Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Praça dos Mártires
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domingo, 12 de setembro de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque - Parte II


Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

A Belle Époque mudou o cotidiano e os hábitos dos fortalezenses no final do século XIX e isso representou um novo modo de lazer inspirados também nos modelos europeus, mais especificamente Paris que era a capital modelo.

Em 1880, é inaugurado o Passeio Público na então Praça dos Mártires,

O Passeio Público, por sua vez, surgiu para satisfazer o desejo por uma área exclusiva de lazer público que Fortaleza carecia e outras grandes cidades brasileiras já possuíam. Deveria ser um espaço florido, arejado, reservado apenas para fruição daqueles “belos tempos”[...]. (PONTE, 2007, p.170).

Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

Neste momento, o Passeio Público torna-se “obrigatório no cotidiano da vida fortalezense” (CORDEIRO, 2007, p.138). Isso porque foi um equipamento construído para representar este período e o afrancesamento da cidade, nas palavras de Sebastião Ponte, “um éden a servir de passarela para o desfile de elegantes e palco para o exercício de uma sociabilidade europeizada”. (PONTE, 2009, p.73)

Como afirma o autor Silva e Filho em seu livro Fortaleza imagens da cidade, o Passeio Público representava “indícios da influência europeia nas formas de lazer e interação social de Fortaleza”.

Ainda seguindo esta afirmativa, de acordo com Ponte (2010):

Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX, como o Theatro José de Alencar (1910) e os cine Majestic e Moderno (1917 e 1921, respectivamente). 


Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

De fato o logradouro era a principal referencia de lazer da cidade naqueles anos, afirmação que pode ser confirmada pelo autor Oliveira Paiva, que faz referencias ao lazer no romance A Afilhada mencionando as “novenas na Prainha e a ida ao Passeio Público” (OLIVEIRA PAIVA apud CORDEIRO, 2007, p.138).

Casal Zé de Góes e Beatriz
no Passeio Público em 1928.
Acervo Sérgio Roberto

Naqueles últimos anos do século XIX, a cidade tinha ganhado a iluminação a gás, sinônimo de progresso e modernização que nas palavras de Raimundo Menezes até “os mais letrados achavam que aquilo era um enorme surto de progresso para a nossa capital, que marchava, a passos largos, na retaguarda das grandes cidades do país” [...]. (MENEZES apud, SILVA E FILHO, 2004, p.90).

Chama-se atenção para o fato de a iluminação a gás ter sido de grande importância para iluminar os principais logradouros da cidade, principalmente o Passeio Público, considerado a mais elegante área de lazer urbano do período. 

A influência do passeio público pode ser percebida no romance A Normalista de Adolfo Caminha, o autor faz algumas menções do logradouro e numa delas ele afirma:

Toda uma geração nascente, ávida de emoções, cansada d’uma vida sedentária e monótona, ia espairecer no Passeio Público aos domingos e quintas-feiras, gratuitamente, sem ter que pagar dez tostões por uma entrada, como no teatro e no circo. [...]. 

Apenas quem não tivesse dois vinténs estava proibido de sentar-se, porque nesses dias, as cadeiras eram alugadas, havia assinaturas baratas. (CAMINHA, 1997, p.89).

Passeio Público em 1893. Vemos os membros de uma expedição científica britânica da Royal Astronomical Society. Acervo Carlos Augusto

O autor Sebastião Ponte também faz menção a esta particularidade do passeio, quando afirma que este era uma:

Atração imperdível às quintas e domingos, o Passeio lotava-se de gente elegante para mostrar as últimas modas chegadas do dernierbateau (último navio) vindo da Europa. A banda municipal embalava os namoros, os flertes e o borboletear de um lado para o outro dos passantes.(PONTE, 2007,p. 170).

Foto de 1908 do Passeio Público - Avenida Caio Prado.

A propósito, tamanha era a influência do Passeio Público no lazer da cidade, que logo cedo se tornou um dos mais conhecidos cartões postais de Fortaleza.

Foi no Passeio que se desenvolveram atividades como o footing (passeio a pé), o meeting (encontro entre pessoas) e flert (flerte, paquera), aliás não só estas atividades mas também as atividades esportivas tinham prática assegurada nas dependências do logradouro, especialmente a patinação (graças à construção de uma pista adequada, o skating- rink) e corridas de bicicletas. 

Pista de patinação construída no Passeio Público durante a administração do Major Tibúrcio Cavalcante.

No entanto, apesar de o Passeio Público representar o ponto de encontro da sociedade de Fortaleza e local para prática de suas atividades de lazer, o logradouro deixava claro que havia ali uma separação entre classes. O Passeio possuía três planos, sendo que o primeiro plano, o mais embelezado ficou como palco para deleite das elites, enquanto o segundo e o terceiro (menos aformoseados) foram ocupados, respectivamente pelas camadas médias e populares. 

Estamos em 1962/1964, vendo-se o 2º plano do Passeio Público ainda não ocupado pelo Quartel da 10ª RM. Acervo Iphan

Ao fundo vemos o anexo da Sefaz em construção-Iphan

Embora destinado ao lazer, o Passeio mantinha normas que disciplinavam seus frequentadores, como a exigência de belos trajes e boas maneiras. Sua própria constituição espacial significa um permanente exercício de discriminação simbólica, pois as diferentes classes sociais ocupavam planos separados no jardim. 

Esta divisão do Passeio se dava por meio das alamedas, denominadas avenidas, eram elas: Caio Prado, Carapinima e Mororó. A primeira, Avenida Caio Prado, ficava de frente para o mar, era o lado das elites, já a Avenida Carapinima ficava de frente para a Santa Casa enquanto que ultima era mais próxima do calçamento da Rua João Moreira.

Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

No romance A Normalista o autor chama a atenção para esta divisão das avenidas em alguns trechos do livro e também descreve um pouco do cotidiano das três. Um destes trechos diz o seguinte em relação a Avenida Caio Prado:

A avenida Caio Prado tinha o aspecto fantástico d’um terraço oriental onde passeassem princesas e odaliscas sob um céu de prata polido, com sua filas de combustores azuis, encarnados e verdes, com suas esfinges... Senhoras de braço dado, em toillettes garridas, iam e vinham no macadame, arrastando os pés, ao compasso da música, conversando alto, entrechocando-se, numa promiscuidade interessante de cores, que tinham reflexos vivos ao luar. D’um lado ed’outro da avenida estendiam-se duas alas de cadeiras ocupadas por gente de ambos os sexos, na maior parte curiosos que assistiam tranquilamente ao vaivém continuo dos passeantes. (CAMINHA, 1997, p.86).

Quanto a Avenida Carapinima o autor faz a seguinte descrição:

E dirigiram-se para a avenida Carapinima, ensombrada pelos castanheiros, que formavam uma como abobada compacta de ramagens através da qual o luar coava-se aqui e ali, pelas clareiras.

Puseram-se por ali a esperar, em pé defronte dos gnomos de louça, à beira dos reservatórios d’água onde cruzavam gansos e marrequinhas vadias que grasnavam alegremente inundadas de luar ou, caminhando devagar, iam contando os minutos, enquanto a música, no coreto, executava trechos alegres de operetas em voga. (CAMINHA, 1997, p.88).

Passeio Público - Avenida Mororó. Álbum Vistas do Ceará em 1908.

Já a última alameda, denominada Avenida Mororó o autor confirma que esta era destinada as camadas mais populares:

Na Mororó, mais larga que as outras, havia uma promiscuidade franca de raparigas de todas as classes: criadinhas morenas e rechonchudas, com os seus vestidos brancos de ver a Deus, de avental, conduzindo crianças, filhas de famílias pobres em trajes domingueiros, muito alegres na sua encantadora obscuridade; mulheres de vida livre sacudindo os quadris descarnados, com ademanes característicos, perseguidas por uma troça de sujeitos pulhas que se punham a lhes dizer gracinhas insulsas. (CAMINHA, 1997, p. 88).

Passeio Público - Avenida Padre Mororó em 1925.

Enfim, apesar de toda esta segregação de classes o Passeio foi durante muito tempo o logradouro referencia do lazer e sociabilidade de todas as classes até os anos 30, até que começou a sofrer concorrência de outras atrações como o cinema, os clubes e os banhos de mar. Mas é impossível deixar de reconhecer a importância que este logradouro teve por muitos anos na capital e que este foi símbolo da Belle Époque, construído exclusivamente para representar este período.

Continua...


Veja a Parte I AQUI

Parte III


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Pelas Praças da cidade - Parte I




Praça do Ferreira ainda com o sobrado do comendador Machado, demolido em 1927 para a construção do hotel Excelsior - Arquivo Nirez


A ideia da praça surgiu com uma reforma no plano da cidade.
Em dezembro de 1842, uma lei da Assembléia Provincial autoriza uma reforma do plano da cidade, eliminando dela a rua do Cotovelo a fim de ficar ali uma praça que se denominará Praça Pedro II. Boticário Ferreira foi eleito presidente da Câmara no ano seguinte, posto que ocupou até falecer em 1859.


O Jardim 7 de Setembro - Arquivo Nirez

A praça sofreu várias reformas sendo que a mais importante foi a construção do Jardim Sete de Setembro em 1902 na época em que os intelectuais da Padaria Espiritual se reuniam nos quiosques chamados: Escritório dos Bondes, Café do Comércio, Café Iracema, Café elegante e Café Java. Em 1914 a iluminação da praça é feita, bem como uma outra reforma. Em 1920, são demolidos os quiosques e o coreto, considerado o coração cívico da cidade na época. Em 1949 se construiu o Abrigo Central onde se encontravam boxes de vendas de discos, tabacarias, selos, bilhetes lotéricos, livrarias, café e até ponto de
ônibus. Apesar de ter se tornado um dos lugares mais movimentados da cidade, foi demolido em 1968 juntamente com a Coluna da Hora. A praça teve várias nomenclaturas destacando-se: Feira Nova: lugar onde se realizavam as feiras semanais, deslocando o centro da cidade da Praça da Sé, para o novo logradouro; Largo das Trincheiras: não se sabe bem se foi por uma batalha entre holandeses e portugueses, ou por causa do nome de um Senador que vivia ali e se apelidava de trincheiras; Pedro II: em 1859, em homenagem ao Imperador; do Ferreira: em 1871, após a morte do Boticário Ferreira, com memória aos relevantes serviços que prestou a cidade; Municipal: este nome durou somente seis meses, retomando ao seu nome anterior. Além dessas denominações oficiais também era popularmente conhecida por “da municipalidade”, por estar defronte do prédio da Intendência Municipal.


O Cajueiro da Mentira

É limitada pelas ruas Major Facundo, Floriano Peixoto, Dr. Pedro Borges e Travessa Pará e seu homenageado é Antônio Rodrigues Ferreira (Boticário Ferreira). O Boticário Ferreira nasceu em Niterói em 1801, teve muita influência política em Fortaleza, ganhou licença para montar botica e se estabeleceu. Deu impulso a grandes obras na cidade como, por exemplo, a Santa Casa de Misericórdia. Demoliu o Beco do Cotovelo construindo ali a praça que levaria seu nome. O monumento é a Coluna da Hora, considerada o ícone mais significativo da cidade de Fortaleza, a coluna da hora continuou com sua importância mesmo depois da sua demolição em 1968. O relógio de origem americana fabricado por Seth Thomas Clek Co de Nova Iorque tem quatro faces e está localizado no ápice da coluna situada no meio da praça. A coluna da hora juntamente com seu relógio é construída em 1932 com a demolição do cloreto. Contudo, só é inaugurada no início de 1934 com projeto do engenheiro José Gonçalves da Justa em estilo “Art-Déco”. Tinha cerca de 13 metros de altura. Em 1968 a coluna da hora é demolida juntamente com o Abrigo Central. Em conjunto com a reforma da praça, em 1991, fizeram uma nova coluna da hora projetada pelos arquitetos Fausto NiloCosta Junior e Delberg Ponce de Leon permanecendo até hoje.


Praça do Ferreira em 1934 


Lindo Passeio Público do Álbum Vista do Ceará 1908

Considerada uma das primeiras praças de Fortaleza e situada ao lado da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, era chamada de Largo da Fortaleza, no século XVIII. Além dessa, são observadas várias outras nomenclaturas:
Largo do Paiol: como o próprio nome indica, pela existência de um paiol de pólvora, que ficava no ângulo atual da Santa Casa de Misericórdia, do lado do mar; Largo do Hospital da Caridade: em homenagem à atual Santa Casa de Misericórdia cuja criação começa em 1847; da Misericórdia: em homenagem à atual Casa de Misericórdia, instalada em 1861; dos Mártires:1879 “Em memória dos beneméritos cidadãos que ali foram sacrificados pela causa da liberdade”; Campo ou Largo da Pólvora: nome popular, local destinado ao sacrifício de criminosos, foi erguido um patíbulo para punir condenados de crimes comuns. Destruído em 1831 por um grupo de patriotas.

Passeio Público em 1960 - Foto da Exposição Viva Fortaleza

E, por fim, em 1850, passa a ser chamada Passeio Público por ser considerado o local preferido pela sociedade cearense da época para passeios matutinos e vespertinos. Apesar da praça ter sido arborizada em 1864 e já representar um local tradicional de encontros, apenas em Julho de 1881 é que a praça é inaugurada. O passeio foi dividido em três planos sócio econômicos como mostra Sarmiento (2006, p. 56) “A gente de maior nível econômico ficava na Avenida Caio Prado, a classe média frequentava a Carapinima e a mais pobre a Mororó. Em 1932 suas grades circundantes foram retiradas. Alguns heróis cearenses que participaram da Confederação do Equador foram mortos no passeio público, dentre eles estão: Tenente Coronel Feliciano José da Silva Carapinima, Tenente de Milícias Luís Inácio de Azevedo Bolão, Padre Mororó,Tenente Coronel Francisco Ibiapina, João de Andrade Pessoa Anta e Tristão Gonçalves de Alencar Araripe

Monumentos de Barão de Studart, Dr. José Frota, Dr. Moura Brasil e Delmiro Gouveia - Fotos de Leuda Reinaldo

Fica limitada pelas ruas Barão do Rio Branco, Dr. João Moreira e Floriano Peixoto. Os monumentos são os bustos de Barão de Studart, Dr. Moura Brasil, Dr.José Frota, Delmiro Gouveia.

Continua...



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Crédito: O Centro Histórico de Fortaleza e seu patrimônio cultural arquitetônico

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Passeio Público e os Clubes na Fortaleza antiga


Passeio Público em 1900

O Passeio Público, inaugurado em 1880, era um dos lugares mais frequentados pela população de Fortaleza. Anteriormente este local era denominado de Praça dos Martíres em virtude da execução de alguns participantes da Confederação do Equador ter ocorrido em tal praça. Ao ser remodelada, esta área de lazer tornou-se um ponto de referência urbana na cidade. 

Lindo Passeio Público do Álbum Vista do Ceará 1908

Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio Público tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX, como o Theatro José de Alencar (1910) e os cines Majestic e Moderno.

No decorrer do segundo decênio do século XX, tal logradouro ainda era “cultuado” como importante espaço de sociabilidade. Sua divisão espacial em três avenidas especificava o lugar social dos seus usuários. 

 
 Passeio Público - Caio Prado - Arquivo Nirez

De acordo com o memorialista Otacilio de Azevedo, o Passeio Público era uma ampla praça dividida em três partes iguais. A primeira era a Caio Prado, onde fervilhava a fina sociedade local; a parte do meio era a chamada Carapinima, destinada ao pessoal da classe media e onde a Banda da Polícia Militar executava operetas e valsas vienenses. A terceira era a avenida Padre Mororó, frequentada pela ralé – as mulheres da vida, os rufiões e os operários pobres. 

Passeio Público - Caio Prado

Ao descrever o Passeio Público, Otacilio de Azevedo especifica os frequentadores correspondentes a cada avenida (ou alameda). Nesta divisão identificamos uma cidade marcada por um desenvolvimento urbano, e ao mesmo tempo pelo aumento de pobreza, o que leva a elite a buscar elementos de diferenciação e separação dos demais grupos sociais. 

 Álbum de Vistas do Ceará 1908

Álbum de Vistas do Ceará 1908

Os locais de passeio e lazer, as moradias fora do centro em bairros como Jacarecanga, são exemplos desta diferenciação social da elite fortalezense.
No que concerne à divisão do “Passeio Público”, a descrição feita correntemente nos escritos 
memorialisticos é desta perfeita separação entre os grupos sociais que frequentavam a praça, cada qual a ocupar uma de suas avenidas.
No entanto, tal “espontaneidade” é questionada pela historiografia mais recente em trabalhos como o de Antonio Luiz Macêdo:

"Defender a idéia do Passeio Público como amostra da harmonia social reinante em Fortaleza na virada do século XIX abriga certos riscos de ordem política. O primeiro consiste na afirmação de hierarquias, transformando a sociedade num simples mosaico dividido em superiores e inferiores. Em segundo lugar, a sugestão de que todos os frequentadores aceitavam a separação em três planos mascara os conflitos sociais, perpetuando a imagem conservadora do povo brasileiro como entidade pacífica, submissa e obediente. Por fim, insistir nessa divisão espacial rígida e espontânea é desconhecer a multiplicidade dos usos dos
lugares, continuamente recriados na vivência diária dos habitantes. Com seu apego a uma visão idílica do Passeio Público, a crônica histórica de Fortaleza se alinha a uma concepção elitista e preconceituosa em relação às camadas populares. Cabe indagar se a segregação espacial correspondia a uma prática aceita por consenso e sem qualquer traço de conflito, como tradicionalmente se quer insinuar."

Álbum de Vistas do Ceará 1908

Para o historiador Carlos Eduardo Vasconcelos Nogueira, tal divisão seria mais uma expectativa dos intelectuais, pautadas em uma visão elitista, do modo como o povo deveria se comportar, do que uma descrição do cotidiano no “Passeio Público”:

"Talvez essa distribuição nunca tenha funcionado do modo como foi descrita. Pois a memória de uma apartação espontânea dos grupos sociais que frequentavam o Passeio Público tinha raízes em uma alegoria constituída no domínio da escrita. E esta (como a memória) simplifica, idealiza. Não recebe passivamente os objetos de uma realidade exterior, mas os fabrica, a partir de procedimentos específicos e de um espaço próprio: a página em branco. Nessa perspectiva, a alegoria dizia menos sobre o povo que sobre as expectativas de intelectuais do modo como este devia portar-se. Não descrevia a realidade, mas a harmonizava, criando um mundo utópico, desprovido de conflitos e ambiguidades. "

Na década de 1930, o Passeio Público já não possuía o mesmo status de outrora, ao passo que já no decênio anterior começava a perder sua funcionalidade para outros espaços de sociabilidade como o cinema.
Em meio às contínuas mudanças na paisagem da cidade, o Passeio Público parecia conservar algo que escapava ao mundo moderno e sua lógica racional. Em função do sentimento de ruptura ocasionado pela mutação da cidade, afigurava-se em elo com o pretérito, restituía uma continuidade, assegurada mediante sua preservação enquanto suporte físico da memória. Guardava, em sua existência subtraída da atualidade, algo que faltava aos novos equipamentos, cinemas e novos jardins, perdidos em sua praticidade de lugar de encontro e
vitrine de ostentação de riqueza. Achava-se o lugar nesse cruzamento de tempos. Era vivido de outra maneira, pois em parte havia perdido sua funcionalidade; adquiria estatuto de objeto antigo, que existe tão somente para significar o tempo.

Outro espaço de lazer das elites eram os clubes, estes foram criados ainda no final do século XIX, passando a ter uma maior relevância no início do século XX, em especial na década de 1920. Os clubes em Fortaleza, foram criados por grupos específicos que se afirmavam economicamente e assim como no Passeio Público, buscavam espaços de lazer exclusivos.

No entanto, ao contrário do Passeio Público que era ao ar livre e frequentado por diversas classes sociais, os clubes eram espaços fechados de sociabilidade exclusiva das elites. Para se ter acesso aos clubes, “...era preciso ser sócio e pertencer ao grupo estabelecido. Nesse sentido, os clubes representavam as profissões e oficios que compunha a elite em ascensão, principalmente os comerciantes”.

Jantar de intelectuais, provavelmente no Clube dos Diários - Acervo Carlos Juaçaba

Funcionários da Ceará Rádio Clube, reunidos no Clube Maguary, em comemoração ao aniversário da rádio

De acordo com Diocleciana Paula da Silva, no início da década de 1920 havia poucos clubes, no entanto, a quantidade era suficiente para atender ao abonado público frequentador. Ao longo daquela década, os profissionais liberais, os industriais e os comerciantes foram fundando seus próprios locais de diversão com acesso restrito e definido pelo poderio econômico e pelo pertencimento a um grupo: 

"Em Fortaleza, ao longo dos tempos, conviveram inúmeras dessas agremiações. Com efeito, pode ser arrolada uma grande quantidade de nomes que compunham o vasto conjunto de clubes sociais que desfrutaram (alguns ainda desfrutam), no passado, de poder e prestígio, em maior ou menor escala, consoante os grupos que congregavam. Havia os clubes de natureza classista, esportiva, ou de colônias de cidades interioranas, assim como existiam os ditos “suburbanos”. Mas são, sobretudo, os clubes chamados “elegantes” que estão presentes nos jornais, com maior frequência, ocupando espaço com convites, convocações de reuniões e matérias referentes a toda espécie de eventos que lá aconteciam: bailes, desfiles, jantares, recepções, aniversários, acontecimentos comemorativos, homenagens, etc. Eram esses “clubes dos ricos” extremamente “fechados”, tendo o seu ingresso vedado aos não sócios. Os critérios para a associação também eram rigorosos, sendo a aprovação de nomes candidatos motivo de deliberação de diretoria."

Reunião da Academia Cearense de Letras no Clube Iracema em 1922

Uma das primeiras agremiações criadas em Fortaleza foi o Clube Cearense¹, inaugurado em 1867. Tal agremiação, era composta por políticos e comerciantes nacionais e estrangeiros, sobretudo os de procedência inglesa, francesa e portuguesa, que eram ligados às atividades de importação e exportação. O Clube Cearense era uma instituição elitista de acesso restrito não permitindo a presença de outros membros que não fossem de seu quadro social.

Desfile Miss Ceará em 1956 no Náutico Atlético Cearense

A postura discriminatória existente no Clube Cearense, estimulou a criação de uma outra agremiação, o Club Iracema, com sede na Praça do FerreiraSua fundação ocorreu em 1884, “... por moços do commercio e funcionários da alfândega desta capital, com o fim de combater o exclusivismo reinante em o antigo club Cearense, que vangloriando-se de aristocratas, não admittia no seu seio aquelles elementos das, hoje em dia, tão acatados, entre seus pares.” (Revista Ba-ta-clan, 8 de julho de 1926)

 
Clube dos Diários

Mesmo sendo hostilizados pela aristocracia, os grandes comerciantes cresciam economicamente, no início do século XX, tornando-se um forte grupo. Apesar de ter sido criado como forma de se opor ao exclusivismo” do Clube Cearense, o Club Iracema era um local de acesso restrito, ao passo que seus sócios eram compostos basicamente por grupos ligados ao comércio e a alfândega. Os outros clubes que surgiram foram: o Clube dos Diários, em 19 de março de 1913; o Maguari Esporte Clube, surgido em 1924, era uma agremiação inicialmente relacionada à prática do futebol tendo inclusive disputado o campeonato cearense. Posteriormente, na década de 1940, direcionou suas atividades exclusivamente para o setor social. 

O Náutico ainda na praia Formosa (1929 - Arquivo Nirez) e no luxuoso prédio da Praia do Meireles

No ano de 1924, é fundada mais uma agremiação o Country Club que veio a ser inaugurado para congregar, sobretudo, os integrantes da colônia inglesa que residiam na capital cearense. Ao final da década de 1920, foi inaugurado mais um clube, era o Náutico Atlético Cearense fundado por jovens ligados a setores do comercio. Localizado inicialmente na Praia Formosa, tal agremiação na década de 1940 foi transferida para o bairro do Meireles onde um novo e luxuoso prédio foi erguido. 
Nas décadas seguintes, outras agremiações surgiram na capital cearense demostrando que o lazer privado em clubes não se limitou aos primeiros decênios  do século XX.

Leia também:


¹Inicialmente este clube ficou localizado na Rua Senador Pompeu e posteriormente, em 1872, 
transferiu-se para um prédio no Passeio Público. Este clube desapareceu no final do século XIX. 

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Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva  e Arquivo Nirez

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Execução de Pe. Mororó ocorreu há 187 anos - Parte II


A Igreja do Rosário

A Igreja do Rosário estava lotada naquela manhã ensolarada de domingo para a macabra missa fúnebre de corpo presente. Dois rebeldes confederados assistiam à cerimônia de encomenda dos seus corpos que logo mais seriam crivados de balas. O ritual macabro possuía roteiro de um teatro de horrores: encomenda prévia da alma com os “eleitos” presentes, degradação das honras, formação do aparato militar e fuzilamento público para uma platéia sedenta de sangue. Mas, afinal, quais os sonhos dos rebeldes tropicais da confederação do equador?

Padre Mororó foi condenado à morte por crime de Lesa Majestade. Contra ele pesavam três crimes: 1) Ter proclamado a República em Quixeramobim; 2)Ter servido de secretário do Presidente da República no Ceará, Tenente Coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe; 3) finalmente, de ter sido o redator do Diário do Governo do Ceará, órgão dos Republicanos.

A Confederação do Equador foi um movimento rebelde, liberal e republicano contra o absolutismo do Imperador Dom Pedro I. O mesmo príncipe que com o apóio das elites proclamou a Independência do Brasil do colonialismo português agora demonstrava sua face mais tirânica e cruel. Impôs uma Constituição despótica em 1824 e condenou à morte Mororó, Caneca, Carapinima, Miguelinho, João Ribeiro e tantos mais que ousaram sonhar pela liberdade. Mororó foi mais. Usou como canal de propagação das idéias confederadas um jornal, o primeiro do Ceará, o “Diário do Governo do Ceará”, certamente inspirado no Correio Brasiliense, primeiro jornal do Brasil, editado de Londres e enviado clandestinamente para o Brasil. O nosso primeiro jornal não era editado em Londres e sim em Quixeramobim, mas também propagava luzes contra o jugo dos poderosos, as trevas do autoritarismo. Mororó pagou com a vida o preço dessa ousadia. 


 
Passeio Público - Álbum de Vistas do Ceará 1908 

Ao findar a missa, o Padre Gonçalo Ignácio de Loiola Albuquerque, ou melhor Padre Mororó, e o coronel João de Andrade Pessoa Anta caminharam sem pressa pela Rua dos Mercadores ( Hoje Conde D’eu), seguiram pelo trecho da hoje Rua Guilherme Rocha, dobrando na Rua Major Facundo e prosseguiram até o Campo da Pólvora. Não estavam sós. Populares e soldados acompanharam o cortejo. Alguns dependurados nos galhos das árvores. Quando um dos galhos quebrou, parte do populacho foi ao chão como frutas podres que despencam em meio a zombaria geral. Mororó até esboçou um sorriso, mas o enredo era trágico e não cômico. O povo que os rebeldes confederados queriam libertar pouco ou nada sabia sobre as causas daquele movimento. 

 
Passeio Público - Álbum de Vistas do Ceará 1908 

Diante do pelotão de fuzilamento, Padre Mororó recusa a venda e pede que não lhe ponham no peito a fita que indicava o local da mira, coloca a mão direita sobre o coração e corajosamente diz para o pelotão: “camaradas, o alvo é este. Tiro certeiro para que não me deixem sofrer muito”. O sangue do padre banhou o Baobá, árvore gigante importada da África. Ali, ao pé do baobá, muitos outros tombaram porque ousaram sonhar com um Nordeste Independente do resto do Brasil, um país tropical livre e republicano contra o Absolutismo de Dom Pedro I. Hoje o local se chama Praça dos Mártires, ou Passeio Público, e os fantasmas rebeldes confederados nos cobram a memória do passado e os compromissos de luta do presente.
Evaldo Lima

O famoso Baobá do Passeio Público - Álbum de Vista do Ceará 1908


Parte I



Evaldo Lima é Prof. de História e atualmente exerce a função de Sec. de Esporte e Lazer de Fortaleza.



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NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: