Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Bonde Praia de Iracema
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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sexta-feira, 18 de março de 2016

Rua José Avelino - O bonde e a feira-livre


A estreita rua José Avelino, ainda possui o mesmo calçamento de pedras toscas, que guarda memórias da Fortaleza de outrora.

No início do século XX a rua virou palco de conflitos entre duas empresas, a Ligth e a Pedreira. Uma queria instalar os bondes e a outra, por fornecer as pedras toscas do calçamento, temia por sua destruição pelos trilhos do bonde.  




No dia 31 de dezembro de 1926, a antiga Rua do Chafariz, recebe o nome de Rua José Avelino (trecho compreendido entre os armazéns da praia (Travessa Icó) e o término da linha de bondes da Praia de Iracema).

A rua presta homenagem a José Avelino Gurgel do Amaral (1843-1901), aracatiense, bacharel e doutor em direito, jornalista e deputado.



Segundo estudos do arquiteto Liberal de Castro para abertura do processo de tombamento do calçamento da antiga rua do Chafariz, a cidade de Fortaleza, foi construída sobre imenso areal cercando pântanos, sempre apresentou muitas dificuldades à mobilidade urbana, seja de pessoas, animais e/ou veículos. 
A pavimentação reivindicada desde o século XVIII, só foi atendida na segunda metade do XIX, e num momento de crise, quando se precisou realizar obras públicas para aproveitar a mão de obra de sertanejos que migraram para a cidade por ocasião da seca de 1877. As pedras da pavimentação, nesse período, vinham da pedreira do Mucuripe




Limpeza das ruas


No começo do século XX, a pavimentação da rua precisou ser ampliada e adaptada para receber os trilhos dos bondes da Ligth. A criação dessa linha de “auto-bonde” gerou muitos desentendimentos entre a Ligth e a Pedreira (empresa responsável pelo fornecimento das pedras toscas), levando inclusive a acontecer conflitos de rua. 

Se a pavimentação das ruas foi uma exigência do passado, a instalação dos bondes foi um marco na modernização da cidade. As pedras toscas da Rua José Avelino, são vestígios materiais e signo dos movimentos das pessoas que fizeram e fazem a cidade de Fortaleza. 



O tombamento da rua é justificado por se trata de um dos poucos trechos da zona antiga de Fortaleza que ainda mantém pavimentação original em pedra tosca. Diante do que foi exposto compreende-se a importância dada a essa rua pela representação que ela possui na memória e na história de Fortaleza, em particular na história dos transportes coletivos. A intervenção que vem sofrendo a rua, com a presença do comércio (feira livre), proporciona grande preocupação do poder público municipal, pois a ocupação desenfreada do logradouro, pode trazer prejuízos materiais ao patrimônio público.



Fatos Históricos da rua


08 de setembro de 1813 - Inaugurado com grande festa, o primeiro chafariz de Fortaleza, dando nome a rua em que foi instalado (Rua do Chafariz), na gestão de Manuel Inácio Sampaio (Governador Sampaio). A título de curiosidade, o local do antigo chafariz, hoje é o nº 8 da Rua José Avelino.



Iluminação Pública


31 de dezembro de 1926 - A rua do Chafariz é denominada Rua José Avelino.

29 de março de 1930 - Um incêndio destrói o Café e Mercearia Maranguape, de propriedade de José de Lima Castro, na Rua José Avelino.

Maio de 1949 - J. A. Siqueira, de José Alcy Siqueira, muda-se de prédio alugado na Rua José Avelino nº 283, para prédio próprio na Rua Dragão do Mar nºs 35/49.

02 de dezembro de 1949 - Instala-se a primeira empresa de recauchutagem e regeneração de pneus de Fortaleza, a Tyresoles do Ceará Ltda., na Rua José Avelino 226, de J. Gentil Barbosa & Companhia.

14 de fevereiro de 1962 - Irrompe um incêndio no depósito da Sociedade Comercial Ltda - Socil, na Rua José Avelino nº 210, destruindo mais de 20 mil quilos de algodão.

17 de fevereiro de 1968 - O Centro dos Exportadores inaugura sua sede própria, na esquina da Avenida Alberto Nepomuceno com a Rua José Avelino. Seu primeiro presidente foi Alfredo Salgado.




O calçamento em pedra tosca da rua José Avelino, foi tombado em dezembro de 2012 (Decreto 13.035/2012 DOM, n º 14.942 de 21/12/2012) pela Prefeitura Municipal de Fortaleza e hoje é patrimônio cultural material da cidade. O ato confere à via proteção e conservação.


O documento estabelecendo o tombamento definitivo, foi assinado em 2012 pela então prefeita Luizianne Lins. As orientações, previstas nos documentos, incluem restauração de todo o calçamento da rua, devolvendo a pavimentação original, padronização das calçadas e demarcação de onde estavam instalados os trilhos dos antigos bondes.





Apesar de limitada por horários e dias determinados pelo Poder Público, o comércio continua ocupando, de maneira ilegal, uma via pública, agora tombada.
O Ministério Público já solicitou a retirada dos feirantes do local, pois o 
calçamento original está sofrendo com toda essa ocupação desenfreada. Muitas das pedras estão soltas ou foram levadas, deixando buracos que dificultam a mobilidade, além de acumular lixo.



Por meio de nota, a assessoria de comunicação da Secretaria Regional do Centro (Sercefor) informou que só poderá realizar uma ação mais efetiva de preservação e manutenção do logradouro quando a feira, de fato, for deslocada para outro endereço.





A atividade comercial atacadista de moda em torno da José Avelino abastece cidades do interior do Ceará, cidades do Piauí, Maranhão, Pará, Rondônia, Rio Grande do Norte e Paraíba, dentre outros. E emprega entre 10 a 12 mil feirantes (mais os indiretos) que atendem a uma média de 100 ônibus por feira, com duas feiras por semana. Cada ônibus traz, em média, 50 compradores (sacoleiras) que compram R$ 5.000,00 por feira. 





Fazendo as contas: a grosso modo, são mais de R$ 2,4 bilhões de vendas por ano! 
Mais de 480 mil visitantes por ano!
Porém, o que falta, portanto, é um espaço e local adequado!
Os carros ficam estacionados irregularmente dos dois lados ou em fila dupla. A grande quantidade de lixo no meio do movimento frenético de vendedores e mercadorias incomoda.







No caso do tombamento da Pavimentação da Rua José Avelino, a arquiteta da 
Coordenação de Patrimônio Histórico-Cultural - CPHC esclarece que trata-se de um raro exemplar em Fortaleza de um transporte que foi usado em alguns lugares no Brasil, que é o bonde de burro – um grande bonde que usava pneus e era puxado por burros. “O bonde passava na José Avelino. É uma pedra tosca retirada da pedreira do Mucuripe. Se visualizarmos nos momentos em que a José Avelino está tranquila perceberemos os dois trilhos de pedras formando o trilho por onde esse bonde percorria. Por isso foi tombada”, explica. 






Fontes: http://mapa.cultura.ce.gov.br/ Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo/ Portal do Ceará de Gildásio Sá/ Diário do Nordeste/ O Povo e http://defender.org.br/

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A origem da Praia de Iracema - De 1920 até os dias atuais


Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

O surgimento do bairro Praia de Iracema, antes denominado Porto das Jangadas, Praia do Peixe ou Grauçá, está associado à “descoberta” do banho de mar como medida terapêutica e também como contemplação e lazer por parte da elite econômica da cidade nos anos de 1920. Esta elite intensificou a sua inserção na praia, com a construção de casas alpendradas ou do tipo bangalôs, de frente para o mar, fenômeno que “obrigou” os pescadores (casinha de pescador ao lado) a mudarem-se para outras praias.

Fortaleza vista do antigo porto na Praia do Peixe.
 Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

Devido as novas formas de apropriação desse espaço da cidade surgiu a necessidade de se forjar uma nova imagem para aquele lugar, que expressasse os novos hábitos e valores, inclusive no que se refere à sua denominação. 

A primeira manifestação pública que permite antever o futuro nome do bairro ocorre em 1924, quando a cronista social Adília de Albuquerque Morais lançou a ideia de que se construísse um monumento à heroína do romancista José de Alencar, a ser erigido na orla marítima.

Em 1925, tem início uma campanha, apoiada pela imprensa local, para a oficialização da denominação Praia de Iracema

“Um abaixo assinado é encaminhado, pelos novos moradores do bairro, ao então prefeito Godofredo Maciel, solicitando ‘que mude a denominação imprópria e vulgar por que é conhecido aquelle encantador trecho de Fortaleza para a de Praia de Iracema"

A Praia do Peixe - Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

As ruas do bairro ganharam nomes de tribos indígenas cearenses: "Tabajaras, Potiguaras, Guanacés, Groaíras, Tremembés, entre outras” (Schramm,2001:37). 

Desta forma, elaborava-se uma imagem do bairro associada ao bucólico e aprazível, inclusive por meio do epíteto Praia dos Amores.
Como foi descrito por Schramm (2001), neste período, foram inaugurados na Praia de Iracema os “balneários”, pequenas instalações comerciais, onde a um bar se agregava um local para troca de roupa, aluguel de calções de banho e guarda de pertences dos banhistas. 

A Praia do Peixe - Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

Houve também a instalação de clubes, como o Praia Clube e o América. Na época, ganharam fama o Jangada Clube, frequentado pela boêmia de classe média e alta da cidade, e o Hotel Pacajus, o primeiro à beira-mar.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a mansão Vila Morena, residência da família Porto, construída em 1925, foi arrendada às tropas americanas e transformada em um cassino pelos oficiais. Denominado U.S.O. (United States Organization), o lugar era quase exclusivo aos estrangeiros, e ficou conhecido por suas noites com danças, jogos e shows, tornando-se atrativo para as moças da cidade, que se dirigiam ao local para namorar os oficiais americanos e beber o refrigerante Coca-cola, que ainda não era consumido na cidade. Essa prática foi responsável por gerar uma disputa simbólica entre os moradores da cidade e os visitantes. Os rapazes da terra, enciumados, passaram a chamar por Coca-colas as frequentadoras do cassino dos americanos.


A partir de meados da década de 1940, a Praia de Iracema começou a apresentar um novo cenário em virtude do avanço do mar, decorrente da construção de um novo porto da cidade, o Porto do Mucuripe. Parte do casario foi destruído em decorrência da alteração no movimento das correntes marítimas, o que acarretou também significativa diminuição da faixa de praia. 
A transformação da paisagem obrigou a saída de antigos moradores e frequentadores dando início a um discurso melancólico sobre a praia que o mar carregou.

Nesse período, a imprensa local começava a falar em decadência da Praia de Iracema, associando o encanto do bairro à sua apropriação pela elite. Matérias do jornal O Povo lamentavam a sua destruição, como pode ser lido nos trechos abaixo:

"Nestes próximos dias, a maré investirá com grande violência, vindo a atingir, talvez, os ricos ‘bungalows’ da nossa aristocrática praia. Destacam-se entre os prédios mais visados pela fúria do mar os de propriedade da família João Gentil, do sr. José Porto, a antiga sede da United States Organization (U.S.O) e o do antigo ‘Ideal Clube(...) O fato é que estamos mais uma vez diante de uma situação difícil, pois se a maré próxima for impetuosa assistiremos à eliminação dos ‘bungalows’, com prejuízos para a própria estética da cidade" (O Povo, 27 de abril de 1946 apud Schramm, 2001, grifos meus).


A Praia do Peixe - Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

O interior do bairro, especialmente a área conhecida desde o início do séc. XVIII por Prainha, também viveu transformações, principalmente no tocante às sociabilidades.
O compositor Luís Assunção contribui para a elaboração da imagem de afetividade da Praia de Iracema na cidade de Fortaleza, através da seguinte canção: 

«Adeus, adeus/Só o nome ficou/Adeus, Praia de Iracema/Praia dos Amores que o mar carregou/Quando a lua te procura/Também sente saudades/Do tempo que passou/De um casal apaixonado/Entre beijos e abraços/Que tanta coisa jurou/Mas a causa do fracasso/Foi o mar enciumado/Que da praia se vingou»

Com a transferência do porto da Praia de Iracema para o Mucuripe, os armazéns e casas comerciais ligadas aos negócios de exportação foram fechados, transformando-se em prostíbulos.
Nos anos 1950, contudo, a parte costeira do bairro ainda figurava como um lugar da elite econômica e intelectual. Como nos mostra Schramm:

“Na década de 1950, foi inaugurado, defronte ao hotel, o Restaurante Lido, que figurou, até os anos 70, como casa de pasto que reunia a elite fortalezense, ficando, também, afamado o local de vida boêmia. Alguns bares surgiram nas ruas de toponímia indígena, em meio às residências da população de classe média e classe média baixa do bairro: Tonny’s Bar, El Dourado, Nick Bar, Jangadeiro” (2001:47).

Dia de exibição de aviões supersônicos na praia de Iracema - Arquivo Nirez

Nesse período, o Restaurante Estoril, que funcionava desde 1948, na antiga residência da família Porto, onde existia o cassino dos americanos, era frequentado por boêmios seresteiros. Iracema era apropriada por: jornalistas, intelectuais, profissionais liberais e músicos, que se dirigiam ao lugar para cantar e namorar. Eles compartilhavam o mesmo sentimento de pertença ou entendimento sobre o lugar e sobre os seus códigos culturais (Leite, 2001). A partir desta década, se consolida a imagem da Praia de Iracema como um bairro boêmio.

Avião da Latecoere pousa na Praia de Iracema em 1927 - Arquivo Nirez

Nos tempos do regime militar entre 1964-1985, o bairro foi “descoberto” por novos frequentadores e se tornou um ponto de encontro de militantes de esquerda. Estes se reuniam no Restaurante Estoril, que havia sido arrendado a comerciantes portugueses. A Praia de Iracema tornou-se reduto de artistas, militantes políticos e intelectuais. Era palco de encontros culturais, políticos e amorosos, como pode ser visto nesse trecho de uma matéria publicada no jornal Tribuna do Ceará: “mesmo com as torturas rolando pelo país, a vida [no bairro] era uma festa” (15 de janeiro de 1996 apud SCHRAMM, 2001).

A sede da U.S.O em Fortaleza, o conhecido Estoril da Praia de Iracema

Antigo Porto de Jangadas na praia de Iracema, Foto da década de 30

Iracema era apropriada por utilizadores “marginais” em relação aos valores sociais vigentes. Os donos do espaço, ocupantes do Estoril, que se encontrava em mau estado de conservação, se apropriaram também da Ponte dos Ingleses, para “ver e ‘fumar’ o pôr-do-sol”, como afirma um ex-frequentador (O Povo, 09 de dezembro de 2004). Praticavam, assim, uma inversão dos valores e normas de disciplina da cidade. Os seus comportamentos, porém, eram legitimados e compartilhados entre os usuários da Praia de Iracema.

Foto de 1931

Durante a década de 1980, alguns bares temáticos, como o La Trattoria, o Cais Bar e o Pirata Bar, inaugurados em 1981, 1985 e 1986, respectivamente, atraíram diversos frequentadores para o bairro, mas, os usos na Praia de Iracema, ainda se restringiam aos intelectuais, políticos, profissionais liberais, artistas e universitários. É importante ressaltar que Iracema vivenciou, entre meados dos anos 1960 e 1980, uma imagem de bairro decadente. O bairro era habitado por famílias de classe média e baixa, e havia uma ocupação irregular na margem da praia, por meio da construção de casas de madeira ou papelão. 
O banho de mar perdera sua atração, pois a pequena faixa de areia que restara recebia somente alguns poucos frequentadores. O público que se dirigia ao Bar e Restaurante Estoril e Ponte dos Ingleses, mesmo fazendo parte de uma elite da cidade, era marginalizado por questões ideológicas.


Nesse período, diante das possibilidades de mudanças na lei de uso e ocupação do solo no bairro, houve uma mobilização dos moradores e frequentadores no sentido de sustar aquele processo e solicitar, além de algumas melhorias, que a Praia de Iracema fosse reconhecida como Patrimônio Histórico e Cultural da cidade. Em 1984, foi fundada a Associação de Moradores da Praia de Iracema/AMPI e houve grande movimento pela sua preservação, com adesão de artistas e intelectuais.

Contudo, as tentativas de barrar as construções de edifícios verticais no bairro, não tiveram êxito. Nesse período iniciava-se a edificação de prédios com mais de dez pavimentos, assim como a instalação de uma diversidade de bares e restaurantes em imóveis supervalorizados. Sob protestos, antigos moradores mudaram-se do bairro. Entendendo como uma “destradicionalização” daquele espaço da cidade, moradores e frequentadores não aceitaram as transformações da sua arquitetura. Assim é que, a década de 1980, terminou com os moradores chamando atenção do poder público, por meio dos jornais, para os problemas causados pela especulação imobiliária.


As transformações vivenciadas ali durante a década de 1980, deram inicio a uma “requalificação espontânea”, da Praia de Iracema; ou seja, uma mudança nas formas de uso e apropriação do espaço, sem um devido planejamento do poder público. Esse fenômeno que chamo de “espontâneo” foi incentivado pela tradição boêmia do bairro e pela movimentação dos diversos frequentadores que se dirigiam para alguns bares, restaurantes e para assistir ao pôr-do-sol na Ponte dos Ingleses.

Impulsionados pela freqüência desses estabelecimentos e vislumbrando a Praia de Iracema como um novo mercado, empresários da noite se inseriram no bairro com uma grande oferta de bares e restaurantes. Assim, a paisagem transformou-se rapidamente, com a presença de grande diversidade de estabelecimentos comerciais.

Foto da década de 50

Devido as novas formas de ocupação desse espaço e suas novas representações, os moradores intensificaram suas lutas na defesa do bairro, mas, já não era prioridade a transformação do bairro em Patrimônio Histórico e Cultural. Nesse novo momento estavam na pauta das reivindicações dos moradores: o combate à poluição sonora, ao desordenamento do trânsito, à abertura irregular de estabelecimentos comerciais e à especulação imobiliária.
Outro problema que emergiu com as transformações na apropriação do espaço na Praia de Iracema foi a presença de pessoas que não tinham uma tradição boêmia. Em meio à disputa pelo espaço de Iracema, criou-se um clima de rivalidade entre os empresários estabelecidos e os recém-chegados. No cerne da polêmica, estava a questão de quem tinha direito ao bairro.
Como conseqüência dessa “requalificação espontânea” que estava transformando a paisagem do bairro desde meados dos anos 1980; em junho de 1991, o então prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães, juntamente com o arquiteto Paulo Simões, apresentaram para os moradores e comerciantes da Praia de Iracema um projeto de urbanização da sua parte costeira. A partir de então, alguns gestores da cidade passaram a defender a tese de que a Praia de Iracema possuía uma “vocação natural para o lazer”, graças ao seu passado boêmio.

Fotos da mesma perspectiva. Antiga: Nirez/Atual: Daniel Costa 

A Praia de Iracema “requalificada”

Em 1994, um calçadão a beira mar já fazia parte do novo cenário de Iracema. Em meados dos anos 1990, o bairro já apresentava diversos sinais da “requalificação” urbana, por meio de obras da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado, como a construção do Largo Luiz Assunção, o calçadão, a reforma da Ponte dos Ingleses e a reconstrução do Restaurante Estoril, que em abril de 1994, havia desmoronado.

As intervenções urbanísticas na Praia de Iracema podem ser associadas a uma disputa administrativa, entre os governos estadual e municipal. Havia um interesse político em estabelecer a cidade de Fortaleza como um pólo turístico. Por meio de uma política de atração de investimentos, mediante incentivos fiscais e da estratégia de Place Marketing (Gondim, 2001).

Foto da década de 60

Paralelamente as intervenções nos espaços públicos do bairro, apareceram investimentos da iniciativa privada em bares, restaurantes, hotéis, flats e pousadas. Transformando a arquitetura vernacular em paisagem, essa política de reforma urbana na Praia de Iracema acarretou uma mudança nas práticas sociais e consequentemente foi proposta uma imagem do bairro. Falava-se em “Miamização de Iracema(*)”. Nesse novo contexto, esse espaço da cidade de Fortaleza passou a ser consumido por moradores de classe média e alta da cidade e também por turistas, nacionais e internacionais. Consolidou-se a imagem do marketing turístico na Praia de Iracema.
Como a “requalificação” conduz ao “consumo do lugar” (Zukin,2000), o que foi presenciado na Praia de Iracema foi uma supervalorização dos “produtos vendidos”; ou seja, uma grande valorização dos imóveis e consequente aumento nos valores dos aluguéis e dos serviços e produtos ofertados. Esse processo desencadeou a monofuncionalidade com a predominância de bares e restaurantes no bairro. Na fala de um empresário, esse fenômeno contribuiu para o início da imagem da degradação da Praia de Iracema.

"O poder público chegou fez um calçadão superlegal, maravilhoso, eu só tenho a parabenizar, ótimo, aí dá aquele inchaço onde toda casa por menor que ela fosse era um bar. Então você tinha três milhões de bares, você nem andava pelo calçadão, em segundo lugar todo mundo vendia a mesma coisa que era uma cerveja com petisco, ou seja, não tinha proposta, não tinha proposta comercial dentro da Praia de Iracema (...) não deviam ter liberado tantos alvarás pra tanta gente devia ter escolhido o que fazer em cada lugar, não teve, foi assim ao leu e então como não tinha nenhuma proposta desinchou a Praia de Iracema deixou de ser moda o fortalezense enjoou" (Entrevista concedida em 27 de abril de 2005).

Outro fenômeno a ser ressaltado é que a “política de controle social”, típica dos processos de “requalificação”, não permitiu uma nítida visualização dos contra-usos, que dava os seus primeiros passos rumo ao dissídio na ocupação daquele espaço. Adentravam o bairro atores sociais que não comungavam com os códigos da disciplina dos espaços “requalificados” como os hippies. Nesse sentido, no final dos anos 1990, os protestos dos moradores ganharam novos temas, como a expulsão dos hippies.

Além dos hippies, os turistas internacionais e as “garotas de programa”, também passaram a incomodar alguns utilizadores do bairro, concorrendo para a construção da representação de bairro degradado e lugar de prostitutas e gringos. Leiamos a fala de um empresário da Praia de Iracema:


"Essa imagem [da degradação] se dá porque no início não teve uma boa divulgação do turismo [internacional] aqui do Estado, os poucos turistas [estrangeiros] que vieram pra cá foram vôos italianos e alemães e no início o voo dos italianos foi péssimo conseguiram acabar com esse voo tem pouco tempo atrás que era assim, 300 machos vindo, com cinco prostitutas voltando da Itália" (Entrevista concedida em 27 de abril de 2005).


Praia de Iracema  nos anos 70. Foto de Nelson Bezerra

Hoje muitos chamam o trecho da antiga Praia do Lido de "Praia dos Crush", mas antigamente, a chamavam de "Praia do Hawaii". Acervo Henrique Abreu

Como parte da dinâmica de ocupação dos espaços da cidade, os frequentadores da Praia de Iracema foram paulatinamente procurando outros lugares de lazer. E a Praia de Iracema “requalificada” começou a apresentar sérios problemas no tocante à ocupação do espaço e manutenção dos espaços reformados, dando maior visibilidade aos hippies, mendigos, meninos em situação de rua, vendedores ambulantes, turistas estrangeiros e prostitutas. Iniciavam-se também as denúncias de violência, como assalto aos frequentadores.
Em 1999, foi inaugurado o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, sob a forma de uma arquitetura eclética e pós-moderna. Este equipamento passou a oferecer teatro, museus, cinemas, auditório, livraria, um planetário, além de praças, café, loja de artesanato e bares. No seu entorno, onde havia antigos armazéns desativados, passaram a existir bares, boates e casas de shows.


Dragão do Mar em construção. Foto Gentil Barreira

O Dragão do Mar projetou uma intervenção no bairro que se refletiu por toda a Praia de Iracema. A sua implementação não considerou os “trajetos” (Magnani, 2000) de seus utilizadores(**). Este fato produziu um conflito na apropriação do espaço daquele bairro, pois grande parte do público frequentador da parte costeira da Praia de Iracema passou a ocupar esse novo espaço. Os novos frequentadores saíram em busca de novos lugares. Esse fenômeno redesenhou a Praia de Iracema a partir dos seus usos e contra-usos. Assim é que, a partir do inicio dos anos 2000, a Praia de Iracema passou a abrigar duas “manchas” (Magnani,2000) de lazer com sociabilidades e temporalidades distintas.

Trecho da praia de Iracema antes da colocação da estátua 
Iracema Guardiã de Zenon Barreto

No inicio dos anos 2000, os problemas referentes à ocupação do espaço na Praia de Iracema se agravaram. O calçadão apresentava muitos trechos com buracos e a grade de proteção quase toda quebrada, passando a ser ocupado predominantemente pelos hippies e meninos de rua. O Largo Luis Assunção deixou de ser ocupado por famílias nos finais de tarde. A Ponte dos Ingleses ficou sem iluminação, e teve seus pontos comerciais e observatório de golfinhos desativados. Os bares e restaurantes gradativamente foram sendo fechados, inclusive o tradicional restaurante La Trattoria e o Cais Bar. Em janeiro de 2003 a pizzaria Geppo’s fechou, deixando um terreno baldio no meio da rua dos Tabajaras, principal rua do bairro.



No ano de 2004, mais da metade dos novos estabelecimentos já haviam sido fechados, abrindo espaço para instalação de boates algumas com shows de stripper. Este fato contribuiu para enfatizar ainda mais a representação do bairro como lugar de prostitutas e gringos. Um empresário, instalado no bairro há quase vinte anos, afirma que a nova representação surgiu a partir da instalação de uma boate, conhecida na cidade de Fortaleza, como uma casa que favorecia a prostituição.


Não existiu um respeito às demandas dos moradores do bairro, por parte do Poder Municipal, ou seja, houve ingerência quanto à ocupação do espaço, poluição sonora e desordenamento do tráfego. Ocorreu uma intervenção no espaço urbano, sem um devido planejamento. Esse fenômeno contribuiu para a saída da maioria dos moradores, acarretando a monofuncionalidade do bairro. Como resultado desse processo, a própria dinâmica da cidade e do turismo nacional e internacional foi determinando as novas faces de Iracema.

"Precisamos resgatar uma relação sadia entre o mar, os bares e restaurantes, e os frequentadores’’, afirma Luizianne Lins, então prefeita de Fortaleza.



A Reforma:


Foto de Kiko Silva

A requalificação da Praia de Iracema, que teve início em fevereiro de 2008, foi orçada em aproximadamente R$44 milhões. O calçadão foi a obra de maior extensão do projeto. O trecho que vai da Avenida Rui Barbosa ao Largo do Mincharia ficou pronto dentro do esperado. A obra seguiu em direção à Ponte dos Ingleses em ritmo acelerado. Os arredores da estátua “Iracema Guardiã”, de Zenon Barreto, também recebeu os ajustes necessários. O local recebeu guarda-corpo, piso novo, rampas de acessibilidade e corrimãos. As outras 22 intervenções previstas foram aos poucos iniciadas, entre elas, a reforma do Pavilhão Atlântico, antigo Café, que ficou no extremo do calçadão (em frente ao local do futuro Parque da Liberdade).

(*)Denominação dada por ex-frequentadores e moradores do bairro. Alusão a Miami (EUA).

(**) Em entrevista com um dos arquitetos do projeto do Centro Dragão do Mar, Fausto Nilo, ele esclarece que o projeto original previa um “corredor” de ligação entre a parte costeira do bairro o Centro Dragão do Mar, contudo por falta de verbas a ligação não foi estabelecida. A deterioração começou por que? Porque em primeiro lugar deixaram construir o África’s [boate conhecida na cidade por shows de stripper] (...) a gente fez toda uma campanha pro África’s não vir, porque a gente pensava assim, no dia que o África’s vier, se vier um puteiro vem todos os puteiros da praia, e foi dito e feito. (...) Depois apareceu um português que era o maior trambiqueiro. Ele fazia o seguinte: montava um restaurante achava um investidor em Portugal e dizia olha eu tenho um restaurante maravilhoso pra você ele montava o restaurante pras pessoas ai o cara vinha de lá pra cá com o restaurante montado comprava o restaurante e achava que tinha um ponto super bem feito e vinha pra trabalhar quando chegava aqui ele tinha um puteiro, ou seja, o cara muitas vezes vinha com boa fé tinha muita gente que vinha com boa fé e ficavam com um puteiro nos braços (Entrevista concedida em 27 de abril de 2005).


Crédito: Roselane Gomes Bezerra, Inventario ambiental de Fortaleza


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