Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : rua
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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domingo, 17 de outubro de 2021

Os homenageados nas ruas da cidade - Amélia Benebien - Parte XI

A Primeira médica nordestina

Amélia Pedroso Bembem¹ é nome pouco conhecido no Ceará, inclusive em sua cidade natal, Crato². Poucos ali sabem tratar-se da primeira mulher cearense e a segunda no Brasil a formar-se em Medicina, em 1889, pela veneranda Escola de Medicina da Bahia, a mais antiga do País. A primeira foi a gaúcha Rita Lobato, diplomada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, dois anos antes. 

Como boa parte dos vizinhos, seus pais deixaram Exu-PE e foram morar no Crato/Ce, na época a mais progressista cidade de todo o Cariri, extremo sul cearense. Ali nasceu, no Sítio Bebida Nova³, ao pé da Serra do Araripe (de propriedade de seu pai, agricultor e grande produtor de rapadura na região), em 6 de janeiro de 1860, Amélia Benebien (depois Perouse, sobrenome do esposo, Dr. Julio Perouse da Ponte, médico francês), filha de Umbelina Moreira de Carvalho e do coronel Joaquim Pedroso Bembem, parente de Pe. Cícero, afeita aos estudos.

Dez anos antes da Proclamação da República, um decreto (Lei Leôncio de Carvalho) permitiu às mulheres brasileiras estudarem nas Escolas de Medicina. Quando soube, suplicou aos pais para iniciar o curso na Escola de Cirurgia do Hospital Real da Cidade da Bahia, cuja Faculdade de Medicina fora criada em 1808. 

Ao término do curso, a cearense defendeu a tese que intitulou “Disposições anormais do cordão umbilical”.


Recorte da matéria de Ângela Barros Leal (O Povo, 22/11/ 1988), “A História do Ceará Passa Por Esta Rua”. A Rua Amélia Benebien se localiza no bairro do Papicu.


Rua em homenagem à Amélia 

E num lombo de um cavalo, aos 25 anos, acompanhada de dois escravos, partiu para Salvador, cortando de balsa o majestoso Rio São Francisco. Enfrentou o preconceito por ser mulher, cearense, num curso frequentado por filhos de abastados, brancos de todo o Nordeste, e para tal conviveu com seus cabelos curtos, machista, até a formatura em 1889, sem repetir uma cadeira.
Valeu a pena: primeira médica nordestina. E segundo conta a história, foi também a primeira mulher a exercer a Anestesia no Ceará
Amélia faleceu em 1953, aos 93 anos. 

Foto: Memória Histórica do Crato
A respeito da médica cratense, escreveu Figueiredo Filho

“De Crato, escondida à sombra da Chapada do Araripe, quando no Brasil não se falava em reivindicações femininas, ainda na monarquia seguiu, para estudar medicina, a moça Amélia Pedroso. Parte do percurso até alcançar os trilhos da estrada de ferro SalvadorJuazeiro da Bahia fazia-se em lombo de cavalo”. E, reportando-se ao pai de Amélia, para ele uma espécie de Diógenes matuto: 

"Certa vez, quando conduzia a filha do Crato ao São Francisco, acompanhada de dois escravos de confiança, parou o cavalo de súbito em cima da chapada do Araripe. Virou-se para a filha e disse: “Menina, você vive na escola com rapazes brancos e bonitos, mas nunca se perdeu. Pode viajar sozinha com esses negros, sem nenhum perigo. Vou voltar." Retrocedeu. Foi cuidar do engenho de rapadura no seu sítio pé-de-serra, Bebida Nova”.

Rua Amélia Benebien

¹ O escritor J. de Figueiredo Filho, autor do livro “Engenhos de Rapadura do Cariri”, cratense como Amélia, esteve com ela, em Salvador, em 1936. Visitou-a em casa. Ela já de idade avançada e viúva do cirurgião Julio Perouse Pontes, de ascendência francesa. Explica Figueiredo Filho como, com o casamento, ela passou a assinar Amélia Benebien Perouse. Alterou o sobrenome Bembem para Benebien, resultado da junção da palavra latina Bene, e do francês Bien. Na verdade, Bembem era apelido do seu pai que foi incorporado ao sobrenome de família. Com o nome de casamento, passou a ser conhecida na Bahia e com o qual a municipalidade de Fortaleza a homenageou no início dos anos 80, batizando uma rua com o seu nome, fato que até hoje, lamentavelmente, não ocorreu em sua cidade natal. 

² O jurista e escritor Raimundo de Oliveira Borges, em seu livro “Crato Intelectual”, focaliza a figura da Dra. Amélia e afirma fora a homenagem prestada pela edilidade fortalezense à primeira médica cearense, a ilustre cratense “teria desaparecido na voragem do esquecimento, lembrada quando muito pelos familiares...”.

³ Também conhecido como Lopes, o sítio ficava a pouca distância do centro da cidade do Crato e em volta dele dezenas de outras propriedades rurais eram dedicadas à produção de rapadura, que era vendida, em grande parte, para os estados de Pernambuco, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte. Houve época em que só no município do Crato havia mais de 200 engenhos de cana de açúcar, produzindo a melhor rapadura do País.

Leia também:



Fonte: Blog Fatos Históricos Mundo em debate/Portal da História do Ceará/1001 Cearenses Notáveis-F. Silva Nobre e Site Casa do ceara, do jornalista José Jézer de Oliveira (Crato).

terça-feira, 2 de abril de 2019

A expansão urbana de Fortaleza: O desinteresse da cidade pelo mar

Do ponto de vista histórico, Fortaleza teve seu crescimento urbano voltado em direção ao sertão. A faixa litorânea fortalezense passa dessa forma alguns séculos sendo ignorada pelos seus citadinos. O mar, ponto de início da colonização cearense, vem configurar-­se nos primórdios do crescimento da cidade, como um local fora de Fortaleza. Este curioso fato de rejeição do fortalezense ao mar deu-­se principalmente pela origem daqueles que chegaram. Fortaleza, até 1799 (ano do desmembramento do Ceará da Província de Pernambuco), era uma vila sem importância econômica. Destacavam-­se naquela época as vilas de Aracati, Icó, Sobral, Crato, Camocim, Acaraú e Quixeramobim. Isso se dava pelo motivo da principal atividade econômica da província ser a pecuária, com a exportação de carne, couro e animais de tração para a zona ­da ­mata nordestina. 



A Zona ­da ­mata começava a se dedicar ao cultivo da cana ­de açúcar, cabendo ao Ceará a venda dos produtos pecuários para a região. Dessa forma, é dado início a movimentação econômica interna no território cearense. Fortaleza vem crescer justamente a partir da elite oriunda do interior da província. Dessa forma, o mar passa a se configurar por muitos anos como um local esquecido, ausente de qualquer tipo de interesse do homem. Se utilizando das plantas históricas de Fortaleza, esta pesquisa vem analisar a expansão urbana da cidade, verificando as mudanças de olhares do fortalezense em relação ao mar e observando a tomada da ocupação do litoral. 



Analisando a consolidação de Fortaleza enquanto capital, Dantas (2002) afirma que a cidade nascera voltada para o sertão, contradizendo sua natureza litorânea, dado as relações no campo cultural e econômico da sociedade com o interior do Estado, configurando-­se dessa forma como uma cidade litorâneo ­interiorana. O litoral passa a ser vislumbrado pela sociedade fortalezense quando em busca de uma vida político ­econômica mais independente, a cidade apresenta-­se como ponto de exportação dos produtos produzidos no Ceará, notadamente o charque e o algodão, através do Porto, implantado em fins do século XVIII, nas intermediações da Praia do Peixe, atual Praia deIracema
A oferta de mercadorias para o exterior já era presente desde meados do século XVII nas principais cidades brasileiras, uma vez que vendiam seus produtos para a Europa e outras capitanias. 

A vila encontrava-se ainda sem infraestrutura básica para o surgimento da economia de exportação vigente em outras capitais. A ausência de um porto em Fortaleza, capaz de exportar os produtos produzidos no Ceará, levava o crescimento de outras localidades, portuárias, como Aracati e Acaraú, passando a colocar o Ceará na rota de exportação do algodão. Essa precariedade infraestrutural de Fortaleza é percebida a partir da análise da Primeira Planta da Cidade de Fortaleza, rascunhada em 1726 por Manuel Francês que apresenta a Fortaleza do início do século XVIII. Desenhada pelo capitão-­mor daquele período, a planta surge com o objetivo de apresentar à Coroa Portuguesa o domínio lusitano sobre a região. O brasão português sobre o forte e as dez cruzes espalhadas pelo desenho, com o objetivo de reforçar a dominação católica no local, vem como uma tentativa de mostrar características que favorecessem a elevação da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção à categoria de cidade. Percebem-­se nessa planta as poucas edificações presentes em Fortaleza, que contava com algumas dezenas de casas ainda não arruadas, o forte (ainda de madeira), uma igreja e um mercado. Nota-­se a provável inexistência do sobrado localizado a leste do riacho Pajeú, dado pelo fato de não haver nenhum relato que afirme a existência do mesmo e por ser um local apático à ocupação fortalezense da época. Essa construção serviria apenas como uma alusão ao crescimento de Fortaleza, proposto pelo capitão-­mor ao reinado português. 


O desinteresse pelo litoral já era percebido, dado pelas poucas edificações na área. Com a construção das linhas de vapores, que percorriam várias cidades do interior com destino à capital, surge as relações econômicas e sociais do sertão com Fortaleza. Outro fator favorecedor dessa ligação foi a construção do porto nas proximidades da Prainha (atual Praia de Iracema). Nesse sentido, Fortaleza toma um novo rumo. 


Na segunda metade do século XIX, Fortaleza toma de Aracati, responsável até então pela exportação dos produtos cearenses, o comando das relações comerciais de boa parte do Vale do Jaguaribe e Sertão Central, devido o estabelecimento das linhas de vapores diretamente para a capital. A planta da cidade de Fortaleza de 1850, organizada por Antônio Simões Ferreira de Farias, e há muito perdida, reencontrada nos dias atuais por José Liberal de Castro, vem reforçar a expansão da cidade para longe do litoral. A área litorânea mostrava uma ocupação irregular, quase espontânea, indicado no desenho de modo um tanto confuso, fato que teria motivado a contratação de Farias para organizar uma outra planta, unicamente referida aquela parte da cidade (CASTRO, 2005). 
Nota-­se também que o riacho Pajeú continuava a constituir uma barreira física à expansão para o leste, embora já estivesse aberta a rua do Norte (atual GovernadorSampaio), delineada por Paulet no começo do século. A rua Governador Sampaio passava a servir naquela época como eixo direto de um futuro crescimento de Fortaleza para o leste. 

Observando a planta de Simões percebe-se também um caminho cruzando o riacho próximo a foz. Essa estrada que vem ligar o litoral oeste do riacho Pajeú ao litoral a leste do mesmo vem a ser a estrada do Meireles (Mucuripe). Essa estrada, um simples caminho arenoso, atuais Rufino de Alencar e Monsenhor Tabosa, encontrava-­se com uma capela (Conceição da Prainha), cujas obras, iniciadas uma década antes, ainda estavam por completar. Desse ponto, a estrada continuava para o leste, atingindo o Meireles, de onde prosseguiu até o Mucuripe, desviando-­se das dunas (CASTRO, 2005). 


No detalhamento da planta de 1850, onde se destaca a Prainha, nota-­se a predominância da paisagem natural, composta por dunas e lagoas interdunares, tendo como sinal de ocupação a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, o quartel da Fortaleza, a Tesouraria provincial e a Alfândega (capitania dos portos). 

O fato de a cidade instalar-­se no litoral permanecia sem contar muito na formação do imaginário social dos seus habitantes. Segundo Gustavo Barroso, o imaginário interiorano continuava a se legitimar por toda Fortaleza, até mesmo aqueles imóveis localizados à beira-mar, faziam referência a presença do homem do sertão e de seus utensílios.

As zonas de praia em Fortaleza caracterizam-­se nesse período como área de escoamento dos esgotos da cidade, vindo a ser ocupada somente em fins do século XIX, com o surgimento das favelas, devido ao aumento do contingente de imigrante pobres do sertão. 



Com Fortaleza apontando como centro político-econômico do Estado, ela passa a despertar o interesse da elite cearense para a fixação de moradia. A urbanização de Fortaleza é também favorecida pela vinda dessa elite, pois com ela surge a necessidade de melhorias infraestruturais e de serviços na capital. 

Percebe-­se o incremento de equipamentos urbanos em Fortaleza, como a construção de um novo cemitério, a criação da Academia Francesa, a iluminação a gás carbono, entre outros. Surge também a Planta Topográfica de Fortaleza e Subúrbios, de autoria do engenheiro Adolfo Herbster. Integrante da diretoria de obras de Pernambuco, Herbster é cedido ao Governo Provincial do Ceará em 1855, sendo contratado pela municipalidade fortalezense. Dois anos depois, sendo solicitado para a elaboração de plantas da cidade. O urbanista traça um plano urbanístico de desenvolvimento para a cidade, dado pela necessidade de expansão àquela época, devida o aumento de sua população, que passa de uma população estimada em 1500 habitantes em 1800, para 16000 habitantes em 1863 e a 21872 em 1872. 


A referida planta possui um traçado xadrez com grandes boulervards, imitando o modelo parisiense implantado pelo Barão de Haussman, e já idealizado para as ruas da capital cearense cinquenta anos antes de Herbster, por Silva Paulet
Além de retratar a cidade, Herbster propôs sua expansão, elaborando cintas de avenidas, circulando o espaço urbano habitado, configurados através dos boulervards do Imperador, Duque de Caxias (logo prolongada para leste), e da Conceição (atual Avenida Dom Manuel), que comporia as vias de acesso à cidade, estabelecendo um modelo secção de vias urbanas em voga até os dias atuais. Dessa forma, percebe-­se que Herbster desprezou o arruamento proposto por Simões de Farias em 1850, evitando cortar o Pajeú em trechos centrais, já ocupados por residências. 


A proposta de expansão de Fortaleza por Herbster fez-se, portanto, pela continuação da Avenida Duque de Caxias, atual Avenida Heráclito Graça. Essa solução visava contornar o riacho cruzando pela Avenida Dom Manuel e suas paralelas, em trechos já distantes da foz. 

Essa nova proposta de expansão da cidade para o sul e para o leste, reforçava o desinteresse de fixação de moradia na faixa de praia pela classe abastada. Nesse período, algumas das mais importantes edificações da cidade foram se instalando próximo ao Forte de Nossa Senhora da Assunção. O Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia, a Penitenciária e a Estação da Estrada de Ferro terminaram por formar uma barreira entre a cidade e o mar, afirmando o desinteresse de uma possível urbanização do litoral. O acesso à praia tornava-­se mais difícil, já que somente o Passeio Público tinha suas vistas voltadas para o mar. É importante ressaltar que mesmo com o Passeio Público estando voltado em direção ao mar, isso não leva a crer numa possível tomada de consciência da sociedade para o mar, já que o andar em que se encontrava mais próximo da praia era reservado aos pobres e miseráveis (o Passeio Público possuía três andares representados pelas classes sociais da época). 




O desinteresse dado pela faixa praiana fortalezense resultava na distribuição de serviços insalubres instalados próximos à zona costeira, como o velho Paiol da Pólvora, o Gasômetro, dos tempos da iluminação a gás (1867), a Santa Casa de Misericórdia, bem como o depósito de lixo da cidade. O espaço entre o mar e essas edificações, passou a ser ocupado pelo comércio de exportação, próximo ao desembarcadouro e o Arraial Moura Brasil, formado pela população sertaneja foragida da seca. 



Nesse contexto, é criado o Código de Posturas, vindo em confluência com as preocupações de ordem higienistas e urbanísticas que tinham por objetivo salvaguardar o decoro, a moral e os bons costumes dados à explosão demográfica decorrente do êxodo rural naquele período. Essa legislação reforçava o desinteresse pela zona de praia, ao afirmar, por exemplo, a regulamentação de que os dejetos fecais não poderiam ser despejados nas ruas, mas sim na Praia do Porto das Jangadas, denominação antiga da Praia de Iracema

Tornava-se evidente o desinteresse do litoral por parte da elite da cidade, de natureza interiorana. Mesmo com os discursos médicos afirmando dispor o litoral fortalezense de excelentes condições climáticas para o tratamento de doenças respiratórias, os abastados ainda não se voltavam para o mar.



Fontes: A cidade e o mar: considerações sobre a memória das relações entre Fortaleza e o ambiente litorâneo - Fábio de Oliveira Matos. 
DANTAS, Eustógio Wanderley. Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza. Fortaleza: Museu do Ceará/Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2002. 
BARROSO, Gustavo. Terra do sol: natureza e costumes do Norte. Rio de Janeiro: Benjamim Aguila, 1912.  
LINHARES, Paulo. Cidade de água e sal: por uma antropologia do litoral do Nordeste sem cana e sem açúcar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1992.

sábado, 10 de março de 2018

Os homenageados nas ruas da cidade - Carlos Severo de Souza Pereira - Parte IX



Carlos Severo de Souza Pereira era filho do tabelião Miguel Severo de Souza Pereira e de Cândida Julietta de Souza Pereira. Nasceu no dia 4 de Novembro de 1864 em Fortaleza. Estudou no Ateneu Cearense em 1874, e fez três preparatórios, os de português, francês e geografia, no Liceu Cearense em 1880. Escreveu para diversos jornais de Fortaleza e foi redator e proprietário de O Figarino, jornal caricato, por seis meses. No Estado do Amazonas colaborou no 'Amazonas'; no Pará no Diário de Noticias, e Democrata; em Lisboa, no Almanaque Luso Brasileiro, Anuário do Dr. Xavier Rodrigues Cordeiro e no Almanaque dos Pontos e Virgulas, do Porto

Dados da Revista da Academia Cearense de 1900.

Tendo o piano como seu instrumento predileto, para este compôs mentalmente e mandou escrever as peças musicais : —Mironi, schotisk. — Céu do norte, schotisk. —Cecy, valsa para banda marcial. —A lágrima doce, schotisek. —Muricy, schotisk. Na revista de Crisólito Gomes 'Da Capital ao Mucuripe' há um coro de pescadores no princípio do ato de música e letra suas, e na Revista Lopes Veiga & Cia, de Álvaro Martins, pertencem-lhe as músicas de um tango e um solo para soprano. Escreveu ainda um vaudeville para o Grêmio Taliense de Amadores, intitulado 'Os dois irmãos, em três atos, música de vários autores, e representado pelo mesmo Grêmio no Theatro Iracema com grande sucesso por duas vezes, uma a 18 e a outra a 23 de Março de 1899. Também são dele: Hotel do Salvador; O Mestre Paulo; São João na Roça; Macaquinho está no Ovo; As Vaias; A Chegada do General; Os Matamosquitos; Um Casamento no Matadouro e Os Irmãos da Bélgica.

Em 07 de setembro de 1910, fundou, juntamente com José Gil Amora, Otacílio Ferreira de Azevedo (Otacílio de Azevedo), Genuíno de Castro, Carlos Gondim, Luís de Castro, João Coelho Catunda, Francisco de Paula Aquiles, Josias de Castro Goiana (Josias Goiana) e outros, a Academia Rebarbativa ("agremiação de boêmia, de humorismo, de pilhéria e de blague") que teve vida efêmera. Interessante salientar que a agremiação foi criada em um dos bancos da Praça do Ferreira. rsrs

No livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo consta: "Morreu, com a idade de 62 anos, em Guaiuba, no dia 28 de dezembro de 1926, o médico, compositor, poeta, músico, teatrólogo e pintor Carlos Severo de Sousa Pereira, sendo ali sepultado. Nascera a 04/11/1864 em Fortaleza. Hoje é nome de rua no bairro Farias Brito."


Carlos Severo foi, sem dúvida, uma figura que ganhou projeção no Ceará como cenógrafo, musicista e comediógrafo, mas que também ficou conhecido por suas modinhas no meio boêmio. Não se considerava poeta, mas escrevia as letras e musicava ao piano. Porém, suas modinhas ficaram mais conhecidas quando tocadas ao violão nas serestas que ocorriam nas praças e botecos da cidade.


Carlos Severo viveu boa parte de sua vida no Rio de Janeiro e no Pará, compondo alguma de suas modinhas fora do Ceará. Porém, elas se tornaram populares em Fortaleza. Foram coletadas apenas cinco modinhas do compositor, porque todas as outras se perderam na tradição oral. No entanto, Edigar de Alencar acredita que ele deve ter composto mais de vinte, entre as quais paródias, gênero que Ramos Cotôco exercitava com facilidade. Carlos Severo costumava debochar do falso decoro da sociedade fortalezense. Isso fica ainda mais evidente nas suas várias peças teatrais de críticas de costumes. O aguçado senso crítico, misturado com a sátira e desdém, era a sua marca. O próprio Carlos Severo fazia a partitura de suas músicas. Seus gêneros preferidos, além da modinha, era a opereta, burleta e revista. Edigar de Alencar aponta que as modinhas que foram recolhidas e depois transcritas para o seu livro 'A modinha cearense' foi produto de um achado da filha do poeta, que encontrou em velhos cadernos essas raridades. Ele costumava escrever músicas com temáticas românticas, mas não de uma maneira triste e ingênua. Carlos Severo era espontâneo e genuíno, pois usava muita graça e malícia. Esse estilo de compor foi influência de seus companheiros Teixeirinha e, sobretudo Ramos Cotôco. Carlos Severo também apreciava o ofício de pintor e sua admiração por Ramos Cotôco também o ajudou a fazer cenografia. Por todo o seu talento artístico, hoje Carlos Severo é, merecidamente, nome de rua.

Observação:  A rua Carlos Severo é a antiga rua Santo Antônio.






Leia também:

Parte I
Parte II
Parte III


Fontes: 1001 Cearenses Notáveis - F. Silva Nobre, BOÊMIA E MODINHA SERESTEIRA EM FORTALEZA (1888-1920) de Ana Luiza Rios Martins, ALENCAR, Edigar. Fortaleza de ontem e anteontem. Fortaleza: UFC, 1984. p. 87, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O Centro e o conflito da Modernização na década de 30 - Parte II


Praça do Palácio (Atual General Tibúrcio) antes do aterro. Álbum Vistas do Ceará 1908

Foto ao lado: Rua São Paulo com a praça à direita.

Em consequência da torrencial chuva desta manhã, veio a desabar parte da muralha de arrimo do Aterro da Praça General Tibúrcio, canto da Rua São Paulo, local onde ultimamente a Prefeitura planejava construir mictórios públicos. Embargada a obra já iniciada, trataram de reconstruir a parede e o fizeram sem a necessária solidez, causa do desmoronamento desta manhã. (CORREIO DO CEARÁ, 20/12/1934. P. 08).

Álbum Vistas do Ceará 1908

Como era e como ficou depois do aterro. 
Foto1: Acervo Carlos Augusto/Foto2: Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934

O desabamento do aterro da Praça General Tibúrcio, noticiada pelo Correio do Ceará, como “Serviço mal feito”, nos deixa claro como o processo de remodelação do centro se efetuava com percalços pelo caminho, pois desabamento de aterros, acidentes de trânsito causados pelas obras, acidentes de trabalho nas construções, dentre outros, ocorria com uma assiduidade espantosa que já se tornara uma característica congênita do processo de urbanização da cidade. Fortaleza era na época um “canteiro de obras a céu aberto”. Porém, um canteiro sem uma infraestrutura segura para os operários e transeuntes, como verificado no caso do desabamento do Arco do Triunfo, na Rua Major Facundo, uma das mais importantes do perímetro central. Na época, quase toda a cidade estava eufórica com a visita de Getúlio Vargas, veiculada em todos os jornais da urbe como um grande acontecimento, até mesmo pelos matutinos que criticavam Getúlio, como ditador. Portanto, a cidade deveria estar bonita e “enfeitada”, para transmitir uma “boa imagem” da administração local.

 População aguarda ansiosa a chegada de Getúlio Vargas em frente a Estação Central
Fotos Acervo Assis Lima

Ontem cerca das 23, ½ horas, deu-se um horrível desastre do qual quase que perecem sem vida seis operários, a serviço da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Estava em construção, há alguns dias, no trecho da Rua Major Facundo, esquina com a Travessa Senador Alencar, um arco em que seriam colocadas flores naturais, para o fim de ser saudado, com elas, a entrada da nossa cidade, o Sr. Chefe do governo provisório. Naquela hora, a mandado do humanitário Prefeito da Capital, uma turba de trabalhadores foi desobstruir o referido arco, pois, com a notícia da chegada, hoje a tarde, do Sr. Getúlio Vargas, todos os esforços seriam perdidos em concluir a obra em tempo. Quando despregavam as primeiras taboas, veio abaixo toda a armação, resultando da catástrofe saírem cincos operários com sérios ferimentos nos membros, e um contorcionado gravemente. (A RUA, 17/09/1933. P 02).

Rua Major Facundo

Após o acidente, os operários foram levados pela polícia para a Santa Casa de Misericórdia, onde receberam atendimento. Na verdade, era muito importante para Raimundo Girão, como administrador da cidade, apresentar Fortaleza como uma cidade “moderna”, resultado do seu trabalho. Pois, além dessa boa imagem garantir a sua permanência no poder, poderia receber mais incentivos financeiros para efetuar a modernização da Capital, visto que uma boa parte dos recursos era oriunda do Governo Federal. Para tanto, não bastava reformar as ruas, praças, logradouros etc., era necessário “vendê-la” como um arquétipo da modernidade, onde o centro era a sua vitrine principal. Os aspectos obsoletos, arcaicos, anti-modernos da Capital, como as favelas e os areais, deveria ser ocultada da visita de Getúlio.
A dinâmica da cidade foi transfigurada, nos dias 17 a 20 de setembro de 1933, período da estadia de Getúlio Vargas, as obras de calçamento das ruas tiveram que sofrer alterações no “calor da visita”, para resplandecer, cintilar, somente os aspectos positivos da urbanização.

Grande concentração de apoio a Getúlio Vargas na Praça do Ferreira. Acervo Lucas

Agora, porém, com a passagem da comitiva presidencial, o Sr. Prefeito deu nova feição aos trabalhos. Por quê? Ninguém sabe. O certo é que ele mandou que a picareta da prefeitura, desordenadamente, arbitrariamente, desalojasse todas as pedras de algumas travessas, e simultaneamente da Praça do Ferreira, de forma que hoje, ninguém mais pode andar por aqueles sítios. [..] Ontem, por exemplo, o mau serviço culminou. Ninguém sabia onde pisar. Tinha-se a ideia que um terremoto deslocara o empedramento da cidade, fazendo um estrago irremediável. (O NORDESTE 23/09/1933 p 04).

Porém, o que notamos é que a imagem construída pelo O Nordeste divergiu do projeto do Prefeito. O matutino na mesma matéria, ainda ironiza Raimundo Girão, insinuando que ele estava iludido, achando que parecia Getúlio Vargas, quando na verdade ele estava “interrompendo o trânsito, atestando o progresso e também atestando um serviço mal orientado”. O calçamento das ruas foi um dos pontos mais polêmicos no projeto de modernização na época. Primeiro, porque só contemplava o centro e as ruas comercialmente mais importantes. Segundo, porque foi um processo arbitrário, verticalizado onde a sociedade estava apartada das decisões, restando apenas, criticar os resultados. Noutra matéria do O Nordeste, percebemos melhor esses contrastes:

Fortaleza apresenta, em matéria de calçamento, o mais chocante dos contrastes. Enquanto a Praça do Ferreira, e algumas ruas ostentam o luxo da pavimentação a concreto ou a paralelepípedo, outras vias, mesmo centrais, se ressentem de qualquer melhoramento nesse sentido, e em várias, o calçamento existente é desolação. Trechos há, por exemplo, na rua “Dona Isabel”, quase intransitáveis, como há na rua “Major Facundo”, “Dona Bárbara”, etc. É uma tortura andar por ali, de veículo ou a pé. De forma que a capital está dando a impressão dessas moças vaidosas que usam vestido de seda e sapatos de solados rôtos. (IDEM, 16/12/1933. P 03).

Esse trecho é muito elucidativo sobre o processo de remodelação das ruas, e da implantação do calçamento a concreto. O calcamento a paralelepípedo estava sendo substituído pelo concreto, pois facilitava o transporte de carros, de pessoas, e era considerado mais moderno e esteticamente superior. Porém, como observamos essas melhorias só contemplavam o centro da capital, e mais especificamente, as ruas mais importantes. As áreas mais distantes como subúrbios, favelas, ou mesmo um bairro um pouco afastado do centro, não era alvo dessas reformas. A modernização numa cidade capitalista é, em essência, excludente. A produção de mercadorias é priorizada em detrimento das relações humanas, por conseguinte, os locais de saneamento com equipamentos modernos e condições salutares de moradia, também seguem essa ordem, a “hierarquia da mercadoria”. Não obstante, a própria rua e o calçamento, são também mercadorias, que também se depreciam.

Trechos há, em que dentro de pouco tempo, terá desaparecido por completo o cimento, tal é a precariedade do trabalho [...]. O serviço está mal feito em vários pontos, e a prefeitura deve-se lembrar de que o proprietário, que concorre com sua quota para o calçamento, tem o direito de exigir trabalho eficiente, seguro, para que amanhã, sob pretexto de remodelação no pavimento urbano não venha a recontribuir, onerosamente, para tal serviço. Faz-se preciso, destarte, fiscalização mais rigorosa no calçamento a concreto. (IDEM, 16/11/1933 p 03).

Esta citação expressa que a rua, mesmo sendo uma via pública, já era enxergada como mercadoria, da qual os “proprietários- consumidores” que pagaram os seus impostos teriam o direito de “usufruir” de um produto com qualidade e trabalho eficiente. Há uma inversão de valores, e uma apropriação do público pelo privado, pois não é um cidadão que exige um serviço bem feito mediante a cobrança dos seus impostos, mas um “proprietário”, que não quer onerar o seu bem. Outro elemento importante que podemos constatar, é que já se tinha a noção de que algumas obras eram construídas para terem uma vida curta, a pretexto de reconstruí-las e atrair novos investimentos. Ao que tudo indica as reformas na pavimentação de Fortaleza, não escaparam a esta lógica:

Quem se der a curiosidade de transitar pela travessa Senador Alencar, trecho compreendido entre a rua Major Facundo e Barão do Rio Branco, verificará de que maneira pouco recomendável está a prefeitura gastando os dinheiros do povo. Só nesse pequeno trecho encontram-se uma meia dúzia de remendos recentes, defeituando todo o serviço da pavimentação. Isso vem provar, simplesmente que na composição do concreto entra grande parte de areia e uma insignificância de cimento. O mesmo vem acontecendo com os paralelepípedos. Esse mal acabamento demonstra a sociedade que a prefeitura não fiscaliza os serviços que estão sendo executados a custa do povo e que vão ser pagos por esse mesmo povo. [...] Tudo isso ocorre agora em pleno e rigoroso verão. E quando chegar o inverno? Temos necessariamente de encomendar algumas canoas se desejarmos transitar pela Praça do Ferreira e rua Major Facundo. (A RUA, 29/10/1933 p 09).

A modernização numa cidade capitalista é, em essência, excludente.


O “libelo” acima critica a qualidade da pavimentação, destacando que o material utilizado na construção era adulterado, composto mais de areia do que de cimento. E a culpa seria da prefeitura, que não “fiscalizara as obras”. Diferentemente do relatório apresentado pelo Interventor Federal, Roberto Carneiro de Mendonça, que representou uma imagem edulcorada da remodelação de Fortaleza, alguns periódicos mostraram uma visão diametralmente oposta, esboçando que foi um processo constituído de diversas contradições. E as contradições iam desde o péssimo saneamento dos bairros pobres, até precariedade do serviço de saúde, proliferação da miséria nos areais ao redor da cidade, ausência de local para cuidar dos mendigos, propagação de doenças como: varíola, lepra e alastrim, aumento dos números de delitos, aumento exponencial dos acidentes de trânsito e de trabalho, divorciamento socioespacial do centro–periferia, dentre outros antagonismos provenientes do processo de “modernização” de Fortaleza, ou melhor, das reformas materiais realizadas no perímetro central. Deixando os demais logradouros, expostos á sorte.

Continua...


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Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.
Fonte: Relatório do Interventor Federal Roberto Carneiro de Mendonça. Arquivo Público do estado do Ceará./http://memoria.bn.br/

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