Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Seminário da Prainha
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Ladeira do André


Fortaleza é metrópole com poucos logradouros de acentuada declividade.
Na rua Almirante Jaceguai, trecho entre a Avenida Monsenhor Tabosa e rua José Avelino, no bairro Seminário, destacou-se – em especial nos anos 60 – o rampadouro conhecido por Ladeira do André.

A denominação da íngreme via deveu-se à bodega, cujo proprietário possuía aquela graça.

Ali, fatos inusitados registraram-se.
Os carrinhos ingleses Prefect e Anglia, para subir, necessitavam do desembarque dos passageiros, que seguiam a pé até o topo e reembarcavam.

 Foto de uma revenda Ford, em 1951. Os carros expostos são Prefect e Anglia. 


O jipinho Crosmobile, modelo 1952, de nosso saudoso professor padre Tito Guedes, para vencer a inclinação, tinha de tomar velocidade desde a Avenida da Abolição.

Ciclistas desciam tranquilamente. Subir? Só levando a magrela no muque. Os
bêbados? Caminhando para cima ou para baixo era um “valha-me Deus!”.

Um curtume usava toda a extensão das calçadas na secagem de peles de animais para transformar em couro. Além da insuportável fedentina, os transeuntes tinham de andar sobre o pavimento de pedras toscas.

Conheci a Ladeira levado pelas circunstâncias.

Junto à Guarda Estadual do Trânsito submetia-me a exame para conseguir a
Carteira Nacional de Habilitação. Dia das provas práticas de direção. Sob o
humor irritadiço do Inspetor Webster, sentado no banco do carona do jeep da Auto Escola Willys, principiaram-se os testes. Baliza e percurso de dirigibilidade na Avenida Dom Manuel, descendo a rua Almirante Jaceguai. Pela mesma artéria retornando. E, no meio, o mando de frear o veículo e desligar o motor.

“Agora, a minha ordem, você liga a ignição, solta o freio de mão e realiza a subida da rampa! Se o veículo recuar ou estancar, está reprovado! Outra chance somente mês que vem! Pronto, execute!”.

Suores frio, morno e quente escorriam pelos caminhos do corpo. Mesmo havendo treinado inúmeras vezes, naquela data, tudo parecia desigual. O carro era outro. Os pedais tinham alturas e folgas diferentes do anterior e o freio de mão teimava em não obedecer, apesar do grande esforço empregado.

Socorri-me de meu padrinho – Santo Antônio de Lisboa – e fui atendido.
Dos doze examinados, quatro foram aprovados. O “... de Tetéu”, como o alcunhavam os candidatos, era tido e havido como o verdadeiro terror dos aspirantes a motorista.


Geraldo Duarte
 
(Advogado, administrador e dicionarista).

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A Prainha de outrora... Parte II


Avenida Monsenhor Tabosa na década de 60 - Arquivo Nirez

Prosseguindo na jornada e tomando o rumo leste, localizamos na atual Avenida Monsenhor Tabosa uma casa em que residiu a família de D. Nenem Bezerra de Menezes, que se casaria com o respeitável clínico cearense Dr. João Otávio Lobo, hoje nome de rua. E já na esquina com a rua Senador Almino, nos deparamos com um grande prédio atualmente subdividido em várias lojas, onde se situava a residência do comerciante Vicente de Castro, correspondente aos atuais nºs 83 a 139, com outros de permeio.


Seminário - Arquivo Nirez

No primeiro quarteirão, face sul, da Avenida Monsenhor Tabosa, foi construído o prédio do Seminário Diocesano, e, completando a quadra, com o oitão para a Praça Cristo Redentor, foi levantada a Igreja da Conceição da Prainha ou do Seminário.


Monumento Cristo Redentor - Arquivo Nirez

Círculo Operário São José

Quanto a praça, antes de 1915 a sua face oeste praticamente não existia, ocupada por casebres, motivo pelo qual foi fácil levantar o então suntuoso prédio do Círculo Operário São José, uma das primeiras e mais felizes iniciativas do 3º bispo do Ceará e 1º arcebispo de Fortaleza, Dom Manuel da Silva Gomes, que empresta seu digníssimo nome a uma das principais avenidas de nossa terra, que aliás tem início naquele logradouro. No centro da praça, foi erguida, em 1922, uma coluna com a imagem de cristo Redentor no seu ápice, abençoando a cidade com um de seus braços e segurando uma cruz com o outro. Segundo informações recolhidas, essa coluna foi construída em comemoração ao centenário da Independência do Brasil, por inspiração de Raimundo Frota, grande benfeitor do Círculo Operário, que concorreu para a construção do monumento com quarenta mil tijolos. O Círculo tomou a si essa tarefa e convocou os mestres Antônio Machado, Domingo Reis e Severino Moura, este último mais conhecido por "Chuva Branca", todos homens piedosos, vicentinos e terceiros franciscanos. Sem a assistência de engenheiros e arquitetos, o belo monumento provocou no Rio de Janeiro a maior admiração, através de apreciações de técnicos, em revistas especializadas. A coluna foi inaugurada a 7 de setembro de 1922. Enquanto os foguetes espocavam, os quatro novos sinos da Igreja da Prainha badalavam, dentre os quais o "Centenário".


Vista aérea da década de 20 ou 30 - Arquivo Nirez


Na ocasião pôs-se em movimento o relógio de quatro faces, depois retirado por inativo, em consequência da oscilação da coluna, e vendido à Igreja dos Remédios, no Benfica. A coluna teve seus dias gloriosos, costumando Dom Manuel da Silva Gomes celebrar, em dias especiais, na capelinha que lhe servia de base, enquanto a imagem era iluminada à noite até que, durante a 2ª Guerra Mundial, as autoridades militares impuseram a retirada das lâmpadas por questão de segurança pública, com a promessa de voltar ao que era no devido tempo, o que infelizmente não ocorreu. Aos domingo e dias festivos era franqueada a subida até o topo da coluna, através de escada interna em espiral, de onde se descortinava belo panorama da cidade e do mar. A imagem de Cristo Redentor infundia segurança em todos, aos de baixo e aos de cima.


A inauguração do monumento Cristo Redentor em  7 de setembro de 1922 - Livro Terra Cearense 1925

Descendo a Ladeira da Prainha, hoje rua Almirante Jaceguai, com fundos para o quintal da casa do Barão de São Leonardo e formando a esquina sudeste da referida ladeira com a rua do Chafariz, hoje José Avelino, tínhamos a casa de D. Benvinda e "seu" Floriano, primos do grande cearense Gustavo Barroso (menininho ao lado) que, em suas "Memórias", relembra inúmeras peraltices por ele praticadas sob a proteção de quem muito o estimava. Hoje, o prédio tem o nº 480 da rua José Avelino e 174 da rua Almirante Jaceguai. O primeiro volume daquelas deliciosas reminiscências, intitulado Coração de Menino, conta o que se passou numa segunda "Noite das Garrafadas" (ps. 256 a 264), assim chamada porque o irrequieto cearense resolveu reagir contra o chicote do português Chico Bracinho, carroceiro de Joaquim Amâncio Farias, residente em casa do bairro. O lusitano embirrava com os meninos que trepavam na traseira de sua carroça. Uma de suas chicotadas atinge Gustavo e este trama vingança. Arma-se de uma garfo velho que servia para revirar o adubo das roseiras da casa dos primos e convida para a desforra do caboclo João Pacheco, munindo-o de cacete, e o incita a vingar a honra cearense ultrajada por um ultramontano. Seria outra "Noite das Garrafadas". Na hora aprazada, os dois desafiam o português. Este reluta, prudentemente: que fossem para casa e deixassem de provocações com quem estava quieto. Os desafios continuam e o carroceiro, afinal, investe contra os provocadores, "com qualquer coisa branca na mão". Gustavo enfrenta-o e enfia-lhe o garfo na coxa. O homem solta um berro e, erguendo a acha de pau-branco que trazia, desce-a sobre Gustavo, que se desvia em tempo, recebendo apenas um raspão da cacetada que, mesmo assim, lhe endurece o pescoço por vários dias. João Pacheco apavora-se e falha na defesa do amigo desfalecido. Limita-se a pedir socorro à vizinhança, sendo Gustavo levado à casa dos primos para os primeiros curativos. Seus parentes nada dizem ao pai, avó e tias de Gustavo, enquanto o carroceiro vai tratar-se na Santa Casa. Encerrando sua lembrança do episódio, o escritor cearense dogmatiza: "A violência do Chicote provoca a violência do garfo, que provoca, por sua vez, a violência da acha de lenha. Felizmente pára aí. A violência somente gera a violência." O carroceiro demora no tratamento da ferida que supurou, escapando por milagre do tétano num tempo em que não se conheciam as injeções antitetânicas. Floriano, ao final, abraçou Gustavo, dizendo: "Eta bichinho bom! De garfo, não! Nunca mais! Mas vá tocando o pau, quando puder, e conte comigo que garanto a retirada. Desaforo não se traz para casa. Prega-se na cara de quem o fez. É melhor morrer do que viver desonrado."


Na rua Almirante Jaceguai, ficava essa casa, que era residência de Mister Hull

Ainda tendo por base a casa dos primos na Prainha, Gustavo armou outras, uma das quais narra no capítulo intitulado "O Mascarado" da publicação Liceu do Ceará, segundo volume de suas recordações (ps. 191 a 194). Próxima à residência de seus primos havia uma casinha, esquina nordeste das ruas Almirante Jaceguai (continuação, para o norte, da Ladeira da Prainha), e Dragão do Mar (antiga rua da Praia ou da Alfândega). Nela viviam modestamente duas irmãs de Telésforo de Abreu, Mariana a mais velha, viúva de um veterano da Guerra do Paraguai, e Demétria, solteirona. Telésforo de Abreu era um dos mais ricos habitantes do bairro da Prainha, cuja suntuosa casa, ficava no primeiro quarteirão da rua Boris, face leste, olhando para a sede da empresa que deu nome à essa rua, foi posteriormente ocupada por Bertrand Boris, quando este chegou ao Ceará


Rua Boris do Álbum Vistas do Ceará 1908

Casa Boris - Acervo de Carlos Juaçaba

Floriano, primo de Gustavo, costumava dar boa noite às duas irmãs de Telésforo e aceitar um cafezinho bem quente, certamente torrado em casa, que as duas lhe ofereciam. Determinada noite, sabendo Gustavo que o parente fora ao centro da cidade, escurece o rosto com cortiça queimada, arranja barba postiça, veste roupa do primo e enterra surrado chapéu de feltro na cabeça, indo à casa das velhinhas passar um trote. Dá-lhes boa-noite, como se fosse Floriano, mas, momentos depois, vêem as boas velhas o logro em que caíam e botam a boca no mundo, gritando: "Socorro! Um mascarado!"
A vizinhança corre pressurosa mas Gustavo, bom conhecedor do terreno, esgueira-se em tempo. Estranha-se o desaparecimento súbito do mascarado e nunca se esclarece o episódio. Somente Floriano, no dia seguinte, após tomar conhecimento dos fatos, diz reservadamente para Gustavo, batendo-lhe no ombro: "Foste tu!" E caem ambos na gargalhada.



Foto de 1900, onde vemos, a Casa Bóris, Alfândega e o antigo Porto de Fortaleza

Onde já funcionou a Capitania dos Portos (pequeno quarteirão entre as ruas José Avelino, Almirante Jaceguai, Almirante Tamandaré e Dragão do Mar) levantava-se a velha Alfândega. E, em diagonal com esta (esquina sudoeste das ruas Dragão do Mar, nº 207, e Almirante Jaceguai, nº 93), ficava a casa de Joaquim Amâncio Farias, de quem era carroceiro o português Chico Bracinho, já aqui referido como protagonista do episódio em que se envolveu Gustavo Barroso. Um dos filhos de Joaquim Amâncio, chamado José, integrava o grupo que depôs o Presidente do Estado, Antônio Pinto Nogueira Accioly, em 1912, tendo sido baleado no histórico dia 24 de janeiro daquele ano, de cujo ferimento faleceu. Outro seu filho, de nome Adalberto, foi para o Rio de Janeiro estudar Astronomia com um seu cunhado, Dr. Moritz, Diretor do Observatório Nacional. Vinha passar tempos nesta casa D. Ana Rabelo, tia do coronel Franco Rabelo, guindado à chefia do executivo estadual, em substituição a Accioly, e também destituído em 1914 pela Sedição de Juazeiro, sob a inspiração do Pinheiro Machado e do próprio Presidente da RepúblicaMarechal Hermes da Fonseca.


Continua...

Leia a primeira parte AQUI
Fonte: Prainha, um bairro decadente - Mozart Soriano Aderaldo

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A Prainha de outrora...


Igreja da Prainha em 1935
Nossa outrora hígida capital desfrutava de tranquilidade nos bairro, onde conviviam harmoniosamente famílias abastadas e carentes. As Cambirimbas e a Tijubana eram aglomerados da classe mais pobre, existentes respectivamente ao lado das espaçosas residências do velho Alagadiço e de Jacarecanga. A Cachorra Magra se agregava ao Benfica, bairro descoberto pelas famílias ricas da cidade. E, ao simplório bairro do Outeiro, trecho da cidade sito a leste do Riacho Pajeú e alcançando por ínvios caminhos, quais eram o Corredor do Bispo (atual rua Rufino de Alencar), o Beco do Pocinho e o início da futura Pinto Madeira, se agregava a Prainha, alcançada pela antiga rua da Praia (atual Pessoa Anta) e habitada por "gente boa" da terra. 


Seminário e igreja da Prainha em 1906 - Arquivo Assis de Lima

Nele nasceu e viveu algum tempo o grande cearense e maior crítico literário nacional da passada centúria Araripe Júnior, cuja moradia localizarei para a posteridade. E foi ele palco das peraltices de outro grande conterrâneo nosso, por via das frequentes andanças pela casa de parentes seus, o inesquecível Gustavo Barroso.


Foto da época da Inauguração da torre do Cristo Redentor em 1922. As casinhas que vemos, são da Rua Rufino de Alencar. Nirez

O bairro da Prainha compreendia não somente a parte que fica abaixo da colina onde nossa cidade se assenta mas se estendia à porção de cima, que dava frente para o areal hoje correspondente à Praça Cristo Redentor e ao início da rua do Seminário, atualmente Avenida Monsenhor Tabosa


Foto do Álbum de Vistas do Ceará de 1908

As casas à esquerda formam a Rua Rufino de Alencar que vem do lado da Catedral e quando chega na Rua Boris faz a abertura de um ângulo para formar a praça. A foto na realidade é o areal do que seria futuramente a Praça do Cristo Redentor. Arquivo Nirez

Na esquina noroeste da rua Boris, hoje reduzida em sua extensão em decorrência da demolição da face norte da desaparecida rua Franco Rabelo, e a atual Avenida Presidente Castelo Branco, que o povo chama de Leste-Oeste, existia um velho solar pertencente ao coronel Solon da Costa e Silva, nascido em Pacatuba e comerciante em Fortaleza, proprietário da Empresa Ferro-Carril de nossa cidade (que explorava o serviço de bondes de tração animal), sucedia em 1914 pela Ceará Light (concessionária do serviço de bondes de tração elétrica). O coronel Solon, que deu seu nome a uma rua da cidade, era pai de meu querido professor de inglês no Liceu do Ceará, Mozart Solon, e avô do Pe. Fred Solon, sacerdote jesuíta muito popular entre as novas gerações de fortalezenses. O belo prédio a que me referi foi em parte demolido para o alargamento da referida artéria, hoje crismada com o respeitável nome do primeiro Presidente da República após a Revolução de março de 1964.


A rua do Seminário em 1890 - Nirez

A Casa Boris

Descendo a ladeira da rua Boris, vamos encontrar ainda hoje o edifício que abriga a Casa Boris, aqui estabelecida no século passado e de grande importância econômica e social, a ponto de o povo dizer que o mar era o "açude do Boris".


Foto colhida pela objetiva da Aba Film no ano de 1938. A partir da esquerda, a mansão que foi de Luiz Borges da Cunha e Maria Pio de Castro, que ficava na Rua Franco Rabelo, em frente à Praça, seguida da casa construída por José Pio de Morais e Castro e Angélica Borges Pio de Castro, depois ocupada pelo inglês Francis Reginald Hull (Mr. Hull), meio encoberta por uma árvore; a Avenida Monsenhor Tabosa, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição e o Seminário Arquidiocesano. Na frente, a praça, com a torre que lhe deu o nome. Arquivo Nirez

Voltando à porção elevada da Prainha, visualizávamos, ao lado do belo prédio em que se abriga a Biblioteca Pública, a casa de nº 317 da desaparecida rua Franco Rabelo, no início da Avenida Presidente Castelo Branco. Tratava-se do primeiro bungalow construído em Fortaleza, iniciativa de Manuel Pio.


Ladeira da Prainha e residência de Mister Hull -Nirez

Vizinho a esse prédio existia outro fazendo esquina com a atual rua Almirante Jaceguai, que integra a Ladeira da Prainha, onde os bondes estacavam pela impossibilidade de subi-la. Nele residiu José Pio, irmão do proprietário do bungalow vizinho, e sua estampa consta do Álbum de Fortaleza editado em 1908. Depois foi residência de Francis Hull, cônsul inglês em nossa terra e gerente da Ceará Light, homem curioso de nossas angústias climáticas e autor de estudos sobre a problemática das secas, merecendo por isso batizar importante artéria de nossa terra. Esse prédio foi demolido e o correspondente terreno serve atualmente de estacionamento de automóveis ou atividade correlata.


O bonde Prainha na Avenida Pessoa Anta

Olhando em diagonal para a Praça Cristo Redentor e de frente para a Igreja da Conceição da Prainha (conhecida como Igreja do Seminário), localiza-se o prédio outrora residência do Barão de São Leonardo. Corresponde atualmente aos números 5, 15 e 23 da Avenida Monsenhor Tabosa, chamada antes de rua do Seminário. O Barão de São Leonardo, hoje denominando rua de nossa capital, chamava-se Leonardo Ferreira Marques e nascera em Mombaça.


Vista aérea da década de 20/30 - Arquivo Nirez

Vizinho à casa do Barão situava-se outra que tem hoje o nº 39 onde residia no início do século corrente  o grande poeta cearense que batizou rua da cidade e foi "degradado" por um vereador de passada legislatura, que quis homenagear o pai do dono de um posto de gasolina ali situado... José Albano, membro de família fidalga chefiada pelo Barão de Aratanha, nasceu em casa situada na esquina noroeste das ruas Visconde de Saboia e Coronel Ferraz, mas morava então na Prainha. Descia ele a ladeira do bonde da mesma denominação para, juntamente com o futuro deputado federal e jornalista Luis Cavalcante Sucupira, banhar-se nas ondas que quebravam nas areias da futura Praia de Iracema, então Praia do Peixe.


Praia de Iracema em 1930


Fonte: Prainha, um bairro decadente - Mozart Soriano Aderaldo

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Avenida Dom Manuel - Antiga Rua do Barreiro



A Avenida é uma das mais antigas de Fortaleza. Seu traçada é do século XIX. É o início de um passeio pelo tempo, da Fortaleza de bangalôs, lambrequins e ornatos. 
Ela já foi Rua do BarreiroBoulevard* da Conceição, Rua Nº 19, Avenida Dom Luís e finalmente Avenida Dom Manuel.



Em 1888, a atual avenida Dom Manoel tinha o nome de Boulevard da Conceição por causa da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha, que fica no seu início. Depois teve o nome de Avenida Nogueira Acióli, Boulevard Dom Manoel e Av. Dom Luiz, sendo chamada popularmente de São Luís. Em 1890, quando todas as ruas de Fortaleza receberam números em substituição aos nomes, ela recebeu o n°19, mas a inovação pouco durou. A primeira vez que a avenida se chamou Dom Manoel foi em 1934, depois foi Dom Luís e voltou a ser Dom Manoel, até hoje. A Av. Dom Manoel se inicia no encontro das avenidas Monsenhor Tabosa e Presidente Marechal Castelo Branco (Leste – Oeste), como que continuando a antiga Ladeira da Escadinha, atual rua Almirante Saldanha e até pouco terminava na rua Rocha Lima, antes da abertura da Avenida Aguanambi, que é hoje sua continuação.


Planta de Adolfo Herbster

A Avenida consta no plano urbanístico de 1875, idealizado pelo engenheiro Adolfo Herbster. O Tabuleiro de Herbster, considera o arquiteto José Capelo Filho, no livro Fortaleza Centro Guia Arquitetônico (2006) - Mantinha a concepção xadrez do engenheiro Silva Paulet, indo adiante: “Ampliava-lhe o traçado para além de seus limites de então e criava, seguindo a orientação francesa do prefeito de Paris, o Barão de Haussmann, três bulevares, situados nas atuais avenidas Imperador, Duque de Caxias e Dom Manuel”. Mas o que poderia ser, hoje, um passeio por essa bela época, torna-se apenas caminho para um trânsito nervoso, desperdiçando-se a sombra generosa dos oitizeiros.

Sobrou quase nada da Fortaleza de bangalôs, sobrados, casarões, lambrequins, ornatos, sacadas, terraços, quintais, mansardas, balaústres, platibandas, muretas... O charmoso Boulevard, misto de pista larga e paisagismo, só existe nos livros de memórias da metrópole.

Da nascente, na Avenida Monsenhor Tabosa, à desembocadura, na Avenida Aguanambi, vivem a Igreja da Prainha e o Seminário homônimo, as escolas públicas Visconde do Rio Branco e Clóvis Beviláqua

Cruzamento da Avenida Monsenhor Tabosa com Dom Manuel

Muitas casas perderam cores e ganharam o tom do asfalto e do vandalismo. Armaram-se com grades e cercas em espiral. Lacraram as janelas-quase-portas. Transfiguraram-se em clínicas, churrascarias, pousadas, kitinetes, lava-jatos, assombrações. Calaram o Clube do América, desfolharam a Praça das Esculturas.

Algumas conservam fachadas, curvas e geometrias e merecem contemplação. No quarteirão entre as ruas Costa Barros e Pereira Filgueiras, por exemplo, ainda há muros baixos e jasmins. Mas é preciso disposição para descobrir essas raridades em uma cidade de arranha-céus. Em bairros que narram a história de Fortaleza - como Centro, Aldeota, Benfica e Jacarecanga, boa parte dos bangalôs e do charme da Capital existe, agora, nos livros.


Em 'Mansões, Palacetes, Solares e Bangalôs de Fortaleza' (ABC, 2000), Marciano Lopes preserva as “casas de grande porte”, feitas sob medida para a cidade-grande: “Foi quando as rústicas telhas de barro, produzidas nos arredores, passaram a ser substituídas pelas delicadas telhas de Marselha e até por ardósia importada da França. Da Inglaterra vinham as louças sanitárias. Portugal mandava, entre outros atavios, as pinhas, os jarrões, as estátuas e os ladrilhos de Faiança.  Algumas casas utilizavam até madeiras europeias e o precioso e agora raro pinho de Riga servia para assoalhos, portas, janelas e bandeirolas”.

A Avenida Dom Manuel é batizada com o nome do primeiro arcebispo de Fortaleza. O baiano Dom Manoel da Silva Gomes (1874-1950), conta o escritor Rogaciano Leite Filho ('A História do Ceará Passa por esta Rua' - EDR, 2002), fundou o jornal 'O Nordeste', criou o Círculo de Operários Cristãos e determinou a demolição da Antiga Sé para a construção da atual Catedral (a partir de 1939), entre outras realizações que marcaram a história local.

A avenida Dom Manuel compunha o antigo Bairro do Outeiro da Prainha.



*O nome Boulevard é de origem francesa e é o equivalente a avenida, de forma mais sofisticada. Em Fortaleza havia o Boulevard da Conceição (Avenida Dom Manuel), Boulevard do Livramento (Avenida Duque de Caxias), Visconde de Cahuype (Av. da Universidade), Boulevard Visconde do Rio Branco (Avenida Visconde do Rio Branco). 
Marciano Lopes


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Créditos: A História do Ceará passa por esta rua - Rogaciano Leite Filho, 
Jornal O Povo, Diário do Nordeste e Fotos do Arquivo Nirez

domingo, 10 de junho de 2012

Avenida Monsenhor Tabosa - Antiga Rua do Seminário - Parte III


Praça Cristo Redentor, vendo-se ao fundo a Igreja da Prainha - Arquivo Nirez

Por essência, o povo compôs a alma da avenida, dos fundadores aos habitantes atuais...

Descobrir a história de uma rua e da região que a cerca não é tarefa fácil. Documentos históricos são raros e quando encontrados, são pouco organizados. O Arquivo Público do Estado do Ceará (localizado na RuaSenador Pompeu, 648, Centro) abriga pilhas de papéis seculares. O maior problema é a falta de esquematização, o que dificulta a pesquisa. 

Nas largas calçadas, depois da esquina da Rua Senador Almino, pães de queijo e salgados atraem a atenção dos passantes. Saindo de um estreito corredor da casa onde moram desde que nasceram, as irmãs Leda Maria e Rosângela Braga vendem seus quitutes. Elas logo advertem:  Todo mundo tá viajando, vai ser difícil encontrar alguém pra falar disso (do passado)”. Mas, conversa vai, conversa vem, algumas indicações de nomes surgem. 

Uma colega das irmãs, Lúcia Mendonça, ainda comenta sobre uma tia antiga que lembrava de velhas histórias da rua. Uma delas dizia que a maré alta chegava a lavar as costas da igrejinha. A frente da igreja, nesse período, estava virada para Avenida Dom Manuel. Do outro lado da rua, um almoço quente e barato é servido àqueles de menor poder aquisitivo. É a lanchonete do Luiz. Lá, há 47 anos mora o comerciante Luiz Antônio Alves de Souza, residente desde que nasceu. Em meio aos trocados do caixa, atendendo um e outro pagante, ele expõe as lembranças e relatos que a mãe citava. No início da década de 20 a mãe de Luiz, Maria Lúcia, é uma das fundadoras da avenida. Quando ela adquiri a propriedade, nem mesmo os quarteirões estavam formados. Luiz relembra até os tempos de menino e os jogos de bola pela velha Monsenhor Tabosa. Ele relata que muitos dos moradores à época eram comerciantes, trabalhavam no Centro, na Rua Conde D’eu. Já a mãe começa vendendo artesanato e alugando o ponto para lojas. 
Aqui é um ponto bom, resolvi ficar”, responde o comerciante, atendendo aos clientes ansiosos pelo troco.

“Ainda tem família, mas é intocada”, revela Braz da Silva, referindo-se a antiga Rua do Seminário. Ele mora na Travessa Aracoiaba, oficialmente Ademar de Arruda, com a mulher Terezinha Andrade da Silva. A casa é simples, interiorana. De grande riqueza só mesmo o diamante das bodas – 60 anos de casados. A mulher mora ali desde que nasceu, em 1929. A rua em que mora é paralela à Monsenhor Tabosa e também já foi conhecida como Rua do Bagaço. Dona Terezinha explica que é por causa das casas construídas com bagaço de cana-de-açúcar.

O simpático casal de idosos conhece as imediações, mas não saem como antes. A filha Francisca Maria Andrade é quem aproveita a proximidade do centro comercial para fazer suas compras mais necessárias. “Ah, antigamente na Monsenhor só morava ‘gente chique’. Antes é que morava gente mais humilde”, recorda Francisca. D. Terezinha some por um espaço de tempo da sala. Quando volta, traz o documento amarelado, quase em pedaços, ilustrando que o terreno, onde ela mora hoje, fora da Igreja. O papel, datado de 1957, simboliza o pagamento dos fóros, quantias pagas anualmente a Arquidiocese, por metro quadrado de terra. “Era uma mixaria, a gente pagava na Igreja da Sé, indica a dona de casa.

Sapateiro de oito décadas vividas, Braz da Silva, remonta aos clubes da vizinhança, onde ia jogar bola pelo dia, e se divertir dançando e bebendo pela noite. Enumera alguns exemplos, Clube Vila Bancária, Idealzinho, Canto do Rio, Clube Massapeense, Onze Cearense e a Baixa do Veado. Entre a Monsenhor Tabosa e a Nogueira Acioly, encontra-se a Praça da Graviola, que segundo o casal, “tem até apartamentos”. A comunidade é antiga. Na infância, D. Terezinha já ouvia falar dela, e apesar dos preconceitos sociais embutidos, a praça – ou favela - “é também lugar de famílias trabalhadoras e honestas”. Voltando para a Monsenhor Tabosa, a procura é agora pelo seu Tarcísio Pedro de Oliveira, ou o Tarcísio Lanches. Perguntando em lojas das proximidades, uma vendedora é enfática: “Aquele ignorante? Se fosse você nem ia falar com ele”. Talvez por falta de conhecimento ou por fofocas implicantes, a moça não tenha um contato direto com o conhecido comerciante daquelas bandas. Tarcísio recebe os fregueses calorosamente, e não é diferente quando se trata em contar um pouco do que lembra ao longo dos 51 anos de Monsenhor Tabosa. “Tinha muitos portuários, caminhoneiros, operários e vendedores”, rememora. A lanchonete que mantém com a esposa, era do pai que veio de Cascavel. Conta ainda que a rua possuía um campo de futebol no estilo de sítio, com muitas bananeiras e coqueiros. Haviam três bodegas principais: 
a do Seu pai, a de Seu Antônio e a de Seu Carlinho. Quando ia para a missa, os padres contavam acerca da história da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha e com ela a do personagem Monsenhor Tabosa. Para um pouco de atender os clientes, e busca em seus guardados uma valise empoeirada, o texto que o sacerdote entregava. Destaca também a centralidade da rua na cidade: “Nós vivemos perto de tudo, perto do mar, perto do Centro. Aqui ninguém precisa ter carro”, considera. 

Uma das últimas remanescentes dos primeiros habitantes da Monsenhor Tabosa se encontra em uma casa que atravessa o quarteirão. D. Vilca Galvão, sentada na mesa da cozinha, reconsidera todo o passado para traçar a linha de vida naquele lugar. “Meu pai era industrial”, lembra-se quando fala da padaria do pai: A Confeitaria Galvão. O pessoal da estiva - serviço de carregamento e descarregamento de navios no porto - ocupava algumas casas da Rua que era toda em calçamento até o Ideal. Aliás a moradora de 78 anos reclama que “o asfalto suja muito”. Relembra as novenas realizadas no Seminário pelo Padre Arruda que eram a grande festa daquele tempo. As moças de vinte anos de idade nem sabiam o que era beijo, exulta. Lecionou no Colégio de Mister Hull, até o seu fechamento entre 1955 e 1960. Em Geografia Estética de Fortaleza, Raimundo Girão apresenta que onde é o atual Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, já existiu um estacionamento. Nas lembranças de Dona Vilca, tais dados históricos não se confirmam. Por último ela assevera que a avenida “é muito calma, (os moradores mais novos) não são nem daqui, vem de fora”.

Qual a cara da Monsenhor Tabosa? 

Os badalos da igreja do Seminário da Prainha ecoam misturando-se ao som das buzinas como uma forma de resistência de uma cidade que não há mais. Quase que imperceptível, o barulho persistente do ventos nas folhas das carnaubeiras tira os olhos do transito caótico das 18h de uma segunda-feira... 

O Seminário - Arquivo Nirez

Então qual era a verdadeira Monsenhor Tabosa? Passarela da moda, Centro Comercial ou seria Centro Artesanal? Todas essas repostas correntes que sempre enquadravam-se para designar aquela avenida naquele momento não foram suficientes. Havia algo mais ali. O badalar do sino da igreja ressaltava uma outra Monsenhor Tabosa. No passado a presença do Seminário era tão forte para aquele logradouro que até já foi usado para sua denominação: Rua do Seminário. Com casas erguidas em terrenos da igreja a influência religiosa na avenida é inegável e está presente até hoje. A substituição do nome por Monsenhor Tabosa, homenageando um sacerdote que dedicou sua vida aos doentes e pobres, é mais uma forma de reafirmar a história da rua em meio aos shoppings e lojas que proliferam pela avenida.
Outro prédio que se destaca em meio às lojas é o SEBRAE, onde são promovidos cursos profissionalizantes além de eventos culturais, como a feira da música. Além de claro, o Centro Cultural Dragão do Mar, que apesar de localizar-se na avenida é inegável sua influência na região. O Centro Cultural, batizado com o nome do pescador que é o símbolo do fim da escravidão no Ceará, aumenta o número de frequentadores da Avenida, que junto ao Dragão do Mar torna-se um ponto turístico do cidade. Apesar do seu aspecto comercial ser o mais usado para justificar a alta frequência de turistas, é inegável que um passeio pela Avenida também seja um passeio pela história da cidade e os aspectos que identificam o povo cearense, como a religiosidade.



O espaço hoje ocupado pelo Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Foto da déc. de 20 ou 30. Arquivo Nirez


Foto de Rick Foth


Religiosidade esta, fortemente marcada na avenida. No alto de uma coluna ao meio da praça, que também se localiza um Teatro que leva o nome de São José, está a estátua de Cristo Redentor. A Praça do Cristo Redentor, é cercada por árvores e táxis. 

Foto da época da Inauguração da torre do Cristo Redentor - 1922 - As casinhas são na 
Rua Rufino de Alencar. Arquivo Nirez
Abrigando o museu do Maracatu o Teatro, de nome cristão, ostenta, singelamente, a nossa miscigenação. 
Na Monsenhor Tabosa, também se encontra a biblioteca Pública Estadual (Governador Menezes Pimentel). 

Inauguração do novo prédio da Biblioteca Pública na Praça do Cristo Redentor, vendo-se Renato Braga, general Teles Pinheiro, Raimundo Girão, Parsifal Barroso, Antônio Martins Filho e José Lins Albuquerque. Foto Estúdio Eln - Arquivo Nirez


Foto de Edimar Bento


A Avenida Monsenhor Tabosa não pode ser taxada meramente como um centro comercial. Ela é muito mais importante que isso, é na verdade uma idiossincrasia nossa. Nela estão presentes elementos peculiares da nossa formação. Olhar a Avenida e elementos ao seu redor, que a ajudam a compor aquele cenário, sempre lembrado como um lugar comercial e de trânsito caótico, é olhar para a composição de uma identidade cultural que insiste em existir mesmo sendo ignorada.


A cara da Monsenhor Tabosa, apesar de maquiada por lojas, continua sendo uma expressão da formação de uma gente, de uma história que, sem termos consciência, nos pertence. A cara da Monsenhor Tabosa, é a minha, é a sua cara.




Parte I

Parte II


Crédito: Monsenhor Tabosa de Corpo e Alma (Alan Regis Dantas, Iana Susan, 
Ônica Carvalho, Lucianny Motta, Fernando Falcão e Sâmila Braga)

sábado, 9 de junho de 2012

Avenida Monsenhor Tabosa - Antiga Rua do Seminário



Aquarela de José dos Reis Carvalho da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha em 1859.

Conforme dados do arquivo pessoal do pesquisador Clemilton Melo, em meados do século XVI, chegam os holandeses a região cearense e deparam-se com um arraial de índios à margem direita do Riacho Pajeú. Em 1850, é construída uma ponte sobre o riacho, para que a população da Prainha possa chegar ao que atualmente é o Centro da cidade. Já que as ruas que cumprem essa função hoje, Rufino de Alencar e Monsenhor Tabosa, são à época apenas um caminho de areia que passa ao lado da chácara da família Guimarães. Propriedade que uma década depois, seria vendida ao Governo da Província para ser sede do Paço Episcopal. A antiga Rua do Seminário, atual Monsenhor Tabosa, em 1890, muda de nome. A partir da Resolução de 29 de outubro daquele ano, o Conselho de Intendência Municipal da Cidade decreta a mudança. O logradouro passa a ser chamado de Travessa 19-A. A ideia na época é denominar as ruas de Fortaleza da mesma forma que em Nova York. A Rua Floriano Peixoto, no Centro, por exemplo, equiparava-se a Fifth Avenue, sendo chamada Rua Nº 05.

É só em dezembro de 1932 que o governo de Carneiro Mendonça normaliza a nomenclatura das ruas e logradouros, além de promover a reestruturação, a pavimentação e a colocação de meio-fios. 



Avenida Monsenhor Tabosa do Livro Viva Fortaleza 1950-2010

Avenida Monsenhor Tabosa em 1964. Ao longe, o monumento Cristo Redentor

Como descreve Mozart Soriano, na obra História Abreviada de Fortaleza, alguns personagens ilustres residiram na rua e imediações, dois séculos atrás. Na ladeira da Prainha, Rua Almirante Jaceguai, morou Francis Reginald Hull. Cônsul inglês, gerente da Ceará Light Co. e estudioso do clima da terra, ele possuía uma mansão, que se transformou no Instituto Mister Hull. Adentrando a pedregosa Avenida Monsenhor Tabosa, nos prédios de Nºs 05, 15 e 23, hoje ocupados por estabelecimentos comerciais, residia o Barão de São Leonardo. Pouco mais a frente, numa fachada azul destruída e abandonada de Nº 39, morava o poeta cearense José Albano, membro da família do Barão de Aratanha. Já na esquina com a Rua Senador Almino, nos atuais Nºs 83 a 139 situava-se a residência do comerciante Vicente de Castro. Outros nomes que foram destacados por alguns moradores da rua são contemporâneos. Dentre eles, figuram os do compositor Carlinhos Palhano, sobrinho de José Gésio Palhano, fundador da Tamancolândia, e do jornalista de O Estado o advogado Helder Cordeiro.
Estima-se que o caminho de terra que hoje é a Avenida Monsenhor Tabosa tenha sido habitado gradativamente. O terreno que pertencia então a Arquidiocese Cearense começou a ser vendido aos pequenos comerciantes, que ali levantaram seus lares. Conta-se que antes mesmo da Igreja deter o espaço, nele moravam pescadores e trabalhadores. “Fortaleza nasce por ali”, esclarece o pesquisador Clemilton Melo. Embora entre os descendentes de alguns dos fundadores da rua haja poucas lembranças desse período.


Em 08 de dezembro de 1839, são iniciadas as obras da construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha (Igreja da Prainha), iniciativa de Antônio Joaquim Batista de Castro, o Galinha Branca. Com celebração da missa e benção do local, pelo padre Carlos Augusto Peixoto de Alencar, nessa ocasião foi organizada uma irmandade tendo como padrinho Manuel Rufino Jamacaru.  Em 25 de outubro de 1885, quase 46 anos depois de lançada a pedra fundamental da igreja, morre, aos 68 anos de idade, Antônio Joaquim Batista de Castro (Galinha Branca), fundador da Igreja da Prainha, deixando-a quase pronta.

Rua do Seminário - Seminário da Prainha em 1890 - Arquivo Nirez

Em 10 de outubro de 1864, foi fundado o então Seminário da Prainha, como Seminário Episcopal do Ceará, por Dom Luís Antônio dos Santos, primeiro bispo de Fortaleza.
A partir daí, nasce a Rua do Seminário.

A Rua do Seminário, diferente da atual Avenida Monsenhor Tabosa, era uma tranquila rua residencial, com belas casas construídas na década de 20.

Rua do Seminário em 1905. Vemos o Seminário e sua Igreja (Nossa Senhora da Conceição). Arquivo Nirez

Rua do Seminário em 1906 - Arquivo Nirez

Em 12 de abril de 1935, morre em Fortaleza, aos 60 anos de idade, o monsenhor Antônio Tabosa Braga (Monsenhor Tabosa), jornalista, cearense de Itapipoca nascido em 19/12/1874. Foi vigário geral da Arquidiocese do Ceará, sendo o 2º de Dom Manuel.
Um dos fundadores da colônia de Hansenianos de Canafístula (Antônio Diogo) e da União dos Moços Católicos - UMC.
No jornalismo usou o pseudônimo de O Velho Nicodemus.

Em 1936, a Rua do Seminário muda o nome para Avenida Monsenhor Tabosa, homenagem ao Monsenhor Antônio Tabosa Braga, falecido em 12 de abril do ano anterior.
Projeto do vereador Valdemar Cabral Caracas (Valdemar Caracas).



Avenida Monsenhor Tabosa esquina com Av. Rui Barbosa no final da década de 30 início da década de 40 -Arquivo Nirez

 A Monsenhor Tabosa de José Gésio

Um dos principais pontos turísticos e comerciais de Fortaleza, a Avenida Monsenhor Tabosa, também é local de interessantes histórias como a de José Gésio, o fundador da primeira loja do local.
As muitas lojas de sapatos e roupas da Avenida Monsenhor Tabosa guardam a história do fundador do ramo comercial da Avenida nacionalmente conhecida pela grande variedade de produtos vendidos.

Quem anda pela Monsenhor Tabosa não imagina que no meio de tantas lojas ainda existam edifícios residenciais como o Santa Marta, que é moradia de um personagem indispensável para aqueles que buscam conhecer um pouco da história do lugar.

O homem de 73 anos e cabelos que demonstram a idade avançada chama-se José Gésio Palhano, casado há 52 anos com dona Esmeralda. Nascido no Ipu, José Gésio pode ser considerado o responsável pelo sucesso que a Avenida Monsenhor Tabosa possui hoje, pois, junto com seus irmãos, fundou a primeira loja, a Tamancolândia (A Tamancolândia chegou mudando padrões, apresentando variedade em modelos, agregando charme ao calçado. No encalço, outras lojas abriram ao longo da avenida, as primeiras, de artesanato, logo mais, as confecções. Fortaleza começava, sem suspeitar, a ser roteiro turístico. E quem estava atraindo o visitante não era o mar de águas verdes, mas rendas e bordados em finas blusas de cambraia e linho. O sucesso das pioneiras atraiu um leque de lojas, aliás, butiques, como se dizia, para este pedaço da Praia de Iracema.)
, especializada no comércio de tamancos.

Em 1972, quando a Avenida era repleta de residências, seu José abriu a loja que, mais tarde, serviria de exemplo para a instalação de muitas outras. Pouco tempo depois da instalação da Tamancolândia, surgiu a Biboca, que existe até hoje e é especializada em comércio de sapatos.

A Fortaleza com características rurais começava a adquirir formato de cidade desenvolvida com o comércio que, aos poucos, ia fazendo parte da cidade e da vida das pessoas. O Seminário da Prainha é um exemplo de construção que resistiu ao tempo e à especulação comercial da área.


 

O Edifício Santa Marta na Av. Monsenhor Tabosa, 467 - Acervo do site 123i

A paixão pelo comércio e pela criatividade foram determinantes na vida de José Gésio, que não se contentou em abrir um estabelecimento de vendas na Monsenhor Tabosa e decidiu morar lá. A Tamancolândia teve curta duração, apenas 15 anos. O motivo para a falência da loja, como explica Gésio, foi a “falta de administração de seus irmãos, que começaram a gastar muito e fizeram com que o lucro da loja caísse”.

Com o desenvolvimento urbano e turístico, as residências da Monsenhor Tabosa cederam lugar às lojas que começavam a surgir. Hoje, quase 40 anos depois, a Avenida é tomada pelo comércio e grande número de turistas, encantados com a forma e disposição do trecho turístico altamente convidativo.

Mais de 450 lojas fazem parte dos 700 metros de Avenida, marcada pelo grande fluxo de pessoas e carros. Mesmo com a agitação que domina o dia a dia da Monsenhor Tabosa, José Gésio escolheu o local em que fundou a primeira loja da Avenida para fixar residência. Ao lado da esposa, Esmeralda, ele mora há vários anos no Edifício Santa Marta, número 467, localizado exatamente no centro do roteiro turístico bastante frequentado por pessoas e com barulho durante boa parte do dia.



Av. Monsenhor Tabosa  na década de 30 - Arquivo Nirez

A convivência de José Gésio e Esmeralda com seus vizinhos é bastante amigável, assim como é a relação do casal com os vendedores ambulantes que trabalham próximo ao Edifício.
A vida simples de seu José resume-se à produção de sacolas de TNT que ele vende para as lojas da Monsenhor Tabosa.

O homem responsável pelo surgimento do comércio que tornaria a Avenida em um dos pontos turísticos mais importantes de Fortaleza olha para o passado com orgulho de sua história e com respeito pelo que sua iniciativa gerou à Fortaleza. A Monsenhor Tabosa de José Gésio é apenas um exemplo das inúmeras histórias que existem em Fortaleza e que poucas pessoas conhecem.

Em 1972, Fortaleza ainda não tinha nenhum shopping (o primeiro, o Center Um, só seria inaugurado dois anos depois, em 1974), as pessoas faziam compras no Centro e o barato da moda - a causar inveja às garotas da periferia - era se vestir nas butiques.  
A Monsenhor Tabosa, ganhava sua primeira loja de calçados, a Tamancolândia. Pouco tempo antes, só quem usava tamanco era o "zé-povinho", um tamanquinho tosco, vendido nas bodegas, pendurado em cordões ao lado de abecedários e tabuadas. Havia os caros tamancos Dr. Scholl, ortopédicos, mas muito sem graça.

A Tamancolândia chegou mudando padrões, trazendo novos conceitos. A partir daí o tamanco caiu no gosto de todos, mudando a história do tamanco e da mais famosa alameda de compras da cidade. 


  
Créditos: Jornal O Estado do Ceará, Livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Site Guia Tripulante e Monsenhor Tabosa de Corpo e Alma (Alan Regis Dantas, Iana Susan, Ônica Carvalho, Lucianny Motta, Fernando Falcão e Sâmila Braga)

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