Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Praça General Tibúrcio
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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domingo, 2 de dezembro de 2018

Os Jardins de Fortaleza II

Nos jardins de Fortaleza, os cata-ventos estavam geralmente associados a caixas d’água metálicas, adquiridas provavelmente de países europeus como parte do rico universo de edificações, instalações, equipamentos e componentes arquiteturais importados em massa por países latino-americanos em processo de urbanização a partir do século XIX. Esses reservatórios d’água “destinavam-se à irrigação dos jardins públicos por gravidade” e “formavam binário com cata-ventos destinados a elevar a água das cacimbas adjac
entes”. (T. Lindsay Baker - 2012, p. 120).
 

Nos Estados Unidos, embora predominantes no contexto rural, cata-ventos eram instalados em áreas urbanas em várias partes do país, já que governos locais financiavam a escavação de poços e a construção de moinhos para uso público. Cavalos e mulas usados em meios de transporte anteriores à era do automóvel demandavam consumo regular de água, de modo que “próximos aos poços construíam-se cochos de concreto, madeira ou aço com lados de altura apropriada para os animais beberem confortavelmente”. (Cf. ibidem, p. 120).

Esse sistema foi registrado no país a partir do final do século XIX e desapareceu após a década de 1920, com a era do veículo automotor. As imagens que o autor T. Lindsay Baker fornece de distritos urbanos dos Estados Unidos - Kansas City, no Kansas, e Ruskin e Farnam, em Nebraska - mostram poços e moinhos semelhantes às cacimbas e cata-ventos de Fortaleza, mas nenhum deles instalado em jardins. Tais ilustrações - entre outras de San Diego, na Califórnia, e Canyon, no Texas - retratam cochos, carroças, vias sem pavimentação e áreas livres cobertas por terra, sem tratamento paisagístico, indicando que os moinhos bombeavam água para os animais ou para a população, mas não para a irrigação de jardins públicos.


Em Fortaleza, a exemplo do que ocorria em áreas urbanas dos Estados Unidos, a municipalidade era responsável pela instalação e manutenção de cata-ventos em logradouros públicos, segundo consta na seção de finanças municipais sob a rubrica “conservação de cataventos e motores” no Anuário Estatístico do Estado do Ceará relativo aos anos de 1922, 1923 e 1924.

No entanto, no começo do século, ao comentar a seca de 1900, Raimundo Girão afirma que, àquela época, Fortaleza revelava uma “simplicidade provinciana de praças ainda sem jardins, antes monótonos quadros de pastagem do gado à solta”. Naquele tempo, a cidade contava com o Passeio Público, mas ainda não haviam sido ajardinadas as praças do Ferreira e Marquês do Herval, o que veio a ocorrer entre 1902 e 1903.
 


Sobre a Praça do Ferreira, diz Gustavo Barroso (1888-1959) que, durante a seca de 1877-1879, foi aberta em seu centro uma cacimba em pedra lioz para provisão d’água, ao lado da qual se instalou “um chafariz do sistema que os franceses denominavam fontaine Wallace”. Essa peça parece ter sido substituída posteriormente, já que, na época de seu ajardinamento, em 1902, a praça dispunha de cata-vento e caixa-d’água e bacias para irrigação, conforme postagem anterior.

Até então, a Praça do Ferreira era um antigo areal chamado Feira Nova com um “cacimbão no centro”, ponto de parada dos comboios vindos do interior, a que se mostrariam úteis “as mongubeiras e as castanholas floridas, enchendo o solo da frescura das sombras doces e dos frutos gostosos”, bem como a água da cacimba, em palavras de Raimundo de Menezes (1903-1984).

É possível que cacimbas perfuradas para obtenção d’água doce tenham sido aproveitadas quando do ajardinamento de praças, dotadas de cata-ventos e reservatórios. Segundo Liberal de Castro, escavavam-se cacimbas de uso público no ponto central das praças, que, uma vez “ajardinadas, ganhavam caixas-d’água e cataventos, instalações usadas na elevação e na rega dos jardins”.



Contudo, segundo iconografia da época, a Praça General Tibúrcio, ajardinada entre 1913 e 1914, não tinha cata-vento, de modo que desconhecemos quais teriam sido as soluções adotadas para sua irrigação. Por sua vez, a Praça José de Alencar (hoje Waldemar Falcão, que não deve ser confundida com a atual José de Alencar, antiga Marquês do Herval), embora não ajardinada, era dotada de um cata-vento e de um reservatório, além de um chafariz.


Dessa maneira, supomos que a água bombeada pudesse servir para o consumo dos moradores ou dos animais que trafegavam na cidade anteriormente à popularização do automóvel ou vinham do Sertão - nesse último caso, assemelhando-se ao que ocorria em localidades urbanas dos Estados Unidos.
A partir dos anos 1930, a iconografia urbana da capital cearense, nela incluindo-se as fotos do Álbum de Fortaleza, de 1931, mostra que os logradouros urbanos não mais possuíam cata-ventos. Naquela época, a cidade já dispunha do novo serviço de abastecimento d’água, o qual compreendia captação, adução por tubulação, armazenamento em duas caixas d’água localizadas na Praça Visconde de Pelotas e rede de distribuição.

Esses reservatórios eram remanescentes da década de 1910, pois coube ao governador Antônio Pinto Nogueira Accioly (1896-1900, 1904-1912) iniciar as obras do sistema de abastecimento d’água, o qual foi inaugurado somente posteriormente, na gestão estadual de José Moreira da Rocha (1924-1928).62 O novo serviço, todavia, tinha “capacidade de abastecimento parcial à população”.



Fotos daquela época indicam que, se por um lado os cata-ventos já haviam desaparecido das praças ajardinadas, sua existência resistia nos quintais das casas, pois ainda deviam desempenhar importante papel no fornecimento d’água para o consumo doméstico. Segundo Emy Falcão Maia Neto, em 1927, os cata-ventos continuavam sendo anunciados pelas funilarias, sinalizando que faziam “circular água aonde a rede ainda não chegava ou como uma fonte alternativa para fugir dos preços cobrados”.


Naquela década, após a reforma completa que lhe foi imputada, em 1925, no governo do prefeito Godofredo Maciel (1924-1928), a Praça do Ferreira, que antes possuía cata-vento e caixa-d’água, aparece destituída de ambos em fotos da época. Tais imagens ainda deixam ver a presença de fícus-benjamim  no contorno da praça, exemplificando o plantio de espécies arbóreas resistentes, conforme postado anteriormente.


O desaparecimento do sistema de irrigação por moinho eólico também se verifica na Praça José de Alencar. Em 1929, em seu espaço central, antes ocupado por pavilhão, cata-vento e reservatório d’água, foi instalada a escultura do escritor que nomeia o logradouro.


Portanto, admitimos que os anúncios veiculados pelo jornal O Povo entre 1928 e 1930 e antes referidos ofereciam, de fato, cata-ventos usados, tendo particulares como possíveis interessados. Esse é um marco cronológico razoável para o seu desaparecimento dos jardins públicos da cidade, ainda que permanecessem nas propriedades privadas.


Leia também a Parte I

Créditos: Aline de Figueirôa Silva (Arquiteta e urbanista) - Artigo: À procura d'água: cata-ventos americanos nos jardins de Fortaleza, Folha do Litoral de 1918, Jornal A Lucta de 1922, Jornal A Razão de 1931, Jornal A Ordem de 1930, Revista do Instituto do Ceará de 1899, Arquivo Nirez, Arquivo Fortaleza Nobre e Museu da Imagem e do Som.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Os Jardins de Fortaleza


Em Fortaleza, a alta incidência de sol foi um fator importante na seleção e nos modos de plantio da vegetação arbórea, em razão da necessidade de sombra como condição favorável à permanência nos jardins públicos. A vegetação constituía um recurso de amenidade climática e remodelação da fisionomia da cidade, trazendo benefícios diretos ao bem-estar da população, à estética e à salubridade urbana.

Desse modo, a seleção das espécies botânicas, especialmente das árvores, nativas ou exóticas, que identificamos nos jardins, podia vincular-se tanto aos seus aspectos ornamentais (floração, atributos das copas, troncos e folhagens) quanto utilitários (sombreamento, rápido crescimento e resistência à estiagem).

Revistas e jornais dos anos 1920 e 1930 ressaltavam a arborização das vias e jardins da cidade, ora enaltecendo as ações realizadas pelo poder público, ora reclamando contra sua escassez, prescrevendo seus benefícios ou ainda apelando à população para conservá-la.

Exemplo disso é uma matéria publicada no Ceará Ilustrado de janeiro de 1925 que enfatizava a necessidade “duma praça intensamente arborisada, onde nas horas de canicula a população pudesse abrigar-se á sombra das arvores”, recomendando o plantio de “mangueira ou outras plantas fructiferas e exóticas” no Parque da Liberdade.¹ A mesma matéria abordava as vantagens do plantio de árvores, bem como apresentava justificativa para a escolha de algumas espécies. Apontava a chegada da estação chuvosa como oportuna para avançar no serviço de arborização da cidade, a fim de facilitar “a péga das arvores”, que deveriam ser “de especies resistentes ás seccas”, citando o oitizeiro, o fícus-benjamim ou a figueira e a canafístula.



De fato, entre as espécies arbóreas, o exótico fícus-benjamim encontrava-se em vários jardins de Fortaleza - espécie de rápido crescimento e copa densa, atributos importantes para garantir a necessária provisão de sombra.


Documentamos ainda a existência dos nativos oitizeiros no Passeio Público e no Parque da Liberdade, castanholas e mongubeiras. Estas últimas, também nativas, já estavam presentes em alguns logradouros da cidade, mesmo antes de serem ajardinados, e eram muito referidas nas crônicas e memórias de escritores locais. Trata-se de espécies umbrosas, portanto, apropriadas ao clima quente. A nativa canafístula, por sua vez, estava presente na Praça Visconde de Pelotas, ajardinada em 1933.


Famoso na crônica histórica fortalezense era o oitizeiro existente junto à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Praça General Tibúrcio, pois, conforme conta o cronista Otacílio de Azevedo (1892-1978), “sob sua fronde, procuravam refrescante abrigo contra os ardores da canícula” aqueles que ali paravam para conversar sobre arte, política, religião ou a vida alheia.

A presença da vegetação nos logradouros da cidade também foi registrada no Correio do Ceará por um viajante oriundo do Recife em passagem pela capital cearense em 1930, ao ressaltar “suas praças ajardinadas com esmerado gosto” e “a arborização vasta e elegante, que muito concorre para a amenidade do seu clima”.² Uma nota que circulou no mesmo jornal durante o mês de julho daquele ano dirigia às mães de família “o instante appello de, todos os dias, pela manhã, mandarem deitar um jarro d’agua ao pé das tenras arvores e inclinar os seus filhinhos a serem amigos das plantas”. O excesso de sol e a necessidade d’água eram, enfim, desafios postos à implantação e à conservação dos jardins.

Observamos também nos jardins públicos de Fortaleza a exiguidade de elementos aquáticos contemplativos, talvez em razão da evaporação causada pela predominância de dias quentes ao longo do ano, ou por deficiências nos serviços regulares e infraestruturas de abastecimento d’água e/ou por seu custo de manutenção.

A região foi afetada por períodos de estiagem, a exemplo das secas de 1877-1879, 1888, 1900, 1915 e 1919, ensejando medidas como a perfuração de poços de uso público e a criação de obras emergenciais a fim de empregar retirantes sertanejos, provendo-os de trabalho e alimento. A grande estiagem de 1877-1879 impôs dificuldades à operação da Ceará Water Work Company Limited, concessionária que realizava o serviço de fornecimento d’água em Fortaleza, mas que já se encontrava em crise.

Nesse sentido, há relatos que indicam o aproveitamento de recursos naturais para a criação de um lago decorativo no terceiro plano do Passeio Público e de um lago navegável no Parque da Liberdade, em detrimento de fontes e lagos que precisariam ser alimentados artificialmente.



O Passeio Público foi inaugurado por fases a partir de 1880 e, durante muito tempo, constituiu o principal logradouro público ajardinado de Fortaleza. Era estruturado em três planos, correspondentes a três níveis topográficos, entre a cidade e a praia. Porém, segundo o engenheiro e cronista João Nogueira (1867-1947), o negociante Antônio Tito Rocha, que já o explorava para a prática de patinação por volta de 1879, efetuou melhoramentos no “terceiro plano, que foi ajardinado, construiu um lago, que era alimentado pelas águas do riacho Pajeú.



O Parque da Liberdade, por sua vez, começou a ser estruturado em 1890 e foi remodelado e rebatizado de Parque da Independência em 1922. A primeira intervenção consistiu no aproveitamento da Lagoa do Garrote, que “se viu aprisionada em margelas de cimento, para se tornar o lago central de belo jardim público”, descrição correspondente às fotos publicadas no álbum Fortaleza 1910. A lagoa delimitava uma “minúscula ilha”, na qual, já no século XX, foi erguido um pavilhão conhecido como Templo do Cupido. O parque tornou-se um dos espaços de recreação da população, e a antiga lagoa, um de seus atrativos, recanto de contemplação e local para o passeio de barcos.


O Jardim 7 de Setembro, criado na Praça do Ferreira em 1902, dispunha de um conjunto de bacias como parte do seu sistema de irrigação, demonstrando, portanto, sua função utilitária.


Posteriormente, na década de 1930, algumas praças foram dotadas de peças aquáticas na ocasião de seu ajardinamento. Em 1930, foi instalada uma fonte luminosa no Jardim Tomás Pompeu da Praça Comendador Teodorico ou da Lagoinha. A peça foi importada da Alemanha e inaugurada naquele ano, quando a cidade já possuía redes de energia elétrica³, coexistindo com o sistema a gás, e de abastecimento d’água, embora este último serviço atendesse apenas parcialmente a população quando de sua inauguração, em 1926.

Finalmente, a Praça Visconde de Pelotas, onde haviam sido erguidas duas grandes caixas d’água como parte do novo serviço de abastecimento, foi ajardinada em 1933 e dotada de um lago central, de modo que afirmamos a interdependência entre as características do meio e os recursos infraestruturais necessários à implantação e manutenção dos jardins.


Antes que o referido sistema de fornecimento d’água, inaugurado em meados dos anos 1920, pudesse ser disponibilizado para a irrigação de jardins e a alimentação de lagos e fontes, o uso dos cata-ventos foi uma solução significativa no tocante à rega e à manutenção de tais espaços.


CATA-VENTOS PARA A IRRIGAÇÃO DOS JARDINS

À procura de água doce: os cata-ventos nas memórias e no espaço da cidade
Em Fortaleza, deu-se o notável aparecimento de cata-ventos ou moinhos de vento nos quintais das residências e espaços públicos da cidade, os quais utilizavam a energia eólica como força motriz para puxar água de poços e cacimbas.
Embora tais equipamentos estejam fartamente ilustrados na iconografia fortalezense, há poucas informações bibliográficas extensas sobre sua origem, aquisição, funcionamento e contexto de onde foram importados.



Testemunha ocular de sua presença na Praça do Ferreira, Otacílio de Azevedo recorda que, quando chegou à cidade, por volta de 1910, ali, “à falta de óleo, gemia um velho catavento, sobre uma cacimba gradeada. Enchia uma imensa caixa d’água pintada de roxo- terra”. Deparava-se com “um belíssimo jardim - rosas, dálias, papoulas - enfim uma imensa variedade das mais belas flores”. Noutra crônica sobre a Praça do Ferreira, o autor informa a existência de “uma caixa d’água e um catavento, que puxava água para aguar os jardins”.

Em outro registro, o escritor Mozart Soriano Aderaldo (1917-1995), com base em reportagens de época, descreve a feição do logradouro quando ajardinado, em 1902. O autor afirma que “um catavento puxava água para um depósito que abastecia oito tanques destinados a manter viridentes os canteiros floridos situados nas partes em que se dividia o trecho central”.

Segundo ambos os relatos, embora stricto sensu destituído de qualquer função decorativa, o cata-vento da Praça do Ferreira era visivelmente importante para manter viçosos e vistosos os canteiros do jardim.



Enquanto o cata-vento da Praça do Ferreira comparece nas lembranças e escritos de Otacílio de Azevedo e Mozart Soriano Aderaldo, o arquiteto José Liberal de Castro articula a dificuldade de obtenção de água doce em Fortaleza à concepção projetual do Passeio Público. A despeito de sua filiação às matrizes paisagísticas europeias, o passeio adaptava-se às condições topográficas e hídricas locais, visto que “minguava a água na Cidade, obtida de cacimbas, com dificuldades, e elevada às caixas de distribuição por meio de bombas movidas a braço ou por cataventos”. Liberal de Castro afirma que “o agenciamento em patamares procedia do aproveitamento da disposição rampada do terreno, sem quaisquer vínculos com os jardins à italiana, estes animados pela fartura hídrica, em canais, lagos, fontes e cascatas”.



Informações sobre a procedência de tais equipamentos constam na obra do escritor e ex-prefeito (1933-1934) Raimundo Girão (1900-1988). O autor afirma que, no início do século XX, os cata-ventos de Fortaleza, “em geral, eram de fabricação norte-americana, quase todos dos tipos Dandy e IXL”, e, em razão do seu crescido número, ofereciam “sugestivo aspecto” à cidade. Ainda segundo o autor, a população supria-se de água por meio de “cacimbas escavadas nos quintais das casas e elevada por moinhos de vento a rodarem desesperadamente dia e noite”, ao passo que a água potável “era distribuída pelas residências em cargas de quatro ancoretas ou canecos, transportados por jumentos”.
Reafirmando a informação de Girão, José Liberal de Castro registra que os cata-ventos metálicos, existentes “em número incontável” na cidade, eram utilizados nas moradias antes da instalação da rede de distribuição d’água domiciliar, mas também serviam para a irrigação dos jardins públicos. Em suas palavras, “os cata-ventos na quase totalidade exibiam, nas pás, o logotipo da marca Dandy, americana, embora alguns exemplares fossem de fabricação local”, produzidos pela Fundição Cearense.

A arborização da cidade era uma preocupação constante: 









Continua...

¹ É importante lembrar que, naquele ano, a cidade de Fortaleza contava com pelo menos seis jardins públicos: o Passeio Público, o Parque da Liberdade, o Jardim 7 de Setembro da Praça do Ferreira, o Jardim Nogueira Accioly da Praça Marquês do Herval, o Jardim Pedro Borges (ou Caio Prado) da Praça da Sé e a Praça General Tibúrcio, não se dispondo, contudo, de informações sobre seu estado de conservação.

² Nota originalmente publicada em 6/8/1930 sob o título Fortaleza no Jornal Pequeno, editado na capital pernambucana. Cf. Correio do Ceará (16/8/1930, p. 7).

³ No caso do sistema elétrico, para o funcionamento da fonte, foi necessário, contudo, fazer uma instalação especial por um engenheiro inglês.


Créditos: Aline de Figueirôa Silva (Arquiteta e urbanista) - Artigo: À procura d'água: cata-ventos americanos nos jardins de Fortaleza, Mensagens do Governador do Ceará para Assembleia em 1927/1943, Jornal Pátria (1915), Jornal O Ceará (1928), Jornal A Razão (1931), http://bndigital.bn.gov.br, Acervo Lucas, Acervo Fortaleza Nobre e Arquivo Nirez

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O Centro e o conflito da Modernização na década de 30 - Parte II


Praça do Palácio (Atual General Tibúrcio) antes do aterro. Álbum Vistas do Ceará 1908

Foto ao lado: Rua São Paulo com a praça à direita.

Em consequência da torrencial chuva desta manhã, veio a desabar parte da muralha de arrimo do Aterro da Praça General Tibúrcio, canto da Rua São Paulo, local onde ultimamente a Prefeitura planejava construir mictórios públicos. Embargada a obra já iniciada, trataram de reconstruir a parede e o fizeram sem a necessária solidez, causa do desmoronamento desta manhã. (CORREIO DO CEARÁ, 20/12/1934. P. 08).

Álbum Vistas do Ceará 1908

Como era e como ficou depois do aterro. 
Foto1: Acervo Carlos Augusto/Foto2: Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934

O desabamento do aterro da Praça General Tibúrcio, noticiada pelo Correio do Ceará, como “Serviço mal feito”, nos deixa claro como o processo de remodelação do centro se efetuava com percalços pelo caminho, pois desabamento de aterros, acidentes de trânsito causados pelas obras, acidentes de trabalho nas construções, dentre outros, ocorria com uma assiduidade espantosa que já se tornara uma característica congênita do processo de urbanização da cidade. Fortaleza era na época um “canteiro de obras a céu aberto”. Porém, um canteiro sem uma infraestrutura segura para os operários e transeuntes, como verificado no caso do desabamento do Arco do Triunfo, na Rua Major Facundo, uma das mais importantes do perímetro central. Na época, quase toda a cidade estava eufórica com a visita de Getúlio Vargas, veiculada em todos os jornais da urbe como um grande acontecimento, até mesmo pelos matutinos que criticavam Getúlio, como ditador. Portanto, a cidade deveria estar bonita e “enfeitada”, para transmitir uma “boa imagem” da administração local.

 População aguarda ansiosa a chegada de Getúlio Vargas em frente a Estação Central
Fotos Acervo Assis Lima

Ontem cerca das 23, ½ horas, deu-se um horrível desastre do qual quase que perecem sem vida seis operários, a serviço da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Estava em construção, há alguns dias, no trecho da Rua Major Facundo, esquina com a Travessa Senador Alencar, um arco em que seriam colocadas flores naturais, para o fim de ser saudado, com elas, a entrada da nossa cidade, o Sr. Chefe do governo provisório. Naquela hora, a mandado do humanitário Prefeito da Capital, uma turba de trabalhadores foi desobstruir o referido arco, pois, com a notícia da chegada, hoje a tarde, do Sr. Getúlio Vargas, todos os esforços seriam perdidos em concluir a obra em tempo. Quando despregavam as primeiras taboas, veio abaixo toda a armação, resultando da catástrofe saírem cincos operários com sérios ferimentos nos membros, e um contorcionado gravemente. (A RUA, 17/09/1933. P 02).

Rua Major Facundo

Após o acidente, os operários foram levados pela polícia para a Santa Casa de Misericórdia, onde receberam atendimento. Na verdade, era muito importante para Raimundo Girão, como administrador da cidade, apresentar Fortaleza como uma cidade “moderna”, resultado do seu trabalho. Pois, além dessa boa imagem garantir a sua permanência no poder, poderia receber mais incentivos financeiros para efetuar a modernização da Capital, visto que uma boa parte dos recursos era oriunda do Governo Federal. Para tanto, não bastava reformar as ruas, praças, logradouros etc., era necessário “vendê-la” como um arquétipo da modernidade, onde o centro era a sua vitrine principal. Os aspectos obsoletos, arcaicos, anti-modernos da Capital, como as favelas e os areais, deveria ser ocultada da visita de Getúlio.
A dinâmica da cidade foi transfigurada, nos dias 17 a 20 de setembro de 1933, período da estadia de Getúlio Vargas, as obras de calçamento das ruas tiveram que sofrer alterações no “calor da visita”, para resplandecer, cintilar, somente os aspectos positivos da urbanização.

Grande concentração de apoio a Getúlio Vargas na Praça do Ferreira. Acervo Lucas

Agora, porém, com a passagem da comitiva presidencial, o Sr. Prefeito deu nova feição aos trabalhos. Por quê? Ninguém sabe. O certo é que ele mandou que a picareta da prefeitura, desordenadamente, arbitrariamente, desalojasse todas as pedras de algumas travessas, e simultaneamente da Praça do Ferreira, de forma que hoje, ninguém mais pode andar por aqueles sítios. [..] Ontem, por exemplo, o mau serviço culminou. Ninguém sabia onde pisar. Tinha-se a ideia que um terremoto deslocara o empedramento da cidade, fazendo um estrago irremediável. (O NORDESTE 23/09/1933 p 04).

Porém, o que notamos é que a imagem construída pelo O Nordeste divergiu do projeto do Prefeito. O matutino na mesma matéria, ainda ironiza Raimundo Girão, insinuando que ele estava iludido, achando que parecia Getúlio Vargas, quando na verdade ele estava “interrompendo o trânsito, atestando o progresso e também atestando um serviço mal orientado”. O calçamento das ruas foi um dos pontos mais polêmicos no projeto de modernização na época. Primeiro, porque só contemplava o centro e as ruas comercialmente mais importantes. Segundo, porque foi um processo arbitrário, verticalizado onde a sociedade estava apartada das decisões, restando apenas, criticar os resultados. Noutra matéria do O Nordeste, percebemos melhor esses contrastes:

Fortaleza apresenta, em matéria de calçamento, o mais chocante dos contrastes. Enquanto a Praça do Ferreira, e algumas ruas ostentam o luxo da pavimentação a concreto ou a paralelepípedo, outras vias, mesmo centrais, se ressentem de qualquer melhoramento nesse sentido, e em várias, o calçamento existente é desolação. Trechos há, por exemplo, na rua “Dona Isabel”, quase intransitáveis, como há na rua “Major Facundo”, “Dona Bárbara”, etc. É uma tortura andar por ali, de veículo ou a pé. De forma que a capital está dando a impressão dessas moças vaidosas que usam vestido de seda e sapatos de solados rôtos. (IDEM, 16/12/1933. P 03).

Esse trecho é muito elucidativo sobre o processo de remodelação das ruas, e da implantação do calçamento a concreto. O calcamento a paralelepípedo estava sendo substituído pelo concreto, pois facilitava o transporte de carros, de pessoas, e era considerado mais moderno e esteticamente superior. Porém, como observamos essas melhorias só contemplavam o centro da capital, e mais especificamente, as ruas mais importantes. As áreas mais distantes como subúrbios, favelas, ou mesmo um bairro um pouco afastado do centro, não era alvo dessas reformas. A modernização numa cidade capitalista é, em essência, excludente. A produção de mercadorias é priorizada em detrimento das relações humanas, por conseguinte, os locais de saneamento com equipamentos modernos e condições salutares de moradia, também seguem essa ordem, a “hierarquia da mercadoria”. Não obstante, a própria rua e o calçamento, são também mercadorias, que também se depreciam.

Trechos há, em que dentro de pouco tempo, terá desaparecido por completo o cimento, tal é a precariedade do trabalho [...]. O serviço está mal feito em vários pontos, e a prefeitura deve-se lembrar de que o proprietário, que concorre com sua quota para o calçamento, tem o direito de exigir trabalho eficiente, seguro, para que amanhã, sob pretexto de remodelação no pavimento urbano não venha a recontribuir, onerosamente, para tal serviço. Faz-se preciso, destarte, fiscalização mais rigorosa no calçamento a concreto. (IDEM, 16/11/1933 p 03).

Esta citação expressa que a rua, mesmo sendo uma via pública, já era enxergada como mercadoria, da qual os “proprietários- consumidores” que pagaram os seus impostos teriam o direito de “usufruir” de um produto com qualidade e trabalho eficiente. Há uma inversão de valores, e uma apropriação do público pelo privado, pois não é um cidadão que exige um serviço bem feito mediante a cobrança dos seus impostos, mas um “proprietário”, que não quer onerar o seu bem. Outro elemento importante que podemos constatar, é que já se tinha a noção de que algumas obras eram construídas para terem uma vida curta, a pretexto de reconstruí-las e atrair novos investimentos. Ao que tudo indica as reformas na pavimentação de Fortaleza, não escaparam a esta lógica:

Quem se der a curiosidade de transitar pela travessa Senador Alencar, trecho compreendido entre a rua Major Facundo e Barão do Rio Branco, verificará de que maneira pouco recomendável está a prefeitura gastando os dinheiros do povo. Só nesse pequeno trecho encontram-se uma meia dúzia de remendos recentes, defeituando todo o serviço da pavimentação. Isso vem provar, simplesmente que na composição do concreto entra grande parte de areia e uma insignificância de cimento. O mesmo vem acontecendo com os paralelepípedos. Esse mal acabamento demonstra a sociedade que a prefeitura não fiscaliza os serviços que estão sendo executados a custa do povo e que vão ser pagos por esse mesmo povo. [...] Tudo isso ocorre agora em pleno e rigoroso verão. E quando chegar o inverno? Temos necessariamente de encomendar algumas canoas se desejarmos transitar pela Praça do Ferreira e rua Major Facundo. (A RUA, 29/10/1933 p 09).

A modernização numa cidade capitalista é, em essência, excludente.


O “libelo” acima critica a qualidade da pavimentação, destacando que o material utilizado na construção era adulterado, composto mais de areia do que de cimento. E a culpa seria da prefeitura, que não “fiscalizara as obras”. Diferentemente do relatório apresentado pelo Interventor Federal, Roberto Carneiro de Mendonça, que representou uma imagem edulcorada da remodelação de Fortaleza, alguns periódicos mostraram uma visão diametralmente oposta, esboçando que foi um processo constituído de diversas contradições. E as contradições iam desde o péssimo saneamento dos bairros pobres, até precariedade do serviço de saúde, proliferação da miséria nos areais ao redor da cidade, ausência de local para cuidar dos mendigos, propagação de doenças como: varíola, lepra e alastrim, aumento dos números de delitos, aumento exponencial dos acidentes de trânsito e de trabalho, divorciamento socioespacial do centro–periferia, dentre outros antagonismos provenientes do processo de “modernização” de Fortaleza, ou melhor, das reformas materiais realizadas no perímetro central. Deixando os demais logradouros, expostos á sorte.

Continua...


Leia também:
As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital
A Seca, o conflito político e a favelização da capital
Seca e Campos de Concentração em Fortaleza

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.
Fonte: Relatório do Interventor Federal Roberto Carneiro de Mendonça. Arquivo Público do estado do Ceará./http://memoria.bn.br/

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: