Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Coluna da Hora
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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sábado, 9 de dezembro de 2017

Remodelagem da Praça do Ferreira na década de 30


A praça antes da remodelagem. Foto de 1929.
A praça antes da remodelagem. Déc. XX - Nirez
"Esse serviço que a prefeitura executa na Praça do Ferreira, ao que parece não terá mais fim. Está prejudicando a deus e o mundo. A população que é obrigada a transitar pela nossa principal artéria, não obstante todas as precauções devem ficar com os pulmões avariados, tal a nuvem de pó que se espalha pelos quadrantes da velha praça. E o comércio? Esse, tem tido grandes prejuízos que poderão ser atestados por qualquer comerciante ali localizado. Um caminhão que se movimenta incessantemente, em todas as direções, carregado de areias para as obras de calçamento, o menor dano que ocasiona é empoeirar os tecidos das lojas de modas que se encontram nas imediações do interminável serviço. [...] Lembre-se o Prefeito que é o comércio quem lhe mantêm as extravagâncias, inclusive as que transformam a Praça do Ferreira em detestável logradouro." 
(A Rua, 10/10/1933 p 01).

Praça do Ferreira década de XX. Nirez
O projeto de remodelar a Praça do Ferreira como lócus do centro comercial, foi alvo de críticas de setores da imprensa. Esta matéria é lapidar no que se refere à importância que exercia o comércio e a Praça do Ferreira, na capital cearense. E o jornal tinha razão quando dizia que era o comércio que bancava essas obras, ou, nas palavras do periódico, essas extravagâncias. Tal projeto de urbanização do governo municipal atendia, primordialmente, aos interesses dos setores capitalistas ligados ao comércio e à indústria da construção civil.

A praça no início da década de 30 antes da remodelagem.
A Praça do Ferreira, como representava o centro comercial da cidade, era também o local onde a picareta mais pulsava, ao ponto de alguns jornalistas ironizarem que, o que ocorria naquele logradouro era um terremoto. Porém, além do caráter comercial já explanado, a Praça do Ferreira também exercia fascínio por ser o símbolo da modernidade de Fortaleza na época, pois lá se encontravam os equipamentos de lazer e cultura, frequentados, majoritariamente, pelo público mais abastado.

A praça ainda com o coreto, antes da reforma. Anos 30
"Centro comercial, por excelência, no quadro daquela urbs está localizado o movimento chic de armarinho, miudezas, assim como se acha instalado os cinemas elegantes, os cafés e as confeitarias de primeira ordem desta capital. Todos são contribuintes do Estado e Município. Todos concorrem para o progresso material do Ceará. Deviam, por isso mesmo, merecer dos poderes públicos, um pouco mais de consideração, um pouco mais de respeito. Infelizmente nossos homens públicos, com raríssima exceção, cuidam que o dever do povo é pagar tributo e acatar sem turgir nem mugir as ordens emanadas do alto. É o que acontece, presentemente, entre nós. Além da poeira produzida pelo trabalho da trituração do cimento, em pleno dia, a prefeitura manda fazer a varrição daquele trecho em plena as 3 horas da tarde.[...] Em fortaleza, o Chefe da Edilidade sente um prazer satânico em cobrir de poeira os transeuntes e proprietários da Praça do Ferreira! Ô terra pra ter sorte!" 
(A Rua, 19/10/1933 p 01).

Foto de 1930
As críticas em relação à praça, no sentido de ela estar sendo, constantemente, coberta de poeira, de reformas intermináveis, da “picareta” da prefeitura não parar de funcionar naquele local, só confirma a nossa hipótese do escopo da urbanização da prefeitura. Os cafés, armarinhos, padarias, teatros e cinemas de primeira ordem, eram espaços de grupos privilegiados. A urbanização nesses locais não poderia parar, por isso que o centro e, especialmente a Praça do Ferreira, vivia coberta de Poeira. Porém, era um tipo “diferente de poeira” dos areais e subúrbios, ocasionados pelo excesso de reformas e não pela negligência total e abandono das áreas mais pobres.
Outro aspecto importante da modernização de Fortaleza foi o referente à iluminação pública. Segundo Nogueira, 1980, a iluminação de fortaleza teve três fases: 1) a era do azeite de peixe; 2) a era do gás carbônico; e 3) a era da eletricidade com fios. O período analisado em nossa pesquisa marca a transição da era do gás carbônico para a da eletricidade com fios. Como observamos, existia um projeto do governo de modernizar a capital, e nada mais simbólico do que a “iluminação”, que está associado ao ideário de progresso desde os tempos do iluminismo, em contraste com a escuridão, figurativa de atraso e “trevas”. No entanto, a iluminação segue na esteira da modernização das ruas e praças, ou seja, é desigual, contemplando apenas uma parte dos logradouros. As ruas mais afastadas do centro, num adágio da época, deveriam fazer “contrato com a lua”.

A praça depois de remodelada - Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934
A praça em 1934.
A iluminação a gás ficava a cargo da empresa britânica, Ceará Gás Company, que exercia essa atividade desde 1866, clareando algumas ruas da cidade, dando à época uma sensação que a cidade estava caminhando rumo ao progresso, por se distanciar da escuridão. Porém, em 1934, se inicia um conflito entre a companhia e a prefeitura municipal.

"Entendeu a prefeitura de fazer um contrato provisório para a iluminação da cidade e publicou edital exigindo o sistema exclusivo a eletricidade, o que importava em excluir a companhia que já vinha executando o serviço a gás carbônico, o que era uma injustiça. Não obstante, ou por isso mesmo, a concorrência não teve êxito. Apareceu a estranha proposta do Sr. Strainer, que se oferecia apenas para instalar os focos provisórios, indo a prefeitura buscar a energia elétrica onde pudesse obter, o que não foi aceito de acordo com o parecer dos técnicos."
(CORREIO DO CEARÁ, 10/12/1934 p. 01).

Linda em 1935.
A Interventoria e a prefeitura acabaram rescindindo o contrato com a empresa inglesa, alegando que os prazos de contratos eram excessivos e os serviços onerosos. O ministro das relações exteriores, J.C. de Macêdo Soares, tentou intervir para revogação do contrato, mas não obteve êxito. Já era a segunda vez que o governo municipal estabelecia uma relação litigiosa com empresas estrangeiras, especificamente, inglesas, demonstrando uma tendência política diferente dos anos anteriores. Após o Golpe de 1930, as empresas estrangeiras foram tratadas com menos regalias pelo governo municipal, recebendo aval da Interventoria e do Presidente da República. A resposta do Interventor Federal, Cel. Moreira Lima, ao ministro das relações exteriores, é bastante elucidativa deste novo cenário político.

Praça do Ferreira em 1934. Vemos ao lado
do Majestic, o cine Polytheama.
Arquivo Nirez
"Sinto obrigado a declarar a v. excia. Que a não ser ordem formal Sr. Presidente da República, de minha parte nenhuma possibilidade reconsiderar ato de recisão meu antecessor contrato Ceará Gás Company visto haver ele consultado interesses da administração e população desta capital.[...] Referido contrato, pelas sua clausulas e prazo excessivo, oneroso e prejudicial, é um desses encargos do passado que urgia fazer desaparecer, de qualquer forma, sob pena do governo revolucionário revelar-se solidário com todas as imoralidades administrativas que arrastaram o país a revolução de 1930." 
(Correio do Ceará, 27/11/1934 p. 08).

A praça era frequentada majoritariamente por um público mais abastado. Foto de 1936.
Jornal O Combate de 26 de Fev de 1935.
O Interventor ainda menciona no mesmo telegrama que num prazo máximo de 20 dias, instalaria a iluminação elétrica, que, segundo este, o serviço já estava bem encaminhado, faltando apenas comprar uma parte restante do material. Mas o que ficou evidente no telegrama do Interventor é que existia uma nova forma de lidar com os contratos das empresas estrangeiras. Não podemos inferir se tratava de um projeto nacionalista, apesar de alguns elementos sinalizarem para isso, mas, com certeza, se referia a uma centralização política bem maior do que na primeira república, sendo os contratos, e em especial os de monopólios, reavaliados.
Todavia, “a Companhia do gás fez ponto aos 25 de outubro de 1935, encerrando-se assim, a era do gás carbônico, que durou 68 anos, 1 mês e 8 dias”.(NOGUEIRA, 1980 p. 31). Iniciou-se, ainda em 1934, a iluminação elétrica em algumas ruas, começando pela colocação de algumas lâmpadas na Praça do Ferreira. Mas determinados locais como o Alagadiço e a Praia de Iracema, que na época do gás não tinham iluminação, continuaram sem ter com a implantação dos fios elétricos, corroborando o caráter excludente e desigual da urbanização de Fortaleza.


Jornal A Razão - 02 Jun 1936
"Fato que está provocando grande número de reclamações e queixas da população vêm a ser falta de iluminação elétrica em certos trechos da cidade onde não havia iluminação a gás, e por isso não terão luz elétrica. Temos um exemplo nos dois primeiros quarteirões da Avenida Imperador, lado norte. Pelo que sabemos a rede nova de luz elétrica não será estendida naquele trecho. O interesse da população requer uma solução para o fato em apreço, e também para a escuridão das ruas, que se acham nas trevas, quase por toda cidade." 
(Correio do Ceará, 29/12/1934 p 09).

Neste sentido, a população pobre, que morava em bairros afastados do centro, nos subúrbios e favelas da capital, continuou sem “luz”, tendo que restabelecer o seu “contrato com a lua”. Na medida em que a urbanização da cidade, com a predominância do tempo do relógio, materializado na construção da Coluna da Hora, reformas do perímetro central, incluindo ruas, praças e demais logradouros comercias, substituição da luz a gás pela a elétrica, todo esse conjunto de características que metamorfosearam a cidade “antiga” em “moderna”, só foram sentidos e usufruídos por uma pequena parte da população. Porém, as normas e a doutrinação, a implantação de novos costumes e valores, foram universalizadas através do imperativo das leis e o autoritarismo do governo, ao mesmo tempo em que, os equipamentos modernos, saneamento básico e energia elétrica, não passaram de utopias para a maioria da população, “Utopia no sentido grego da palavra, ou seja, lugar nenhum ”.


Em suma, os aspectos simbólicos, culturais, econômicos e políticos, constituíram um mosaico complexo, permeando a realidade urbana de Fortaleza, só podendo ser apreendido como unidade de uma totalidade maior que envolve um projeto coeso dos governos (municipal, estadual e federal), na produção espacial de uma cidade capitalista em desenvolvimento. Portanto, a heterogeneidade da construção socioespacial é tão diversa, que não apenas a instalação de um relógio, mas, principalmente, a extensão das “melhorias urbanas” para o restante da população, tornou-se uma odisseia ainda maior.

Leia também:
Coluna da Hora - A polêmica em torno da construção do monumento

As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.

Fonte: http://memoria.bn.br/


sábado, 2 de dezembro de 2017

Coluna da Hora - A polêmica em torno da construção do monumento


Construção da Coluna da Hora na Praça do Ferreira.
Acervo Ricardo Figueiroa

“ Do pó, do nada do chão,
Vai subindo céus afora,
Numa sublime ascensão,
A tal Coluna da Hora.
Nos velhos tempos de outrora,
A tal Coluna da Hora,
Causaria sensação!
Talvez, ficasse na história
Da princesa Teodora
O nome do seu Girão”.

Feira de Missangas

A construção da Coluna da Hora constituiu um importante marco no projeto de modernização da capital.
A ideia não era recente, pois desde a administração do major Tibúrcio Cavalcante, a Prefeitura já cogitava este melhoramento urbano. Em dezembro o major licenciou-se e foi ao Rio, incumbido de procurar um relógio adequado a Praça do Ferreira. Seus esforços foram, porém, baldados. Nem no Rio nem em São Paulo encontrou um que o satisfizesse. Consigo levara também plantas e fotografias das quatro faces da referida praça. Confiando a organização do projeto da Coluna a uma comissão de três membros, entre os quais se achavam os arquitetos Ruderico Pimentel e o capitão Ruy de Almeida. Cada um apresentou o seu projeto, chegando todos a conclusão, pela média das alturas dos prédios, que a Coluna devia ter a elevação de 10 a 12 metros.

Jornal A Razão de 02  Jun 1936
Porém, nenhum desses projetos apresentados foi aprovado pelo Estado, com alegação de não consultar o “senso estético do local”. O arquiteto da Prefeitura, também apresentou três projetos que foram sumariamente recusados. Ficou a cargo do engenheiro e arquiteto José Justa, apresentar um projeto definitivo. Também foram solicitados catálogos e preços de relógios europeus, através das firmas Alfredo Salgado, Gradovhl & Fils, Dumar & Cia e Antônio Fiúsa, contudo também resultou em nada. Após esses impasses, foi criada outra comissão, composta pelo Dr. Ernesto Pouchain e pelos relojoeiros Abílio Silva e Milton Muratori, para julgar a licitação mais vantajosa, em relação ao relógio. A comissão aprovou a proposta da firma Byington Co, que tinha filial em Recife, pois apresentou o menor preço, garantindo entregar o relógio todo montado pela quantia de 20 contos de réis. Depois foi aberta outra licitação para saber qual a empresa que iria construir a Coluna.

"Apresentaram-se dois concorrentes: Dr.Antônio Urbano de Almeida e o Sr.Clóvis Janja, aquele prontificando-se a edificá-la por 29:300$, e este por 28:690$. Como estava fixado no orçamento municipal, não ultrapassar a referida construção de 25 contos, condicionou a proposta vencedora a uma redução de preço”. (O Nordeste, 01/09/1933, p. 05)


Isso foi aceito pelo senhor Janja, todavia, a história do relógio e da coluna, tinha apenas começado. A primeira polêmica acerca da construção da Coluna ocorreu devido ao coreto que existia na Praça, o qual nunca conseguiu agradar gregos e troianos. Havia aqueles que defendiam sua importância histórica e política, pois ele era frequentemente utilizado para proferir discursos sobre a cidade, problemas sociais, ou mesmo propagandas políticas. E existiam aqueles que o tratavam com escárnio, menosprezando o seu estilo arquitetônico, alcunhando-o de feio, antiquado e obsoleto.
1930. No velho coreto, o célebre discurso do Dr. Morais Correia durante a campanha que levou Fernandes Távora ao Governo Provisório, e a queda do prefeito Cesar Cals ( Foto O Povo). Acervo Lucas
Vai ser demolido o coreto da Avenida 7 de Setembro, na Praça do Ferreira. Do ponto de vista estético é, não resta dúvida, providência que se justifica, pois aquilo não é lá coisa que se recomende, apesar de ter custado ao que se diz- mais da metade de uma centena de contos... Caro e feio. Mas tinha além da serventia para as retretas aos domingos, a de ser tribuna dos demagogos, desde os mais sisudos aos mais implumes ensaístas da oratória. Muita gente pregou ali ideias de todo quilate. Ouviram-se dali, palavras de fogo e asneira de palha. Oradores aclamados, aplaudidos, vaiados e apeados. Alguma coisa de histórico... E onde será, agora, a tribuna da oratória popular? Nos pisos da Coluna do relógio? (O Nordeste, 02/08/1933 p 03).
Praça do Ferreira por volta de 1920. Vemos o coreto em dois tempos, sem e com a cobertura.
Jornal A Razão de 13  Jun 1937.
Jornal A Razão de
15  Jun 1937
E onde os demagogos falarão agora? Este foi o título da matéria do Nordeste, acima citado. Para o matutino, o coreto era um espaço, essencialmente, das expressões de demagogos, que tinha lá seu valor histórico, apesar de ter custado muito caro e ser feio. Mas que, de certa forma, a sua demolição era justificável, não fazendo tanto alarde a esse respeito. No sentido oposto, o jornal A Rua saiu em defesa da manutenção do objeto em questão, justificando como espaço da expressão e liberdade do povo, e acusando o Prefeito de ter Passadofobia.

Não houve apelos, não houve razões, por mais ponderosas que fossem que demovessem o “futuroso” Prefeito da nossa Urbe da sua temível sanha de aniquilar o passado. É um homem teimoso, e sua “passadofobia” não tem limites. Por isso, o coreto do jardim da Praça do Ferreira, presentemente atingida por um terremoto vai desaparecer, está desaparecendo. As picaretas do estadista de Morada Nova manejadas por mãos hábeis e possantes, já, a estas horas põem por terra a verdadeira tribuna do povo livre do Ceará. (A RUA, 12/10/1933 p 01).

O periódico continua fazendo um resgate da importância histórica do coreto na derrubada de governos conservadores e antiliberais. Não obstante, o que está em jogo não é a defesa do coreto como objeto de relevância histórica e operacional para o desenvolvimento da liberdade do povo cearense, mas a crítica ao projeto de modernização de Raimundo Girão, onde o coreto é apenas um elemento simbólico da retórica de oposição. Os argumentos de defesa do velho e de críticas ao novo, mesmo envolvido de uma epiderme lógica e racional, se sustentam numa “retórica da nostalgia” como aspecto substancial da negação, na medida em que as reminiscências sentimentais são erigidas como o sustentáculo da defesa da tradição e da crítica à mudança.

Jornal A Razão de
03  Out 1937
Começou, há dias, a demolição do coreto da Praça do Ferreira. O jovem governador da cidade não se sente bem com o passado. Tem uma verdadeira volúpia pelo modernismo. Arrasou a Praça do Ferreira pelo prazer de construir para o futuro. [...] Mas é preciso demolir tudo. Como Julião, o Apostata, quer lavar Fortaleza de toda nódoa da administração do passado. Deixar incólume o coreto da 7 de Setembro é fazer obra incompleta. É que nas suas paredes está a inscrição, em vernáculo, da remodelação do jardim, na administração do Dr Godofredo Maciel Daí o pesadelo do jovem Chefe da Edilidade. Acha que a cidade de Fortaleza veio a lume, ressurgiu do nada graças aos seus esforços! [...] Enquanto houver dinheiro, estamos certos, o jovem Governador do município, derruirá tudo. Constatando com esta febre de reformas, a pobreza esfarrapada anda esmolando a caridade pública, pelos passeios da cidade. Mas, como já disse o Sr., a pobreza não vale nada. Vale mais um palmo de pavimentação a concreto do que um abrigo para as crianças pobres. São palavras do facundioso chefe do executivo municipal. E não há lógica que sirva. O coreto entrou há dias no pano das reforma... A picareta entrou em cena, sem contemplação! Pobre passado! (IDEM, 10/10/1933 p 03).
Praça do Ferreira nas primeiras décadas do Século XX. Entrada para o Jardim 7 de Setembro, construído pelo intendente Guilherme Rocha em 1902 e demolido pelo prefeito Godofredo Maciel em 1920. Ao fundo, na lateral direita da foto, avista-se a torre do prédio da Intendência Municipal (Prefeitura). Acervo Duarte Dias
Observamos, portanto, que o passado é o pano de fundo para uma crítica mais visceral ao projeto de modernização da cidade. Ao mesmo tempo em que a picareta do governo não para de executar reformas materiais que atenderão a uma pequena parcela da sociedade, a miséria em torno da cidade aumentara substancialmente. Também estava em questão, e o matutino aponta com sagacidade, a ofuscação das melhorias realizadas nas administrações passadas, pela administração hodierna. Cada Prefeito gostaria de deixar sua marca, ou ganhar o título de modernizador. Raimundo Girão não era indiferente a esses anseios.
Foto de 1952
No entanto, a destruição do coreto e a introdução da Coluna da Hora revelavam além desses aspectos políticos, uma tendência de uma cidade que se adaptava ao capitalismo, não apenas nos aspectos econômicos e políticos, mas culturais e simbólicos, pois a Coluna da Hora representava uma noção específica de temporalidade, o tempo do relógio, das horas de trabalho, das atividades programadas por segundos, minutos e horas, em detrimento de uma temporalidade essencialmente campesina, estigmatizada e norteada pela natureza. O tempo do relógio marca a imposição de novos costumes, de uma sociedade que está se industrializando, e que precisa “otimizar” o tempo da produção e circulação de mercadorias. Por isso, a construção de um marco regulador se fazia urgente!
Coluna da Hora em 1967 - Ana Teresa Mello Fiúza

Pelo navio “Sheridan”, chegaram a nossa capital os 8 volumes de que consta o material do novo relógio a ser instalado na coluna erigida á Praça do Ferreira. A remessa foi feita pela Casa Byington com matriz em São Paulo, e filial em Recife, sendo o relógio fabricado pela “Westing House”, E. U. da América.[...] O relógio como já é do conhecimento público, será movido a eletricidade, com 4 faces e dispositivos automáticos para darem a corda necessária. Esta é regulada por meio de pesos, que serão levantados, quando preciso, pelo maquinismo automático. Desta maneira, a intervenção que se requer é apenas em ordem a lubrificação e limpeza e ao bom andamento dos motores. A Fortaleza deverá chegar, brevemente, de avião, o Dr. Hermes Barroso de Lima, da filial Byington, do Recife, e que se vem encarregar da montagem do relógio. (O NORDESTE, 29/11/1933 p 4 e 5).

O relógio é apresentado como o mais moderno possível, não sendo quase necessário trabalho humano para regular, salvo em matéria de limpeza e manutenção, trazendo características que são sinônimos dos discursos da modernização como, “movido à eletricidade”, constituído de “dispositivos automáticos”, sendo ainda todo o material importado dos Estados Unidos. O relógio era um símbolo moderno em várias acepções! Em primeiro lugar, representava a instalação de uma nova temporalidade, industrial, urbana, afastando-se do tempo da natureza materializado no campo. E, em segundo lugar, o próprio “relógio em si” já era moderno na sua composição física.
Coluna da Hora em 1967 - Ana Teresa Mello Fiúza

De acordo com O Nordeste, o relógio custou 20.000$000, sem os impostos que teriam sido dispensados graças à intervenção do Interventor Carneiro de Mendonça. Caso tivesse que pagar os impostos, o custo sairia quase o dobro. Neste sentido, o maquinário foi apresentado como vantajoso para a municipalidade, e que seria inaugurado na véspera de Natal. Porém, nem tudo ocorreu como se esperava!

Descobriram depois que o relógio não cabe na cama que lhe arranjaram na tal Coluna do revolucionário desconhecido. Por último verificaram, por ocasião de examinarem a encomenda, que os quatros vidros que protegem o mostrador vieram quebrados. Será possível tanta urucubaca! Santo Deus, quando teremos hora oficial na cidade? (A RUA, 7/12/1933 p 01).

Segundo o jornal, além do material ter vindo já danificado e não caber no local da Coluna, ainda houve outro problema. “Rachou o pedestal da Coluna da Hora”. De acordo com o periódico, a base sofreu uma rachadura, prejudicando mais ainda o projeto do governo de inaugurar “a melhoria urbana”. A Praça do Ferreira e a Coluna da Hora eram o cartão postal do projeto de urbanização da prefeitura. Qualquer entrave na sua remodelação, de imediato já era denunciado nas páginas da imprensa, que não poupavam críticas quando se relacionava a tais “melhorias”. Todavia, a Coluna é inaugurada na virada do ano de 1933 para 1934, que, segundo o jornal O Povo, foi esperado por uma multidão de pessoas que se aglomeravam ao redor da Coluna, onde Raimundo Girão proferiu um discurso que foi irradiado através da Rádio Clube Ceará para a população que ali se encontrava.
Anos 30
A Coluna da Hora, no entanto, não foi o primeiro relógio da capital. De acordo com artigo de Antônio Theodorico da Costa, publicado no O Nordeste em 16 de novembro de 1934, p. 01 e 04, já havia sido instalado em 1854 o relógio da Catedral da Sé, depois outro relógio foi implantado no edifício da Estação Central, e um terceiro com caráter oficial no prédio da Intendência, onde funcionava a Prefeitura, na Rua Floriano Peixoto. No ano de 1922, também foi construído outro na coluna do Cristo Redentor, na Prainha, em comemoração à Independência do Brasil. Por conseguinte, este breve histórico sobre os relógios da cidade, mostra que a tentativa de estabelecer um padrão temporal, já vinha ocorrendo desde o final do século XIX, mas que ganha força e se materializa de forma mais concreta na década de 1930, uma vez que não se trata de um relógio instalado numa igreja, estação, ou órgão oficial do governo, mas fincado na Praça do Ferreira, e como diriam alguns dos escritores da época, a maior artéria econômica da capital.

 1958 - Na Praça do Ferreira, a Coluna da Hora maltratada
pela ganância da campanha política.
Parsival Barroso bateu o favorito da imprensa,
Virgílio Távora. (Tribuna do Ceará - Acervo Lucas)
Leia também:
As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital
A Seca, o conflito político e a favelização da capital
Seca e Campos de Concentração em Fortaleza


Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.

Fonte: http://memoria.bn.br/O NORDESTE, 01/09/1933 p. 05

quarta-feira, 5 de março de 2014

Os bancos da Praça do Ferreira - Parte III


AS RODAS E OS BANCOS

A roda composta e liderada pelo então jovens José Elias Bachá e Renê Dreyfus, nela se discutia tudo, inclusive atividades esportivas, em que a maioria era "vidrada", vibrando cada um por seu clube de adesão. Bachá- é claro - torcia pelo "Ceará", do qual viria a ser dinâmico Presidente. A roda se reunia a princípio em torno de mesa do Café Globo e depois se deslocava para um banco da Praça, integrando-a ainda Lívio Bessa Noronha (meu colega de turma no Liceu do Ceará), José Pompeu Gomes de Matos (filho do professor Gomes de Matos), Ivan Paraíba (filho do juiz Hermes Paraíba, que me casaria no civil e seria alçado e desembargador), José Maria Catunda (alto funcionário da Secretaria de Polícia e Segurança Pública), Edilberto Góis Ferreira (dono do referido Café) e mais José Weyne, Clóvis Holanda e Francisco Cordeiro. Eu, às vezes, adejava em torno dela, bem como o então jovem Tarcísio de Oliveira Lima, Secretário do Ceará Sporting Club no período em que meu irmão Tarciso foi presidente dessa agremiação esportiva (1948). 

Em banco fronteiriço à Livraria Alaor sentavam-se alguns estudantes que exploravam a ingenuidade de um rapaz de boa família, costumeiro em dar definições estapafúrdias acerca de tudo, inclusive sobre Deus, que, para ele, era "um invertebrado gasoso, semi-nuvem e semi-além". Refiro-me a Moisés Leitão, irmão do dono da mercearia Joana D'Arc (foto ao lado - de Carlos Juaçaba) e que, por isso, era conhecido como Moisés da Joana D'Arc. Eram integrantes dessa roda Américo Barreira (que viria a ser Vice-Presidente de Fortaleza), Wagner Barreira (que se tornaria brilhante professor da Faculdade de Direito e grande advogado) e o próprio Alaor (filho do dono do estabelecimento em frente e seu atual proprietário). Visceralmente irônicos, os componentes dessa turma quase tornam insano o Moisés da Joana D'Arc, tão constantes eram as instigações, as pilhérias, os trocadilhos e os comentários que faziam a respeito de tudo e de todos, especialmente de sua "vítima" predileta. 

Não propriamente na Praça, mas nas suas imediações reunia-se outro grupo, cujo decano era o bondoso patriarca José Manassés Pontes, pai do juiz Osmundo Pontes e meu antigo vizinho de frente na rua Barão do Rio Branco. "Gente fina", como se diz, haveria Manassés de aglutinar em seu derredor uma plêiade de amigos, tendo como polo a Farmácia Santa Helena (rua Guilherme Rocha nº 167), de Nilo Mendes, seu conterrâneo de Massapê, local da atual Farmácia Confiança
Compunham esse grupo, que vez por outra se deslocava até a praça para uma rodada de cafezinho, Geraldo Lira Aguiar (representante do Laboratório Piam e, depois, alto funcionário da Assembléia Legislativa e do Conselho de Contas dos Municípios), Valdevino Castelo (gerente da Ródia no Ceará e um dos espíritos mais pilhéricos que conheci na vida), José do Nasci­mento (procurador da Fazenda Estadual), Severino César (também agente de laboratório farmacêutico do sul do país no Ceará e genro do Dr. João Saraiva Leão), o Dr. Luís Rolim da Nóbrega (juiz aposentado e pai de José Rolim da Nóbrega, fraterno co­lega meu no Liceu do Ceará e pela vida afora), meu irmão Aluísio (médico pediatra e professor da Faculdade de Medicina do Ceará), Joaquim Morizé de Andrade (depois Conselheiro do Conselho de Contas dos Municípios) e eu, além de outros me­nos assíduos. 


Não em banco, mas na porta da Farmácia Pasteur, com deslocamentos invariáveis ao escritório da empresa, ao andar superior do prédio, pra fruição de gostoso cafezinho, reuniam-se, também, figuras da mais alta projeção político-social, como o Governador Raul Barbosa, O Ministro do T. C. Eduardo Ellery Barreira, o advogado Josias Correia Barbosa e os sócios da firma Moacir Bezerra, Raimundo Freitas Ramos e João Moisés Ferreira, além de outros.
Relativamente à ultima roda, que resiste (1987) à descaracterização da velha Praça do Ferreira, era primeiramente constituída pelo Dr. Rafael de Codes Y Sandoval e por Humberto Patrício Ribeiro, o futuro governador Paulo Sarasate Ferreira Lopes, José Marinho (corretor), João Campos (do Car­tório João de Deus e tio de Luís Campos), Dr. Vinícius Ribeiro (advogado), José Denizard Macedo de Alcântara (professor), Dr. Turbay Barreira, Dr. Carlos Ramos (que seria desembargador no Rio de Janeiro), General Carlos Cordeiro, General Dr. Carlos Studart Filho, desembargador Eugênio de Avelar Rocha, enge­nheiro Hugo Rocha (da Rede de Viação Cearense), Abraão Romcy, Pedro Riquet e Omar dos Martins Coelho, todos faleci­dos, e mais Sebastião Arruda Boto (outro líder do grupo), Ed­gar Patrício Ribeiro, Dr. Elcias Viana Camurça, o jornalista Stênio Azevedo, o professor Geraldo da Silva Nobre, Samuel Tabosa (gerente da Empresa Ribeiro no Ceará), Lourival Pereira (ir­mão do deputado Horácio Pereira), Jaime Leite (dono da "Casa de Borracha"), Francisco Ferreira Costa (Costinha, alto funcionário aposentado do Banco do Brasil, ex-Diretor do Banco Central no Ceará e membro do Conselho Fiscal do Banco do Nordeste do Brasil e do Banco do Estado do Ceará, mercê de seu dotes de inteligência e preparo, e cunhado de meu irmão Aluísio), o Acadêmico João Jacques Ferreira Lopes, Alfredo Moreno (antigo proprietário do Eden Café), Antônio Braga, Jaime Cavalcante, Jaime Ferreira, Nelson Caracas, Sílvio Braga e mais alguns, todos vivos, graças a Deus. Eu, por vezes, ando por lá, fruindo a gostosa prosa desses recalcitrantes, que resistem à massificação da Praça, consequente de sua última reforma (1968/69), pois hoje, não dispondo de um cômodo banco de madeira no logradouro, seus membros se reúnem, mesmo em pé, no início (lado leste) da galeria do Edifício São Luís, pela manhã e principalmente à tarde. 



Que eu não peque por omissão, deixando de registrar a existência de nova roda que teima em formar-se na Praça, em frente ao Cine São Luís, de pé, na proximidade de uma de suas duas bilheterias, a do lado norte do prédio. Compõe-se de funcionários aposentados do Bando do Brasil e do Banco do Nordeste do Brasil, dentre os quais distingo meus amigos Tomás Pompeu Gomes de Matos, José Osmar Nobre e Francisco Ferreira Costa (Costinha), integrante também da roda anteriormente referida. E ainda o professor de direito Alcimor Aguiar Rocha e os bancários José Ícaro Loureiro Maia, Mauro Rodrigues Oliveira, Airton Saboia Valente e Geraldo Coelho de Sousa



Os bancos da Praça não serviam apenas para aglutinar grupos mais ou menos homogêneos. Eram, por vezes, tribunas improvisadas para oradores de todas as colorações políticas, até que o Prefeito Godofredo Maciel construiu, em 1925, o afamado "Co­reto", de vida efêmera, pois já em 1933 o Prefeito Raimundo Girão o derrubaria, para substituí-lo (não no seu exato local) pela também já desaparecida Coluna da Hora
Se podemos classificar de mais românticas a Praça da Lagoinha, se a Castro Carreira sempre mereceu a preferência de tipos exóticos e malandros, se as praças do Coração de Jesus, do Carmo e do Patrocínio notabilizavam-se pelos novenários, a do Ferreira foi, durante muitas décadas, "o centro de atração de intelectuais, políticos e comerciantes, que debateram a crise brasileira"


De zona a princípio residencial (não esquecer que o boticário Ferreira tinha nela, como outros, o seu estabelecimento comercial, mas nela também residiam eles), passou a estritamente comercial e política, social e cultural. E nesta metamorfose seus quiosques, Cafés, casas de pasto, livrarias, cinemas e bancos exerceram papel preponderante. (Abelardo Montenegro, idem, p. 42). 


Tem sido ela, desde o tempo em que disputou e ganhou do Passeio Público a condição de coração da cidade, a sede do Ceará Moleque, de saudosíssima memória, quase inexistente hoje com a influência massificadora dos programas importados de televisão. 


Mozart Soriano Aderaldo

Fim

Leia também:

Parte I
Parte II
Fontes: Portal da História do Ceará (Gildásio Sá), ACL 1995/1996, Nirez


quarta-feira, 30 de junho de 2010

Praça do Ferreira - De beco do cotovelo à Coração de Fortaleza


PRAÇA DO FERREIRA - VISTA PANORÂMICA

Falaremos do principal logradouro de nossa Capital. Durante todo o Século XX, a Praça do Ferreira, que partindo do antiquíssimo Beco do Cotovelo, foi transformada em uma praça que a princípio foi chamada de Feira Nova. Teve também a designação de Largo das Trincheiras; em 1859 Praça Pedro II e depois de urbanizada em 1902 na gestão do intendente Guilherme Rocha recebeu o nome de Jardim Sete de Setembro, que não era na verdade o nome da praça, mas da parte urbanizada, pois antigamente cada praça tinha um nome e seu jardim tinha outro. Em 1881, após a morte do Boticário Antônio Rodrigues Ferreira, a Câmara Municipal deu ao logradouro o nome de Praça do Ferreira em sua homenagem, mas em 1890 o Conselho da Intendência achou por bem retirar os nomes de pessoas de todas as ruas, avenidas e praças da cidade, recebendo as ruas numeração e as praças nomes como a Praça Municipal, novo nome da nossa Praça do Ferreira, mas durou pouco e no mesmo ano volta a velha nomenclatura.

A vista antiga foi publicada no livro "Brasil", do fotógrafo Peter Fuss, editado em Berlim com o apoio do Touring Club do Brasil, em 1934 e mostra a Praça do Ferreira vista de cima do Excelsior Hotel no sentido sudeste, vendo-se, além da Coluna da Hora, bancos e jardins, o canto do cruzamento da Rua Pedro Borges com Rua Floriano Peixoto, que tem na esquina a loja "A Cearense", vizinha à Padaria Lisbonense.

Além da Praça do Ferreira a vista mostra coisas interessantes como - direcionando-se a visão da esquerda para a direita - vemos as costas do prédio da Companhia Telefônica, por trás dela um circo armado, a Praça dos Voluntários com o velho prédio do Liceu do Ceará; mais ao longe a Igreja da Piedade e o Colégio Dom Bosco; o Colégio Cearense do Sagrado Coração; a Igreja do Coração de Jesus; o prédio do Pio X; o mosteiro dos frades capuchinhos; o prédio da Associação dos Chauffeurs do Ceará; o quartel da Polícia Militar e mais distante os morros de Paupina, Ancuri e Itaitinga.

A foto atual, tirada do mesmo local, mostra quase o mesmo ângulo já com muitas diferenças, ocorridas nesses 76 anos. Queremos aqui agradecer a gentileza do Dr. Janos Fusezzi Júnior, cônsul da Hungria, herdeiro de Emílio Hinko e residente no 3º andar do Edifício Excelsior, sem a qual não nos seria possível conseguirmos a foto atual do mesmo ângulo da antiga. O fotógrafo foi Osmar Onofre.

As lojas que circundam a praça já são outras excetuando-se a "Leão do Sul", que ali está desde a década de 1920. À distância já vemos pouca coisa, pois os prédios de concreto armado ou "cidade vertical" formam um tapume que nos impede ver o que víamos antes, mas na brecha entre os edifícios vemos ainda a Igreja do Coração de Jesus - que já não é mais a antiga que ruiu em 1957 e foi demolida - e nada mais. Os prédios que nos impedem de ver a paisagem são o Edifício Portugal, que fica no primeiro quarteirão da Rua Pedro Borges; por trás dele o edifício do INAMPS (antigo IPASE), na Praça dos Voluntários; o Palácio da Imprensa (edifício Perboyre e Silva, da ACI), o da Seguradora Brasileira e o Edifício Raul Barbosa, que foi sede do Banco do Nordeste de Brasil - BNB.

PRAÇA DO FERREIRA DE 1940 E DE 1991

A praça do Ferreira em 1850 era apenas um largo de areia frouxa com alguns cajueiros rodeada de casebres beira-e-bica onde se destacavam apenas os sobrados do Comendador Machado, construído em 1825 e o do Pacheco, de 1831, que depois foi sede da Municipalidade. O prédio do Ensino Mútuo ficava na esquina onde hoje fica a Caixa Econômica Federal.

Havia na praça o "Beco do cotovelo", com casas em diagonal, que foi derrubado por Antônio Rodrigues Ferreira, o boticário que chegou a governar a cidade como presidente da Câmara Municipal. Por isto hoje a praça tem seu nome. A praça foi Feira-Nova, Pedro II, da Municipalidade e é do Ferreira desde 1871.

Em 1902 foi urbanizada pelo então intendente Guilherme Rocha que nela fez o Jardim 7 de Setembro. Já existiam os cafés nos quatro cantos. Em 1920 a praça sofreu nova reforma, desta feita na administração de Godofredo Maciel, que retirou os quiosques e mosaicou toda a praça, fazendo vários jardins e colocando um coreto sem coberta. Em 1923 foi colocado outro coreto, este coberto. Em 1933 Raimundo Girão derrubou o coreto e levantou a Coluna da Hora. Em 1949 Acrísio Moreira da Rocha construiu o Abrigo Central. Em 1966 José Walter sem nenhuma consulta popular derrubou a Coluna da Hora e o Abrigo Central e construiu uma praça grosseira, que foi imposta ao povo que nunca a aceitou. Depois a praça foi reconstruída em 1991 pelo prefeito Juraci Vieira Magalhães.

As fotos são: a primeira é de 1934, quando o Excelsior Hotel e o Edifício Granito eram novinhos em folha, os bancos da praça eram extensos, o Edifício São Luiz ainda não havia sido iniciado, funcionando em seu lugar a Casa Amadeu, e o quarteirão da Rua Guilherme Rocha ainda existia. A Segunda foto é da década de 1940, quando o edifício São Luiz já estava em construção, mas o quarteirão da Guilherme Rocha já não existia e o Abrigo ainda não havia sido construído e os bancos da praça já eram menores.

A terceira foto é da época da odiosa
Praça do José Valter, de caixotes enormes de concreto e foi batida por Nirez.

RUA MAJOR FACUNDO NA PRAÇA DO FERREIRA

A foto antiga data do início do século passado. Mostra uma cidade pacata, com todas as características de uma cidade de interior, com a tranquilidade de seus habitantes e seu comércio com pouco movimento. Ruas calçadas com pedras toscas, esgotos cobertos com tábuas, trilhos dos bondes de tração animal, calçadas irregulares tanto na largura como na altura, ausência do meio-fio, postes de madeira, alguns de ferro, combustores de iluminação a gás carbônico e ausência completa de carros.

Trata-se do quarteirão da Rua Major Facundo na Praça do Ferreira, aquele onde hoje fica o Cine São Luiz. Na esquina ficava o "Maison Art-Nouveau", logo após a Agência de Loterias Nacionais, seguindo-se "O Menescal" e outras lojas que não é possível identificar na foto. A "Maison" surgiu em 1907, era café, bar, confeitaria além de vender artigos para copa e cozinha. O proprietário era Augusto Fiúza Pequeno e José Rola. Foi por trás desta loja que funcionou, em 1908, o primeiro cinema da Fortaleza, o cinematógrafo do italiano Victo Di Maio. No mesmo local estiveram depois a "Maison-Riche", o Restaurante Chic, A Pernambucana, a "Broadway", a Rouvani e hoje está a Tok-Discos.

A Segunda foto é da praça do prefeito José Walter, quando ainda havia passagem de carro pela Rua Major Facundo. Nada do que existia na foto antiga existia mais a não ser o céu e o subsolo, ambos já bastante poluídos. Já existia a Tok-Discos, seguida de estabelecimentos comerciais dos mais variados.

A terceira foto, colhida pela objetiva de Osmar Onofre, mostra uma praça bem melhor que a da segunda foto, com este calçadão para os pedestres e os postes da nova iluminação. A poluição continua e por falar em poluição, o centro de Fortaleza está um inferno em poluição sonora. Além das lojas vendedoras; de discos, os alto-falantes nas lojas em geral chamando os clientes e os odiosos carros com serviços de som e o que não entendemos, o serviço de alto-falantes nos postes com o falso nome de "FM Centro", autorizado pela Prefeitura que assim rasga o próprio Código de Obras e Posturas.

PRAÇA DO FERREIRA - JARDIM SETE DE SETEMBRO

A Praça do Ferreira era antigamente o "Beco do cotovelo" cortando o campo em diagonal. O resto era uma grande área de areia de tabuleiro com alguns cajueiros, rodeado de pequenas casas, destacando-se apenas os sobrados do comendador Machado e do Pacheco. Nascido em 1801, chega em 1825 a Fortaleza como caixeiro de Manoel Caetano de Gouveia, o boticário Antônio Rodrigues Ferreira, que fundou uma botica que era onde fica o Duda's Burger.

Em 1842 foi eleito presidente da Câmara Municipal e como tal aumentou as ruas de Fortaleza dando-lhes um traçado antes defeituoso.

Acabou com o "beco do cotovelo" criando a praça que no início foi chamada de Feira Nova e hoje tem o seu nome. Ele morreu em 1859, sendo sepultado no Cemitério de São Casimiro, onde hoje é a estação central da RFFSA, sendo seus restos trasladados em 1880 para o Cemitério de São João Batista. Em 1871 a praça passou a denominar-se Praça do Ferreira.

Em 1902 houve a primeira urbanização da praça, com a construção de um jardim cercado de colunas entremeadas de grades de ferro ocupando pequeno espaço em frente ao hoje Cine São Luiz. É deste jardim que trazemos a foto mais antiga, vendo-se, ao fundo, de costas, o Café Elegante, que ficava de frente para o cruzamento da Rua Pedro Borges com Rua Floriano Peixoto.

O jardim inaugurou-se no dia 7 de setembro de 1902 e passou a denominar-se "Jardim 7 de Setembro". Era realmente um belo jardim, como pode ser visto na foto.

A Segunda foto é da praça de terrível mau-gosto implantada em 1967 pelo então prefeito José Walter Cavalcante, cheia de blocos de concreto que servia de trincheiras no caso de uma revolta.

A terceira foto é mais atual e felizmente a administração de Juraci Magalhães em 1991 demoliu o "monstrengo" e construiu a atual praça.

Saiba mais: No passado, foi cercada por mongubeiras que serviam para amarrar animais que traziam do Interior as mercadorias para abastecer o comércio local. Vendia-se de tudo nas calçadas: frutas, camarão seco, pente fino, calças de mescla, espelhinhos, toalhas de rosto, retoques de algodão, e nylon, pó de arroz e revistas velhas. Deste núcleo central, o arquiteto Adolfo Hebster constituiu a malha urbana da cidade.

Hoje, a Praça do Ferreira ainda funciona como centro de encontros, passeios e comércio. Camelôs com seus CDs e DVDs, vendedores com carrinhos de lanche, amadores, músicos e artistas são alguns dos personagens que cruzam o espaço atemporal da praça. Também há aqueles que preferem sentar, conversar ou tirar uma soneca nos intervalos do trabalho, sentados nos bancos da praça sob a sombra das árvores e o som do barulho do centro da cidade.

O lugar sofreu uma série de reformas ao longo do tempo. Dentre elas, em 1932, o coreto foi substituído pela Coluna da Hora, com seu relógio que servia de orientação para toda a cidade. Sua inauguração foi no início de 1934, sendo demolido em 1969. Porém, em 1991, foi inaugurada a versão moderna da Coluna da Hora com a última reforma da praça.


Sobre Antônio Ferreira Rodrigues: O Boticário Ferreira, nasceu em Niterói em 1801 e por volta de 1925 conhece a Manoel Caetano de Gouveia, Cônsul de Portugal, o qual o trouxe para o Ceará, como seu caixeiro. Com 21 anos de idade e com adiantada prática de Farmacologia, obtida na sua terra natal e suas receitas salvaram a mulher de seu protetor, que o ajudou a obter da Junta Médica de Pernambuco licença para montar uma botica e se estabelecer. Em pouco tempo, o boticário Ferreira tornou-se popular pela sua caridade e sociabilidade. Em 1927 casou-se mas nunca teve filhos. Envolveu-se na política e viu-se continuamente eleito para a Câmara Municipal. Dedicou-se inteiramente a política de Fortaleza, durante os 18 anos que foi vereador e procedeu ao levantamento da planta urbana da cidade de Fortaleza. Construiu algumas praças, alargou ou ratificou o alinhamento de outras, deu grande impulso a Santa Casa de Misericórdia e realizou tantas obras de importância para a cidade que é considerado o seu primeiro urbanista. Demoliu o Beco do Cotovelo construindo ali a grande praça que levaria o seu nome. Morreu em 1859, aos 60 anos.


Crédito: Fortaleza de Ontem e de Hoje, Arrudeia Ceará

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