Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Rua General Sampaio
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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segunda-feira, 24 de junho de 2019

General Sampaio - A estátua do herói de Tuiuti

O cearense Antônio de Sampaio nasceu em 24 de maio de 1810, na cidade de Tamboril. Filho de Antônio Ferreira de Sampaio e Antônia Xavier de Araújo, o Brigadeiro foi criado e educado pelos pais no ambiente simples do sertão.

O interesse pela carreira militar surgiu logo cedo, galgando postos por merecimento graças a inúmeras demonstrações de bravura, tenacidade e inteligência. Foi Praça em 1830; Alferes em 1839; Tenente em 1839; Capitão em 1843; Major em 1852; Tenente-Coronel em 1855; Coronel em 1861 e finalmente Brigadeiro em 1865.


O General Sampaio teve atuação destacada na maioria das campanhas de manutenção da integridade territorial brasileira e das que revidaram as agressões externas na fase do Império: Icó (CE), 1832; Cabanagem (PA), 1836; Balaiada (MA), 1838; Guerra dos Farrapos (RS), 1844-45; Praieira (PE), 1849-50; Combate à Oribe (Uruguai), 1851; Combate à Monte Caseros (Argentina), 1852; Tomada do Paissandu (Uruguai), 1864; e Guerra da Tríplice Aliança (Paraguai), 1866. Foi condecorado por seis vezes, no período de 1852 a 1865, por Dom Pedro II, então Imperador do Brasil.

Sampaio inspecionando a instrução da tropa durante a Guerra da Tríplice-Aliança

Em 24 de maio (data do seu aniversário), durante a Batalha de Tuiuti, em 1866, foi ferido três vezes. O primeiro, por granada, gangrenou-lhe a coxa direita; os outros dois foram nas costas. Faleceu a bordo do Vapor-Hospital Eponina, em 06 de julho de 1866, quando do seu transporte para Buenos Aires.

Como faleceu nas cercanias da capital portenha, recebeu todas as atenções por parte das autoridades argentinas e do corpo médico brasileiro que o acompanhou nos últimos momentos em vida.
Após as preparações do corpo, o enterro foi realizado no Cemitério Municipal de Buenos Aires, atual Cemitério da Recoleta, tendo o cortejo saído do local onde se encontrava, às 14 horas, com a presença de ilustres personalidades e do povo argentino. Ao baixar o túmulo, em 8 de julho de 1866, o bravo Brigadeiro foi exaltado pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Argentina, Dom Rufino de Elizaide.


Sobre a sua morte, o jornal La Nación assim noticiou o infausto acontecimento:

“Diremos de passagem que esse chefe é um dos homens mais valentes que se podem encontrar, foi seu desmedido valor que de soldado o levou a general, sendo hoje ainda moço.Na batalha de 24 de maio, o Brigadeiro Sampaio com sua brilhante divisão, chamada Encouraçada, por compor-se das melhores tropas brasileiras, foi a que aguentou o inimigo, e no meio de um fogo infernal viu-se o Brigadeiro Sampaio a cavalo dirigindo ousadamente suas manobras.

Foi ferido, e momentos depois morto o seu cavalo. Então a pé, continuou, com sua espada em punho, a dirigir as suas forças. Vendo cair ferido o comandante do heroico 4º Batalhão de Voluntários, vários oficiais e a metade dos soldados dessa unidade, compreendendo que esse batalhão era a chave desse círculo de baionetas, colocou-se à frente do mesmo com o que, por tal forma o animou, fazendo que o 4º Corpo se fizesse dizimar pelo inimigo, mas sempre mantendo a sua posição. Foi nessa ocasião que o General Sampaio, sendo novamente ferido, caiu nos braços de seus soldados e foi conduzido exangue ao seu quartel-general”.

(DUARTE, Paulo Queiroz.Sampaio, Bibliex, 2010, Pag 280)

Os restos mortais de Sampaio permaneceram em solo argentino por mais de três anos, quando foi decidida pelo Governo Brasileiro, a sua repatriação para a cidade do Rio de Janeiro, sendo fixada a data de 20 de dezembro de 1869, para a trasladação dos seus despojos para o Asilo dos Inválidos da Pátria, onde foi sepultado na cripta da Igreja de Bom Jesus da Coluna, situada na Ilha do Bom Jesus, sede do citado Asilo. No féretro, seus restos mortais foram recebidos pelo próprio Imperador Dom Pedro II.

Entretanto, seus restos mortais não permaneceriam muito tempo nas terras cariocas. O povo cearense passou a reclamar dos dirigentes da província, pelos sagrados despojos, os quais em 1871, um ano após o término da Guerra da Tríplice Aliança, adotaram medidas oficiais no sentido de construir um mausoléu para receber os restos mortais de seu herói, admirado pelo povo cearense.

Em entendimentos mantidos com o Governo Imperial, em 16 de novembro de 1871, foi efetuada a retirada dos seus restos mortais da cripta da Igreja do Bom Jesus da Coluna no Asilo dos Inválidos da Pátria, no Rio de Janeiro, e em um ataúde, foram transportados no paquete Cruzeiro do Sul para Fortaleza, onde estava sendo concluído o mausoléu no cemitério público da capital cearense, mais tarde denominado de Cemitério São João Batista.

O vapor chegou à Fortaleza no dia 25 de novembro de 1871, tendo sido o ataúde depositado na cripta da Igreja Matriz de São José (antiga ), atual Catedral de Fortaleza. O mausoléu no Cemitério São João Batista foi inaugurado em 25 de outubro de 1873.

No Cemitério São João Batista, os despojos do valoroso guerreiro permaneceram por quase 93 anos, até que no ano de 1966, dentro das Comemorações do Centenário da Batalha de Tuiuti, foi efetuada a retirada e o traslado dos seus restos mortais, do Cemitério para um Mausoléu construído pela Prefeitura de Fortaleza em uma das mais modernas avenidas recém-inaugurada – a Avenida Bezerra de Menezes, onde o túmulo de Sampaio seria mais visto pelo povo cearense.

O local escolhido na Avenida Bezerra de Menezes, ficava defronte ao aquartelamento do então Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Fortaleza (CPOR) passando seus jovens alunos, futuros Oficiais da Reserva, a guarnecerem o referido monumento. A concretização do ato deu-se em 5 de maio de 1966, com a exumação dos restos mortais, e a respectiva lavratura do termo de exumação, coordenada pelo Comando da 10ª Região Militar, com apoio do Governo do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza.



No dia 24 de maio de 1966, às 7h45, partiu do Cemitério São João Batista o cortejo fúnebre conduzindo os despojos do Brigadeiro Sampaio que passaram a repousar no novo Mausoléu construído no canteiro central da Avenida Bezerra de Menezes. Mais um local era ocupado pelos restos mortais do valoroso cabo de guerra cearense.


O cortejo fúnebre foi formado por uma linha de doze alunos do Colégio Militar, montados, empunhando as Bandeiras Históricas, seguida de uma linha de tambores, também daquele educandário; após o que marchavam seis oficiais de Infantaria conduzindo, sobre almofadas as condecorações do homenageado, logo após deslocava-se a carreta fúnebre, tracionada por seis cavalos, conduzida por dois soldados, acompanhada de altas autoridades.

Com o passar do tempo a cidade de Fortaleza se expandiu com rapidez. O Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Fortaleza (CPOR) foi extinto e o aumento desenfreado na quantidade de veículos, tornam a Avenida Bezerra de Menezes, uma via de grande movimento e a permanência do Mausoléu na referida avenida, fica inviabilizada. Mais uma vez é estudado um novo local para abrigar os restos mortais do bravo Patrono da Infantaria - Brigadeiro Sampaio. Fruto dos estudos para escolha de um local definitivo, das sugestões do General de Exército Tácito Theophilo Gaspar de Oliveira e do empenho do General de Exército Domingos Miguel Antônio Gazzineo, antigos Comandantes da 10ª Região Militar, junto ao Ministro do Exército, General Zenildo de Lucena, e com o apoio da Prefeitura de Fortaleza, foi erguido na parte frontal da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, um panteão destinado a ser a morada definitiva do bravo soldado cearense. 

A instalação do Panteão Brigadeiro Sampaio neste sítio histórico agregou um forte simbolismo por estar situado, no mesmo local onde o jovem sertanejo Antônio de Sampaio, que vindo de Tamboril, se alistou na longínqua data de 18 de julho de 1830. Naquela ocasião, estava sediado na histórica Fortaleza o quartel do então 22º Batalhão de Caçadores, primeira unidade militar que abrigou Antônio de Sampaio. Finalmente, no dia 24 de maio de 1996, é realizado o último translado dos restos mortais do Patrono da Infantaria, para o seu Panteão que passou a abrigar, definitivamente, os despojos desse bravo guerreiro e Herói Nacional.


Homem puro e patriota, Sampaio destacava-se por ser capacitado e corajoso, inteiramente dedicado à vida militar. Exemplo de exponencial bravura, foi consagrado Patrono da Arma de Infantaria do Exército Brasileiro, pelo Decreto 51.429, de 13 de março de 1962.

Estátua do General Sampaio

Em Fortaleza, foi inaugurado no dia 24 de maio de 1900, um monumento em homenagem ao General Sampaio, sendo a segunda estátua erigida na capital alencarina - a primeira é a do General Tibúrcio na Praça dos Leões



A colocação da estátua na Praça Castro Carreira, foi amplamente noticiada por jornais da época.
A praça e todas as casas do entorno, estavam vistosamente enfeitadas, apresentando deslumbrante aspecto.

Em volta do monumento, destacavam-se escudos e galhardetes, tendo gravado, em letras douradas, os feitos de Sampaio. Do lado Sul erguia-se vistoso palanque destinado às autoridades civis e militares e comissões diversas.  

Às cinco horas da tarde, dava entrada na praça e tomava o palanque  o presidente do Estado, Antônio Pinto Nogueira Acióli.



Descoberta a estátua, e sendo inaugurada pelo Sr. presidente do Estado, a multidão prorrompeu em vivas aclamações de entusiasmo e prolongada salva de palmas, tocando para esta ocasião o hino nacional, pela banda de música, enquanto que a guarda de honra fazia continência e subiam ao ar milhares de foguetes, saudando a Fortaleza N. S. D'Assunção com 21 tiros.

A estátua do herói de Tuiuti foi colocada sobre uma coluna de mármore de aproximadamente dez metros de altura, cercada por um gradil de ferro. O gradil foi retirado durante uma remodelação da praça.




Em 24 de maio de 1966, o monumento foi transferido para a Avenida Bezerra de Menezes, em frente ao CPOR (NPOR); ocasião em que a coluna, que era sua base, foi destruída. Em 1981 foi novamente transferida, desta vez para a pracinha na Avenida 13 de Maio em frente ao 23º BC




Em 1996, por iniciativa do Instituto do Ceará, tanto a estátua como os restos mortais do general, foram transferidos para os jardins do quartel da 10ª RM, onde ainda se encontra. 

Curiosidades:

No dia 24 de maio de 1900, além da inauguração da estátua do General Sampaio, também foi inaugurada a rua 24 de Maio. Na mesma ocasião, a então rua da Cadeia passa a se chamar rua General Sampaio, também em homenagem ao General Antônio de Sampaio, que falecera vítima de tiro em 1866, na Batalha de Tuiuti, na Guerra do Paraguai.  




Como vimos, o general foi sepultado a princípio em Buenos Aires, sendo depois seus restos mortais transladado para o Rio de Janeiro e finalmente para Fortaleza, sendo enterrado no Cemitério São João Batista e anos depois, exumado e transferido para um mausoléu construído pela Prefeitura de Fortaleza na recém-inaugurada Avenida Bezerra de MenezesFinalmente, no dia 24 de maio de 1996, é realizado o último translado dos restos mortais do General para sua definitiva morada, em frente o Comando da 10ª Região  Militar.




Fontes: Revista do Instituto do Ceará - 2016, Site Oficial do Exército Brasileiro, Blog História Militar, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Casarão dos Gondim - Rua General Sampaio


"No imóvel da rua General Sampaio, a aposentada Maria Guilhermina Gondim, de 91 anos, não esconde o desejo de reformular o lar onde nasceu. Lá o acúmulo de histórias e lembranças, somam-se às altas despesas para manutenção da residência, que possui 16 cômodos. “Eu bem que quero ajeitar, mas não tem como. Esse imóvel é uma herança de família. Hoje 35 herdeiros disputam esta casa. Apesar da minha vontade, é complicado. Pintaria, reformaria as portas, deixaria tudo direitinho porque foi aqui que nasci e me criei. Sou de um tempo que tudo em volta era diferente e apenas nossa casa resistiu”, completou."    

Jornal O Estado de 02 de agosto de 2012
 
Casamento de Guilhermina (Iaiá) e Arlindo Gondim, proprietários do casarão.
Fonte: Arquivo da família Gondim.

Arlindo Granjeiro Gondim construiu o seu casarão da rua General Sampaio (entre a Pedro I e a Avenida Duque de Caxias, então Boulevard Duque de Caxias) entre 1910 e 1912. A casa é elevada, possui porão e tem entrada lateral com escada de acesso em mármore branco. 

"Vovô dizia assim – "Eu vou mandar construir a casa que dê pra rua”. E diziam assim pra ele: – "faça um pouco elevada, porque esse terreno é um pouco úmido". Parece que tinha uma lagoa lá pra trás, não sei onde é, eu sei que o terreno era um pouco úmido. Chamavam meu avô de Coronel, porque nesse tempo, não tinha um negócio de chamar de Coronel quem tinha uma certa posição? Era Coronel Arlindo, que era também o nome do meu irmão mais velho, Arlindo. A Iaiá cuidava muito da casa, a minha avó e o meu avô. Todo ano quase ela mandava limpar e tinham todos os enfeites, era uma cor diferente, ela disse que era bege com "café-com-leite". Mas... agora está diferente. A minha avó ficou morando nesta casa desde que ela foi construída, até falecer. [...] Ela deixou pra mamãe, o testamento, todos já sabiam como era. A mamãe preferiu alugar. De imediato a mamãe não morou aqui, nós morarmos aqui um tempo, porque o vovô era louco pela mamãe e pelo piano, a mamãe tocava quase toda noite pra ele ouvir, então mamãe morava ali, mas era mesmo que morar aqui! Agora a mamãe ficou com a casa e não quis vir logo pra cá, [...] então, quis alugar. [...] Ela alugou a casa. Ela alugou uma pra morar, e alugou esta aqui. Por que esta casa era muito grande e alugava bem, dava pra pagar o aluguel da outra e ainda sobrava [...]. Quando a dona quis vender a casa que ela alugava pra morar, a mamãe disse ao meu irmão que morava aqui: “- Meu filho, agora você já está bem, agora eu quero a minha casa!” – ai nós voltamos pra cá (risos...)! E estamos até hoje, ela faleceu aqui. [...] uma época roubaram as instalações todinhas, antes dos médicos alugarem. [...] Levaram toda a iluminação, era antiga, aqueles candelabros de cristais, toda a instalação! [...] Roubaram tudinho, era tudo de cobre! Tinham lustres aqui na copa, tinham lustres lá na sala, foi tudo!" 
Relato de Maria Guilhermina Gondim.


Arlindo Gondim foi um bem sucedido comerciante, proprietário de marmoraria e de uma Companhia de Bondes Puxados a Burro. A casa, feita para a esposa Iaiá, hoje é ocupada pelas herdeiras (netas). 
No antigo jardim, funciona um estacionamento e o imóvel centenário, está desgastado pelo tempo! 

"Mais uma manhã agitada de sábado no bairro do Centro de Fortaleza. Ao passar pela Rua General Sampaio, lado da sombra da tarde, logo após cruzar a Avenida Duque de Caxias, à altura do número 1406, percebi um casarão com marcos estilísticos do inicio do século XX.

Fachada principal do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Com uma câmera fotográfica em punho, em busca de edifícios que foram construídos para fins comerciais e institucionais no mesmo bairro, procedia com um levantamento que serviria para pesquisa com objeto bem definido e diferente deste.


De uso residencial, porão elevado e platibandas adornadas, a edificação tem estilo Eclético e elementos Art Déco em sua fachada. Possui acesso principal pela lateral, onde há uma bela escada esculpida toda ela e também seu corre-mão em mármore do tipo Carrara. As esquadrias seguem um ritmo harmônico sequencial e são arrematadas em forma de arco pleno, na parte superior por adornos feitos nessas e também na fachada. Tema que se repete formalmente em seus subsequentes vitrais coloridos dispostos nas bandeiras das portas.

Escada principal de acesso do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita. 

Possui uma varanda posterior dando acesso a uma grande área a qual sugere que havia um jardim. Destaque para a enorme esquadria contínua, feita em “trelicinhas” de madeira, que faz o fechamento da parte que parecia ser reservada para copa e cozinha. É sem duvida um dos exemplares da maior elegância que se construiu ali. De maior importância arquitetônica, estilística e patrimonial dentre as residências antigas do Centro.

Logo me chamou à atenção a originalidade com que ainda se mantinham suas fachadas. Implantada sem recuo frontal e lateral sul, com frentes para a Rua General Sampaio e para uma área que denuncia a proto-existência de um amplo jardim, obedece a uma forma de implantação da edificação dentro do lote que se remete àquela praticada a partir da segunda metade do século XIX. Forma essa que introduzia elementos paisagísticos à arquitetura residencial, o que até então não era comum.

Esquadrias laterais do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Até mesmo o gradil e as esquadrias de madeira ainda se mantinham aparentemente originais. Não resisti. Apesar de nada ter a ver com o meu objeto de pesquisa na ocasião, coloquei-me a fotografar. Comecei a fazê-lo ainda do outro lado da rua, fui me aproximando, no sentido de obter melhores ângulos. Quando percebi estava do outro lado da calcada, já adentrando os limites do terreno que se encontrava quase todo ele “ocupado” por um estacionamento, deixando livre apenas a área da edificação.

Detalhe das bandeiras das esquadrias da fachada, decoradas em vitrais coloridos, repetindo o tema em relevo. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

À primeira vista o velho casarão parecia estar abandonado, mas logo me surpreendi ao perceber que muito de sua arquitetura original era mantida, então como estar assim e abandonado ao mesmo tempo? Pois repare que se deixar uma casa vazia, abandonada, essa em pouco tempo cede às ruínas. Enquanto que, por mais antiga que ela seja, ao se ter um morador que nela habite, dela cuide e com ela se relacione, consegue atravessar séculos de existência sem tombar. Um dá vida ao outro, numa relação de protocooperação quase simbiótica.


Detalhe da esquadria da fachada dos fundos confeccionada em treliças de madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita.


Ao lado: Detalhe da implantação da edificação dentro do lote.

Segunda impressão: ao perceber o estacionamento que ali estava disperso por toda a área externa do casarão até então de portas cerradas, pensei que lamentavelmente todo ele logo viria ao chão, junto com suas lembranças, quando se fizesse a compra do terreno pelo dono do empreendimento “invasor”.

Abre-se uma janela, surge uma senhora e com ela uma terceira hipótese me veio à mente: poderia ter sido alugada como “casa de cômodos”¹, o que ocorre muito frequentemente com esse tipo de edificação mais antiga nos centros urbanos das cidades. Foi o que aconteceu com muitas das casas antigas e espaçosas na Rua Thereza Cristina, no mesmo bairro.

Detalhe das esquadrias em madeira e do guarda-corpo originais. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Após registrar os detalhes mais perceptíveis a certa distância, como portas, cornijas¹¹ e janelas, coloquei-me a fotografar em detalhe o belíssimo corrimão que, assim como toda a escada de acesso principal da qual ele faz parte, havia sido esculpido em mármore do tipo Carrara, trazido da Itália.

Assim como Octavien - personagem do romance de Gautier - ao retornar à noite à Pompéia e perceber que ela pulsava em vida, e, “[...] extremamente surpreso, perguntou-se se dormia em pé e caminhava num sonho. Interrogou-se seriamente para saber se a loucura não fazia dançar diante dele as suas alucinações; mas foi forçado a reconhecer que não estava dormindo nem era louco [...]”; (GAUTIER, 1999. Paginas 42-43.) assim também me surpreendi quando essa senhora abriu a porta e me convidou simpaticamente a entrar, revelando como o interior daquele monumento era espantosamente ainda mais rico que o exterior, já ligeiramente registrado. Era como a viagem de Octavien. Estava em outra época certamente, na época das cantoras de rádio, dos concertos e programas clássicos com piano, dos saraus na Casa de Juvenal Galeno.

Detalhe do lavatório esculpido em mármore Carrara. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Detalhe da porta do oratório em madeira trabalhada. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Tudo ali me transportava para um novo e antigo tempo: o das memórias daquela família, tão bem resguardadas pelas irmãs que ainda se mantinham igualmente firmes, como o casarão da Rua General Sampaio. Sigo com uma breve descrição do ambiente encantador, para que o leitor se familiarize e possa embarcar nessa viagem instantânea pelo tempo.

Detalhes - gabinete, piso em lambris de madeira, bandeira das portas internas talhadas na madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Detalhe dos quartos interligados. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Ao subir a escadaria esculpida, depara-se primeiramente com uma grande porta feita de madeira, a do acesso principal, encerrada com bandeiras adornadas em arco pleno, contendo vitrais coloridos. Ao abri-la, existe um hall de entrada que ainda mantém a chapeleira à espera de tais acessórios. Logo em frente, uma portinha talhada também na madeira que lembra os antigos confessionários, e dá acesso ao também antigo oratório de Iaiá¹¹¹. À esquerda, um pequeno gabinete iluminado e arejado pelas grandes portas de fechamento duplo em madeira, dispostas lateralmente pela fachada com frente para a via pública. A sala de visitas, onde fica o piano, faz limites em forma de “L” com o gabinete e o oratório.

Os netos de Iaiá e Arlindo. Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

O assoalho em lambris de madeira natural está presente em todos os quartos da casa e também na sala. Pela circulação, um belo e antigo mosaico. Nas áreas molhadas (cozinha, banheiros e lavanderia), azulejos.
Todos os quartos são interligados entre si, através de portas comunicantes e meias-paredes e também se abrem para o corredor, o qual se estende até a copa. Destaque para uma relíquia disposta na parede lateral de um desses quartos, pelo lado da circulação, antes de se chegar à copa: um magnífico lavatório esculpido no mesmo mármore da escada de acesso principal.

Detalhe do piano na sala de visitas. Foto de 2007 de Aline Mesquita

A Compositora e pianista cearense Maria de Lourdes Hermes Gondim. Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

O forro, também em madeira, tem em suas bordas uma moldura adornada e detalhes em treliças para que se dissipe o calor, que é amenizado pelo “pé-direito”(Distância medida entre o piso acabado e o teto (forro) de um ambiente.) alto e pelo jardim para o qual todas as portas da casa se abriam. Portas essas trabalhadas na madeira, com duplo fechamento: o mais externo com partes em venezianas móveis e o mais interno com portinholas do tipo painel cego.
Pelas paredes, fotografias emolduradas seguem uma lógica conceitual escolhida, posto que no corredor de entrada se dispõem as que fazem referência aos casamentos de todos os filhos de Dona Lourdinha (A Sra. Maria de Lourdes Hermes Gondim (Foto ao lado do livro de Linda Gondim - Uma dama da Belle Époque de Fortaleza), filha de Iaiá, de quem herdou o casarão). Logo em seguida, acima do piano, pai e mãe, ainda noivos. 

Segundo o que me relatou D. Guilhermina (Foto ao lado - Maria Guilhermina Gondim, ou “tia Mina”, como costuma ser chamada na família. Neta da Sra. Guilhermina Gondim, ‟Iaiá‟, para quem foi construído o casarão onde mora hoje com sua irmã Maria Thereza Gondim. Foto do livro Coisas que o tempo levou - A Era do rádio no Ceará de Marciano Lopes),  as fotografias de ambos sempre se encontram dispostas lado a lado, obedecendo à época em que foram feitas. Dessa forma, quando há uma fotografia de Dona Lourdinha ainda jovem, há também uma de seu esposo do mesmo período, ambos ainda solteiros. E quando há uma fotografia dela já viúva, não há uma dele acompanhando esta.

Detalhe do forro – bordas e preenchimento em madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Por toda a casa, móveis seculares, alguns deles ainda do tempo de Iaiá. Na sala de visitas, o piano. Um pouco mais recente; data da década de 1930. Aquele que o precedia, e no qual Dona Lourdinha tocava para a família, certa vez viajou com todos para as férias em Mondumbim. Causou o maior alvoroço. Imagino que tamanha aventura deverá ter sido levar um piano na bagagem das férias, junto com os muitos filhos e suas malas. E ainda mais de trem! Como se não fossem suficientes todas essas emoções, havia um detalhe especial: Mondumbim jamais tinha visto nem ouvido um piano. Diz-se que vinha gente de todas as partes de lá para ouvir Dona Lourdinha tocar.

"[...] Lá no Mondumbim, nós tínhamos uma casa de veraneio, papai mandou fazer uma casa num sítio que a gente tinha, ali: tinha a estação de trem, depois tinha o primeiro sítio, o segundo sítio, à direita, era logo o nosso. Ia levantando assim, ficava bonitinha a casa! Porque ficava assim, “alteando”. 
Relato de Maria Guilhermina Gondim.

Porta rasgada com guarda-corpo externo e bandeiras em vitrais coloridos.
Foto de 2007 de Aline Mesquita

Segundo me relatou tia Mina (acostumei-me a assim chamá-la, de tanto ouvir e também a pedido dela mesma), ele foi vendido porque se encontrava tão antigo que “a afinação não segurava mais”, não valia mais a pena consertá-lo. Também, depois de uma viagem de trem, convenhamos!

Cristaleira em madeira marchetada e espelho com acabamento bisotado. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Armário guarda-roupas da Iaiá. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

Na copa, a mesa de Iaiá foi doada ou vendida a alguém da família, e no lugar desta se encontra uma outra, também antiga, que “Duzuza” (Sr. José Leite Gondim, esposo de Maria de Lourdes H. Gondim),  como era chamado na família, adquiriu comprando-a de seu grande amigo Firmeza. Foram colegas de profissão no Liceu do Ceará, onde lecionaram e onde os filhos estudaram juntos; e vizinhos de frente no Mondumbim, onde tinham casas de veraneio. Descobri mais tarde (justamente por conta dessa mesa) que esse amigo ao qual se referia tratava-se do pai de “Estriguinhas”¹¹¹¹, tão conhecido memorialista de nossa cidade, e colega de Liceu e de infância de tia Mina e suas irmãs."
Aline Mesquita Martins Rosa

Lindo vídeo intitulado "O Casarão" de Maurício Cals, feito em agosto de 2003 e publicado originalmente em 29 de agosto de 2008:


Relatos de Maria Guilhermina Gondim - Uma das herdeiras do casarão:

[...] Papai quando veio do Seminário começou a conhecer a família, ir às casas da família; visitando e visitando; e quando visitou o vovô Arlindo, meu avô, que era o dono dessa casa, conheceu a mamãe. Ele ficava com receio de vir aqui, a mamãe era só uma e tinha-se muito respeito, naquele tempo, aos mais velhos. Tinha uma tia, irmã da minha avó, casada com um irmão do meu pai, tia Clarinha. Ela era viúva, então ele ia lá, conversava com a tia e as primas, mas de olho aqui! Vinha mais lá, e aqui menos.

[...] À praia, eu lembro bem que a gente adorava! A praia era mais forte como hoje, mas ninguém tomava banho não, só foi tomar banho, mais já mocinhas. Só pra dar uma volta, ir até lá de bonde. Era bom! Era aqui mesmo, na Praia de Iracema. O papai mostrava o Seminário: “- Olha, eu passei oito anos aqui!” – e dava uma voltinha no bonde, era muito bom!

[...] Canto estudou só eu. Andou aqui uma professora do Rio de Janeiro e a mamãe foi convidada, mas não podia ir pro Conservatório porque ela não tinha tempo. Ai a mamãe disse: “- Vai, Guilhermina, você vai!” e eu fiz esse curso no Conservatório, que ainda era lá perto do Passeio Público, com a professora Marina Menezes. Era uma cantora clássica carioca, uma senhora. E as aulas dela, tão engraçadas! A gente fazia: “Aaaaaaa...”, as primeiras, ai, com os sons de piano, tinham as escalas: “Aaaaaaa...” e depois tinham arpejos, que era: “Aa-aaaaa”. Ai vai dando os tons e a gente vai cantando, e cantando – cantando não, só dando as notas.

[...] Antes da gente começar a cantar, a mamãe já tocava num programa. Tinha um na hora do almoço da “Cearense”, a loja enorme, era muito afamada, era do Sr. Aprígio, que era nosso vizinho lá da Rua Assunção, o Sr. Aprígio Coelho de Araújo. Era ali naquela esquina, a loja, enorme!

[...] Quando começou a TV eles me convidaram. Nem pagavam, nem tinha transporte, nem nada. Daí eu ainda fui, mas disse à mamãe que era longe. Se tivessem ao menos um transporte! Então eu fui, mas comecei a me esquivar. Ai também, sabe, o ambiente não era muito... Era pesado, um pouco pejorativo. 

O Estacionamento



Meu irmão quis vir do Rio Grande do Sul, nesta época, idealizou este estacionamento e a mamãe aceitou. Derrubou as árvores e fez. Ai tudo era árvore, no tempo da Iaiá, era jardim, sabe, era lindo! E tinha tudo: coco-babão, tangerina, cajaranas! Menina, eram tantas, tinha tanta fruta que era um horror! Mas daí, pra fazer o estacionamento, tiraram as árvores, tiraram tudo; e ai está o estacionamento.




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¹ O mesmo que pensão, pequeno hotel de caráter familiar, onde as pessoas alugam os quartos a preços mais acessíveis, e onde mora uma família, geralmente proprietária desse bem, que não dispondo de condições financeiras para mantê-lo, transformam sua tipologia de uso como tal.

¹¹ Conjunto de molduras salientes que servem de arremate superior às obras de arquitetura.

¹¹¹ Apelido carinhoso cujo qual todos se referem à matriarca da família, para quem foi construída a residência, entre 1910 e 1912, a Sra. Guilhermina Gondim.

¹¹¹¹ Como o chamam na família Gondim. Nilo de Brito Firmeza é historiador, artista plástico, odontólogo e memorialista. Entre outros feitos, como diversas exposições nos Salões de Abril, mantém, juntamente com sua esposa e também artista plástica, a Sra. Nice, o “Mini-museu Firmeza” localizado no sitio da família, em Mondumbim, onde atualmente reside o casal.

EDITADO EM 15/07/2017:

Observação:
De acordo com Rosana Maria Aguiar Gondim,
a senhora Maria de Lourdes Hermes Gondim não era filha única, tinha um irmão chamado José Hermes Gondim que era casado com Henriqueta Machado Gondim, filha de Manoel Firmino Bandeira e D. Maria das Dores Machado Bandeira (Dorinha). Eles tiveram 8 filhos: Edmar Machado Gondim, Arlindo Machado Gondim, Maurício Machado Gondim, Murillo Gondim (que morou anos no casarão com a avó (já viúva), José Henrique Machado Gondim, Pedro Machado Gondim, Paulo Machado Gondim e Maria Hirtes Gondim Gregorious, todos netos do casal Arlindo Granjeiro Gondim e Guilhermina Monteiro Gondim (Iaiá).

:( EDITADO EM 21/07/2021:

No último final de semana, dia 17/07, aconteceu a demolição ilegal do casarão.  Por que ilegal? Porque o imóvel estava em tombamento provisório, o que significa que já não poderia sofrer mudanças estruturais. O casarão sucumbiu na calada da noite! :( 
Revoltante!!!

Foto: Lauriberto

Foto: Jornal O Povo

Foto: Jornal O Povo

A bisneta de Arlindo, a socióloga Linda Gondim - que também é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) com doutorado em Planejamento Urbano, em entrevista ao Jornal Diário do Nordeste,  lamentou a perda de um patrimônio da história da sua família e da cidade: "Foi uma surpresa, e devastadora".

"Confirma um descaso muito grande pelo patrimônio material e imaterial também. Inclusive, você vê os imóveis sendo desfigurados, a propósito de conservarem, restaurarem. A multa para quem faz a demolição é muito baixa, é irrisória. Os compradores preferem pagar a multa e derrubar. E, geralmente fazem isso na calada da noite, sexta-feira à noite, e durante o fim de semana. E foi desse jeito que aconteceu com o Casarão: na sexta-feira, iniciou e, no sábado de manhã, foi concluída a demolição."
LINDA GONDIM
(Socióloga)


Crédito - Dissertação HISTÓRIA DAS CASAS COMO HISTÓRIA DA CIDADE de Aline Mesquita Martins Rosa, submetida à Coordenação do Mestrado em História e Culturas da Universidade Estadual do Ceará – UECE

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