o da elite”. Era exigido paletó e gravata para todos os frequentadores. Também tinha o “slogan” de “programa milionário do rádio cearense”. Para honrar esse título, o programa distribuía prêmios de valor em suas muitas promoções e concursos. Certa vez, o prêmio era uma viagem, via aérea, para Paris (França) com uma ajuda de custo de
10 mil francos, afora a passagem (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 40). 

Fim de Semana na Taba foi considerado como o primeiro e único programa de gala
do rádio cearense. A elite local se reunia aos domingos para uma verdadeira parada de
elegância no auditório da Rádio Iracema. As mulheres compareciam com roupas luxuosas
para competirem com as estrelas do rádio local, que se apresentavam com figurinos dentro do que havia de mais atual na moda parisiense. Com a sua popularização, o rádio, que antes se restringia a pequenos grupos, chegou aos cantos mais remotos do território cearense. Aqueles que antes se mantinham alheios aos acontecimentos do próprio Estado passaram a ter conhecimento do que acontecia do outro lado do mundo. Aos poucos ia se estabelecendo uma relação familiar entre o público e o novo meio, que alcançaria na década de 1950 sua chamada “época de ouro”. Diante do impedimento da ida aos auditórios das emissoras, as
camadas populares começaram a se reunir em eventos domésticos e sociais, nos quais se faziam festas dançantes ao redor dos aparelhos de rádio.

Continua...

¹ Manuel Eduardo Pinheiros - Eduardo Campos, nasceu em Guaiúba, então distrito de Pacatuba, no dia 11 de janeiro de 1923, filho de Jonas Acióli Pinheiro e Maria Dolores Eduardo Pinheiro.

Órfão de pai, aos 4 meses, foi entregue aos cuidados dos tios João Pereira Campos e Isabel Eduardo Campos (Irmã de Maria Dolores).

Até 7 anos de idade viveu ao sopé da Serra da Aratanha, em Pacatuba. Pelos 8 anos, em companhia dos pais adotivos, foi morar na Rua do Imperador, 90, em Fortaleza (1930), circunstância que o inspirou, já adulto, ao resgate da memória desses idos, quando a sala de visita das casas ia parar virtualmente nas calçadas, os vizinhos aí reunidos depois do jantar.

Eduardo Campos jamais se distanciaria da moldura ecológica da Serra, nem da paisagem rural desse território geográfico, com ares de sertão.

O curriculum vitae expressa o desempenho como escritor, em seus momentos mais significativos, assim como a listagem dos livros publicados, sessenta ao todo, o resultado de prolífica atividade criativa, que se impôs do teatro ao conto, alcançando a história, o folclore e os estudos de culinária.

² Campo do Prado


Antigo Campo do Prado, antecessor do Estádio Presidente Vargas 
Arquivo Pessoal: Airton Fontenele


Único estádio na época, que ficava localizado na área onde hoje se encontram as instalações do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará CEFET, atual IFCE e o Estádio Presidente Vargas.


Continua...

Leia também:

Parte I
Parte II

Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.). 

Fotos: Assis LimaAirton FonteneleRadiouvintes, Arquivo pessoal e Biblioteca Nacional.


domingo, 8 de junho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte III)

Os Diários e Emissoras Associados (a nova administração da emissora cearense) investiu profissionalmente no aperfeiçoamento da redação, apresentação dos programas e no que diz respeito à contratação de artistas renomados para se apresentarem nos auditórios da PRE-9. Dentre as atrações que passaram pela emissora cearense estiveram nomes como: Dilú Melo, Linda e Dicinha Batista, Manézinho Araújo e Uyara de Goiás, que eram recebidos como celebridades nas apresentações de auditório, que reuniam um público ansioso por conhecer de perto os ídolos, que até então só eram reconhecidos pela voz ou nas revistas vindas do Sul do País. Desde a chegada do rádio ao Ceará, os veículos impressos desempenharam um importante papel na divulgação dos eventos e da programação da pioneira Ceará Rádio Clube


Natal dos Lázaros - De pé, na apresentação do Show para os hansenianos (anos 60) o radialista Manuelito Eduardo Campos, que participou da Campanha por 32 anos.
Com a expansão do novo meio, os jornais passaram a explorar assuntos que ganhavam repercussão entre o público leitor, dentre estes, as campanhas sociais feitas pela emissora. O Natal dos Lázaros, por exemplo, foi uma das campanhas de maior destaque da rádio e que teve duração de 38 anos. 

“Eram apelos através dos microfones para que os ouvintes ajudassem a oferecer aos internos dos dois leprosários (Antônio Justa e Antônio Diogo) um Natal menos triste, com presentes, festas, missas ‘shows’, visitas, etc” (LOPES, 1994, p.142). 



Leprosário Antônio Diogo.
Além do Natal dos Lázaros, a PRE-9 também promoveu, por mais de 20 anos, o São João dos Lázaros. O jornal Correio do Ceará publicou, no dia 01 de junho de 1942, uma matéria especial sobre a campanha da Ceará Rádio Clube, que trazia como título: “Um pavilhão para os meninos leprosos – Será lançada, no próximo dia 23, a pedra fundamental – Cabral de Araújo fará o São João dos Lázaros em PRE-9”. A matéria comentava a generosidade do povo cearense e o empenho da emissora em 
ajudar os necessitados:

A iniciativa da PRE-9 foi coroada do mais compensador sucesso, graças à tenacidade dos seus dirigentes. Cabral de Araújo, o locutor chefe da emissora, foi o paladino dessa cruzada de filantropia que em todos encontrou a melhor guarida. Em poucos dias, conclamando os corações dadivosos, conseguiu a Rádio Clube local reunir uma soma apreciável de dinheiro e uma quantidade imensa de variedades ofertadas. (CORREIO DO CEARÁ, junho de 1942). 



Jornal Écos da Semana de 26 de setembro de 1948.


Visando angariar recursos para suas promoções, a emissora apostava na apresentação de grandes artistas locais e nacionais. O jornal Estado registrou, no dia 24 de janeiro de 1941, 
a participação de duas grandes estrelas nacionais na campanha em prol das vítimas da lepra. A matéria trazia como título: “Orlando Silva e Dorival Caymi cantaram para os Lázaros de Canafistula” (ESTADO, janeiro de 1941). 

Jornal Écos da Semana de 19 de dezembro de 1948.
Além de divulgarem as campanhas e realizações feitas pela PRE-9, os jornais também se envolveram em parcerias com a rádio. Os veículos impressos também publicavam as crônicas que iam ao ar pelo microfone da Ceará Rádio Clube. O programa “Cousas que o tempo levou” criado por Raimundo Menezes, na década de 1930, teve suas crônicas reproduzidas no jornal Gazeta de Notícia e, no ano de 1938 foram publicadas em livro. O programa trazia histórias de uma Fortaleza antiga e retratava “os usos e costumes de outras eras que se foram e não voltam mais e que merecem ser lembrados para conhecimento dos conterrâneos e dos porvindouros” (GAZETA DE NOTÍCIA, março de 1938). 


Jornal Écos da Semana de 21 de novembro de 1948.
Neste contexto podemos perceber que com a expansão do novo veículo, os jornais passaram a retratar na integra as crônicas irradiadas no rádio. Percebe-se que já nos primórdios da cultura de massa as mídias já convergiam entre si, nesse período o conteúdo dos jornais eram lidos, na íntegra, pelos radioamadores. Já durante as décadas de 1940 e 1950, os impressos passam a publicar seções especiais a respeito do veículo radiofônico. 

Os Programas de Auditório


Os programas de auditório consistiam em shows musicais, espetáculos de teatro,
circos e festas que induzindo o público a um estado de excitação contínua durante horas. Para
isso, os animadores contavam não apenas com a presença de cantores de sucesso, mas
também com o suporte musical de grandes orquestras, músicos solistas, conjuntos regionais,
humoristas e mágicos, aos quais se juntavam números exóticos, concursos à base de sorteios e distribuição de amostras de produtos aos presentes (TINHORÃO, 1981). Nessa época, os
estúdios e o auditório da Ceará Rádio Clube ocupavam os últimos andares do Edifício Diogo.
Os programas de auditório atraiam dezenas de pessoas para a sede da PRE-9. Blanchard Girão lembra que o local era de difícil acesso, por conta do prédio só possuir um elevador, porém nada servia de impedimento para os ouvintes assíduos. “Não se esperava o elevador, subia-se os dez andares a pé, coisinha pouca, pra tanta resistência juvenil” (GIRÃO, 1998, 273). 

As novas instalações da PRE-9 foram construídas obedecendo às necessidades da emissora,
contendo três estúdios e um palco-auditório com capacidade para 500 pessoas. O auditório, de excelentes dimensões, tinha toda a mecânica de um verdadeiro auditório. O palco, nas medidas ideais para comportar orquestra, piano de cauda, grupo de radioatores para os programas humorísticos, cantores e apresentadores, tinha cortina de veludo vermelho, a exemplo, dos grandes teatros (LOPES, 1994, p. 59).



Orquestras da Ceará Rádio Clube
Com a inauguração das suas novas instalações, a Ceará Rádio Clube investiu nos programas de auditório, que surgiram com os primeiros programas de calouros. Tais programas foram inseridos como mais uma opção de entretenimento e lazer, de vez que na cidade provinciana as cadeiras na calçada à noitinha era a oportunidade para o encontro e a troca de ideias. Jáder de Carvalho no seu livro Aldeota refere que "A roda-de-calçada vale por uma instituição. Vem do começo da cidade. Nela tudo se conversa, tudo se advinha, tudo se descobre. Apontam-se os casais infelizes. Dá-se notícia do movimento político. Entra-se na vida dos padres, das freiras. Aponta-se falta de recato, de pudor, em certo noivado (...) É uma maneira de conhecer Fortaleza sem sair de casa" (CARVALHO, 1963, p. 262-263).

A classe abastada fortalezense se divertia nas festas e nos bailes dançantes dos clubes sociais, excludentes aos menos favorecidos, para os quais restavam as alternativas dos passeios nas ruas do centro da cidade para “olhar as vitrines” ou uma ida ao Parque da Criança.

"Eu me lembro que nos pontos de encontro sempre se encontravam as mesmas pessoas. No cinema era a classe elegante que frequentava, vestia-se de paletó e gravata. Mas nos programas de auditórios era a classe média que ocupava o espaço.
Os populares não apareciam. Os programas de auditório eram muito bem 
frequentados." 
(BEZERRA, entrevista, 2006).



Auditório da Ceará Rádio Clube no Edifício Pajeú.
Dentre os programas de auditório de maior audiência estava o Clube do Papai Noel,
apresentado aos domingos por Paulo Cabral de Araújo, na sede do Edifício Pajeú. “As mães amantíssimas levavam os seus pimpolhos para cantar, declamar e fazer outros números artísticos” (LIMAVERDE, s/d, p. 53). Os artistas mais jovens da PRE-9 se apresentavam no programa para alegria da meninada que tinha como sonho virar astro do rádio. O programa era patrocinado pelo Sabão Pavão – “o melhor sabão do Brasil”


Gafes, piadas e histórias engraçadas ocorriam no decorrer das apresentações, sempre com o auditório lotado pelos radiouvintes. Paulo Cabral (2008) lembra da frequência constante de pais e filhos no auditório da PRE-9. “Para mim aquilo era uma alegria formidável, era uma maneira de aliviar o meu cansaço com o trabalho, era uma convivência direta com as crianças e os pais” (CABRAL, entrevista, 2008). 

Outro programa de auditório que fazia sucesso entre o público era o Programa de Calouros.
Os rapazes viam no show de calouros a oportunidade para tentar uma vaga no mundo mágico das celebridades. Para as ouvintes, aquele era um espaço privilegiado para “flertar, tirar linha, namorar, noivar, casar”, com um dos artistas locais ou nacionais que ali se apresentavam. Nesse espaço cunhou-se o termo popular “macaca de auditório”. Devido à superlotação dos espaços chegavam a ficar penduradas nas colunas, nas janelas, onde o corpo se adaptasse (ANDRADE E SILVA, s/d, p. 13).

Os programas de auditório registravam uma audiência cativa, porém somente
àqueles com determinado capital quer intelectual quer financeiro frequentavam as
apresentações da emissora. Outra atração que seduziu o rádio ouvinte foi a radionovela, de
rápida ascensão, ampliando sobremaneira a audiência e pautando as discussões nos espaços
públicos e domésticos da cidade.



Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.)


quinta-feira, 29 de maio de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte II)



O rápido avanço da emissora e o alcance do sucesso como empresa que pela especificidade do campo da informação foi referência cultural na cidade durante anos, deve-se especialmente ao investimento publicitário.

Foto histórica da Orquestra da Ceará Rádio CLub, obtida em 1947. 

O entretenimento esteve presente na cerimônia de inauguração das novas instalações da Ceará Rádio Clube, naquele ano de 1941. 


A programação musical foi iniciada pelo maestro italiano, recém contratado pela PRE-9, Hercules VaretoNa sequência, no auditório da emissora, sucederam-se várias apresentações de artistas locais e nacionais, destacando-se o grupo 4 Azes e 1 Coringa (Foto ao lado) e Orlando Silva - O Cantor das multidões, a grande atração do evento. “A cidade parou para receber a grande voz romântica do cancioneiro nacional, cantor que disputava as preferências do público juntamente com Francisco Alves, ‘o rei da voz’, que antes visitara o Ceará, para atuar ao microfone da PRE-9, em 1938” (CAMPOS, 1984, p. 11).

A partir de 1941, os programas da PRE-9 obedeciam ao script; a linguagem utilizada pelos locutores foi se adequando à técnica, as transmissões passaram a ter mais de um microfone e “para quase todos os programas, a direção exigia recursos musicais, orquestrados ou produzidos pelo sonoplasta, no caso o próprio discotecário” (CAMPOS, 1984, p 12). Com a mudança para o Edifício Diogo, disponibilizou para a sua audiência, um auditório de 100 lugares. Com a chegada das ondas curtas a emissora cearense reforçou os cuidados com a qualidade do que era produzido e divulgado pelos microfones da PRE-9. De acordo com Narcélio Limavede, “um locutor principiante nunca teria acesso ao microfone no momento em que a emissora tivesse no ar usando seus dois transmissores de ondas curtas, além do de onda média, este operando em todos os horários” (LIMAVERDE, 1999, p. 91). Ao locutor cabia a responsabilidade de irradiar a “Voz do Ceará” para o mundo, portanto somente profissionais com experiência comprovada e reconhecida pela competência e desempenho podiam conduzir determinados programas. Deste ponto de vista, o rádio se transformou em escola e alguns memorialistas falam até em faculdade. Na rotina da atividade, os funcionários aprendiam na prática com os mais experientes e também com os próprios erros. 


“O rádio foi pra mim a grande lição da minha vida, uma grande faculdade. No rádio eu aprendi muito” (CABRAL, entrevista, 2008). Para ingressar como locutor da Ceará Rádio Clube, os candidatos eram submetidos a difíceis testes de locução. Era um concurso com uma banca examinadora respeitável, participavam: João Dummar, o Secretário de Educação, um engenheiro. Então, era uma banca respeitável nós éramos 8 ou 9 candidatos, e eu era o número 9, e como eu fiz um improviso com uma certa facilidade acabei ganhando o concurso (CABRAL, entrevista, 2008).Ao passar pelo teste de locução da PRE-9, os speakers iniciantes eram impedidos de atuar nos horários do almoço e a partir das 20 horas, após A Hora do Brasil, tais horários eram tidos como “nobres” no período. A ansiedade era grande entre os novatos. “Tratava-se de uma glória para qualquer locutor da velha Ceará Rádio Clube, estação que recebia cartas dos mais longínquos países, dando conta de que estavam ouvindo suas emissões e pedindo confirmações” (LIMAVERDE, 1999, p. 91). Os cartões postais recebidos do exterior eram os troféus da emissora que investiu de forma profissional para conseguir alcançar o reconhecimento do público local, nacional e os conterrâneos que estavam morando no estrangeiro.

O Jornal Anuncia e Populariza o Rádio

Eram constantes as publicações no O Povo referentes à PRE-9. Em 1942, o jornal publicou uma matéria comemorativa do primeiro ano das ondas curtas no Estado. De acordo com a notícia, a Ceará Rádio Clube já era ouvida com êxito em toda parte da América. “Dia a dia, cresce o prestigio da estação de João Dummar, sendo considerável a sua legião de ouvintes” (O POVO, outubro de 1942).

A fama do empreendedorismo de Dummar ganhou o Brasil. A Ceará Rádio Clube, única emissora cearense no período, era sucesso entre o público de todas as idades. Tais fatos
despertaram o interesse de um dos maiores empresários do ramo da comunicação brasileira:
Assis Chateaubriand, dono dos Diários e Emissoras Associados.
João Dummar, que chegara ao Ceará aos sete anos de idade e dedicara sua vida ao progresso da terra que amava, teve seu processo de naturalização bloqueado na burocracia do Itamaraty e passou a ser instado por Assis Chateaubriand a vender a
Ceará Rádio Clube (DUMMAR FILHO, 2004, p. 71).
A legislação brasileira vigente na época determinava que o controle das empresas de radiodifusão deveria ser exclusivamente de brasileiros natos ou naturalizados. Esse foi um dos argumentos utilizados por Chateaubriand para obrigar Dummar a vender a PRE-9. Além
disso, alguns “boatos maldosos” envolvendo o nome da emissora começaram a circular pela capital cearense.

(...) Circulou um boato em Fortaleza de que o piscar das luzes fluorescentes que 
ornamentavam o estúdio da emissora no último andar do Edifício Diogo emitia sinais para os submarinos alemães. Para alimentar tal maledicência, apontavam ainda o solavox, instrumento eletrônico que acoplado ao piano emitia sons de órgão, insinuando que o mesmo emitia ondas de rádio. E reforçando a distorção dos fatos passaram a acusar o maestro italiano Ercole Varetto, que tinha sido contratado há mais de um ano para a orquestra da PRE-9, como suspeito de envolvimento neste acontecimento. Injustamente, o maestro teve que ser afastado de suas funções por pressões políticas e da opinião pública (DUMMAR FILHO, 2004, p. 71).

Assis Chateaubriand

Esses fatos culminaram com a venda da Ceará Rádio Clube para os Diários e Emissoras Associados, no dia 11 de janeiro de 1944. A compra da PRE-9 iria fortalecer o
império de comunicação de Chatô e compor o primeiro oligopólio dos meios de comunicação
de massa existentes no País. No decorrer das décadas seguintes outros se somariam a este.
Além da emissora, o presidente dos Associados também adquiriu os jornais cearenses:
Unitário e Correio do Ceará. A programação e a estrutura física da rádio passaram por significativas transformações. Como ocorreu no restante do país, o conglomerado de Assis
Chateaubriand começou a utilizar uma linguagem padrão em toda a sua rede de comunicação¹, distribuída no país inteiro, atingindo não só as capitais, mas também as pequenas cidades do Norte e Nordeste.


Os Diários e Emissoras Associados usavam profissionais de uma emissora em outra, exportavam programas de sucesso, além de aproveitarem a estrutura dos jornais do
grupo na redação e na comercialização da programação radiofônica. Assis Chateaubriand abusava do próprio poder para difundir seus ideais políticos. Mas era um típico exemplo de grupo que detinha uma rede de rádio – na verdade, tinha um conglomerado de comunicação (JUNG, 2005, p. 41).



Leia AQUI a primeira parte

¹ Segundo Ferraretto, apud Wainbeerg, o império de Assis Chateaubriand englobava 33 jornais, 25 emissoras de rádio, 22 estações de TV, uma editora, 28 revistas, duas agências de notícias, três empresas de serviços, uma de representação, uma agencia de publicidade, duas fazendas, três gráficas e duas gravadoras de discos.  (FERRARETTO, 2001, p. 131)





Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.)


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