Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Cine Diogo
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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domingo, 22 de março de 2015

Pega Pinto do Mundico


O Mundico¹ do Pega Pinto - Agradecimento a Amanda Freitas

Na Fortaleza dos anos 60o refrigerante preferido dos habitantes da cidade era o refresco (ou aluá?) Pega Pinto.


(Foto ao lado: Gervásio tomando o Pega Pinto vendido a R$1,00)

"Trata-se de uma raiz que chegou a ser colhida entre os túmulos do Cemitério São João Batista para poder garantir o consumo. Na Praça do Ferreira, o comerciante Mundico abriu uma lanchonete - ou merendeira? - de apenas uma porta, bem pequena, que tinha como principal produto o Pega-Pinto, delicioso diurético que era servido com tapioca ou pedaço de bolo.




O Pega Pinto do Mundico ficava logo após o cine Moderno na rua Major Facundo.

Depois dos filmes nos cines Moderno, Majestic, São Luiz ou Diogo, a rapaziada lotava o Pega-Pinto do Mundico, que concorria com o caldo de cana da Leão do Sul

O progresso expulsou o Mundico da rua Major Facundo para a Duque de Caxias, perto da Praça do Carmo. Fui embora de Fortaleza e não tive mais notícia da garapeira famosa."  Gervásio de Paula


O aluá está de volta a Fortaleza?

Conforme Gervásio de Paula, o pega-pinto é vendido, atualmente, na lanchonete Azteca, no térreo do edifício da ACI, esquina das ruas Liberato com Perboyre Silva.


 ¹Luís Gonzaga da Silva, o Mundico, foi um comerciante popular do Centro da cidade, famoso pelo “Pega-Pinto”, bebida com chá de raíz (um chá medicinal, porém, ele vendia junto com cachaça, se o cliente desejasse... rsrs) que curava males nos rins, dizem. 

A comercialização começou por volta de 1935, na Praça do Ferreira, ao lado do Cine Moderno, onde permaneceu por mais de três décadas, indo depois para a Duque de Caxias. Após 7 anos, foi para a Clarindo de Queiroz, em frente aos Merceeiros. Exatamente o estabelecimento da foto ao lado, publicada pelo jornal Correio do Ceará

Mundico faleceu em 1977, aos 63 anos, no Hospital Cura Dar's. Por ironia do destino, faleceu de problemas renais. 

Acervo Lucas.



Crédito: Blog do jornalista Wilson Ibiapina, Conversa Piaba.


sábado, 14 de junho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte IV)



O  Radioteatro e o Encanto das Radionovelas



As primeiras transmissões de radionovelas, no Brasil, se deram por volta de 1930. As emissoras, a exemplo do que acontecia nos jornais, passaram a retransmitir as narrativas presentes nos romances de folhetim. A primeira radionovela transmitida no Brasil foi “Em Busca da Felicidade, originalmente escrita pelo cubano Leandro Blanco com readaptação e tradução de Gilberto Martins.

Foram 284 capítulos em quase dois ano de transmissão sempre nas manhãs de segunda, quarta e sexta. A ideia de importar o texto partiu da Empresa de Propaganda Standard de Cicero Leurenroth, que via no rádio um excelente veículo para alcançar as donas de casa. Detentora da conta publicitária da Colgate-Palmolive, a agência projetou a veiculação de uma radionovela para alcançar as vendas do creme dental da industria Norte-Americana. (FERRARETTO, 200l. p. 119).


Naquele mesmo ano, a Rádio São Paulo começava a transmitir a primeira radionovela criada no Brasil: Fatalidade, escrita por Oduvaldo Viana. De acordo com Ferraretto (2001), “as tramas traziam como características um enredo simples e relativamente conservados” (p. 119). 

No Ceará, o radioteatro – precursor da radionovela - passou a ser uma das principais atrações da grade de programação, ainda nos primórdios da emissora, na década de 1930. “Com um elenco invejável, notadamente de radioatrizes, a PRE-9 marcou época com trabalhos memoráveis que jamais serão esquecidos” (LOPES, 1994, p. 131). As radionovelas incitavam a imaginação do público, propondo um lugar específico para a fantasia. Os efeitos especiais produzidos no rádio, a interpretação dos artistas, o timbre de voz, construíam um imaginário peculiar que se adaptava perfeitamente à ordem melodramática.O rádio como era uma coisa feita com carinho e com zelo, com respeito,
principalmente, ele induzia as pessoas a pensar. Você ouvia a novela e você criava o cenário, você criava o personagem. Ah, esse fulano, esse ‘galanzinho’ deve ser assim, assim e assim. Ele deve ter olhos verdes, ele deve ter cabelos loiros, deve ter um nariz muito bonito, uma boca assim, assim e assim. A sua coleguinha aí vizinha que tava ouvindo fazia uma outra imagem, ela idealizava aquele homem, que aquela voz induzia ela a pensar... Ou aquela mulher... (PEIXOTO, entrevista, 2005). 

Dentre as tramas teatrais de maior destaque, no início da década de 1940, podemos citar Arizona nos quatro cantos do mundo. A coluna Radiofônicas, de um jornal da época, destacou o sucesso da transmissão perante o público cearense:

“Arizona nos quatro cantos do mundo já tomou conta das boas graças dos
ouvintes. Aventuras sensacionais teatralizadas eis o que apresenta o novo programa das segundas e quartas-feiras ao microfone da querida emissora local.”
 (outubro de 1940). 

No Ceará, em meados da década de 1940, o consumo de livros, revistas, jornais e filmes era restrito a uma pequena parcela da população. O valor das publicações e o alto índice de analfabetismo eram fatores que impossibilitavam o acesso da maioria da população a tais bens culturais. Diante deste contexto, as radionovelas surgiram como um dos mais importantes produtos da indústria cultural. As histórias romanceadas, divididas em capítulos, eram “levadas ao ar” pela manhã, às 9 horas, e no período da noite, no chamado “horário nobre”

Arquivo Biblioteca Nacional

De acordo com Eduardo Campos (1984), a primeira novela irradiada pela Ceará Rádio Clube, ao vivo e com o seu próprio cast, foi o seriado Penumbra, de Amaral Gurgel, transmitida primeiramente na Rádio Tupi, do Rio de Janeiro (p. 14). Já a primeira radionovela cearense foi Aos Pés do Tirano, escrita por Manuelito Eduardo (Foto ao lado), em meados da década de 1940. No ano de 1944, a Ceará Rádio Clube lançou o primeiro concurso radiofônico de peças de radioteatro, sob o tema: Os Grandes Processos da História. O vencedor foi o jornalista Eduardo Campos, com o tema Processo de Maria Antonieta. O jornalista passou a compor o quadro de funcionários da emissora, no dia 04 de setembro de 1944, sendo batizado artisticamente de Manuelito Eduardo¹
Nesse período, também atuaram na PRE-9: Paulo
Cabral de Araújo, João Ramos, Heitor Costa Lima, Mozart Marinho, Aderson Brás, Luzanira Cabral (Stela Maria), José Limaverde e Silva Filho, todos como locutores (CAMPOS, 1984, p. 13).


GRANDES NOMES DA ÉPOCA DE OURO DO RÁDIO CEARENSE: KEYLA VIDIGAL, BARBOSA, NOZINHO SILVA, MIRIAM SILVEIRA, ISMY FERNANDES, GUILHERME NETO, JOÃO RAMOS , MARIA JOSÉ BRAZ, LAURA SANTOS E MARILENA ROMERO. Arquivo Radiouvintes

A Programação Esportiva

As primeiras transmissões esportivas seguiram o mesmo caráter amador
predominante nos outros formatos do início do rádio. No Ceará, a primeira partida de futebol foi transmitida pela Ceará Rádio Clube, em 1938, quatro anos depois de sua instalação. O locutor era José Cabral de Araújo, ele narrou o jogo dos estúdios da emissora, onde se comunicava por linha telefônica com o repórter Rui Costa Sousa, que falava do Campo do
Prado². Segundo Eduardo Campos “graças a esse artifício, os que estavam na cidade puderam acompanhar todo o jogo, narrado com maestria pelo locutor, que se julgava presente (no estádio)” (CAMPOS, 1984, p. 15). 

A primeira reportagem esportiva, de nível profissional, feita no Ceará, também foi levada ao ar pela Ceará Rádio Clube, o repórter era Oduvaldo Cozzi (Foto ao lado), que atuava em programas de entrevista, na PRE-9. Anos mais tarde, Odulvaldo passou a fazer parte do quadro de profissionais da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde se firmou como especialista em transmissões esportivas. As primeiras transmissões de jogos já se caracterizavam pelo estilo pessoal da narração. Cada locutor imprimia a sua marca, traço que se desenvolveu e permanece na atualidade, é o estilo de transmissão que diferencia o locutor ou a equipe. Tom de voz, velocidade, silêncio, metáforas, aliterações, interpretações tornam a equipe inconfundível.
O linguajar diferente do comunicador esportivo tem motivos vários, que vão desde a necessidade de fugir ao comum, imprimindo à expressão verbal um significado conotativo, até a incessante luta pela conquista de maior audiência. Este fato leva, inclusive, à necessidade de atrair ouvintes através de auto-afirmação capaz de criar uma terminologia às vezes inédita, que caracterize a busca da marca pessoal de cada comunicador (CAPINUSSÚ, 1988, p.15).

No final da década de 1930, Boletim Esportivo, ia ao ar ao meio-dia, pela PRE-9. O programa Boletim Esportivo trazia as novidades sobre o Foot-Ball, esporte caracterizado como elitista e praticado, exclusivamente, por homens brancos. Foi nesta década que o esporte alcançou uma grande expansão no que diz respeito à sua prática e aos seus torcedores.
Criaram-se, nos subúrbios, times de futebol formados por trabalhadores. De acordo com Rodrigo Pinto (2007, p. 04), “os trabalhadores passaram a ver que esporte, música, dança, piqueniques domingueiros eram possibilidades de lazer diante da opressão do sistema de produção ou do rígido controle patronal”. O futebol, aos poucos, passou a fazer parte da programação radiofônica, tornando-se um dos maiores atrativos do veículo. “O futebol ajudou a popularizar o então emergente veículo de massa, enquanto o rádio retirou o esporte de dentro dos estádios e o levou para o imaginário popular” (ALMEIDA E MICELLI, p. 01, 2004). 
Almeida e Micelli afirmam que o radialismo esportivo se antecipou, a qualquer outro setor radiofônico, no que diz respeito à linguagem e aos avanços técnicos. Os locutores por se verem diante da expansão do veículo e da obrigação de improvisar nas suas narrações desenvolveram técnicas narrativas para atrair os ouvintes. Palavras de origem inglesa foram adaptadas para o português (Por ser um esporte de origem inglesa, o futebol, ao chegar no Brasil, trouxe expressões como: fiels (campo), goalkeeper (goleiro), referee (juiz), dentre outras.), o ritmo veloz e emotivo passou a ser utilizado nas locuções, a criação dos bordões e o jogo com as palavras passaram a dinamizar as narrativas futebolísticas. “A nova linguagem permitiu ao ouvinte ‘visualizar’ o campo e todos os lances do jogo, contribuindo assim para transformar o futebol em espetáculo de massas e paixão.” (ALMEIDA e MICELLI, p. 02, 2004). 
O objetivo era envolver o público emocionalmente a cada partida. “A emoção faz com que o jornalismo esportivo esteja sempre numa linha tênue entre a pieguice e a razão. Costuma-se dizer que não há cobertura esportiva sem emoção, mas o jornalista não se pode deixar levar por ela” (BARBEIRO E LIMA, 2001, p. 76). 
A linguagem utilizada pelos locutores possuía em sua essência, um caráter regional; eram repetidas expressões conhecidas pelo público e diálogos que estavam presentes no cotidiano social do fortalezense. Para Jung, “uma das características do rádio é a proximidade com o ouvinte, a conversa direta com o cidadão. (...) O público se identifica com a emissora da cidade e com o radialista de plantão” (2005, p. 39). 
Essa é uma das características que aproximou o rádio do público, facilitou sua expansão para além das fronteiras sociais, e estimulou o empreendedorismo no mercado de informação.

A Primeira Concorrente e a Mudança para o Edifício Pajeú

No final da década de 1940, a Ceará Rádio Clube se viu diante de mais um desafio, a inauguração, em 09 de outubro de 1948, da sua primeira concorrente: a Rádio Iracema de Fortaleza, ZYR-7. É neste período, que o profissional do microfone começa a fase de amadurecimento profissional e se estabelece a especificação de suas funções.


As funções dentro do rádio vão-se tornando independentes, passando a fase em que o mesmo radialista, por solicitação da empresa ou de seu próprio espírito de trabalho, era levado a diversificar a sua atuação, constatando-se a presença do locutor também como radioator, organizador de programa, redator, animador de auditório, etc. (CAMPOS, entrevista, 2005).

ZYR-7 não foi uma ameaça direta à pioneira, Ceará Rádio Clube, de acordo com Marciano Lopes (1994, p. 42), “mesmo chegando para disputar ouvintes, a ‘Iracema’ não vinha como guerreira”. A emissora tinha consciência de que não seria fácil desbancar a emissora dos Associados. Com o surgimento da Rádio Iracema, a Ceará Rádio Clube tratou de “crescer, melhorar e mostrar que tinha de continuar sendo a melhor” (LOPES, 1994, p. 59). 

A emissora deixou sua antiga sede no Edifício Diogo e se transferiu, no dia 13 de maio de 1949, para o Edifício Pajeú. A Rádio Iracema, localizada no Edifício Vitória, também atraia o público com os espetáculos encenados no roof-garden, nome dado ao auditório da emissora que ficava ao ar livre. “O palco era coberto, mas a platéia ficava a céu-aberto, inclusive com mesas onde os frequentadores assistiam aos ‘shows’ tomando wisky, cerveja, refrigerante, etc.” (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 39). 

Um dos programas apresentados no palco da ZYR-7 foi o Fim de Semana na Taba, apresentado por Armando Vasconcelos. O programa era apresentado aos domingos, das 20h às 23h, e atraia a sociedade local para participar de brincadeiras e ouvir a voz da cantora cearense Aíla Maria. Sempre com o auditório lotado, o 
programa era anunciado como “o da elite”. Era exigido paletó e gravata para todos os frequentadores. Também tinha o “slogan” de “programa milionário do rádio cearense”. Para honrar esse título, o programa distribuía prêmios de valor em suas muitas promoções e concursos. Certa vez, o prêmio era uma viagem, via aérea, para Paris (França) com uma ajuda de custo de
10 mil francos, afora a passagem (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 40). 

Fim de Semana na Taba foi considerado como o primeiro e único programa de gala
do rádio cearense. A elite local se reunia aos domingos para uma verdadeira parada de
elegância no auditório da Rádio Iracema. As mulheres compareciam com roupas luxuosas
para competirem com as estrelas do rádio local, que se apresentavam com figurinos dentro do que havia de mais atual na moda parisiense. Com a sua popularização, o rádio, que antes se restringia a pequenos grupos, chegou aos cantos mais remotos do território cearense. Aqueles que antes se mantinham alheios aos acontecimentos do próprio Estado passaram a ter conhecimento do que acontecia do outro lado do mundo. Aos poucos ia se estabelecendo uma relação familiar entre o público e o novo meio, que alcançaria na década de 1950 sua chamada “época de ouro”. Diante do impedimento da ida aos auditórios das emissoras, as
camadas populares começaram a se reunir em eventos domésticos e sociais, nos quais se faziam festas dançantes ao redor dos aparelhos de rádio.

Continua...

¹ Manuel Eduardo Pinheiros - Eduardo Campos, nasceu em Guaiúba, então distrito de Pacatuba, no dia 11 de janeiro de 1923, filho de Jonas Acióli Pinheiro e Maria Dolores Eduardo Pinheiro.

Órfão de pai, aos 4 meses, foi entregue aos cuidados dos tios João Pereira Campos e Isabel Eduardo Campos (Irmã de Maria Dolores).

Até 7 anos de idade viveu ao sopé da Serra da Aratanha, em Pacatuba. Pelos 8 anos, em companhia dos pais adotivos, foi morar na Rua do Imperador, 90, em Fortaleza (1930), circunstância que o inspirou, já adulto, ao resgate da memória desses idos, quando a sala de visita das casas ia parar virtualmente nas calçadas, os vizinhos aí reunidos depois do jantar.

Eduardo Campos jamais se distanciaria da moldura ecológica da Serra, nem da paisagem rural desse território geográfico, com ares de sertão.

O curriculum vitae expressa o desempenho como escritor, em seus momentos mais significativos, assim como a listagem dos livros publicados, sessenta ao todo, o resultado de prolífica atividade criativa, que se impôs do teatro ao conto, alcançando a história, o folclore e os estudos de culinária.

² Campo do Prado


Antigo Campo do Prado, antecessor do Estádio Presidente Vargas 
Arquivo Pessoal: Airton Fontenele


Único estádio na época, que ficava localizado na área onde hoje se encontram as instalações do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará CEFET, atual IFCE e o Estádio Presidente Vargas.


Continua...

Leia também:

Parte I
Parte II

Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.). 

Fotos: Assis LimaAirton FonteneleRadiouvintes, Arquivo pessoal e Biblioteca Nacional.


sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Cinema de Arte do Cine Diogo





Era sábado. Exibição do Cinema de Arte do Diogo. O filme em questão: um surrealista de Luís Buñuel (Foto ao lado). De repente, diante dos espectadores, no filme projetado, inexplicavelmente surge uma galinha em primeiro plano – se tratando de um filme surrealista, isso não é de surpreender tanto. Um casal de namorados que assistia ao filme, ansioso para entender as tramas de Buñuel, começa a cochichar, tentando entender o significado existente no aparecimento da galinha. De repente, Augusto Pontes, que estava sentado em uma das poltronas da fileira atrás da que se encontrava o casal, se impacienta com o colóquio e, com uma voz lúgubre diz: “Isto não é uma galinha, é um símbolo”. Os jovens silenciam-se assustados diante da interrupção do diálogo cinematográfico comum nas salas de cinema. 
Olham para trás e, de repente, parecem compreender tudo. 
Cenas adiante, a tal da galinha que havia despertado interesse discursivo do jovem casal de namorados aparece novamente. Neste momento, a jovem moça cutuca o namorado e, num ato de demonstração de entendimento da obra cinematográfica, diz: “Olha aí, o símbolo!”. E, novamente, começa o burburinho intelectual diante do filme, agora contextualizado com uma nova forma de visualizá-lo. Posto irritado, Augusto, faz “fervilhar” ainda mais a confusão epistemológica dizendo: “Agora não é símbolo, é só uma galinha.” ¹
O cotidiano vivido dentro – e fora – do cinema pode parecer cena de filme. A atitude de frequentar o Cinema de Arte (CA) representava certa distinção social e para se fazer inserir no universo pertencente a este grupo, era necessário a utilização de certos preceitos, como por exemplo, o de discutir e entender cinema filosoficamente. É essencial ao grupo que frequentava o CA demonstrar o caráter intelectual que representava ser um frequentador das sessões de arte.


Sala de exibição do Cine Diogo - Arquivo Ary Bezerra Leite

Se, nas salas de cinema comercial, não se exige do público um conhecimento cinematográfico mais amplo, na sessão de arte do Cine Diogo, se tratando de um espaço exibidor no qual é possível ter acesso a um cinema de autor e a ciclos de filmes clássicos, não é suficiente somente assistir ao filme, mas, saber a que experiência estético/filosófica ele está vinculado. E isso se dava no ato de discussão pós-filme, bem como no status de cinéfilo ou de entendido de cinema. Esse status era comumente representado entre a juventude que frequentava o Cinema de Arte que, no ato de assistir a filmes alternativos se diferenciavam dos jovens “menos politizados” da cidade. A narrativa que vimos acima exemplifica a necessidade de exprimir conhecimento e de se fazer parte do universo marcado pela fruição de uma mídia de massa alternativa. 


Panorama da cidade vendo-se o prédio do Cine Diogo - Acervo Carlos Juaçaba

O Cinema de Arte do Cine Diogo surgiu a partir de uma iniciativa de sócios do Clube de Cinema de Fortaleza (CCF), entre eles, Tavares da Silva e Frota Neto, além de Darcy Costa, que pensaram que Fortaleza deveria ter um circuito de exibições cinematográficas que fosse semelhante ao Cine Paissandu², no Rio de Janeiro – comercial, porém com exibições de filmes de autor, alternativos às exibições convencionais das salas de cinema existentes na cidade. O objetivo seria também incluir a juventude no circuito de exibição “de arte”, pois o Clube de Cinema de Fortaleza não era tão frequentado pela mocidade da época. 
O conveniente agora, para a concretização do projeto, seria procurar alguma casa de cinema que aceitasse exibir filmes alternativos – também ditos “de arte”. Após um longo período de negociações entre Darcy Costa e o Grupo Severiano Ribeiro, o entusiasta cultural, usando de sua influência conferida pelo reconhecimento no setor comercial consegue autorização do grupo exibidor para realizar exibições cinematográficas, em uma única sessão, 
aos sábados, às 10h da manhã. 
Nos dias de sábados à tarde, o CCF realizava uma reunião com sua diretoria – o Clube tinha uma formação social institucionalizada, com estatuto, diretor, secretário, tesoureiro, etc. 
Quando foi comunicado o consentimento das exibições, muitos não acreditaram que seria 
possível que alguém fosse ao cinema no centro da cidade, no sábado de manhã. E já na 
primeira sessão, o cinema lotou. As notas também incentivavam a presença do espectador – 

principalmente de jovens – nas sessões de arte, exaltando-as:


"Ontem, o Cine Diogo foi bastante concorrido na sua sessão de 10 horas dedicada ao CINEMA DE ARTE. Muitos jovens presentes e isso é um bom sinal, pois onde há jovem, há probabilidades do movimento crescer. Amanhã o Cine Familiar³ apresenta nas duas sessões noturnas dedicadas ao CINEMA DE ARTE, a fita de Anselmo DuarteO Pagador de Promessas(Foto ao lado), premiado em Canes. Espera-se o comparecimento em massa dos admiradores da arte de Lumière, tão bem equacionada pelos diretores do CINEMANOVO."
(AUTO, Francisco. Gazeta de Notícias. 5 de março de 1967).


Cine Familiar - Arquivo Nirez

Sala de exibição do Cine Familiar

"Depois de um longo período de interrupção, voltou ontem às 10 horas a funcionar o CINEMA DE ARTE, promoção do Clube de Cinema de Fortaleza em colaboração com a Empresa Luiz Severiano Ribeiro. Como etapa preliminar, o CA vai funcionar no Cine Diogo. Para iniciar essa segunda fase, a qual esperamos que não venha a sofrer nova interrupção, foi apresentado “A Noite”, segundo filme da trilogia de Michelangelo Antonioni sobre o tédio reinante nas altas esferas sociais da burguesia contemporânea. Os filmes selecionados para o CINEMA DE ARTE que funcionará nas manhãs de sábado no Cine Diogo, obedecem a um rigoroso critério seletivo e já podemos assegurar para o próximo sábado uma película inédita e considerada pela imprensa do Rio de Janeiro como a melhor do ano passado." 
(Antônio Girão Barroso. Gazeta de Notícias. 5 de março de 1967).


Edifício Diogo, na Rua Barão do Rio Branco - Arquivo Nirez

Durante o período de um ano – o corrente ano de 1967 – o Cinema de Arte do Cine Diogo exibiu 44 filmes, sendo retratados em jornais em notas pré-exibição ou em críticas após as exibições. Por vezes, era retratado nas colunas a presença dos espectadores e o êxito 
alcançado pela iniciativa cinematográfica. 
Podemos entender, entretanto, que o Cinema de Arte do Diogo tratava-se também de um cineclube, tendo apenas algumas características que o diferenciavam do Clube de Cinema de Fortaleza, que eram, em primeiro lugar e, principalmente, o fato do consumo cinematográfico se dá em uma atitude capitalista. O consumo, enquanto fruição cultural, nesse caso, necessitava de uma disponibilização financeira do espectador. No Clube, assistir filme era gratuito, bastava interessar-se em participar. Poderia haver assiduidade ou não. 
Outra distinção entre as duas iniciativas culturais era o fato do CA do Diogo não requerer filiação social. Para participar das sessões do Clube não era necessário ser filiado. 
Entretanto, para ter voz e voto dentro da entidade, associar-se era fundamental. 
Outra característica das exibições em cineclubes e ausente nas sessões de arte do Cine Diogo eram os debates pós-exibições, que aconteciam em espaços  fora do cinema não engajando o público em um todo, sendo uma atitude isolada a grupos mais politizados. 

A prática social de ir ao Cinema de Arte do Diogo não se limitava apenas à sala de cinema e aos corredores do prédio exibidor. O ciclo de convivência extrapolava o ambiente cinematográfico e partia para as ruas. O espaço cedido pelo Grupo Severiano Ribeiro não permitia a realização de debates após os filmes, pois logo após a exibição, os espectadores deveriam desocupar a sala para a realização da nova sessão de cinema, agora do circuito comercial habitual da sala exibidora. Os “cinéfilos engajados” discutiam, então, em espaços da cidade. Lanchonetes, bares, lojas ou clubes tornavam-se espaço de convivência e "extensão” da obra cinematográfica. 
Dessa forma, a prática de ver cinema de arte provocou novas práticas sociais em novos espaços, no caso, a ocupação de outros lugares:

“Quando acabava a exibição dos filmes, não podíamos ter discussão dentro do cinema, pois tinha hora para vagar o cinema. A empresa tinha que limpar a sala para ter a primeira sessão da tarde, a vesperal, e agora, comercial. As pessoas iam, então, para essa lanchonete em frente – lá tinha um chope ou uma coisa assim – ou iam para o Clube dos Advogados, meio quarteirão depois. Aí iam comer a feijoada do Clube. Nosso ‘Cine Paissandu’ era no meio da rua, dia de sábado, em baixo do Sol cearense. Então, esse período foi essencial.” 
(Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).


O Clube dos Advogados, local de reunião dos cinéfilos.

A experiência do Cinema de Arte do Cine Diogo teve importante influência no cotidiano da cidade de Fortaleza e incutiu uma cultura cinematográfica ao público diverso cearense. Talvez fosse uma atitude isolada, reservada a pequenos grupos sociais – sabemos, contudo, que as sessões de arte lotavam o Cine Diogo, que dispunha de 995 poltronas – porém, parte da juventude universitária e secundarista frequentou as sessões de cinema:

“O Cinema de Arte estava sendo um catalisador de pessoas e idéias, de convergência de interesses. Acontece a Casa Amarela e o Cinema de Arte do Center Um, cria do Clube de Cinema. Aí já é a migração da cidade, do centro para os bairros. Esvaziar a cidade, esparramada. Nós somos umas das poucas cidades do mundo que não temos referência do centro da cidade, que não vive o centro.” 
(Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).


 Casa Amarela - Arquivo O Povo

Center Um - Arquivo O Povo

O Cinema de Arte do Cine Diogo pulsou em Fortaleza até o ano de 1972. Neste ano, a 
programação de televisão já era comumente abordada nos jornais. Sua grade era divulgada e comentada e o cinema perdeu o espaço de crítica nas páginas jornalísticas, restando apenas a 
divulgação dos principais filmes que estavam sendo exibidos na cidade.


Cíntia Mapurunga
(recém-graduada em Comunicação Social, com habilitação 
em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza)

 (13220 bytes)¹Os dados dessa história foram narrados por Augusto César Costa, mas aparece em 
várias lembranças dos cinéfilos da época. Augusto Pontes, publicitário, músico e pensador, funcionou como uma espécie de “guru” da geração dos anos 60. Faleceu no dia 15 de maio de 2009.

 (13220 bytes)² No final dos anos 60, tempo de ditadura militar, amantes de cinema, intelectuais e estudantes cultuavam “filmes de arte”, em sessões noturnas (22h30 e 0h30, às quintas, sextas e sábados), no Cine Paissandu, situado no bairro do Flamengo/Rio de Janeiro. Os frequentadores mais assíduos representavam o que passou a se chamar de 
Geração Paissandu”, superlotando fielmente a grande sala para, entre um e outro debate político, assistir, idolatrar e discutir filmes de diretores como Godard, Glauber Rocha, Bergman, o neo-realismo italiano, ViscontiAlain Resnais, Eisenstein, Bresson, Pasolini, entre quase todos os outros diretores de filmes alternativos. A 
Geração Paissandu era formada por estudantes, jornalistas e profissionais ligados às áreas artísticas e também por jovens advogados, bancários, químicos, comerciários e por qualquer pessoa com um mínimo de gosto pela arte e com certa necessidade de exprimir-se. Podemos dizer que nem todos eram os considerados cult, mas todos gostariam de o ser.

 (13220 bytes)³ O Cine Familiar também dedicava-se à exibição de filmes de arte, tendo surgido em 1966, sob iniciativa de Tarcísio Tavares e Maurílio Arraes, localizado no bairro de Otávio Bonfim. O Cine Familiar não se localizava, portanto, no “olho” das salas exibições cinematográficas fortalezenses, que era o centro da cidade. A imprensa retratava semanalmente as duas sessões de Cinema de Arte existentes em Fortaleza, a do Cine Diogo e a do Cine Familiar.

Leia também: O Culto ao Cinema na Fortaleza dos anos 60 


Fonte: O culto ao Cinema de Arte na geração de sessenta em Fortaleza

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O culto ao cinema na Fortaleza dos anos 60



Arquivo Nirez

Em uma cidade onde o ponto de convergência das pessoas era o centro urbano, o cinema era uma das principais fonte de cultura e lazer. A realidade de Fortaleza, de certa maneira, impunha o convívio social centralizado, de forma que tudo acontecia no centro da cidade. Lojas, mercado, igrejas, restaurantes, espaços de lazer, bancos e órgãos públicos eram encontrados, quadra-a-quadra, nesse espaço de convergência citadina. 


O Palácio do Governo na Praça dos Leões

As lembranças pontuam o depoimento dos integrantes da geração que vivenciou a época. O
jornalista Augusto César Costa relata que “Tudo acontecia no centro da cidade. A cidade viva no centro. Ali você tinha o Palácio do Governo, a Assembléia Legislativa, o Fórum, a Faculdade de Direito – que era a faculdade mais importante da época –, o Theatro José de Alencar. Então, a vida social de Fortaleza estava toda no centro da cidade.” (Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).



Arquivo Nirez 

O arquiteto e compositor Fausto Nilo retrata que o centro da cidade simboliza o ponto de convergência da cidade, ressaltando a importância da praça nesta característica urbana:

“As pessoas que moravam nas áreas periféricas chegavam de ônibus, tinha um limite, e parte dos ônibus paravam na Praça do Ferreira e tinha o Abrigo Central: uma coberta de concreto e embaixo tinha engraxate, venda de bilhetes de loterias, lanchonetes, era um ágora. E naquele tempo não tinha essa degradação, esse declínio que tem hoje. As lojas eram tudo chique. Não tinha shopping, era tudo ali. Era convergente. As pessoas da Aldeota iam comprar lá, trabalhavam lá, os escritórios eram lá, os bancos era lá, tudo era lá.” (Fausto Nilo, em entrevista concedida no dia 6 de maio de 2009).



Abrigo Central 

O escritor e dramaturgo José Mapurunga elucida também a respeito da importância do centro na história da cidade:

“Você imagina uma cidade sem shopping center, sem supermercado. Se você quisesse comprar alguma coisa, ia ao centro. Existia também, no ponto de vista comercial, uma relação de confiança entre o dono da mercearia e o cliente. Havia as cadernetas e você poderia comprar fiado e o comerciante anotava nela, para que o cliente fosse pagar depois, como acontece ainda em algumas cidade do interior. O centro era também principal ponto de lazer da cidade. A Praça do Ferreira, o ponto de encontro”. (José Mapurunga, entrevista concedida no dia 5 de maio de 2009)

É natural, portanto, que encontremos a forma de lazer moderno mais comum na década de 1960 localizada especialmente no centro da cidade, onde havia a maior concentração de casas de cinema da época¹



Acervo Jornal O Povo

Num período em que a televisão ainda não tinha se consolidado como forma de lazer doméstico predileto, os shopping centers ainda não existiam e não tínhamos também as iniciativas de construção de centros culturais. As formas de lazer sociais e culturais eram muito restritas. Fixavam-se apenas na praia aos finais de semana, no futebol – principalmente para os rapazes –, nas quermesses e nos cinemas. As classes mais abastadas poderiam usufruir, ainda, de clubes sociais privados, como o Náutico Atlético Cearense.


Praia dos Diários - Anos 60

“Vamos pegar aí a vida de um garoto com 16, 17 anos de idade. Tinha as paróquias e as comunidades se faziam em torno delas. A Igreja também era um ponto convergente da cidade, ponto de encontro. Tinha a missa de domingo e as pessoas se encontravam. Então, essas pessoas tinham dois níveis de gravitação de convergência. Tinha o de todos, que era a Praça do Ferreira e tinha os particulares em seu bairro, que era a igreja, que ficava rodeada por uma praça. E o que é que acontecia aí? Cada época do ano, cada paróquia tinha sua quermesse. Era onde os garotos de classe média que não frequentavam os clubes da cidade encontravam as garotas. Era na escola, nas quermesses, na praia e no cinema. Esses eram o ponto de intercâmbio, de poder se encontrar. Os lazeres na cidade eram esses e para os garotos tinham também o futebol. E aqui-acolá íamos a uma tertúlia.” (Fausto Nilo, em entrevista concedida no dia 6 de maio de 2009).

Acervo Jornal O Povo 

Com um caráter representativo de progresso e modernidade, o cinema converteu-se 
em lazer amplamente frequentado, sendo um importante ponto de encontro da juventude na 
década de 1960. 

“Muitos de nós saíamos da escola ou da faculdade e íamos ao cinema no sábado. 
Aos domingos, como era de costume: praia de manhã, cinema à tarde. O cinema também era o programa preferido para sair com a namorada. A sala escura criava um ‘clima’. Como tínhamos pouco dinheiro, geralmente já marcávamos dentro da sala, para não termos que pagar o ingresso da moça". (José Mapurunga, entrevista concedida em 5 de maio de 2009).

O interesse da população pelo cinema era representado frequentemente em colunas de jornais que tratavam, em específico, da sétima arte. O jornal Gazeta de Notícias e O Povo
tinham páginas inteiras reservadas à divulgação e à crítica cinematográfica, além de notas 
sobre a programação semanal ou diária das casas de cinema, dispostas aleatoriamente no 
decorrer do veículo. 

De acordo com José Mapurunga, a juventude que frequentava o cinema em Fortaleza,
em especial as sessões de arte, é caracterizada pelo figurino que vestiam, pelo que liam e pelo
que conversavam. O cinéfilo dos anos 60 vestia-se como “proletariado”, reflexo de uma visão política que aproxima-se das camadas sociais mais populares, proporcionado pelos filmes e pelos livros que compunham o repertório de construção visual e intelectual do espectador da época.

 A geração de sessenta em Fortaleza, embora também assistisse a filmes norte-americanos que impunha o gosto pelo rock 'n' roll e o uso da minissaia pelas mulheres, também
era influenciada pelo cinema europeu, que explicitava a revolução sexual, onde mulheres
também poderiam vestir-se da mesma maneira como apenas homens se vestiam antes,
adotando agora o uso da calças jeans e camisa. E assim o faziam. Como opção musical,
tinham a música popular brasileira como preferência, devido a popularização e disseminação desta nesse período e de sua ligação com a brasilidade, também buscada nas produções
cinematográficas brasileiras.

Entretanto, é importante atentar que o esteriótipo visual com que vestiu-se a geração de sessenta não era unânime. Podíamos encontrar a juventude vestida de jeans, camiseta
branca e sandália franciscana, figurino característico da época, mas não devemos nos fechar
nessa única concepção.

Abrigo Central 

Isso também se aplica ao mito do livro embaixo do braço. Era comum à geração cinéfila de sessenta em Fortaleza, a cultura de usar sempre um livro embaixo do braço, representado aquilo que estava lendo. Poderia ser Marx, Tolstoi, Freud, Lênin; algo de caráter valorativo e que simbolizasse um status de intelectualidade.
Entretanto, o arquiteto Fausto Nilo, frequentador assíduo do cinema na cidade de Fortaleza,
afirma esse não ser um hábito praticado frequentemente por ele, mas afirma a existência deste fato e relata:

“Eu tinha um primo que era meu companheiro de formação. Eu morei na casa dele. 
As curiosidades eram juntas. A gente via muito cinema. Aí, parava num sebo na Rua Guilherme Rocha e tinha um livro pra vender que era assim: ‘A interpretação dos 
sonhos, Freud’. Aí eu olhava pra ele e dizia: ‘Cara, é aquele Freud. Se lembra daquele filme que o cara falou?’. Aí a gente comprou o livro e a gente lia coisas desse tipo, mas não tínhamos interlocutores. A gente lia aquilo só nós e ficava tentando fechar esse mosaico. Então, o CCF e esses jovens intelectuais que foram se identificando na cidade, eles foram ajudando a criar uma teia de sustentação intelectual uns dos outros. E a linguagem era essa: se encontrar no cinema, se ver de longe, depois se conhecer, alguém apresentar e a partir daí, se afeiçoar às características uns dos outros. Era comum desses jovens ler (ou parecer que lia) livros de formação política e intelectual, como Sartre, Marx, Freud. Tinha isso de vê-los sempre com um livro embaixo do braço.” (Fausto Nilo, em entrevista concedida no dia 6 de maio de 2009).

Abrigo Central 

A década de 1960 – era associado, no Brasil, a um momento de intenso desenvolvimento econômico e de efervescência cultural, com proliferação de tendências e manifestações no campo das artes e em outros setores de produção de bens simbólicos. Estes aspectos eram comumente reportados nos periódicos cearenses.

Além de representar uma forma de diversão pura e simples, o cinema funcionou naquele contexto histórico, sobretudo, como um veículo por excelência, de disseminação de ideologia e mensagens ligadas aos mais diversos propósitos. É um tipo de lazer sedutor, que logo se universalizou na preferência do público. E em meio a essa trajetória ditatorial que vivíamos em nosso país, o cinema inseriu-se como aglutinador de grupos, catalisador de pessoas e idéias, lugar onde havia a convergência de interesses. Isso se dava não somente no ato de ir ao cinema, mas nas convivências pré e pós exibições do filme, nos salões de espera das casas de cinema, nas filas para entrar nos filmes e nos bares, lanchonetes e restaurantes da cidade.

Cine Diogo

No momento no qual dispomos de um já consolidado circuito cinematográfico comercial variado surge em Fortaleza o Cinema de Arte do Cine Diogo – melhor dizendo, ressurge² – como uma opção diferenciada de cinema que, a exemplo de outras experiências
vivenciadas no país, exibiria filmes não identificados com o circuito comercial convencional
que normalmente ocupava a programação do Cine Diogo. A ideia surge com objetivo de que
os filmes alternativos³ produzidos na França, Itália, Grécia, Japão, Inglaterra, Estados Unidos, etc., pudessem atrair também um espectador mais jovem.

Cíntia Mapurunga
(recém-graduada em Comunicação Social, com habilitação 
em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza)

Continua...

 (13220 bytes)¹No início dos anos 1950, a cidade contava com dezoito salas de exibição localizadas não só no centro da cidade, mas também em bairros e zonas periféricas, numa clara demonstração do nível de importância que essa forma de lazer assumia no cotidiano fortalezense nos vários segmentos da população. (PONTES, Albertina 
Mirtes de Freitas. A cidade dos clubes: modernidade e “glamour” na Fortaleza de 1950-1970. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005, p.45). Encontramos registrados em jornais da década de 60, o anúncio constante de seis casa de cinema: Cine São Luiz, Cine Diogo, Cine Moderno, Cine Jangada – pertencentes ao Grupo Severiano Ribeiro, que construiu um “império” de exibições cinematográficas no Brasil –, CineArt, Cine Samburá e Cine Familiar – este também com um circuito de Cinema de Arte. O Clube de Cinema de Fortaleza também tinha sua programação semanal divulgada nos jornais estudados.

 (13220 bytes)²O Cinema de Arte do Cine Diogo surge em 1963. Em 1967, o Cinema de Arte estava ressurgindo, no dia 4 de março, após um longo período de paralisação. 

 (13220 bytes)³ Aquilo que não se afina com valores e métodos convencionais ou tradicionalmente conhecidos. O convencional em questão é o cinema comercial hollywoodiano. 

Fonte: O culto ao Cinema de Arte na geração de sessenta em Fortaleza 

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