Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Porto do Mucuripe
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Cidade Saudade (Mucuripe) - Por Nelson F. Bezerra

O competente fotógrafo Nelson Figueiredo Bezerra, durante os anos 70/80, fez diversos registros da cidade de Fortaleza, uma foto mais linda que a outra!
Gentilmente, ele me enviou fotos do nosso querido bairro Mucuripe, feitas nessa época e com o olhar sensível, que só o Nelson tem!

Vendedor ambulante montado em seu jumentinho e ao fundo vemos lavadeiras e as dunas alvas do Mucuripe. Os outdoors estão em frente o Iate Clube.

 Carroceiro Vendendo água Iontec das dunas do Mucuripe.

Abastecendo carroças com água pura das dunas. Outdoors em frente ao Iate Clube.

Recolhimento das carroças com água pura das dunas.

 Vista do alto das Dunas ao Entardecer, vendo-se o Cais do Porto, Moinhos e terminais.

Dunas ao Entardecer

Abastecimento de água para as turmas da estrada de ferro, das carroças para os moradores do Castelo Encantado e Beira-Mar, com água pura das Dunas em frente ao Iate Clube.

Início das invasões das dunas

Início das invasões das dunas

 Dunas - Outdoor em frente ao Iate Clube

                                                                                                              Colaborador:
Nelson F Bezerra (Fotógrafo) 

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Do molhe do Titan à formação da Praia Mansa

Ponta do Mucuripe ainda sem o porto
A ideia de implantação de um porto na região do Mucuripe vem desde o século XVII. Isto se torna evidente quando Mathias Beck, sobre uma disputa de um local em que se instalaria um porto, coloca: “abrir-se-ia bem cedo, interminável duelo de opiniões sobre se o cais da Capital seria em frente ao Forte de Schoonenborch ou no promontório* mucuripano”. Ele mesmo teria escolhido a enseada do Mucuripe como local ideal de ancoradouro de seus navios ao invés da Barra do Ceará, preferida por Soares Moreno.


Mucuripe nos anos 30, antes da construção do Porto.
 Imagem do início do século XX. Ancoradouro da Prainha.
Como se vê, a possibilidade da enseada do Mucuripe receber um porto é bastante antiga.
Entretanto, não foi esse o primeiro local a receber o equipamento. O primeiro porto de Fortaleza instalou-se em 1805 na região central da cidade, próximo ao Monumento do Cristo Redentor e à Catedral de Fortaleza. Um porto em forma de trapiche que não oferecia segurança aos navios. O Trapiche do Ellery, na Prainha – atualmente Praia de Iracema – foi o primeiro ancoradouro de que se tem notícia em Fortaleza e foi desativado na década de 1860 em função de sua precariedade operacional e do grande número de acidentes ocorridos.

Muitos foram os projetos de construção do porto até a sugestão do engenheiro Zózimo Bráulio Barroso, em 1869, de que o porto fosse transferido para o Mucuripe, com ligação com a capital por meio de via férrea. Seguindo as ideias de Barroso, outro engenheiro: Sir John Hawkshaw, em 1875, propôs a construção de um quebra-mar de 670 metros de comprimento ligado ao litoral por uma ponte de acesso.


Antigo porto na Praia de Iracema, nos anos 30.
Acervo Marcos Siebra
A construção do quebra-mar foi iniciada somente em 1887, devido às grandes dificuldades para obtenção da pedra necessária às obras e pelo acúmulo de areia causado pela ação das ondas que aterraram a bacia abrigada pelo quebra-mar e as estruturas que já havia. Em 1897, essas obras foram suspensas quando o quebra-mar já alcançava 432 metros. Devido ao fracasso do plano, as condições de serviço de embarque e desembarque no antigo porto tornaram-se intoleráveis para os viajantes e para o comércio, culminando na construção da chamada Ponte Metálica, inaugurada em 1906 na região da Praia de Iracema (atualmente próximo ao Poço da Draga). 


Construção do Porto do Mucuripe no início dos anos 40. Acervo Marcos Siebra
Construção do Porto
Finalmente, em 1933, seguindo o Decreto-Lei nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, abriu-se a primeira concorrência para a construção do Porto do Mucuripe sob muitos protestos. As discussões seguiram até 1937 quando o Presidente da República, Getúlio Vargas, modificando o decreto anterior, lança o Decreto-Lei nº 544, de 7 de julho de 1938, proclamando em seu Artigo 1º:   

Fica transferida a localização do Porto de Fortaleza para a enseada de Mucuripe a que se refere a concessão outorgada ao Estado do Ceará, pelo decreto nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, para construção, aparelhamento e exploração do referido porto. 


Obras de construção do Porto
Construção do Porto do Mucuripe
Em 1939, foi instalado o canteiro de obras para implantação da infraestrutura do primeiro trecho de cais. As primeiras funções foram executadas pela Companhia Nacional de Construções Civis e HidráulicasCIVILHIDRO, resultando dessa empreitada a incorporação de 426 metros de cais acostável ao Porto de Fortaleza. A conclusão da obra previa a realização de dragagem para alcançar oito metros de calado, aterro do espaço entre os enrocamentos utilizando o material dragado, um calçamento de paralelepípedos sobre o aterro e a construção de armazéns de carga e setores administrativos, além da instalação de geradores. A previsão de conclusão foi de 32 meses, prazo que não foi cumprido.


Início da construção do Porto do Mucuripe. Foto Aba Film 1940
Obras do Porto
As obras do porto se arrastaram até 1945, sendo construídos pequenos trechos, embora o porto já estivesse em funcionamento para pequenas embarcações. Apesar de já estar operando, a primeira atracação só aconteceria em outubro de 1951, mas a conclusão das obras só seria bem mais tarde. O atraso e a posterior paralisação das obras do Porto do Mucuripe, em 1959, ocorreram devido a inadimplência, ao assoreamento e aos fatores  externos, como a crise financeira do Estado. No final de 1960, o assoreamento voltou a  dificultar o movimento do porto, fato este que exigiu nova dragagem. 


Porto do Mucuripe nos anos 50. Acervo Marcos Siebra
A retomada mais veemente dos trabalhos se deu por ordem do então Governador Coronel Virgílio Távora, o qual finalizou as obras do Porto do Mucuripe e as entregou no dia 9 de abril de 1965, ano em que foi criada a Companhia Docas do Ceará. O Porto do Mucuripe passava assim a integrar a área de atribuições do Governo Federal, por seu Ministério dos Transportes.


Autoridades visitam as obras do Porto do Mucuripe em 1959.
Acervo Marcos Siebra
Praia de Iracema (Primeiros efeitos do Porto sobre o litoral).
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
No ano de 1980, foi inaugurado o cais pesqueiro; em 28 de janeiro de 1982 foi inaugurado o píer petroleiro do porto, e, em 1984, mais armazéns. Ao longo do tempo, o Porto do Mucuripe foi evoluindo em área e novas estruturas, como grandes moinhos, foram sendo incorporadas.
Vale ressaltar, porém, que as problemáticas referentes ao Porto do Mucuripe não se restringiram apenas à ordem político-administrativa. Os problemas ambientais oriundos da implantação do porto foram iguais ou maiores que os entraves burocráticos.


Praia de Iracema - Casas destruídas pelo avanço do mar (Primeiros efeitos do Porto do Mucuripe sobre o litoral de Fortaleza). Arquivo Nirez

Desastre ambiental na Praia de Iracema
Praia Formosa e os primeiros efeitos do porto sobre o litoral.
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
Logo após o início das operações, sobretudo com a instalação do molhe do Titan na ponta do Mucuripe, os primeiros impactos oriundos da sua construção já eram sentidos nas praias a jusante e no próprio porto. À medida que as obras avançavam, estouravam os problemas nas praias de Iracema e Formosacausando, inclusive, o desmoronamento de residências em virtude das erosões instaladas na primeira praia e retirada da vegetação por ação das ondas na segunda.  
Mais tarde, outros trechos entre a Praia do Meireles e Iracema também começavam a ser afetados.


Titan - O gigante de aço
Titan em atividade, transportando as pedras.
Para tentar amenizar o problema, foi adotada a opção de um molhe (conhecido como molhe da Praia do Futuro - ou molhe do Titanzinho) como alternativa mais viável economicamente e de efeito imediato. 
O molhe passou a impedir que os sedimentos fossem transportados pelas correntes de deriva litorâneas para a bacia portuária, vez que estavam causando assoreamento naquele local. Mas ainda se estava longe de uma solução. Parcialmente resolvido o problema do porto, a cidade passou a ter, progressivamente, um novo desenho para sua linha de costa, com praias em forte processo erosivo a jusante do porto e com forte engorda a leste do molhe do Titanzinho. 


Guindaste Titan na ponta do Mucuripe e o surgimento ainda tímido da Praia Mansa.
Arquivo IBGE
Várias obras foram realizadas para conter a erosão costeira a oeste do Porto do Mucuripe. A primeira delas foi o espigão da Praia de Iracema construído em 1969. Após essa obra, mais 11 espigões e enrocamentos foram construídos na faixa da praia com extensão superior a 1800 m e se estendem da Praia de Iracema até a foz do rio Ceará. Um último espigão foi finalizado em 2014 nas imediações da Praia do Meireles com o intuito de proteger uma futura engorda de praia. 
Essas obras tinham como objetivo proteger o litoral do processo erosivo, entretanto, o problema de erosão continuou, sendo, dessa vez, transferido para as praias subsequentes a jusante do sistema, lado oeste do rio Ceará, como Iparana, Pacheco e Icaraí, no município de Caucaia, a partir da década de 1980.


(A) Espigão da Praia de Iracema 
(B) Estruturas rochosas para contenção do mar na Praia de Iracema 
(C) Rochas dispostas na Av. Beira-Mar e molhe ao fundo 
(D) Aterro da Praia de Iracema 
(E) Dissipador rochoso de energia de ondas na Praia do Pacheco 
(F) Erosão na Praia do Icaraí

No ano 2000, foi iniciado pela Prefeitura Municipal um aterro hidráulico na Praia de Iracema, integrando um plano de regeneração e recuperação. Este aterramento, contudo, apresentou instabilidade e perda sedimentar durante tempestades e ressacas, no início de 2001, precisando ser refeito no final do mesmo ano para recompor o volume de sedimentos perdidos.


Foto: Nelson Bezerra
Anos 50 vendo-se a Praia Mansa. Arquivo IBGE

A fotografia mostra a Praia Mansa, o Bairro Serviluz, a Praia
do Futuro na extrema esquerda e fluxo de sedimentos
em direção a bacia portuária do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
Voltando ao molhe do Titanzinhocriado para abrigar a bacia portuária... 

Em decorrência dessa estrutura, houve um barramento do transporte lateral de sedimentos da Praia do Futuro em direção ao setor oeste do litoral de Fortaleza os quais passaram a acumular-se na bacia portuária, assoreando o canal do porto. Consequentemente, houve a formação de uma praia interna ao dique, que foi denominada de Praia Mansa.


Molhe do Titanzinho com areia acumulada. Foto de 2005.
Crédito Fechine
Como vimos, a praia é fruto do caminhamento das areias e o remanejamento dos sedimentos (pedaços de solo ou de rochas deteriorados em pequenas partes, ou até em pó), que acabaram passando pelo molhe, devido ao efeito das ondas e a mudança do comportamento das correntes. Sua evolução geológica foi se dando a partir da década de 1950. 

A Praia tem cerca de 108.000m² de área, e acha-se sob a responsabilidade da Companhia Docas do Ceará


Caminhamento e contorno litorâneo de areias na parte
interna do molhe do Porto do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
O setor está situado em uma área cujas atividades básicas (industriais, portuárias e residenciais), acarretam poluição da zona litorânea. Existe enorme pressão imobiliária no sentido de ocupar a área com atividades voltadas para o turismo e o lazer. Neste trecho, ocorrem pequenas barracas de taipas utilizadas como apoio na atividade de pesca artesanal e local. Existe também a presença de três aerogeradores para produção de energia eólica.  A paisagem é formada por vegetação antrópica de pequeno e médio porte, destacando as gramíneas e as castanholas. O acesso é restrito pelo interior do porto ou por via marítima, com vigilância dos guardas da Companhia Docas. Praia frequentemente utilizada para atividades turísticas, através dos passeios de barco. 


Molhe do Titan ao fundo
Praia Mansa em 1973. Assoreamento resultante do enrocamento para o aterro do porto, construído com a utilização do famoso guindaste TITAN. Foto de Nelson Bezerra

Foto do final dos anos 70. Acervo Alysson Correia Lima
Ações de uso e ocupação da praia Mansa, sem levar em conta a fragilidade da área, poderão acarretar a instalação de processos erosivos e aumento da degradação ambiental, em virtude da ocupação irregular com equipamentos turísticos (hotéis, bares, restaurantes, etc.), tanto em função dos resíduos deixados no local, como também pelo uso indiscriminado pelos visitantes. 

Foto aérea da praia Mansa em 18 de janeiro de 1984.

Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Foto de André Ramone

*Parte mais alta, elevação.

Fonte: Portos e Gestão Ambiental: Análise dos Impactos Ambientais e Correntes da Implantação do Terminal Marítimo de Passageiros na Praia Mansa - Otávio Augusto de Oliveira Lima Barra/Alterações no Perfil Natural da Zona Costeira da Cidade
de Fortaleza, Ceará, ao Longo do Século XX - José Alegnobeto Leite Fechine/Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima da Prefeitura Municipal de Fortaleza de 2006

quarta-feira, 24 de abril de 2019

A expansão urbana de Fortaleza: O desinteresse da cidade pelo mar - Parte II

Vista da Praia Formosa na altura do atual Moura Brasil.O trilho levava ao porto na Praia de Iracema. Foto da 1ª metade do século XX. Acervo Carlos Augusto Rocha
Praia de Iracema em 1936. Acervo Lucas Jr
Fortaleza descobre o mar

A partir do século XX, com movimento de tomada de consciência no domínio da literatura, permitiu-se incorporação lenta e gradual das praias, notadamente com a adoção de novas práticas marítimas surgidas na Europa: os banhos de mar, as caminhadas na praia e o veraneio. A considerável faixa de praia de Fortaleza passa a ser o novo ponto de encontro da cidade, além de despertar o interesse dos veranistas mais abastados.
Este lento movimento da cidade em direção à zona costeira cresce no tempo, com a incorporação gradual e progressiva de áreas anteriormente ocupadas por populações pobres, gerando conflitos entre as camadas da sociedade fortalezense, suscitando a expulsão da classe menos abastada. Em Fortaleza constitui-se este movimento no início do século XX, com a descoberta da Praia de Iracema como área de lazer e veraneio.

Praia de Iracema em 1938
A praia ainda era dos jangadeiros.
A valorização do litoral como parte integrante da cidade é algo recente na história do desenvolvimento de Fortaleza. A relação da cidade com o litoral surge a partir da instalação do Porto nas intermediações da Praia de Iracema. Porém, a presença dos moradores mais abastados era evitada, por ser ocupada pela população de baixa renda.
Além disso, a localização da zona de meretrício nas redondezas do Porto, e a ocupação das dunas que margeiam o litoral em direção norte/nordeste por favelas foram, sem dúvida, fatores que levaram durante algum tempo ao desinteresse dos fortalezenses pelo litoral com a finalidade de aí se fixar.

Vista do Cais da Praia de Iracema, então porto de Fortaleza em 1935. Robert S. Platt
Aos poucos o imaginário social dos fortalezenses sobre o mar é modificado em virtude das descobertas de novas práticas marítimas. No Meireles são criados sítios para o tratamento da tuberculose. Uma outra prática marítima diz respeito às serenatas realizadas sobre as dunas próximas a área central da cidade.
Porém, as práticas marítimas citadas não foram capazes de possibilitar a litoralização da zona de praia de Fortaleza, pois o tratamento da tuberculose não aconteceu exclusivamente no litoral e as serenatas eram atividades pontuais de lazer.
Somente com a descoberta de novas práticas marítimas, como os banhos de mar, que o  litoral passa a ser valorizado como lugar de lazer. Este movimento de valorização do litoral muda o olhar da elite de Fortaleza em relação à zona de praia, notadamente a Praia de Iracema, que deixa de ser o lugar da simples contemplação e adquire maior importância com os banhos de mar. Este movimento definirá uma nova caracterização social, demográfica e urbanística desta zona, com o deslocamento da população e a mudança dos usos, resultante da presença de veranistas.
Com a descoberta dessas novas práticas marítimas, a Praia de Iracema passa a competir com outras áreas de lazer da cidade, como a Praça do Ferreira e o Passeio Público.
A Praia passa a ser o lugar da sociabilidade por excelência. Um paradigma de alteridade tão forte que sobrepõe a lógica da centralidade do plano em xadrez de Herbster, reconstruindo a cidade em torno de uma autorreferência do vivido social.

Praia de Iracema na década de 30. Imagens de Bangalôs de frente para o mar. Arquivo Nirez
Acervo Ângela Gurgel
Um fator determinante, que veio facilitar o deslocamento da população para aquela área foi a instalação da linha de bonde na Rua Tabajara em 1927, ligando a Praia de Iracema a área central da cidade, consolidando aquela zona de praia como área de lazer e veraneio.
Um marco do início da fixação de moradia da elite é a construção da residência “Vila Morena”, atual Estoril, do comerciante pernambucano José Magalhães Porto, marcando o início da urbanização da área. Com a chegada da elite, vinda da área central da cidade, para a realização de práticas de lazer e veraneio na Praia de Iracema, a permanência da população de baixa renda passa a ser inviável, devido à especulação imobiliária, aumentando o valor do solo naquela área, gerando expulsão da população pobre.


Acervo Ângela Gurgel
Vale destacar, que a descoberta da praia pela elite não corresponderá a uma reorientação do crescimento de Fortaleza para as zonas de praia, pois se trata simplesmente de uma política pontual de urbanização da Praia de Iracema, em resposta à demanda da população das proximidades por banhos de mar. A partir da década de 1930 a elite passa a construir Bangalôs na Praia de Iracema para desfrutar melhor os banhos de mar. Este tipo de
construção, próximo à zona de descanso das jangadas, mostra a influência da cultura europeia na cidade, expressada não somente na arquitetura, mas também nos hábitos da população.
Praia de Iracema na década de 20.  As mulheres são das famílias Caminha, Pompeu e Moreira Rocha. Arquivo Gerard Boris. Fonte: Livro Ah, Fortaleza (2006).
Acervo Ângela Gurgel
Desde o final do século XIX, a Praça do Ferreira disputava com o Passeio Público à preferência de principal espaço de lazer da classe abastada fortalezense. Até a década de 1930 o entrono da Praça do Ferreira configurava-se como um reflexo da dinâmica da própria cidade, encontrando-se em seu entorno as mais diversas funções. Além dos edifícios representativos do poder público, do comércio, dos hotéis e do setor residencial, a função lazer se manifestava através dos cinemas, cafés e clubes. Porém, com a descoberta do mar pelos moradores mais abastados, estes passam a descobrir a praia como local de lazer e de deleite visual. No que concerne este processo de ocupação da orla marítima de Fortaleza, Rocha Júnior, (1984, p. 4) afirma:

Acervo Ângela Gurgel
A Praia de Iracema, até então local de “jogo de caipira, pinga e facada de pescada” adquire novas funções urbanas. A Praia, constituída por jangadeiros com suas casas de palha, com suas areias muito limpas e repletas de coqueiros, desperta a cobiça dos urbanistas mais abastados.
Um dos primeiros foi o coronel Porto, comerciante vindo de Recife, que em 1926 inaugura o seu palacete eclético, onde hoje funciona o restaurante Estoril. Em torno da casa dos Portos, novos pequenos palacetes se levantam, formando aos poucos um ensaio de feição eclética onde se
destacam os telhados de telha francesa [...]

O interesse pela praia cresce... Praia de Iracema na década de 30.
Bangalôs na Praia de Iracema por volta de 1940, quando o mar começava a destruir as edificações à beira-mar. 
Náutico em 1929, ano de sua fundação. Arquivo Nirez
Essa afirmação evidencia que aos poucos alguns equipamentos de lazer passam a se instalar na faixa litorânea. Já em 1929, o clube Náutico Atlético Cearense tinha sua primeira sede instalada na Praia Formosa, nas imediações da Ponte Metálica. Ao mesmo tempo em que a Praia de Iracema marcava o inicio de sua trajetória como ponto de encontro e recreação da cidade.
Destacando este momento de incremento de equipamentos de lazer, destaca um antigo morador da área, o Senhor Ozarias Ferreira Lima:

Na Praia de Iracema surgiu muita coisa bonita, surgiram muitos balneários naquela época, eles eram ótimos para o fim de semana. Balneário naquela época [1944] eram os locais onde se guardava as roupas e os objetos pessoais, deixava dentro de uma caixa de madeira numerada e descia para a praia. No fim do dia ia lá tomar banho para tirar o sal do corpo, pois lá tinha várias duchas. No período da Guerra, quando o Estoril era para a diversão dos americanos, surgiram vários bares e restaurantes no entorno dele. Havia o Bar São Jorge que mesmo tendo fama de ser meio perigoso [...], atraía gente de todo canto de Fortaleza, principalmente o pessoal que morava ou trabalhava pelo Centro.



Defesa da Praia de Iracema em 1949.
Era visível que a Praia de Iracema vivia seu período áureo. A Praia passa a ser destacada na música e na literatura dado o modo como se inseriu no cotidiano da cidade, Ozarias Ferreira destaca também que:

Quebra-mar da Praia de Iracema.
As jangadas da Praia dos Amores passaram a ter que concorrer espaço na praia com os bangalôs e bares que surgiam a toda parte. Na Ponte Metálica só chegava agora navios enormes, por causa da Segunda Guerra. E quando esses navios chegavam era uma festa, pois como os navios não atracavam na ponte, os jangadeiros eram chamados para ajudar a ir pegar o pessoal que vinham nos navios. A Praia realmente atraía muita gente. A Senador Pompeu e a Barão do Rio Branco eram as ruas que mais facilitavam o acesso dos que estavam no Centro para o Mar. Pela manhã tinha os banhos na praia e as peladas, eu mesmo era do time da rua Dragão do Mar, porque o futebol já era muito popular naquela época, naquela região da Praia tinha o time do América, que era um dos grandes da cidade. A Ponte Metálica além de servir pro porto servia também pra pesca, além de ser muito bom para dar saltos no mar. Naquele tempo não havia essa história de surf por aqui não, a moda era brincar de carretilha, onde a gente pegava um bom pedaço de madeira e ficava deitado nela deslizando nas ondas. A noite tinha as serestas, que varavam a madrugada.
Tudo só começou a piorar quando surgiu os quebra mares, que arrasou com a Praia, no começo não foi tão ruim, porque tinha um quebra-mar que formava uma grande poça d’água quando a maré subia, que a gente chamava de Piscininha.

Praia de Iracema anos 50.
Praia de Iracema em 1982, vendo-se a piscininha. Gentil Barreira
Praia de Iracema nos anos 90. Foto do Livro Fortaleza, 27 Graus.
A área do Poço da Draga, destacado por ser uma área de meretrício de Fortaleza, é destacada pela senhora Maria José Ferreira Lima, como um local com pontos de lazer:

Apesar do Poço das Dragas ser esquecido ou deixado de lado por muita gente, acho que pelo fato de as cinzas das caldeiras da Light serem jogadas lá, ia muita gente, ou que morava na Barão do Rio Branco ou que trabalhava na RVC, já que estes tinham mais contato por lá, pois vendiam lenha tanto para a Light quanto para as mulheres que moravam no Curral das Puta. Esse pessoal aproveitava a maré baixa para brincar um pouco na praia, principalmente jogar futebol. A Praia do Paredão, como algumas pessoas chamavam aquela região por causa de um enorme muro construído contornando o estaleiro, nunca atraiu muita gente, mas quem queria encontrava diversão.


As Três Marias - Regina Célia, Bidu Reis e Hednar Martins na Praia de Iracema. Acervo Luciano Hortêncio
Porém, o uso da Praia de Iracema para as práticas marítimas é efêmero, pois com a transferência do Porto do Poço das Dragas para o Mucuripe, além de resultar no abandono e consequente deterioração dos armazéns das Dragas, provocou uma série de problemas ambientais, tendo a área preferencial para banho na Praia de Iracema sendo violentamente atingida pela corrente da costa, resultando na erosão da praia. A privilegiada paisagem praiana é destruída, resultando apenas pequenos trechos da praia com balneabilidade.

Praia de Iracema vendo-se um Bangalô destruído em decorrência do avanço do mar. Fonte: Arquivo Nirez
Os abastados vão buscar na periferia, notadamente a zona leste da cidade, área para lazer e moradia. A respeito das práticas marítimas e a decadência ocorridas na Praia de Iracema entre as décadas de 1940 a 1950, um ex-morador do bairro, Walter Matos, relata:

A Praia de Iracema era uma área muito dinâmica pro lazer. Havia inicialmente maioria de homens, que iam para aquela área em busca de prostitutas, era uma espécie de Passeio Público daquela época. Com o passar do tempo, as mulheres de família passaram a frequentar a Praia dos Amores, só que homens e mulheres tomavam banho em lugares distintos, era falta de respeito um homem tomar banho com a mulher da frente de todo mundo. A Praia de Iracema atraía muita gente do Centro da cidade, pois como o Poço das Dragas, que era pra ser a praia da população do Centro estava quase que todo ocupado com as atividades do Porto, não dava para tomar banho de mar. Principalmente nos finais de semana, o bonde Praia de Iracema, que saía da Praça do Ferreira e ia até a Igrejinha da Praia de Iracema, vinha lotado de gente vinda do Centro que queria passear pela praia, era moda naquela época. Esta ficando tão famosa quanto a Praça do Ferreira. Quando eu era pequeno, ia a Praia para brincar na Piscininha, um espelho de água do mar formado por um paredão de pedra que ficava próximo ao Estoril. Era tudo muito divertido.
Pegávamos um pedaço de madeira e íamos brincar de carretilha na Piscininha, deslizando na água. O ponto de encontro das crianças naquela praia era aquele lugar. Por falar em Estoril, ele tinha uma função muito diferente do que é hoje em dia. Ele servia naquela época como ponto de encontro dos marinheiros americanos no período da 2ª Guerra Mundial.
Todo mundo queira ir lá conhecer eles, pois não era todo dia que aparecia tanta gente vinda de longe com notícias sobre a Guerra, porque as notícias demoravam muito para chegar por aqui, só tínhamos o rádio para saber das novidades no mundo. Tinha gente que dizia ver submarinos e bombas dos alemães na Paria de Iracema. A Praia de Iracema era um lugar muito bom de viver, pena que durou pouco. Muita gente ficou assustada com a força do mar um tempo depois que retiraram o Porto do Poço das Dragas para colocar na Ponta do Mucuripe. As casas da Praia de Iracema que eram muito bonitas, parecendo aquelas que víamos em fotos da Europa, foram todas destruídas pelas ressacas do mar, a Piscininha sumiu e a parte de areia também.

Praia de Iracema em 1953. Livro Caravelas, jangadas e navios - Uma Historia Portuária, de Rodolfo Espínola.
Em meados da década de 50, a Praia e a área central de Fortaleza passam por intensa degradação estrutural, como a falta de pavimentação das ruas, sistema de esgotamento sanitário e coleta regular de lixo.
Essa decadência proporcionou a construção de uma imagem negativa da área. Além da perda do dinamismo recreativo, a praia de Iracema perde sua função econômica. A instalação do porto do Mucuripe resultou também na estagnação do comércio da área em frente ao núcleo central, com o deslocamento dos armazéns e depósitos para as novas docas. Era mais uma etapa no processamento da paisagem litorânea pelo qual passava a praia de
Iracema. Banhistas, clubes e restaurantes ao buscarem ouras praias, traziam de modo mais visível o processo de diferenciação espacial e a segregação residencial pelo qual passa a cidade. Sem a praia do lazer do catraieiro do porto e do prazer dos ricos, passava a ocorrer de modo mais intenso fato semelhante ao que ocorria no espaço urbano de Fortaleza, tendo a partir daquela situação a efetivação das praias dos ricos e dos pobres, distribuindo a população pelo nível de renda.

Praia de Iracema na década de 70. Foto de Nelson Bezerra.
A partir da década de 1970 a Praia de Iracema, através de movimento iniciado na Europa, passa a se fortalecer enquanto área de exaltação as artes e a boemia, com hábitos especificamente noturnos. Essa nova utilização do espaço intensifica-se  a partir dos anos 1980, por meio da instalação de variados restaurantes, dando uma dimensão mais comercial e nova dinâmica para a área, diferenciando-se do domínio residencial da década de 1950.


Primeiro dia de funcionamento do Pirata Bar em 21/11/1986.
Entre essas novas instalações o Pirata Bar, inaugurado em 1986, ganha destaque nacional, com a promoção de festas às segundas-feiras, tendo como principal atração o forró. As festas passam a ter grande divulgação, aumentando o fluxo de turistas para a Praia de Iracema.
Na década de 1990, novos equipamentos paisagísticos e de lazer da cidade, como a reforma da Ponte dos Ingleses, o calçadão e o Centro Dragão do Mar surgem no contexto de revalorização da Praia de Iracema, reconfigurando um cenário urbano com o objetivo de espetacularização com vistas ao turismo.

Nesses períodos mencionados, a área central de Fortaleza passa a amargar um expressivo abandono em suas atividades, pois estas eram voltadas para uma demanda populacional que passa a não mais frequentar a área. Com a não permanência de moradores mais abastados, devido o mesmo passar a ter uma função social voltada agora predominantemente para as atividades comerciais da classe menos abastada, se tem uma cisão entre esta área com as práticas marítimas.


Leia também a Parte I


Fontes: A cidade e o mar: considerações sobre a memória das relações entre Fortaleza e o ambiente litorâneo - Fábio de Oliveira Matos. 
DANTAS, Eustógio Wanderley. Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza. Fortaleza: Museu do Ceará/Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2002. 
BARROSO, Gustavo. Terra do sol: natureza e costumes do Norte. Rio de Janeiro: Benjamim Aguila, 1912.  
LINHARES, Paulo. Cidade de água e sal: por uma antropologia do litoral do Nordeste sem cana e sem açúcar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1992.

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