Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Batista da Light
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terça-feira, 22 de julho de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960 (Parte II)


Bonde em meados do século XX, elétrico, linha Outeiro.

Desafios da concorrência

Sobralense, o capitão Josias chegou à Light disposto a sanear as contas.
Sua primeira medida foi tomar conhecimento exato da situação financeira,
analisando o parecer dos doutores Pedro Avelar e Renato Freire, do Conselho Regional do Trabalho. Sua primeira impressão foi de que, “se a escrita da Light [estivesse] certa, o aumento [das tarifas seria] uma bomba atômica”. Como sempre, seria necessário majorar as tarifas ou conseguir empréstimo para pagar os trabalhadores e a adaptação das caldeiras da Usina de Força e Luz para a queima de óleo. Em todo o caso, o capitão Josias conseguiu recorrer da decisão da Justiça do Trabalho, retomando a sugestão que Mr. Brown elaborara no calor da crise. Para isso, usou o estratagema usual da companhia: não era contra o aumento de salários. Apenas solicitara ao Governo que lhe desse condições de cedê-lo... 

O aumento das tarifas veio em 5 de julho, autorizado pelo Governo Federal e somente deu para solver a folha de pagamento. Mas, de certa forma,ele trazia um recurso que permitiria a sobrevivência da Light até a substituição das
caldeiras, uma vez que vinculava o preço da energia elétrica à variação dos
preços da lenha. 

Foi uma importante conquista do capitão Josias, pois, desde a instalação da
Usina do Passeio Público, a geração de luz consumia mais e mais as florestas próximas da Capital. Em 1946, o preço da lenha estava muito alto e drenava recursos da companhia, deixando-a “acossada por dificuldades de toda a espécie:
falta de transporte, escassez de água do Pajeú, umedecimento das achas de
madeiras nos invernos (sic) rigorosos”
.

Ceará Tramway, Light and Power Co. - Ponto de partida dos bondes.

Assim, a solução do avanço tecnológico do óleo diesel se mostrava cada vez mais consensual para os fortalezenses. Ao comentar o fracasso financeiro
da Light, o presidente da Fênix Caixeiral lamentou, tempos depois
:

Tivessem sido instaladas as caldeiras de queimar óleo ao invés de lenha, bem assim tomadas outras providências [de ordem técnica] além de não ter sido destruída nossa floresta e provocado, consequentemente o aumento no preço da lenha...
Ou seja, a conta da Light parecia recair sobre os ombros da população,
tanto do ponto de vista do aumento de preços – protegido pelo monopólio – como da injeção e deslocamento de recursos públicos para a companhia. Mas a elevação de tarifas era providência incômoda ao governo, pois redundava em
grandes manifestações de descontentamento popular. À sociedade prenhe da
retomada das eleições, valia oferecer alguma compensação.
E, mais uma vez, choviam promessas de melhorias no transporte público. 

Década de 40 - Cepimar

Segundo o capitão Josias, em julho de 1946 a Light tinha 52 bondes, dos quais apenas 14 estavam em funcionamento. Com o dinheiro auferido na nova tarifa, a companhia poderia recuperar 13 deles até o fim do mês e consertar toda a frota até o fim do ano.

No começo de agosto já havia 25 bondes circulando e um certo boato de que viriam novos aumentos, elevando o preço do bonde em Cr$ 0,10. A história
mereceu comentários do seu Batista, que continuava no primeiro escalão da
companhia: 

E digo mais: a cobrança de passagens a Cr$ 0,40 não será suficiente mesmo para fazer face às despesas trazidas pela manutenção do serviço de bondes, que ocupa um verdadeiro exército de homens e desde há anos deixa largos prejuízos. Parece incrível? Se pudéssemos, por exemplo, manter as atividades livres dos ônibus, poderia ser que fizéssemos desaparecer o prejuízo. Mas não se verifica: enquanto o ônibus ou a caminhonete viaja apenas quando lotado, sem obedecer a horários, [com] o círculo de 6 às 20 horas, ou seja, nos momentos de grande movimento, os bondes são obrigados a entrar funcionamento pela madrugada e circular até meia noite, viajando, em largas horas, com 3 ou 4 passageiros. Não há compensação do serviço.

Além das dificuldades do pós-guerra, surgiam agora os ônibus como obstáculos para a Light. Para seu Batista, era necessário proteger a companhia inglesa da concorrência dos automotores. Era preciso, ao menos, “regularizar” os ônibus e obrigá-los a operar em condições de igualdade com os bondes.
Esquecia-se o ex-gerente de que a frouxidão do controle público sobre o tráfego de ônibus e caminhonetes era a outra face do contrato de privilégios do Governo com a Light. Era, assim, o reflexo do entendimento onde os ônibus eram alternativas suplementares da insuficiência do serviço de tramways.
Em 1946, seu Batista esquecia-se também da grande e cara estrutura que
a Light dispunha frente às domésticas empresas de ônibus que atuavam na
cidade. E esquecia-se, finalmente, do compromisso em enviar, a cada ano, um
grande valor de dividendos aos acionistas ingleses. Tanto que, quando o capitão Josias desmentiu o boato do novo aumento da tarifa, tratou de esclarecer que a ideia fora sugerida numa conversa informal com o interventor do Estado. Se a elevação acontecesse, seria para “ocorrer aos pagamentos dos dividendos das ações da empresa em Londres, o que [poderia ser] feito oportunamente, aos poucos, logo que a Light [entrasse] em melhor situação econômica”. 

Mesmo sem o aumento, as declarações repercutiram muito mal. Choveram
reclamações das classes produtivas sobre o pouco caso da companhia inglesa
com os sofridos passageiros de bondes. Mais ainda porque, no final de setembro de 1946, o capitão Josias articulava transmitir 51% das ações da Light ao governo brasileiro, mesmo depois de retumbantes indícios sobre a iminente falência da empresa. 

A Fênix Caixeiral e a Federação das Associações de Comércio e Indústrias
do Ceará
manifestaram-se contra a gestão do capitão Josias, publicando o mesmo rosário de críticas: não era admissível penalizar a população do Ceará para salvar uma empresa estrangeira que só fez distribuir seus lucros – fartos até a gestão de Mr. Scott – aos acionistas. A culpa da situação era a má gestão, que privilegiava a remessa de dinheiro ao exterior ao invés de colocar dinheiro na rede de carris e força. A Light não cumpria os acordos com o Governo, o que contribuía ainda mais com a obsolescência do maquinário:

Suas linhas jamais foram ampliadas; seus bondes jamais foram
melhorados nem aumentados em número de acordo com o crescimento
da população da cidade e seus trilhos, seus maniquinismos, as
instalações de sua usina, todo o seu antiquado material, enfim, nunca
deixou de ser isso o que acaba de ser dito, de público, pelo interventor.
Deficiente e imprestável

Continua...

Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960

sábado, 12 de julho de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960



"Em 1958, os ônibus de Fortaleza eram palcos de todo o inesperado que pode se criar quando muita gente diferente se junta num mesmo espaço a caminho de destinos mais ou menos próximos. Podiam até mesmo ser reflexos diminuídos da grande cidade que se formava, tamanhas suas contradições. Vistas das janelas dos ônibus, de alguma forma, as ruas deixavam de ser caminhos ordenados pelos construtores da cidade para se tornarem veredas imprevisíveis, incertas até mesmo da chegada. Nos ônibus, o acolhimento da racionalidade urbana cedia assento para a aventura das relações humanas em movimento. Para enfrentar os ônibus, o conselheiro Milton Dias sugeria certo alheamento do real, como uma cautela frente à impossibilidade de compreensão do cotidiano vivido.
Então eram eles, os ônibus, por suas incongruências, os lugares possíveis de se
conhecer a gente da cidade."

Patricia Menezes




O CASO DA LIGHT

Andar de ônibus é talvez a aventura capaz de traduzir com mais precisão a realidade da cidade em disputa, pouco se sabe das discussões que envolveram a formação do moderno sistema de transporte de passageiros de Fortaleza. Nos primeiros momentos, esse enfrentamento se deu entre os bondes elétricos da The Ceará Tramway Light and Power e as pequenas empresas de ônibus que se multiplicaram na cidade depois de 1926.



Para o seu João Batista de Paula, o “Batista da Light¹, os maiores problemas que surgiram foram a Guerra e os ônibus. Se, para os ônibus, o racionamento de gasolina durante a Segunda Guerra Mundial trouxera inevitáveis transtornos com o gasogênio – improviso mecânico que permitia o tráfego de automóveis através da combustão de carvão –, para a Light, responsável pela eletricidade e pelos bondes da cidade, as dificuldades se multiplicaram na razão do tamanho da companhia e do seu papel determinante do desenvolvimento urbano de Fortaleza no final dos anos 1940.
Funcionário de carreira, seu Batista foi o único nome cearense que esteve à frente da The Ceará Tramway Light and Power Limited em Fortaleza, – afora o interventor nomeado pelo Governo Federal do Presidente Dutra, já nos últimos meses de funcionamento da empresa. Batista começou a trabalhar em 1914 como contínuo e foi galgando postos até chegar à gerência – o posto máximo da empresa no Brasil – em 1934, em substituição a Mr. Hull², que fora afastado quando a legislação brasileira impediu que estrangeiros exercessem funções de comando no País. Com 40 anos de trabalho na companhia, seu Batista conhecia a Light como ninguém. Lidava com intimidade com os problemas da vida dos trabalhadores e resolvia com desenvoltura as complicadas relações com os acionistas na Europa.


Em 1945, seu Batista pedira à sede da companhia em Londres que enviasse um lote de peças para que ele recolocasse em funcionamento grande parte da frota de bondes elétricos que estava encostada na garagem da Light, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Eram, ao todo, 53 tramways. Ele bem sabia
que eram pouquíssimos para atender os 195 mil habitantes da cidade, espalhados
ao longo dos caminhos das nove linhas de carris e em arrabaldes bem mais distantes do Centro. Mas comprar novos bondes e ampliar a instalação de trilhos e cabos elétricos impunha importantes negociações com os capitalistas ingleses. 


A fotografia dos anos 30 nos mostra um bonde elétrico da Ceará Tramways, Light & Power em Fortaleza. Está perto da Praça do Ferreira, na rua Pedro Borges esquina com Floriano Peixoto, em Frente à Mercearia Leão do Sul.


Portanto, resolver o problema de conservação da frota existente, sem dúvida, já
seria um grande benefício para Fortaleza.
A preocupação de seu Batista em aumentar o número de bondes urbanos era coisa que os jornais já estavam cansados de reclamar. A cidade estava se transformando numa metrópole, fazendo da desorganização da circulação e da deficiência do transporte coletivo problemas urgentes. Essas questões haviam
inspirado o Secretário de Segurança Pública do Estado, Raimundo Gomes de Matos, ainda em 1945, a contratar o senhor Rui Toledo para planejar melhorias nos deslocamentos da Capital. Era sabido que o descontrole do crescimento de Fortaleza transbordara as expectativas dos planos urbanísticos anteriores e exigia que o saber técnico tentasse esquadrinhar novamente o movimento da cidade.


Chegando de São Paulo pouco depois da substituição do titular da Secretaria por Romeu Martins, o senhor Rui de Toledo considerou o trânsito de Fortaleza um caos e, no tempo curto de seu contrato, limitou-se a sugerir medidas que visavam “melhorar a educação” das pessoas nas ruas. Recomendou, inclusive, a adoção de traves laterais nos bondes, de forma a impedir que os passageiros subissem por qualquer lado do carro e viajassem dependurados nos estribos, como bochecheiros³. Tais traves, finalmente, poderiam evitar as constantes paradas dos bondes para embarques fora dos pontos, que eram grandes obstáculos ao fluxo de automóveis.
As medidas eram tímidas. Mesmo com a confusão do tráfego e a notória escassez de veículos de transporte coletivo, havia dias que somente 8 dos 53 bondes elétricos entravam em circulação, tão deteriorada estava a frota da Light.


Seu Batista alegava que a companhia não dispunha de peças sobressalentes para reposição, pois a tecnologia dos tramways era inglesa e a crise do comércio
marítimo durante a Guerra impedia que os navios chegassem à Fortaleza.

Não há nervos que resistam à passagem na via pública dos calhambeques da companhia inglesa. São tramways desgastados pelo uso e máquinas corroídas pelo tempo. Controles que descontrolam os motorneiros e desconsertam os tristes passageiros.


Então, restava improvisar. Em janeiro de 1946, um grupo de trabalhadores da Light revelou ao repórter do Correio do Ceará que algumas peças quebradas
eram substituídas por engenhos feitos de cimento e cal pelos mecânicos da empresa, garantindo um número mínimo de bondes circulando, mesmo em
condições duvidosas. Os resultados de tal tática eram os frequentes acidentes e
incêndios espontâneos que revelavam aos assustados passageiros as deficiências
da oficina da companhia. Uma semana depois da revelação, o Unitário publicou o acidente com o bonde da linha José Bonifácio:

O bonde incendiou sua caixa de máquinas provocando, além dos ferimentos em seu guiador, susto nos passageiros que ali viajavam.  Unitário, Fortaleza, 21 jan. 1946. Em março de 1946, a falha nos freios de um bonde causou uma colisão que levou um garoto à morte. Correio do Ceará, Fortaleza, 13 mar. de 1946.

Mas, com o final da Segunda Guerra, a retomada do movimento internacional nos portos brasileiros e o começo da recuperação da Europa, as esperanças do seu Batista de receber a encomenda de peças da Grã Bretanha aumentaram. Ele planejava recolocar nas ruas os bondes elétricos que estavam parados ainda no ano de 1946.

Tomadas as providências para receber o carregamento, seu Batista viajou ao Rio de Janeiro para discutir com as autoridades do governo soluções para a crise financeira da Light. Deixou a gerência e a negociação sobre o dissídio dos
trabalhadores da empresa sob os cuidados de seu imediato, o engenheiro chefe,
Mr. Brown.
Naquele tempo, a Light mobilizava grande número de trabalhadores da cidade. Basta lembrar que logo no começo de suas atividades, em 1913, tratou de empregar, só na operação dos carris urbanos, 64 motorneiros – que guiavam os bondes – 64 condutores – que cobravam as passagens – e 25 fiscais, ou seja,
153 trabalhadores. Com o passar do tempo, o contingente de empregados só fez
crescer, principalmente depois que a empresa substitui a Ceará Gás Company na distribuição de eletricidade para iluminação das ruas, em 1934.

Eram muitos funcionários, se comparados às pequenas empresas de transporte por ônibus que existiam nos anos 1940. Trabalhavam em condições precárias mas, irmanados no embate com os patrões ingleses, formavam um grupo mais ou menos homogêneo. No começo dos anos 1920, criaram a Associação União e Progresso dos Trabalhadores da Light que se transformou, em 1931, no Sindicato de Operários da Light. E no passo da sua organização, já haviam deflagrado grandes greves que chegaram a paralisar a cidade em 1917, 1919 e 1926. Em 1926, o movimento paredista obrigara o Presidente do EstadoJosé Moreira da Rocha, a mobilizar forças para impor medidas de “caráter conciliador e, por último, de pronta reação, [somente quando então] os ânimos se acalmaram voltando os grevistas ao labor honesto e profícuo de sua profissão”. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa pelo Desembargador José Moreira da Rocha, presidente do Estado. Fortaleza: Typographia Gadelha, 1926. 

Os operários de bondes, força e luz eram, portanto, protagonistas de uma longa
história de reivindicações de trabalho.
Enquanto seu Batista estava às voltas com a crise da Light, em 1946, o governo federal regulou o direito de greve. Então, o Sindicato dos Operários em Empresas de Carris Urbanos de Fortaleza encaminhou à Delegacia Regional do Trabalho um memorial descrevendo as muitas responsabilidades dos trabalhadores da Light. No documento, o sindicato enumerava os desafios do aumento do custo de vida, das baixas remunerações e propunha, enfim, um
aumento que variava entre 50% e 80% sobre os salários. Naquele tempo de
escalada da carestia, os trabalhadores da Light ganhavam entre Cr$ 145,00 e Cr$
1.000,00. A fórmula de reajuste escalonado dos ordenados era uma alternativa à
conhecida inclinação da companhia em não diminuir sua margem de lucros. A
Delegacia do Trabalho despachou o pedido à gerencia da Light determinando um prazo de 48 horas para que patrões e empregados entrassem em acordo.

No dia 30 de março o prazo se esgotou, mas a Light não atendeu a reivindicação. Argumentava que não tinha dinheiro para arcar com o aumento. Mr. Brown, “em todo o caso – frisou – na resposta a ser enviada ao sindicato, ‘- Sugeriremos que seja utilizado, para cobrir esse aumento, o saldo resultante do aumento das tarifas de força e luz e cuja aplicação é da alçada do Governo’”.

Ou seja, naquele contrato em que as obrigações da companhia e do Governo não estavam muito claras, tanto os resultados dos aumentos de tarifa de bondes, luz e força quanto as responsabilidades de oferecer o serviço de qualidade à população se confundiam. Aliás, nos anos 1940, a constante das relações entre o Governo e Light era um jogo de compensações no qual os pedidos da empresa para autorização de aumentos no preço dos bondes correspondiam a compromissos de investimentos em novas linhas, cuidados com os tramways ou com a folha de pagamento do pessoal do tráfego. Mas, na maioria das vezes, os aumentos de tarifas não bastavam para cobrir os gastos da empresa. Então, os investimentos no serviço de transporte da cidade ficavam para depois.

Daí decorria o costumeiro desrespeito aos acordos firmados com as autoridades. Pouca gente acreditava nas promessas para minimizar o “castigo dos passageiros de bondes”. O sonho do seu Batista de aumentar a frota tornou-se bravata de 1º de abril em 1946, junto com as ironias urbanas sobre o funcionamento da iluminação e dos telefones, do tabelamento do preço do peixe, da chegada de navios.


Mentiras do Dia:
A Light adquiriu quarenta bondes novos, com assento de veludo e vai manter corrente contínua.

A sensação de que pouco se poderia esperar tornou-se mais concreta quando o vapor Benedict chegou a Fortaleza, em 3 de maio de 1946, com peças capazes de restaurar somente 10 dos bondes elétricos, que, segundo Mr. Brown, depois dos reparos, poderiam ser reintegrados às linhas da cidade em 10 semanas. 
A frustração daqueles que esperavam que os 53 bondes operassem só foi minorada pelas manchetes de jornais que sugeriam benfazejas expectativas do modelo alternativo de transporte coletivo na cidade:

ÔNIBUS ENCOMENDADOS
Segundo o nosso informante que é pessoa merecedora de fé, a Empresa Pedreira”, que explora as linhas de JacarecangaBrasil Oiticica, dentro de três meses, estará com mais 3 ônibus em circulação.
O sr. Jose Setúbal Pessoa, que mantém serviço de ônibus nas linhas de Praia de Iracema, Mucuripe e Seminário, inaugurou um novo veículo e tem encomenda de mais três.
 A “Empresa Salvador”, cujos carros trafegam para Monte Casteloantigo açude de João Lopes, lançou em circulação um carro novo e tem
encomendado mais dois.  

A “Empresa S. Gerardo” e “Severino” que exploram as linhas de Alagadiço, Benfica e Joaquim Távora , estão também com diversos veículos em construção.
Como observam os nossos leitores, nos três próximos meses, o nosso sistema de transportes inter-urbanos terá melhorado consideravelmente, marchando para uma solução definitiva e satisfatória a crise que ora nos aflige.

A comparação da ineficiência da gigante inglesa com as pequenas empresas de ônibus era inevitável. Como explicar que, cobrando passagens ao mesmo preço, os ônibus fossem tão mais confortáveis, seguros e rápidos? Numa leve alfinetada na omissão dos homens públicos, os passageiros acreditavam que “o cúmulo da boa vontade seria a gerência da Light fazer alguns consertos nos calhambeques com que serve à população”.


No dia 14 de maio de 1946, seu Batista voltou do Rio de Janeiro munido da panacéia que tiraria a Light do vermelho. Urgia mudar a matriz de energia elétrica da cidade, substituindo a queima de carvão e lenha por caldeiras capazes de processar óleo diesel na usina do Passeio Público. Era uma alternativa eficiente que deixaria Fortaleza livre dos lapsos de fornecimento e, de uma vez por todas, do fantasma da falta de energia elétrica. Ao mesmo tempo, o diesel colocaria a Light novamente em condições financeiras de operar.
Mas tal mudança, como de costume, exigiria o esforço coletivo, traduzido na elevação das tarifas de força e luz. Afinal, não se podiam esperar novos investimentos da Inglaterra, abalada como estava com os sacrifícios da Segunda Guerra, assim como todos os países do Velho Continente... O dinheiro teria de sair do Brasil. De acordo com o seu Batista, esses mesmos motivos tinham impedido as chegada das prometidas peças para os bondes estragados no vapor Benediet:

Não é verdade que seja velho todo o material recém chegado da Inglaterra. Recebemos Cr$ 600 mil cruzeiros de equipamentos, rodas, engrenagem, etc. Apenas os motores e controles indispensáveis não puderam vir saídos de fábrica. É que não houve meios de trazer os novos. E a não vir nada, preferimos trazer uns usados, em boas condições ainda. Que se compreenda: todas essas dificuldades de transporte em Fortaleza, de vinda de material novo, tudo isso é doença geral, doença do após-guerra. Que é que podemos fazer além do que
fazemos? Onde é que buscaremos bondes novos?


Enquanto isso, motorneiros e condutores esperavam o fim do impasse dos
salários. E, em poucos dias, as alegações de que a Light estava sem dinheiro
caíram por água abaixo. A Justiça do Trabalho determinou o pagamento do
aumento salarial, descartando a desculpa de que a empresa só dava prejuízos. Os juízes consideraram que há tempos a companhia não cumpria seus acordos com o poder público. Na última negociação, por exemplo, comprometera-se, em troca do aumento nas passagens, a retirada dos “bondes da Praça do Ferreira, fazendo-se, em substituição, instalação de trilhos nas ruas Barão do Rio Branco e Liberato Barroso. Além disso havia a junção das linhas Via Férrea com Soares Moreno, o prolongamento da linha Jose Bonifácio e outros serviços [...] A elevação das tarifas e das passagens de bondes entrou imediatamente em vigor, mas os melhoramentos e ampliações que a Light se obrigara ainda [continuavam] a ser esperados pela população de Fortaleza".

Uma devassa nas contas da Light revelou que "a soma dos saldos verificados entre as despesas e a receita da mesma [companhia] depois de 1932,
[ascendia] a elevada quantia de CR$ 26.008.820,35. Ainda mesmo deduzido o
valor dos descontos de previsão reservados anualmente pela empresa, apurou-se
um lucro liquido de mais de dez milhões de cruzeiros". É certo que tal conta,
encomendada pela Justiça do Trabalho, divergia completamente das planilhas
preparadas pelos guarda-livros da Light, que apontavam um déficit muito maior. De qualquer forma, com os novos cálculos em mãos, os trabalhadores pediram a prisão preventiva do gerente da Light, caso não cedesse os novos salários.

Seu Batista estava certo de que a Light não estava em condições de pagar novos salários. Argumentou que só a majoração nos preços de luz e transporte
traria recursos para honrar o aumento, mas sabia que tal solução demandava
muitos estudos do Governo do Ceara. Então, desistiu. Pediu ao interventor federal no Ceará, Ministro Pedro Firmeza, que providenciasse a intervenção federal na companhia.

Em 1° de junho de 1946, sob a orientação do Ministro do Trabalho, o Presidente Dutra decretou a intervenção, nomeando o Capitão Josias Ferreira Gomes novo administrador da Ceará Light.

Continua...


  • ¹  João Batista de Paula nasceu na cidade de Quixadá, estado do Ceará, em 26 de março de 1895.

Filho de José Ferreira de Paula Filho e Maria Carminda do Carmo Paula, ambos analfabetos e trabalhadores rurais.

No ano de 1919 casou-se com sua prima legítima, por parte de mãe, Sarah do Carmo Paula (09/07/1894).
Batista e Sarah do Carmo Paula, mais velha que Batista alguns meses, tiveram três filhos: Margarida Maria de Paula Ventura (26/09/1919), Luiz Gonzaga do Carmo Paula (19/02/1923) e João Batista de Paula Filho (28/07/1925).

Batista começou a trabalhar com 12 anos de idade quando deixou a casa de seus pais, em Quixadá, para ser caixeiro da mercearia de Pedro Gurgel do Amaral, em Senador Pompeu, uma pequena cidade com 30 mil habitantes, localizada às margens do Rio Codiá, no coração do Ceará.

Dois anos depois, em 28 de junho de 1909, mudou-se para Fortaleza. Empregou-se na Casa Correia. De lá saiu para a Casa R. Guedes que funcionava no antigo local do Cartório Pergentino Maia.

Com dezessete anos, no ano de 1912, foi admitido pela South América, no serviço de recebimento de material para a instalação da Usina do Passeio Público e as linhas de bondes, com o salário de 150 mil réis por mês.

Seis meses depois passou a ganhar 200 mil réis.

A South América durou pouco. Construiu alguns trechos da Estrada de Ferro de Baturité, mas em novembro de 1913, faliu e Batista foi demitido.

No ano de 1914, Batista conseguiu emprego de Almoxarife na Ceará Light (Ceará Tramways Lyght and Power Cº Ltd) que no ano de 1911 havia celebrado com a municipalidade um contrato por 75 anos para a implantação e exploração de bondes a tração elétrica, na cidade de Fortaleza.

O seu salário inicial como Almoxarife era de 250 mil réis.

Foi caixa durante seis anos. Depois chefe do tráfego, chefe do escritório, assistente do gerente e, finalmente, em 26 de setembro de 1934, gerente. Foi gerente durante vinte anos.





  • ² Depois de seu afastamento, Mr. Hull tornou-se Cônsul britânico em Fortaleza. Sua influência sobre os destinos da Light, entretanto, persistiu durante toda a gerência de Batista e até mesmo do interventor federal na empresa. A sede do consulado inglês funcionava nas dependências da Companhia, no Passeio Público, até a encampação pela
Prefeitura, em 1948, o que pôde indicar a estreita ligação dos acionistas estrangeiros com as tomadas de decisão para o funcionamento e para a distribuição dos lucros da empresa.




  • ³ OS BOCHECHEIROS


Data: 22/03/1939 - Fonte: O Estado, p. 03

Pegar uma bochecha nos desengonçados carros da Light, no seu percurso em volta da Praça do Ferreira, é vêso antigo da nossa molecagem. É tão grande é o número desses pequenos vagabundos que, por vezes, ambos os estribos dos carros se apresentam completos, impossibilitando de forma absoluta a que nos mesmos se suba ou deles se desça.

Não raro os nossos jornais têm clamado por medidas coercitivas, aliás, de facílima execução, sem que até agora se prestasse atenção ao caso.

Não há dúvida, porém, quanto à necessidade dos mesmos, pelo que as solicitamos.

Os goleiros e os vagabundos estão ali a desafiar a atenção da nossa polícia que, talvez, com um simples guarda e a Madalena fizesse cessar esse abuso. Uma ou duas colheitas lei as naquele local entre a garotada bochecheira e barulhenta, tiraria à mesma esse costume condenável sob todos os pontos de vista.


Grafia da época


Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960, Site do João Scortecci, Museudantu.org.br, Arquivo Nirez e Cepimar


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