Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Bonde da Prainha
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A Prainha de outrora...


Igreja da Prainha em 1935
Nossa outrora hígida capital desfrutava de tranquilidade nos bairro, onde conviviam harmoniosamente famílias abastadas e carentes. As Cambirimbas e a Tijubana eram aglomerados da classe mais pobre, existentes respectivamente ao lado das espaçosas residências do velho Alagadiço e de Jacarecanga. A Cachorra Magra se agregava ao Benfica, bairro descoberto pelas famílias ricas da cidade. E, ao simplório bairro do Outeiro, trecho da cidade sito a leste do Riacho Pajeú e alcançando por ínvios caminhos, quais eram o Corredor do Bispo (atual rua Rufino de Alencar), o Beco do Pocinho e o início da futura Pinto Madeira, se agregava a Prainha, alcançada pela antiga rua da Praia (atual Pessoa Anta) e habitada por "gente boa" da terra. 


Seminário e igreja da Prainha em 1906 - Arquivo Assis de Lima

Nele nasceu e viveu algum tempo o grande cearense e maior crítico literário nacional da passada centúria Araripe Júnior, cuja moradia localizarei para a posteridade. E foi ele palco das peraltices de outro grande conterrâneo nosso, por via das frequentes andanças pela casa de parentes seus, o inesquecível Gustavo Barroso.


Foto da época da Inauguração da torre do Cristo Redentor em 1922. As casinhas que vemos, são da Rua Rufino de Alencar. Nirez

O bairro da Prainha compreendia não somente a parte que fica abaixo da colina onde nossa cidade se assenta mas se estendia à porção de cima, que dava frente para o areal hoje correspondente à Praça Cristo Redentor e ao início da rua do Seminário, atualmente Avenida Monsenhor Tabosa


Foto do Álbum de Vistas do Ceará de 1908

As casas à esquerda formam a Rua Rufino de Alencar que vem do lado da Catedral e quando chega na Rua Boris faz a abertura de um ângulo para formar a praça. A foto na realidade é o areal do que seria futuramente a Praça do Cristo Redentor. Arquivo Nirez

Na esquina noroeste da rua Boris, hoje reduzida em sua extensão em decorrência da demolição da face norte da desaparecida rua Franco Rabelo, e a atual Avenida Presidente Castelo Branco, que o povo chama de Leste-Oeste, existia um velho solar pertencente ao coronel Solon da Costa e Silva, nascido em Pacatuba e comerciante em Fortaleza, proprietário da Empresa Ferro-Carril de nossa cidade (que explorava o serviço de bondes de tração animal), sucedia em 1914 pela Ceará Light (concessionária do serviço de bondes de tração elétrica). O coronel Solon, que deu seu nome a uma rua da cidade, era pai de meu querido professor de inglês no Liceu do Ceará, Mozart Solon, e avô do Pe. Fred Solon, sacerdote jesuíta muito popular entre as novas gerações de fortalezenses. O belo prédio a que me referi foi em parte demolido para o alargamento da referida artéria, hoje crismada com o respeitável nome do primeiro Presidente da República após a Revolução de março de 1964.


A rua do Seminário em 1890 - Nirez

A Casa Boris

Descendo a ladeira da rua Boris, vamos encontrar ainda hoje o edifício que abriga a Casa Boris, aqui estabelecida no século passado e de grande importância econômica e social, a ponto de o povo dizer que o mar era o "açude do Boris".


Foto colhida pela objetiva da Aba Film no ano de 1938. A partir da esquerda, a mansão que foi de Luiz Borges da Cunha e Maria Pio de Castro, que ficava na Rua Franco Rabelo, em frente à Praça, seguida da casa construída por José Pio de Morais e Castro e Angélica Borges Pio de Castro, depois ocupada pelo inglês Francis Reginald Hull (Mr. Hull), meio encoberta por uma árvore; a Avenida Monsenhor Tabosa, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição e o Seminário Arquidiocesano. Na frente, a praça, com a torre que lhe deu o nome. Arquivo Nirez

Voltando à porção elevada da Prainha, visualizávamos, ao lado do belo prédio em que se abriga a Biblioteca Pública, a casa de nº 317 da desaparecida rua Franco Rabelo, no início da Avenida Presidente Castelo Branco. Tratava-se do primeiro bungalow construído em Fortaleza, iniciativa de Manuel Pio.


Ladeira da Prainha e residência de Mister Hull -Nirez

Vizinho a esse prédio existia outro fazendo esquina com a atual rua Almirante Jaceguai, que integra a Ladeira da Prainha, onde os bondes estacavam pela impossibilidade de subi-la. Nele residiu José Pio, irmão do proprietário do bungalow vizinho, e sua estampa consta do Álbum de Fortaleza editado em 1908. Depois foi residência de Francis Hull, cônsul inglês em nossa terra e gerente da Ceará Light, homem curioso de nossas angústias climáticas e autor de estudos sobre a problemática das secas, merecendo por isso batizar importante artéria de nossa terra. Esse prédio foi demolido e o correspondente terreno serve atualmente de estacionamento de automóveis ou atividade correlata.


O bonde Prainha na Avenida Pessoa Anta

Olhando em diagonal para a Praça Cristo Redentor e de frente para a Igreja da Conceição da Prainha (conhecida como Igreja do Seminário), localiza-se o prédio outrora residência do Barão de São Leonardo. Corresponde atualmente aos números 5, 15 e 23 da Avenida Monsenhor Tabosa, chamada antes de rua do Seminário. O Barão de São Leonardo, hoje denominando rua de nossa capital, chamava-se Leonardo Ferreira Marques e nascera em Mombaça.


Vista aérea da década de 20/30 - Arquivo Nirez

Vizinho à casa do Barão situava-se outra que tem hoje o nº 39 onde residia no início do século corrente  o grande poeta cearense que batizou rua da cidade e foi "degradado" por um vereador de passada legislatura, que quis homenagear o pai do dono de um posto de gasolina ali situado... José Albano, membro de família fidalga chefiada pelo Barão de Aratanha, nasceu em casa situada na esquina noroeste das ruas Visconde de Saboia e Coronel Ferraz, mas morava então na Prainha. Descia ele a ladeira do bonde da mesma denominação para, juntamente com o futuro deputado federal e jornalista Luis Cavalcante Sucupira, banhar-se nas ondas que quebravam nas areias da futura Praia de Iracema, então Praia do Peixe.


Praia de Iracema em 1930


Fonte: Prainha, um bairro decadente - Mozart Soriano Aderaldo

domingo, 20 de junho de 2010

O bonde (VII) - Prainha

Bonde em 1920

Depois que comecei a fixar lembranças sobre bondes, observo que ficou na minha retentiva uma sucessão homogênea e quase interminável de uma fisionomia arquitetônica da nossa cidade, onde se vêem comparadas as classes sociais alta, média e pobre numa sensível diferença na forma de habitação. Talvez tenha despertado em mim o desejo de rever outros locais como outras linhas de bondes entre os anos 1940/1950, embora sabendo que os bondes foram retirados de circulação em 1947, na gestão do prefeito Dr. Acrísio Moreira da Rocha, que ainda vivo pode contar a história com detalhes. Pois bem. Mesmo criança sempre tive meu “desconfiômetro” muito aguçado, procurando gravar o que mais poderia prender a atenção, o que pode causar intriga às pessoas dispersivas que não se incomodavam em tomar conhecimento do que se desenrolava ao seu redor. Mesmo porque sinto que não estou entre os que têm o poder de se acomodar só com a contemplação do etéreo.

Mas o agitado barulho dos bondes deixava aos ouvidos a visão tão nítida da trepidação no deslizar das rodas sobre os trilhos, aquele movimento do subir e descer que impulsionado pelo bonde dava a sensação de que estávamos seguindo sempre em linha reta com o olhar na paisagem que corria aos nossos olhos como uma cena cinematográfica.

Bonde na Avenida Pessoa Anta

Desta vez, vamos passear no “Bonde da Prainha”. Êta passeio bom! Vamos subir até a ladeira da rua Almirante Jaceguay em frente à Igreja do Seminário, na Praça Cristo Redentor, defronte hoje ao “Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura” e ver o grande vulto do Cristo Redentor, posicionado nas alturas para o lado sul da cidade, segurando o cetro (bastão) inerte, a olhar o oceano Atlântico e os seus navegantes a bordo trafegando nos navios, botes ou jangadas.

O bonde da Prainha no seu curto itinerário saía da Travessa Morada Nova, detrás da antiga Assembléia Legislativa do Ceará, hoje Museu do Ceará; dobrava à direita na rua Floriano Peixoto, entrando à direita na Travessa Crato e, depois, à esquerda na Av. Alberto Nepomuceno, passando em frente à Igreja da Sé - Catedral; dobrava à direita defronte à Secretaria da Fazenda, passando em frente ao antigo Café Gato Preto e à Companhia de Navegação Booth Line, na rua Pessoa Anta, cujo prédio, mais tarde, transformou-se na boite Tabaris, mais conhecida como lupanar do famoso Zé Tatá - cujo nome verdadeiro era José Vicente de Carvalho -, sobralense que elegeu nossa cidade para suas libações, abrigando em sua pensão odaliscas de diversos lugares do Ceará e também importadas do Maranhão, Pará e Piauí, que por aqui chegavam para iniciar sexualmente a rapaziada que, depois, se constituíam de pacientes dos enfermeiros Mundico - Dr. França - e Almeida; entrava à direita na Av. Jaceguay - ao lado da Capitania dos Portos, Praça Almirante Tamandaré e subia a ladeira até a Igreja do Seminário - Av. Monsenhor Tabosa, ao lado da Praça Cristo Redentor.

Ao lado direito (norte) da Praça Cristo Redentor, esquina com a ladeira da rua Almirante Jaceguay (leste), existia a linda chácara do gerente da Ceará Tramway Light & Power Cia. Ltda. - o engenheiro londrino Francis Reginald Hull - mais conhecido como Mister Hull - onde o bonde estacionava de frente para a Igreja da Prainha - e seminário diocesano de Fortaleza.

Esta foto foi encontrada num encarte contendo diversas fotos, oriundas do Arquivo do Nirez, de igrejas antigas de Fortaleza. Nesta aparece um bonde de uma das linhas da Prainha, que um dos consultados (gente da velha geração) afirmou ser Prainha-Seminário (o que faz sentido, pois o ponto final ficava próximo do Seminário, na Prainha). Dr. Zenilo Almada acha que não houve linha com essa denominação. A rua era a então Coronel Bezerril, hoje General Bezerril. A Praça ao lado chama-se General Tibúrcio, mais conhecida por Praça dos Leões devido a existência de duas belas esculturas encimando a escadaria de acesso da ou para Rua Sena Madureira. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, inaugurada no Século XVIII, é considerada a mais antiga de Fortaleza. A foto data de 1908. A edificação grande, ainda existente, era do então Hotel Brasil. A parede ao lado da palmeira é dos fundos da antiga Assembléia Legislativa. Entre o Hotel e a Assembléia divisa-se a Travessa Morada Nova, onde posteriormente passaram a trafegar bondes de outras linhas. Na época os bondes iam até mais adiante, ingressando na Rua Guilherme Rocha, parando ao lado da “Rotisserie”, acho que se chamava Palácio Brasil, entrando depois na Rua Floriano Peixoto rumo aos seus destinos. (Adolpho Quixadá)

O retorno era quase o mesmo percurso de ida. Ao chegar na Av. Alberto Nepomuceno, fazendo contorno pela Secretaria da Fazenda, passava em frente ao Quartel General da 10a Região Militar, Arquivo Público no mesmo local em que mais tarde foi edificado o Fórum Clóvis Beviláqua, hoje no bairro Edson Queiroz - Praça D. Pedro II; entrava na Travessa Crato, dobrava à direita na rua General Bezerril até alcançar a Travessa Morada Nova.

O nosso ilustre passageiro da linha do bonde - Prainha - não poderia deixar de ser o gerente da própria empresa - Ceará Tramway Light & Power Cia. Ltda., o nosso engenheiro Francis Reginald Hull - “Mister Hul”; - que durante longos anos gerenciou, aqui em nossa terra, os destinos da empresa, permanecendo por entre nós até o término do contrato que mantinha com a Prefeitura Municipal de Fortaleza - 1947, que é o mesmo ilustre Mister Hull que dá nome à grande Avenida Barro Vermelho, depois Antônio Bezerra - e hoje boa parte da avenida que liga a BR 222 à Caucaia.

Mister Hull permaneceu por muito tempo na gerência da Ceará Light, residindo na aprazível vivenda de dois pavimentos, com terreno esconso, cheio de plantações, com direito à passagem do Riacho Pajeú, na Praça Cristo Rei, esquina com Av. Jaceguay, início da rua do Seminário - hoje Av. Monsenhor Tabosa, cuja vivenda cercada por um lindo jardim, feericamente iluminado dando-nos a impressão de um palacete de Londres, com uma torre elevada e vetusta em forma de mirante, que servia como observatório aos estudos do Mister Hull. Segundo se comenta, Mister Hull era profundo conhecedor da meteorologia, da climatografia nas suas variadas manifestações em nosso estado. Hoje, nesse local, após a demolição de vários prédios também suntuosos, veio dar origem ao Pólo de Cultura Dragão do Mar, fazendo-se um retrospecto dos prédios que circundaram a praça fazendo contornos, tinham fachadas e modelagens dos antigos casarões que não mais existem e tornam difícil retroceder ao passado, para se tipificar seus estilos antigos modernizados, atualizando com suas linhas arquitetônicas, distinguindo uma da outra, ou seja, o que era antigo continua antigo com a feição mais cuidada, conservando sua originalidade, enquanto o Pólo de Cultura Dragão do Mar obedece ao estilo moderno e atualizado sem se chocar com o já existente.

A torre da casa de Mister Hull

Nesta despretensiosa crônica à assessoria da Coelce, na pessoa da distinta senhora Ana Lúcia Girão, excelentes subsídios sobre a História da Energia do Ceará, do ilustre autor Ary Bezerra Leite e que nos traz muita elucidação.

“A Segunda Grande Guerra (1930/1945) impedira a importação de novos veículos e de peças de manutenção. Findo o conflito universal, dois anos após, em 1947, os bondes, sem energia suficiente para acioná-los e sem a indispensável manutenção mecânica, saíram de circulação”; E mais adiante conclui:

“E ninguém teve sequer a lembrança de criar um ‘Museu do Bonde’, de modo a registrar no contexto da História de Fortaleza, um dos seus mais interessantes capítulos. Até isso, todavia, o livro de Ary Leite consegue resgatar, em parte, através de preciosos documentos iconográficos obtidos junto a acervos das empresas sucessoras da Ceará Light e nos arquivos particulares dos herdeiros de Mr. Hull (História da Energia do Ceará - Ary Bezerra Leite).

Blanchard Girão - Memórias - escreveu “O Liceu e o Bonde”, excelente trabalho que faz parte indelevelmente do seu álbum de recordações da nossa cidade de Fortaleza nas décadas de 1930 e 1940 no período de sua infância e adolescência. Ele diz:

“O bonde que conheci era o ‘Tramway’, veículo movido a eletricidade, amplo, arejado, porquanto todo aberto, valendo-se de sanefas de listras verdes e brancas como proteção da chuva ou do sol mais intenso. Possuía dois estribos laterais, além de pára-choques na parte posterior - igual de ambos os lados, trocando-se, no final da linha, a lança condutora de energia e o lugar do motorneiro. De cor verde (houve um tempo, antes de mim, que teria sido branco), o bonde, além do nome de indicação do bairro, possuía uma lâmpada colorida que indicava o seu destino. Circulou de 1913, quando substituiu o bonde puxado a burro, até 1947”.

Também, caros leitores de suas memórias, me socorro para lembrar os chistosos “reclames” de remédios que por serem espirituosos provocavam risos, colocados na lateral interna do bonde, onde podia ser lido pelo passageiro.

Era comum ver-se a propaganda de certos vermífugos com a figura do Jeca Tatu, óleo de rícino, óleo de mamona ou carrapateira... Infoscal - iodo para o sangue, fósforo para o cérebro, cálcio para os nervos... O famodo “Óleo de Fígado de Bacalhau”, “Reconstituinte Silva Araújo”, “Pílulas de vida do Dr. Rossi, faz bem ao fígado e a todos nós, pequeninas mas resolvem”, “Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal...”; “Hum! Que calor! Que dia quente! Rim doente? Tome Urodonal e viva contente...”; “Os produtos Bayer - Se é Bayer, é bom”...; Pílulas de Reuther; “Licor de Cacau Xavier”. Cada um aplicado convenientemente na sua correspondente necessidade orgânica.


Se é Bayer, é bom

Melhoral, melhoral, é melhor e não faz mal

Para quem lia a espirituosa propaganda, por vezes, era natural quebrar o silêncio ou a sisudez que o passageiro pudesse ser portador.

Era de fato muito agradável passear nos bondes da nossa querida cidade nos idos anos de 1940, percorrer sem medo de ser importunado por qualquer “malfazejo” que se tivesse notícia, porque além do número resumido, eram todos conhecidos, não tinham ainda o aprimorado conhecimento nem a técnica hoje utilizada pelos malfeitores e estupradores, com requintes de perversidade, os perigosos drogados, que não vale à pena se perder tempo nem se ocupar em denunciar esse tipo de gente que não devia fazer parte da nossa coletividade. Tudo era tão calmo, até o vento “solteiro” e “brecheiro”, só conhecia a “Esquina do Pecado” (Major Facundo com Guilherme Rocha) Broadway, vindo do mar para alegrar as moças que por ali passavam segurando as saias rodadas que, com muito papo, se esvoaçavam com o vento e, subindo até a cabeça, dava por vezes a tão esperada “brecha”, que causava muita aflição às jovens que por ali transitavam. Por isso, as alunas da Escola Normal, Colégio da Imaculada Santa Cecília, Lourenço Filho, Colégio Americano e Liceu tinham a maior precaução e quando por ali volteavam, seguravam a saia com as duas mãos, embora a vaia uníssona dada pelos colegiais servisse para animar aquelas tardes no Centro da cidade, onde os “paqueradores” se postavam para dirigir galanteios dos mais variados gostos, uns mais espirituosos, outros de certo mau-gosto, ou humor negro, que muitas vezes eram por elas repelidos com certa veemência. Ah! Tempo bom, que hoje não trazes mais!

Estacionava nesse local uma figura considerada como “foco de atenção” - que se celebrizou por ser atraente seu escorreito linguajar, invejável semântica e perfeita adjetivação, causando certa dificuldade na compreensão da sinonímia, que a todos agradava por seus gestos e mímicas, dotados de certa puerilidade que algumas expressões pronunciadas de forma enfática, com imagens rebuscadas que se tornaram célebres - como esta, dirigida a um amigo que há muito tempo não o via, saiu-se assim: “Fulano, de onde vens, com essa palidez marmórea, saíste de alguma clausura?” De outra feita se dirigiu à Casa Elefante (loja de louças e utensílios domésticos) na rua Floriano Peixoto, de frente para o Palácio do Comércio, indagando ao vendedor mais antigo da loja, conhecido como “Siridó”: “Quanto custa um aparelho côncavo de ágata branca para micções noturnas?” Aí, Siridó responde: “Temos tamanho grande, médio e pequeno.” E conclui: “Se for para você mesmo é tamanho pequeno, mas se for para senhora sua mãe, talvez o grande ou o confortável ‘capitão’...”. Outra vez, na mercearia da esquina de sua casa, indaga ao bodegueiro: “Aqui tem uma substância cremosa, de cor amarelo ouro, com 50% de proteína, creme de leite, fermento lácteo e sal!, que o populacho chama de manteiga?” De outra feita, sentenciou: “Quando olhar no espelho e vir a minha cabeça fios de cabelos branco darei gritinhos de horror... envelheci, envelheci, envelheci...” E, assim por diante, a sua verbosidade.

Mas, quem melhor conheceu a verve desse ilustre personagem, O. A. D., autor de crônica, cujo título eram as iniciais do seu nome - “O. A. D.” -, cujo dito ao tomar conhecimento da divulgação da crônica chorou “mississipis e mississipis” de lágrimas, é o nosso amigo e memorialista de primeira água - Marciano Lopes, cuja revelação do nome verdadeiro, só ele poderia autorizar, porque essa publicação foi causa do rompimento até a morte do ilustre O. A. D. O mesmo residiu por mais de 40 anos no Rio de Janeiro, exercendo a função de museólogo, e nas horas de lazer desfilava na Av. Atlântica - Copacabana; por aqui esteve lançando livro muito festejado. Mas, tudo isso faz parte da nossa Fortaleza, cujos tipos folclóricos continuam a marcar época e, ao relembrar as pessoas que têm boa memória, por certo esboçarão no seu contentamento, largo sorriso dizendo: “Ah! A lembrança é vigilante e companheira da saudade que com ela vive, adormece, envelhece, mas não morre”...

Zenilo Almada Advogado

Travessa Morada Nova, detrás da antiga Assembléia Legislativa do Ceará - Esse logradouro era também ponto de partida de outras linhas, como a Praia de Iracema (ver em O Bonde - VI) e Aldeota (ver em O Bonde - VIII).

Ninguém teve sequer a lembrança de criar um ‘Museu do Bonde’ - Essa negligência quanto a preservar a memória dos bondes ocorreu não somente em Fortaleza, mas na maioria das cidades brasileiras que tiveram bondes. Uma excessão significativa é justamente o município que por mais tempo manteve o serviço efetivo - Santos -, que guardou seus veículos (ou parte deles) nas antigas instalações da Vila Matias, restaurando-os recentemente e reconstituindo alguns trechos de linha para um percurso turístico hoje em funcionamento (Ler em O Bonde). Reportando, ainda, à questão dos empecilhos e prejuízos em função dos bloqueios causados pelo conflito mundial, não há dúvida quanto à sua veracidade. Mas não há como não levarmos em conta, também, a falta de interesse em reerguer os sistemas de bondes após o fim da guerra, o que, muito provavelmente, poderia ser feito.

trocando-se, no final da linha, a lança condutora de energia - “Trocar a lança” - Entenda-se: virar a lança, ou mesmo: trocar a posição da lança. A lança - que foi o tipo de captador de energia adotado em Fortaleza (e em muitas outras cidades) - era girada ao contrário, de modo a ficar voltada para trás, quando se invertia o sentido de marcha. O motorneiro, este realmente mudava de lugar, pois passava a conduzir no controle da outra extremidade do bonde, que, nesse momento, deixava de ser a retaguarda para tornar-se a dianteira do veículo. Existiram, no entanto, em algumas cidades (ex.: São Paulo), bondes de maior comprimento que possuíam, de fato, duas lanças, dispostas em sentido contrário uma à outra. O. A. D. - Olavo de Alencar Dutra.


Veja também:


Crédito: Artigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza.
Ceará - Domingo, 23 de fevereiro de 2003


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