Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Remodelagem da Praça do Ferreira na década de 30
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sábado, 9 de dezembro de 2017

Remodelagem da Praça do Ferreira na década de 30


A praça antes da remodelagem. Foto de 1929.
A praça antes da remodelagem. Déc. XX - Nirez
"Esse serviço que a prefeitura executa na Praça do Ferreira, ao que parece não terá mais fim. Está prejudicando a deus e o mundo. A população que é obrigada a transitar pela nossa principal artéria, não obstante todas as precauções devem ficar com os pulmões avariados, tal a nuvem de pó que se espalha pelos quadrantes da velha praça. E o comércio? Esse, tem tido grandes prejuízos que poderão ser atestados por qualquer comerciante ali localizado. Um caminhão que se movimenta incessantemente, em todas as direções, carregado de areias para as obras de calçamento, o menor dano que ocasiona é empoeirar os tecidos das lojas de modas que se encontram nas imediações do interminável serviço. [...] Lembre-se o Prefeito que é o comércio quem lhe mantêm as extravagâncias, inclusive as que transformam a Praça do Ferreira em detestável logradouro." 
(A Rua, 10/10/1933 p 01).

Praça do Ferreira década de XX. Nirez
O projeto de remodelar a Praça do Ferreira como lócus do centro comercial, foi alvo de críticas de setores da imprensa. Esta matéria é lapidar no que se refere à importância que exercia o comércio e a Praça do Ferreira, na capital cearense. E o jornal tinha razão quando dizia que era o comércio que bancava essas obras, ou, nas palavras do periódico, essas extravagâncias. Tal projeto de urbanização do governo municipal atendia, primordialmente, aos interesses dos setores capitalistas ligados ao comércio e à indústria da construção civil.

A praça no início da década de 30 antes da remodelagem.
A Praça do Ferreira, como representava o centro comercial da cidade, era também o local onde a picareta mais pulsava, ao ponto de alguns jornalistas ironizarem que, o que ocorria naquele logradouro era um terremoto. Porém, além do caráter comercial já explanado, a Praça do Ferreira também exercia fascínio por ser o símbolo da modernidade de Fortaleza na época, pois lá se encontravam os equipamentos de lazer e cultura, frequentados, majoritariamente, pelo público mais abastado.

A praça ainda com o coreto, antes da reforma. Anos 30
"Centro comercial, por excelência, no quadro daquela urbs está localizado o movimento chic de armarinho, miudezas, assim como se acha instalado os cinemas elegantes, os cafés e as confeitarias de primeira ordem desta capital. Todos são contribuintes do Estado e Município. Todos concorrem para o progresso material do Ceará. Deviam, por isso mesmo, merecer dos poderes públicos, um pouco mais de consideração, um pouco mais de respeito. Infelizmente nossos homens públicos, com raríssima exceção, cuidam que o dever do povo é pagar tributo e acatar sem turgir nem mugir as ordens emanadas do alto. É o que acontece, presentemente, entre nós. Além da poeira produzida pelo trabalho da trituração do cimento, em pleno dia, a prefeitura manda fazer a varrição daquele trecho em plena as 3 horas da tarde.[...] Em fortaleza, o Chefe da Edilidade sente um prazer satânico em cobrir de poeira os transeuntes e proprietários da Praça do Ferreira! Ô terra pra ter sorte!" 
(A Rua, 19/10/1933 p 01).

Foto de 1930
As críticas em relação à praça, no sentido de ela estar sendo, constantemente, coberta de poeira, de reformas intermináveis, da “picareta” da prefeitura não parar de funcionar naquele local, só confirma a nossa hipótese do escopo da urbanização da prefeitura. Os cafés, armarinhos, padarias, teatros e cinemas de primeira ordem, eram espaços de grupos privilegiados. A urbanização nesses locais não poderia parar, por isso que o centro e, especialmente a Praça do Ferreira, vivia coberta de Poeira. Porém, era um tipo “diferente de poeira” dos areais e subúrbios, ocasionados pelo excesso de reformas e não pela negligência total e abandono das áreas mais pobres.
Outro aspecto importante da modernização de Fortaleza foi o referente à iluminação pública. Segundo Nogueira, 1980, a iluminação de fortaleza teve três fases: 1) a era do azeite de peixe; 2) a era do gás carbônico; e 3) a era da eletricidade com fios. O período analisado em nossa pesquisa marca a transição da era do gás carbônico para a da eletricidade com fios. Como observamos, existia um projeto do governo de modernizar a capital, e nada mais simbólico do que a “iluminação”, que está associado ao ideário de progresso desde os tempos do iluminismo, em contraste com a escuridão, figurativa de atraso e “trevas”. No entanto, a iluminação segue na esteira da modernização das ruas e praças, ou seja, é desigual, contemplando apenas uma parte dos logradouros. As ruas mais afastadas do centro, num adágio da época, deveriam fazer “contrato com a lua”.

A praça depois de remodelada - Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934
A praça em 1934.
A iluminação a gás ficava a cargo da empresa britânica, Ceará Gás Company, que exercia essa atividade desde 1866, clareando algumas ruas da cidade, dando à época uma sensação que a cidade estava caminhando rumo ao progresso, por se distanciar da escuridão. Porém, em 1934, se inicia um conflito entre a companhia e a prefeitura municipal.

"Entendeu a prefeitura de fazer um contrato provisório para a iluminação da cidade e publicou edital exigindo o sistema exclusivo a eletricidade, o que importava em excluir a companhia que já vinha executando o serviço a gás carbônico, o que era uma injustiça. Não obstante, ou por isso mesmo, a concorrência não teve êxito. Apareceu a estranha proposta do Sr. Strainer, que se oferecia apenas para instalar os focos provisórios, indo a prefeitura buscar a energia elétrica onde pudesse obter, o que não foi aceito de acordo com o parecer dos técnicos."
(CORREIO DO CEARÁ, 10/12/1934 p. 01).

Linda em 1935.
A Interventoria e a prefeitura acabaram rescindindo o contrato com a empresa inglesa, alegando que os prazos de contratos eram excessivos e os serviços onerosos. O ministro das relações exteriores, J.C. de Macêdo Soares, tentou intervir para revogação do contrato, mas não obteve êxito. Já era a segunda vez que o governo municipal estabelecia uma relação litigiosa com empresas estrangeiras, especificamente, inglesas, demonstrando uma tendência política diferente dos anos anteriores. Após o Golpe de 1930, as empresas estrangeiras foram tratadas com menos regalias pelo governo municipal, recebendo aval da Interventoria e do Presidente da República. A resposta do Interventor Federal, Cel. Moreira Lima, ao ministro das relações exteriores, é bastante elucidativa deste novo cenário político.

Praça do Ferreira em 1934. Vemos ao lado
do Majestic, o cine Polytheama.
Arquivo Nirez
"Sinto obrigado a declarar a v. excia. Que a não ser ordem formal Sr. Presidente da República, de minha parte nenhuma possibilidade reconsiderar ato de recisão meu antecessor contrato Ceará Gás Company visto haver ele consultado interesses da administração e população desta capital.[...] Referido contrato, pelas sua clausulas e prazo excessivo, oneroso e prejudicial, é um desses encargos do passado que urgia fazer desaparecer, de qualquer forma, sob pena do governo revolucionário revelar-se solidário com todas as imoralidades administrativas que arrastaram o país a revolução de 1930." 
(Correio do Ceará, 27/11/1934 p. 08).

A praça era frequentada majoritariamente por um público mais abastado. Foto de 1936.
Jornal O Combate de 26 de Fev de 1935.
O Interventor ainda menciona no mesmo telegrama que num prazo máximo de 20 dias, instalaria a iluminação elétrica, que, segundo este, o serviço já estava bem encaminhado, faltando apenas comprar uma parte restante do material. Mas o que ficou evidente no telegrama do Interventor é que existia uma nova forma de lidar com os contratos das empresas estrangeiras. Não podemos inferir se tratava de um projeto nacionalista, apesar de alguns elementos sinalizarem para isso, mas, com certeza, se referia a uma centralização política bem maior do que na primeira república, sendo os contratos, e em especial os de monopólios, reavaliados.
Todavia, “a Companhia do gás fez ponto aos 25 de outubro de 1935, encerrando-se assim, a era do gás carbônico, que durou 68 anos, 1 mês e 8 dias”.(NOGUEIRA, 1980 p. 31). Iniciou-se, ainda em 1934, a iluminação elétrica em algumas ruas, começando pela colocação de algumas lâmpadas na Praça do Ferreira. Mas determinados locais como o Alagadiço e a Praia de Iracema, que na época do gás não tinham iluminação, continuaram sem ter com a implantação dos fios elétricos, corroborando o caráter excludente e desigual da urbanização de Fortaleza.


Jornal A Razão - 02 Jun 1936
"Fato que está provocando grande número de reclamações e queixas da população vêm a ser falta de iluminação elétrica em certos trechos da cidade onde não havia iluminação a gás, e por isso não terão luz elétrica. Temos um exemplo nos dois primeiros quarteirões da Avenida Imperador, lado norte. Pelo que sabemos a rede nova de luz elétrica não será estendida naquele trecho. O interesse da população requer uma solução para o fato em apreço, e também para a escuridão das ruas, que se acham nas trevas, quase por toda cidade." 
(Correio do Ceará, 29/12/1934 p 09).

Neste sentido, a população pobre, que morava em bairros afastados do centro, nos subúrbios e favelas da capital, continuou sem “luz”, tendo que restabelecer o seu “contrato com a lua”. Na medida em que a urbanização da cidade, com a predominância do tempo do relógio, materializado na construção da Coluna da Hora, reformas do perímetro central, incluindo ruas, praças e demais logradouros comercias, substituição da luz a gás pela a elétrica, todo esse conjunto de características que metamorfosearam a cidade “antiga” em “moderna”, só foram sentidos e usufruídos por uma pequena parte da população. Porém, as normas e a doutrinação, a implantação de novos costumes e valores, foram universalizadas através do imperativo das leis e o autoritarismo do governo, ao mesmo tempo em que, os equipamentos modernos, saneamento básico e energia elétrica, não passaram de utopias para a maioria da população, “Utopia no sentido grego da palavra, ou seja, lugar nenhum ”.


Em suma, os aspectos simbólicos, culturais, econômicos e políticos, constituíram um mosaico complexo, permeando a realidade urbana de Fortaleza, só podendo ser apreendido como unidade de uma totalidade maior que envolve um projeto coeso dos governos (municipal, estadual e federal), na produção espacial de uma cidade capitalista em desenvolvimento. Portanto, a heterogeneidade da construção socioespacial é tão diversa, que não apenas a instalação de um relógio, mas, principalmente, a extensão das “melhorias urbanas” para o restante da população, tornou-se uma odisseia ainda maior.

Leia também:
Coluna da Hora - A polêmica em torno da construção do monumento

As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.

Fonte: http://memoria.bn.br/


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