Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Geraldo Duarte
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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quarta-feira, 9 de maio de 2018

Lavadeiras do Pici


Praça da Parangaba e a Lagoa. Acervo Assis Lima
Início de 1941. Vila Marupiara, hoje Demócrito Rocha, e áreas vizinhas testemunharam grandes mudanças no viver rotineiro de suas populações. Dava-se a construção da Base Aérea do Pici ou Pici Field, aeródromo da Marinha dos Estados Unidos (US Navy).

Fez-se a pavimentação asfáltica do trecho entre a Avenida João Pessoa e o portão de entrada da unidade militar (atual Avenida Carneiro de Mendonça).
O consumo de água, dado o empreendimento, exigiu escavação de muitos poços artesianos no local das obras e, até, na Lagoa de Parangaba.

Avenida João Pessoa 1919. Foto O. Justa
Aquele lago natural, afora as serventias normais utilizadas pelos moradores, como água de beber, pesca de pequenos peixes, banho e lavagem de roupas, aproveitamentos outros possuiu, suprindo o campo de aviação.

Dos acontecimentos, o marcante deu-se no modo vivencial dos residentes. Ouviram língua desconhecida. Viram veículos estranhos. Conheceram homens diferentes. Receberam um dinheiro esquisito. Tudo se tornou surpreendente e, por vezes, gerador de desconfianças. Mas, o tempo, devagar e sempre, arrumou direitinho as coisas e a vida.
Dona Maria do Chicão, lavadeira de nossa casa, contava que a mãe “lavava e engomava para uns soldados. Aprendeu o bodejado deles, ganhou muito, comprou terreno e construiu morada.”.

Bar Avião. Arquivo Nirez
Ainda, segundo ela, as Lavadeiras do Pici foram às pessoas que “mais se arranjaram”. Só em 1942, as lavanderias da Base começaram a funcionar e o trabalho rareou.
O pai, mecânico, era tarefeiro. Bebia uísque, fumava cigarros Camel e trocava dólar no Bar Avião, quando recebia.

Dizia que, foi não foi, uma moça ia a um baile e voltava Coca-Cola.




                                 
Geraldo  Duarte
(advogado, administrador e dicionarista).


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Diploma perdido - Geraldo Duarte




Enfocamos, aqui, acontecimento registrado no início do ano sessenta, século passado. Novamente, lembrados com saudades, o engenheiro Clóvis de Araújo Janja e o mestre de obras Manuel do Montserrat. Trabalhos do Serviço de Abastecimento d’água, do Dnocs, no distrito de Messejana.

Execução do projeto da rede abastecedora local, aprovado pela direção geral do Departamento. Na fase de assentamento das tubulações, fez-se verificado clamoroso erro técnico. Não havia projetado um ramal para atender ao hospital-maternidade. Dr. Clóvis Janja procurou o engenheiro seu chefe e do SAD, cientificando-lhe e requerendo providências para a correção. Nenhuma solução assomou. Em comentário e protesto, Montserrat externou: “Se eu fosse engenheiro, podia perder meu diploma, mas não ficava assim!”.

Dia seguinte, Janja chamou o mestre e a mim e disse-nos: “Ontem, em casa, procurei por todos os lugares meu diploma e não achei! Cheguei à conclusão de que o perdi! Portanto, vamos utilizar os tubos da reserva técnica e fazer um desvio para a maternidade!”. Deu sonora gargalhada, acendeu um cigarro que sempre pendia na boca e determinou rápida ação. Inexistiu resposta aos ofícios visando à reparação. Aquele chefe, mesmo contrário à alteração, silenciou. A extensão foi executada por Montserrat e sua turma de campo, servindo aos socorridos naquela unidade de saúde pública. Sem dúvidas, até hoje, os encanamentos tubulares ainda permanecem enterrados na área.

Quem sabe, Janja, Montserrat e os operários, de há muito moradores do Oriente Eterno, estejam a gargalhar com este artiguete...

Geraldo Duarte 
(Advogado, administrador e dicionarista)

domingo, 11 de outubro de 2015

Palacete Brasil - Praça General Tibúrcio


Destaque para o Palacete Brasil

Esquina da Rua General Bizerril com a Travessa Morada Nova. Praça General Tibúrcio.

Majestosa edificação, estilo neoclássico, enriquece o conjunto de marcos históricos da área central de Fortaleza. Inaugurado como Edifício Brasil, fez-se conhecido por Palacete Brasil, ícone centenário.

1915. A firma Rodolfo F. da Silva & Filho incumbiu-se de construir a obra, projeto do engenheiro João Saboia Barbosa e encomenda da empresa Frota & Gentil, do coronel José Gentil Alves de Carvalho.




O Palacete objetivou a instalação da sede local do Banco do Brasil.

Em 17 de março de 1945, o ramo hoteleiro tornou-se a destinação do prédio. Era instalado o famoso Hotel Brasil. No térreo funcionava o Restaurante Brasil e, nos pisos superiores, acomodações de hóspedes.

Restaurado em 1994, pelo arquiteto Geraldo Jereissati Filho, continua abrigando, em mesmo lugar, um restaurante e os cômodos da então hotelaria, adaptados para salas comerciais.

Antiga Assembléia Provincial. Arquivo IBGE

No entorno, encontram-se o Palácio Senador Alencar (antiga Assembleia do Estado e, agora, Museu do Ceará), a Igreja de N. S. do Rosário (construída em 1730), a Praça General Tibúrcio com estátuas do herói da Guerra do Paraguai e da escritora Rachel de Queiroz), o Palácio da Luz, as representações esculturais de dois leões trazidas de Paris, no início do século XX, e um antigo coreto.


Foto da década de 30, vemos o Palacete Brasil, a Assembléia Legislativa, além de um carro de modelo da década de 20. Arquivo Nirez

A escultura do militar, instalada em 02/02/1887, foi o primeiro monumento exposto em logradouro da Capital.

Na Travessa, hoje calçadão, há simulados trilhos de bonde, um sebo e o desejo público da Secult colocar um vagão, original ou replicado, a servir de espaço estimulante à leitura."


Geraldo Duarte - Colaborador do Site
(Advogado, administrador e Dicionarista.) 

Saiba mais sobre o Hotel Brasil


terça-feira, 22 de setembro de 2015

O “r” do erro - Por Geraldo Duarte


Lembro-me de seu Batista. Amulatado, vesgo, alto e franzino.

Também guardo na memória a festa realizada em sua residência, comemorativa do tempo de serviço para o ingresso na aposentadoria.

Familiares, amigos e vizinhos cumprimentavam o soldador empregado da antiga Usina Evereste.

Proprietários da empresa compareceram e agraciaram o trabalhador com um relógio de pulso e um radiorreceptor, depois de discursos enaltecedores de seus préstimos dedicados à indústria.


Antiga Usina Evereste - Foto de Cláudio Oliveira

No dia imediato, alegre, destinou-se ao extinto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários com o comunicado da fábrica, para à efetivação da inatividade.

Vencidas horas de espera, fato já comum naquela época, foi encaminhado à meia dúzia de funcionários. O documento que portava era carimbado, datado e rubricado por cada um deles. O último forneceu-lhe cartão-protocolo e orientou-lhe retornar após dois meses, tempo do processo voltar da presidência do Instituto, no Distrito Federal, com a expedição do ato oficial.


Antiga Usina Evereste - Foto de Cláudio Oliveira

Portão da antiga Usina Evereste - Foto de Cláudio Oliveira

Em período maior tal ocorreu e o servidor, ao entregar-lhe o documento de aposentado, verificou um erro. Ao invés de “soldador”, veio grafado “soldado”. Faltava a letra “r”. O agente público indicou-lhe o setor especializado na correção, “pois o IAPI¹ não aposenta militar e o engano poderia dar um processo.”.

No guichê indicado, Batista ouviu o atendente dizer a outro segurado que retificação documental não tinha prazo determinado. Às vezes, necessitava recorrer ao Judiciário.

Saiu à francesa, guardou o papel com a profissão de “soldado”, sem jamais haver pisado num quartel, e isso nunca lhe causou problema.


Texto do amigo e colaborador: Geraldo Duarte 
(Advogado, administrador e dicionarista).



¹ Em 02 de janeiro de 1938, instala-se, no Edifício Lopes, na Rua Barão do Rio Branco nº 795, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários - IAPI, que tem à frente o jornalista Gilberto Câmara. Fonte: Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Ladeira do André


Fortaleza é metrópole com poucos logradouros de acentuada declividade.
Na rua Almirante Jaceguai, trecho entre a Avenida Monsenhor Tabosa e rua José Avelino, no bairro Seminário, destacou-se – em especial nos anos 60 – o rampadouro conhecido por Ladeira do André.

A denominação da íngreme via deveu-se à bodega, cujo proprietário possuía aquela graça.

Ali, fatos inusitados registraram-se.
Os carrinhos ingleses Prefect e Anglia, para subir, necessitavam do desembarque dos passageiros, que seguiam a pé até o topo e reembarcavam.

 Foto de uma revenda Ford, em 1951. Os carros expostos são Prefect e Anglia. 


O jipinho Crosmobile, modelo 1952, de nosso saudoso professor padre Tito Guedes, para vencer a inclinação, tinha de tomar velocidade desde a Avenida da Abolição.

Ciclistas desciam tranquilamente. Subir? Só levando a magrela no muque. Os
bêbados? Caminhando para cima ou para baixo era um “valha-me Deus!”.

Um curtume usava toda a extensão das calçadas na secagem de peles de animais para transformar em couro. Além da insuportável fedentina, os transeuntes tinham de andar sobre o pavimento de pedras toscas.

Conheci a Ladeira levado pelas circunstâncias.

Junto à Guarda Estadual do Trânsito submetia-me a exame para conseguir a
Carteira Nacional de Habilitação. Dia das provas práticas de direção. Sob o
humor irritadiço do Inspetor Webster, sentado no banco do carona do jeep da Auto Escola Willys, principiaram-se os testes. Baliza e percurso de dirigibilidade na Avenida Dom Manuel, descendo a rua Almirante Jaceguai. Pela mesma artéria retornando. E, no meio, o mando de frear o veículo e desligar o motor.

“Agora, a minha ordem, você liga a ignição, solta o freio de mão e realiza a subida da rampa! Se o veículo recuar ou estancar, está reprovado! Outra chance somente mês que vem! Pronto, execute!”.

Suores frio, morno e quente escorriam pelos caminhos do corpo. Mesmo havendo treinado inúmeras vezes, naquela data, tudo parecia desigual. O carro era outro. Os pedais tinham alturas e folgas diferentes do anterior e o freio de mão teimava em não obedecer, apesar do grande esforço empregado.

Socorri-me de meu padrinho – Santo Antônio de Lisboa – e fui atendido.
Dos doze examinados, quatro foram aprovados. O “... de Tetéu”, como o alcunhavam os candidatos, era tido e havido como o verdadeiro terror dos aspirantes a motorista.


Geraldo Duarte
 
(Advogado, administrador e dicionarista).

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Bocas de ouro



Tempo houve dos dentes de ouro luzir em bocas mil. Protéticos, em regozijo, produzirem artísticas peças qualificadas pelos quilates. Feitura de próteses em amálgama especial, a módico preço e garantia de, ao contato da saliva, em meses, tornarem-se áureas. Hoje, seriam ditas genéricas.
Até a década de sessenta, deveras comum encontrar ciganos pela Capital.
Grupos deles, ostentando maiores posses e identificação étnica, acampavam em área de terra da rua Barão do Rio Branco, entre as ruas Carlos Gomes e Joaquim Magalhães. Roupas coloridas, adereços em ouro, prata e pedras preciosas, falando dialeto próprio, distinguiam-se de pronto. Os homens, mais ainda, por seus vistosos brincos e arcadas dentárias auríferas.

O modismo fez-se tão exagerado ao ponto de jornais e rádios noticiarem constantes profanações de túmulos, no Cemitério São João Batista, por ladrões com tendências garimpeiras. 
Nahum Veras, antigo merceeiro da rua Pinto Madeira, esquina com Gonçalves Ledo, possuía coroas reluzentes sobre os caninos e molares. Do mais puro ouro fino. Ao falecer, a família providenciou suas extrações e divulgou ao máximo, inclusive por mensagens radiofônicas, para evitar que vândalos o perturbassem no sepulcro.


Já os parentes de Nicolau Dognini*, 82 anos de idade, fazendeiro de Vidal Ramos, município de Santa Catarina, padeceram por não ter dedicado igual cuido ao dado a Nahum por seus familiares. Nicolau, mais conhecido como Sorriso Dourado, foi sepultado usando seus reluzentes aparelhos dentários confeccionados no nobre metal.
Um mês depois do enterro, o túmulo foi violado, o vidro do caixão quebrado e levadas às ricas dentaduras. Avaliadas entre doze e vinte mil reais, a polícia catarinense investiga e alerta não sepultarem entes queridos com pertences valiosos.
Candidato a deputado pelo PRB, Oswaldo Martins de Oliveira, autodenominado Wadão Dj - Jegue Dente de Ouro prometeu se eleito, dar dente de ouro para toda a população paulista. Esquecido eleitoralmente, poderia oferecer o dentário projeto ao correligionário de coligação deputado federal Tiririca.

                                  Geraldo Duarte
(Advogado, administrador e dicionarista)


*Sul Notícias - Matéria de 25/09/2009:

Polícia investiga roubo de dentadura de ouro de cadáver

A Polícia Civil de Santa Catarina investiga o inusitado roubo de uma dentadura de ouro de um cadáver, ocorrido na cidade de Vidal Ramos, localizada a 160 quilômetros da capital Florianópolis
A violação de uma sepultura no cemitério local é o principal assunto na cidade de pouco mais de seis mil habitantes. Nicolau Dognini, que morreu aos 82 anos no último dia 11 de agosto, teve o caixão violado exatamente um mês após sua morte. 
Os ladrões abriram a sepultura, quebraram o vidro do caixão e levaram uma chapa com dentes de ouro. Nicolau era bastante popular e conhecido na cidade com o apelido de "Sorriso Dourado".

Segundo levantamento feito pela polícia, a sua dentadura de ouro estaria avaliada em aproximadamente dez a doze mil reais. "Não há como definir exatamente o valor, mas estaremos chegando a esse dado após colher novos depoimentos", afirma o agente da Polícia Civil, João Paulo Martins, responsável pela investigação.

Após ouvir uma série de testemunhas, João Paulo revelou que a família de Dognini decidiu enterrá-lo com os dentes valiosos. Segundo o policial, todo mundo na comunidade onde ele morava, sabia que a sua dentadura era de ouro. "Ele era bastante popular e ainda brincava com isso. Dizia as pessoas que poderiam fazer o que quisessem com os seus dentes", disse.

A Polícia ainda vai colher alguns depoimentos nos próximos dias para tentar solucionar o roubo. Por enquanto, não existem suspeitos, mas o policial João Paulo destaca que a violação de sepultura deve servir como um alerta para as famílias que insistem em colocar objetos de valor junto ao corpo de familiares. "É um tipo de crime que existe nos grandes centros. Agora descobriram o interior", disse. "Estamos trabalhando para solucionar o caso, mas fica o alerta para as pessoas de que não é uma prática aconselhável sepultar os entes queridos com objetos de valor".




quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Futerrádio ou radiobol



O PV na década de 40


De há muito, velho amigo, ex-repórter esportivo, insiste na produção de artiguete nosso sobre o futebol dos meados da década de cinquenta aos da de sessenta do século passado. Tempo em que o “pebol” era mais esporte, mais rádio e mais fraternidade. Televisão não existia e as jornadas esportivas” das tardes dos sábados e domingos, viam-se ao Sol. Iluminação elétrica para as “pelejas” surgiu anos depois. “Senhoras e senhores! Diretamente do Benfica, no Estádio Presidente Vargas, transmitiremos mais uma partida de futebol pelo campeonato alencarino! Agora mesmo, ingressam na Tribuna de Honra as autoridades civis, militares e eclesiásticas.” 

PV nos anos 60 - Grupo de árbitros

Na maioria das vezesali não existia ninguém.” Somente o floreio imaginativo do locutor de cabine ou, por vezes, o do de “pista”, este responsável por comentários e entrevistas com atletas no campo. “Preparado para a contenda?”E o “center half”, em um chavão de todos, não titubeava: “Estou pronto física, mental e psicologicamente!”. O PV dividia-se em duas partes de arquibancadas. A “geral”, do “lado do Sol”, com ingressos a preço popular. E, as “sociais”, do “lado da sombra”, com entradas mais caras. As torcidas não possuíam áreas diferentes. Todas juntas. Um colorido variado e festivo. O ato de violência maior consistia em jogar bagaços de laranja nos torcedores que teimavam em assistir o jogo em pé, prejudicando a visão dos demais. Até 1957, quando chegaram a Fortaleza os Spica, rádios portáteis inexistiam no Estádio. O Torneio Início abria o campeonato com a participação de todos os times, começando ao meio-dia e encerrando-se no final da tarde do domingo anterior ao começo do primeiro turno.


Time do Fortaleza 1947

Os auxiliares do árbitro principal eram osbandeirinhas. Escanteio conhecia-se por corner. Bola na trave dizia-se “pau-de-trave”. A defesa constituía-se de dois “backs”. Novos craques formavam-se na Escolinha do Fortaleza e dos Dentes-de-leite do Ceará Sporting Club

O Ceará em 1958

O programa esportivo cômico-satírico do rádio cearense era oBola-de-meia, produzido e interpretado pelo jornalista José Oli Moreira.

Geraldo Duarte 
 (Advogado, administrador e dicionarista)
  

sábado, 27 de outubro de 2012

Chegadim


Coisas há que o tempo não leva. Não consegue fazê-las esquecidas. Em nos dando a observar, vemos as simples firmarem-se resistentes.
Os desejosos de transportarem-se à meninice, independente da idade, conseguirão. Bastam encontrar-se com o João Soares. A viagem de retorno ao passado inicia-se em sua residência, rua Princesa Izabel, prosseguindo até o bairro Dionísio Torres. No tilintar para uns e no melodiar para outros, ele, com o triângulo e o batedor de ferro alegra a todos nas andanças diárias.

Com seu instrumento musical de origem africana, usual no folclore português e em conjuntos de forró verdadeiro, cria sons cadenciados e chamativos. Enquanto a percussão faz-se com o batedor tocando no triângulo, o sincronismo dá-se, simultaneamente, com o abrir e o fechar da mão que o segura. Daí, a sonorização aberta, com maior sustento, ou fechada. É o anunciar do vendedor de chegadim.

Faltou somente, entre os toques, o cantarolar de antigamente: 

“Chega! Chega! Chegadim! Chega mais um ‘bocadim’!”.

O vendedor João Soares - Foto Geraldo Duarte

A lata tubular com tampa, de aço inoxidável, denominada caixa, tem diâmetro de 25 e altura de 70 centímetros. Uma tira de couro fixada nas extremidades, a aselha, permite o transporte a tiracolo. Neste depósito acondicionam-se 60 embalagens de 6 chegadins cada.
Crocante, a iguaria laminar, feita de farinha de trigo, pouco açúcar e água é torrada até o iniciar do douramento.
Seu João, quase cinquentão e sempre sorrindo, há 27 anos vende chegadins pelas ruas da Capital.

Foto Geraldo Duarte

Hoje, deixou-me de mancheia. Junto com minha mulher, tomamos um café donzelo acompanhado daquelas maravilhas de nossas infâncias.


Geraldo Duarte
(advogado, administrador e dicionarista) 

sábado, 1 de setembro de 2012

Eleições: Um causo sério II



O matador e a finada

Bebeto nunca possuiu emprego ou trabalhou. Até o dia do casamento, viveu a expensas do pai. Depois do casório, a mulher, funcionária pública, assumiu a manutenção da casa e da mesada para os divertimentos mundanos do marido. Dinheiro em sua carteira não repousava. Saia mais rápido do que entrava. E o bonachão sempre arranjava jeito de obter reforço de caixa. Pedia empréstimos, nunca saldados, aos conhecidos. De quando em vez, conseguia surrupiar as economias paternais. Era o perfeito cafajeste.

A cada biênio, sorria-lhe o período eleitoral. Visitava os comitês dos partidos e dos candidatos. Ladino, nunca saia de mãos abanando. Além de camisetas, bonés, canetas e outros brindes publicitários dos fichas de todos os tipos, diziam os colegas que conseguia um algo mais incentivador de voto. Uma motivação maior que fortalecia o órgão mais sensível do ser humano, no dizer de um financista ex-ministro, o bolso.

Findas as andanças diárias, confessava aos amigos de cervejadas sua dor de consciência por não poder votar em todos os aspirantes aos cargos legislativos e executivos. Dava-lhe extrema pena não os ver eleitos.

Só não se apiedava dos "mãos-de-vaca", insensíveis, incapazes de propiciar um momento de alegria aos que os procuravam para oferecer apoio. Mesmo que este apoio fosse, exclusivamente, a lábia animadora para a campanha do desejoso em ser uma das futuras "excelências". Bebeto jamais se guiou por provérbios. Talvez não visse um dia da caça e o outro do caçador.

Naquela manhã, buscou um candidato à deputação e, contristado, comunicou-lhe a morte da mãe, solicitando ajuda para a compra da urna mortuária. Atendido, ao sair, foi reconhecido por um cabo eleitoral, que informou da burla ao chefe. Este, furioso, descobriu o endereço da falsa morta, telefonou para a agência funerária de um correligionário, reuniu alguns apoiadores e mandou entregar-lhe, em nome do filho, um enorme caixão de defunto. O fuzuê, de tão grande, contou com ambulância e polícia. Hoje, dona Maroca é conhecida por Finada e Bebeto por Matador.

Postes e votos

Vários historiadores defendem ser cíclica a história e o cotidiano leva ao fortalecimento do princípio. No período antecedente às antepenúltimas eleições municipais, a mídia divulgou declarações de políticos afirmando que o presidente da República, por sua popularidade, elegeria quem e o quê desejasse. Até mesmo um poste.

Como não foi aplicada a Teoria de Garrincha, isto é, não houve combinação com a outra parte - os eleitores - muitos deram com os burros n´água. Seus postes continuam postes. Os índices apontados nas pesquisas não foram transferidos, escafederam-se.

Em nossa Capital, anos sessenta e setenta do século passado, ao contrário do desejado na atualidade, foram os postes que elegeram os políticos. Isto mesmo, o ontem contrariou o desejo dos tempos atuais.

Mente brilhante

Um sempre lembrado ex-vereador e ex-diretor do Departamento de Iluminação da Prefeitura de Fortaleza, órgão então responsável pela instalação de energia elétrica, aliou-se a um ex-deputado estadual, não menos famoso, e produziram uma inédita e luminosa ideia elétrico-eleitoreira.

Como, à época, nos subúrbios a maioria das ruas não dispunha de energia elétrica, pouco antes das eleições escolheram várias artérias de bairros periféricos, reuniram os moradores e garantiram que todos teriam o desejado serviço público em seus lares.

Quase às vésperas dos pleitos, caminhões da municipalidade, carregados com os antigos postes de madeira, destinavam-se às ruas dos votantes e deitavam ao chão dois postes em cada quadra. Muitas alegrias e comemorações realizaram-se por conta do futuro benefício. Os postes estavam ali. Eram a garantia, pensava o eleitorado. Os candidatos divulgavam atraso nas obras por conta da burocracia, entretanto, juravam que logo após a eleição todos teriam a desejada luz nas casas e nas ruas. Tudo ficava na promessa e os postes eram recolhidos ao depósito municipal após elegerem e reelegerem a ambos, com votações de áreas sempre diferentes. A lembrança restada da tramóia foi o apelido dado ao deputado, devido à posição dos postes, que eram de madeira, deitados ao chão: "O Homem do Pau Deitado".

Político e corrupto

Há dias, encontrei o professor Abrantes. Calmoso na fala e gestos, praticante e pregador da filosofia aristotélica. Da ética, em especial. O devotamento ao sábio de Estagira e ao pai deste, Nicômaco, médico e preceptor de Alexandre, o Grande, levou-o a dar ao filho o nome de Aristômaco.

Abraçou-me e expressou satisfação pelo reencontro. Quis demonstrar viver felicidade. Porém, era traído pelo semblante de padecedor encafifado. Pressenti. Tempo não durou a engabelação. Desinquieto, o inopino fez-se aparecer. Deu-me conta da aposentadoria e do banzo acometido devido à distância da lousa e do giz. Tentou cura tarefando como escritor. Nem bem surgiram as aparências de sanado o atropelo, outro, mais cismático, embatucou. Descreveu-me o intrigante acontecimento que o fazia desmilinguir-se. No meado do livro que escrevia, "A última esperança da vitória da ética", abordando acontecimentos nacionais, fatos pasmosos sucederam-se.

A criação

Ao abordar os temas política e corrupção, deu vida a um personagem cometedor das inúmeras ilegalidades. Zeca Romeu. Daí, o começo das desinfelicidades. Teclado o nome do indigitado, o computador travou. De todo. Nenhum saberente mexedor consertou. Técnico chamado. Quase uma manhã, problema solucionado.

O escrevinhador prosseguiu. Ao narrar às tramoias inicias de Romeu, retravo total. Inexplicável! - dito do informata. "Alguém teria acessado e, querendo ou não, ´deu pau na máquina´". Ninguém de casa faria isso, asseverou o mestre. Mesmo assim, aquiesceu na colocação de senha protetora do arquivo. Criptografia automática também instalada. Segurança completa.

Nem findou a história das malas de dinheiro do personagem e replicou-se a travagem. Desta feita, com danificação do HD.

Perda completa das centenas de páginas digitadas. Trabalheira extenuante e pesquisas de meio ano para tudo dar em nada.

De momento, nova esperança. Aristômaco lembrou-se de haver salvo o arquivo, em pendriver, quando do derradeiro defeito do CP. Alegrias mil. Ligado o instrumentinho em seu notebook e aberto, lia-se em negrito: "Deletado tudo! Não insista! Zeca Romeu, personagem vingativo!".

Geraldo Duarte


Geraldo Duarte, amigo e colaborador do blog, 
é advogado, administrador e dicionarista

Eleições: Um causo sério


Indubitavelmente, os mais idosos, além de vivificarem cenas de um cotidiano dos velhos tempos, encontrar-se-ão com os muitos personagens que as criaram e interpretaram. Excetuado o relato de Descalços e Banguelos, acontecido em município da Região Sul do Estado, os demais se registraram nesta nossa querida Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Com ou sem as bênçãos da Santa. Viajaremos pelos bairros, onde a caça ao voto, ontem, hoje e amanhã, na maioria das vezes, foi e será obtido nas tocaias dos caçadores eleitoreiros.

Assim é que ciladas fizeram-se por traz de chafarizes, com chinelos e dentaduras, postes sem fios e sem lâmpadas, óculos e quinquilharias dos mais variados tipos e espécies.

Promessas, nem se contam. Houve até quem garantisse aos votantes lugar cativo no Reino de Deus e distribuísse retalhos do manto de Jesus, fragmentos do cajado de Moisés, fio da barba de José e pombas descentes do casal embarcado na Arca de Noé.Por final, no dizer do nonagenário causoeiro e meu xará, Geraldo Bezerra dos Santos, experiente na arte da política e conhecedor de muitos de seus artistas, o eleitorado ama o "me engana que eu gosto". Agora, meus amigos, abram os olhos e vamos em frente.

O chafariz

Noite última da campanha eleitoral daquele ano. Comício de encerramento da candidatura à reeleição daquela vereadora, no bairro onde obtinha sempre expressiva votação.Mesmo tratando-se de pessoa ética, de elevado preparo político e cultural, enfrentava extremas dificuldades em continuar com mandato na Câmara Municipal.

Alguns de seus apoiadores eleitorais queixavam-se de que ela usava franqueza exagerada. Criticava, insistentemente, as mazelas de administradores públicos pouco comprometidos com os interesses comunitários. Além de outras atitudes desagradantes aos chefes políticos da época. E, segundo eles, o pior de tudo para quem deseja vencer uma eleição: não prometer mundos e fundos ao povão.

Praça apinhada. Pessoas até trepadas em árvores. A grande maioria interessada, tão somente, nos furdunços que esses acontecimentos registram. Poucos, ali, assistiam ao ato por civismo. Aproximava-se do término. Discurso final da candidata. Nenhuma manifestação entusiástica. O clima, em termos de angariação de votos, fazia-se gélido.

Para reverter à apatia popular, o principal cabo eleitoral, disse, incisivo, ao ouvido da oradora: "Ou a senhora promete, agora, um chafariz, maior desejo do povo daqui ou perde a eleição!".

Ante a derrota, atônita e quase em desespero, bradou: "Minhas amigas e meus amigos! Nunca prometi nada, mas sei que vocês têm um desejo enorme por uma coisa! E eu juro que vou satisfazer essa vontade de todos! Se reeleita, garanto, meus amigos, que vou dar o chafariz!".

Foi o mote para a canalhada presente que, em coro e aos gritos, repetia: "Ela vai dar o chafariz! Vai dar o chafariz! Vai dar o chafariz!". Fim do comício e derrota nas urnas.

Cadê o voto?

Anos setenta, século passado. Quadra coberta do SESC na praça São Sebastião. Local de apuração dos votos de eleição municipal. O ínclito doutor Francisco Pasteur, Juiz da 83ª Zona Eleitoral, coordenava os trabalhos. Uma das mesas apuradoras tinha, por presidente, o doutor Túlio Maranhão, procurador do então INPS. Ambos, estimados e saudosos amigos meus. Contratado por uma das agremiações partidárias, eu prestava serviços, como advogado, atendendo a possíveis reclamos de candidatos. Os trabalhos decorriam normais, quando, inesperadamente, um candidato a vereador e o Túlio iniciaram acirrado bate-boca. Doutor Pasteur e eu, naquele momento, conversamos próximo de onde estavam os contendores e, de pronto, fomos verificar o que ocorria.

Transtornado, o aspirante ao Legislativo Municipal solicitava minhas providências e as do Juiz. Afirmava que sua mulher votara na Seção que estava sendo apurada e o voto não havia sido computado. Exigia recontagem.

Intransigente, Túlio asseverava que os mesários já haviam procedido duas recontagens e não existia nenhum voto para Carlos Luz. Não determinaria outra verificação.

A harmonia

Com seu espírito tolerante e conciliador, doutor Pasteur reuniu-nos e, salomonicamente, indagou ao Túlio se permitia - a ele juiz - realizar novo exame. Desarmou os ânimos alterados. Constatou o número correto de votantes e de cédulas de votação. Estas, uma a uma, passarão por suas mãos. E, ao término, nenhum voto para o contestador.

O desfecho

Naquela tranquilidade que Deus lhe deu, olhou para Carlos e disse: "Senhor, seu desejado sufrágio não se encontra nesta urna. Sugiro-lhe verificar, junto a sua esposa, onde ela o colocou.". Soube-se, no dia seguinte, da briga que houvera acontecido entre o casal.

Ao chamá-la de traidora e mentirosa por não haver votado nele, ela teria retrucado, de modo incisivo, da seguinte maneira: não era nenhuma das duas. (Uma pausa) Votara num primo, pois, na véspera do pleito, ele lhe disse já estar eleito. Assim, melhor do que ter um vereador na família era possuir dois.

Um causo à parte: uma estranha rasura

Século passado. Década sessenta. Candidatos a cargos eletivos, mais comumente à vereança, incumbiam-se de auxiliar o eleitorado no que se denominava como sendo qualificação.

Por carência da população e do sistema eleitoral à época, pessoas buscavam, em seus bairros, parlamentares ou candidatos que as encaminhavam aos setores públicos, visando à obtenção de documentos, inclusive o título eleitoral. Era , assim, considerado procedimento legal e ato de cidadania.

Em período desses, Chico Sapateiro, homem calmo no andar, no falar e no trabalhar mostrava-se enlouquecido. Transtornado, irrompeu à casa de seu compadre e vereador. Parecia não enxergar as pessoas que ali estavam. Agitado, pedia com urgência um cartão de apresentação ao delegado de polícia. "A desgraça entrou e tomou conta lá de casa." - declarava repetidamente. Belinha, a irmã que criava como filha desde bebê, recém-qualificada eleitora, aproveitando-se das ausências dele e da mulher, no horário de trabalho, "rasurou" - asseverava.

O desejo em levar o ocorrido à área policial causou estranheza aos presentes. Ser o próprio irmão denunciante do delito e, ainda, desejar a formalização de abertura de processo? Aquilo não fazia o menor sentido.

Na tentativa de acalmar Chico, o compadre assegurou-lhe de que atenderia seu pleito, porém, antes, solicitou-lhe que trouxesse os documentos da moça, a fim de verificar a rasura e melhor avaliar as implicações do cometimento. "Só os dela? E os do Mundico? Não precisa dos papéis dos dois, não?" - indagava confuso o sapateiro.

Daí, tudo começou a esclarecer-se. Com a pergunta sobre quem era Mundico e o quê este tinha a ver com a história, o político e os circunstantes ficaram pasmos com a resposta. "Ora, quem pudera ser? É o cabra que rasurou Belinha!" e, enquanto respondia, seu antebraço direito via-se esticado e a mão, com os dedos, do indicador ao mínimo, dobrados para baixo, balançava em um sobe e desce rápido e frenético, indicando, desse modo, a "ação rasuradora".

Ao invés da delegacia, cartório e igreja. Onde estão Belinha e Mundico? Mundo a fora. Sabe-se lá por onde. Certamente, rasurando, rasurando...


Geraldo Duarte

Continua...
Geraldo Duarte, amigo e colaborador do blog, 
é advogado, administrador e dicionarista






quinta-feira, 19 de julho de 2012

Descalços e banguelos - Um causo sério




Em 1968. Como este, ano eleitoral. Campanha de tramas. Na cidade, tempo de eleição era um Deus nos valha e acuda. Matreirice à solta. Burlas a lei.

Candidatos no ludibrio ao eleitorado. Terra de paupérrimos, analfabetos e desdentados. Pontos fracos do povão e fortes dos políticos curraleiros da desgraça humana.

Miguelim, riso fácil, papo do vai dar certo, promessas dos sem faltas e dos sem dúvidas era vezeiro na corrupção. Ou “malfeito”?

Época da popularização das sandálias japonesas. Identificou-as como meio importante na vitória urnária. Encomendou uma carrada da mesma cor, separadas meio a meio, para os pés direito e esquerdo. Pouco antes da votação, distribuiria as primeiras e, vitorioso fosse, o votante a apresentaria e faria jus à complementadora do par.

Novas ideias surgiram-lhe. Contratação de protético que elab
oraria duas mil dentaduras. Superiores e inferiores. De tamanhos diversos. Enquanto isso, um dentista extrairia os restos de dentes naturais dos desejosos em utilizar mastigadores postiços.

Eleito, distribuiu a chinela faltante a um dos pés do eleitor. As pererecas foram entregues, porém, com dificuldades. Nos locais de fornecimento, existiam mesa e caixa contendo várias chapas. Em fila, os banguelos, um a um, experimentavam as próteses e, quando as mesmas se adaptavam ao formato bucal, passavam a pertencer-lhes. Alguns testavam dezenas, sem êxito, devolvendo-as à caixa. Outros as pegavam, mergulhavam na água de pequena bacia e as premiam nas gengivas. As trocas duraram dias. O município? Perguntem ao Miguelim. Não raro, já velho, vem a Capital. Assuntos politiqueiros...


Geraldo Duarte (Diário do Nordeste)

terça-feira, 19 de junho de 2012

Chatô, a Televisão e Rayito Del Sol em Fortaleza



De como, no mundo dos fatos, pessoas e acontecimentos interagem produzindo história e estória.

Aos caros ledores, de início, as apresentações dos personagens e suas façanhas, para o vivificar dos antigos e a perplexidade dos moços.

Um platicéfalo umbuzeirense, saído dos cafundós da Paraíba, deu-se, de corpo e alma, a uma peleja que ninguém se atreveu, nem aqui, nem na América Latina. Entrou nas casas e instalou-se desde 1950. Espantou a uns e alegrou a outros. Mudou e criou modos e costumes dantes desconhecidos. Mostrou-se um cruzado dos tempos modernos.

Um aparelho eletroeletrônico, com a voz do rádio e as imagens do cinema, em dimensões menores, trouxe às residências divertimento, informação e cultura dos vários recantos do País e da Terra. Até hoje, indispensável ao público. 



Novas formas e padrões artísticos, apresentados ao vivo e exigindo excepcionais técnicas cênicas e interpretativas de atores, atrizes, apresentadores, noticiaristas e uma gama de pessoal de apoio.

Em meio a isso, o surgimento, quase inusitado, de linda cantante e dançadeira caribenha. Causa de furor nas mentes e corações masculinos. Encantamento pela maviosidade da voz, dos saracoteados sensuais de rumbeira, a exuberância perfeita de dotes físicos e as audaciosas mostras do que um milimétrico biquíni era incapaz de esconder. 

Imagem meramente ilustrativa

Carolas maledicentes e ocupadas com a vida alheia, em magote, buscantes de pecados nos variados lugares alcançados por suas vistas. Tormentosas no infernizar a vida do prelado local e no atanazar um Chatô fleumático.

Um bispo, o empresário maior da comunicação no Brasil, maridos e filhos amantes do belo na tentativa de safarem-se do ódio das megeras.
 

Parte do imbróglio deste causo chega a nossa Capital, fervilha por ambientes vicejantes noturnos, sem deixar de futricar nas fantasias juvenis, algumas ainda pueris.

E, de tudo, um final capaz de agradar a gregos, troianos, hebraicos e medo-persas, no dizer do causoeiro nonagenário da Serra do Estevão, meu xará Geraldo Bezerra dos Santos.

DE CHATEUABRIAND A CHATÔ

Caatinga nordestina. Alto sertão paraibano. Tropeiros, nas horas causticantes do dia, descansavam, juntamente com suas tropas, à sombra de um frondoso Umbuzeiro. Aos poucos, a localidade formou-se vila, povoado e, em 1890, constitui-se município, desmembrado de Ingá.
 
Dois anos após, em 5 para uns e 4 de outubro para outros, esta última data consagrada a São Francisco de Assis, nasceu naquele rincão uma criança que recebeu o nome do santo. Francisco de Assis. Seu pai, admirador do poeta e pensador francês François-René de Chateaubriand, acrescentou Chateaubriand ao nome do recém-nascido, complementando-o com Bandeira de Melo, sobrenome familiar. Assim, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo constou do registro de nascimento do menino. Tempos depois, para íntimos, Chatô simbolizou tratamento carinhoso.



Da Paraíba partiu para Pernambuco, graduando-se Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Recife e, em seguida, viajou para o Rio de Janeiro, onde se radicou.

Advogado, professor, jornalista, proprietário de jornais, rádios e revistas, fundador e dirigente do mais forte grupo de mídia da América Latina - os Diários Associados -, senador da República e embaixador no Reino Unido influenciou, significativamente, decisões republicanas da História do País.

Empreendedor eficiente construiu o mais expressivo conglomerado de informativos sul-americanos, contando número superior a cem jornais, estações de rádio e de televisão, publicações e agência telegráfica.

Fundou o Museu de Arte de São Paulo e, como literato, ocupou a Cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras.

PIONEIRA TELEVISÃO LATINO-AMERICANA

18 de setembro de 1950. Chateaubriand, entre eufórico e ansioso, aguardava o momento para tornar-se o pioneiro da implantação da televisão na América Latina. Sonho de uma década, finalmente desperto para a realidade, tendo vencido as incontáveis adversidades. 



Enfrentou enormes obstáculos administrativos, aduaneiros e técnicos para a consecução do ideal obstinadamente perseguido.

Nada abatia seu intenso labor. Certa feita, sobre a dificuldade de profissionais para o trabalho, firmou: “O que acontece é que Deus anda cansado de carregar tantos malandros de tão pouca vergonha. Por isso, decidiu agora ajudar os chineses porque esses hereges sabem fazer uma coisa de que já nos esquecemos: trabalhar.”.

Fizeram-se completadas as aquisições da aparelhagem televisiva de captação, editoração e transmissão de imagens e sons. Igualmente, concluídas as edificações, instaladas as aparelhagens e equipamentos, como geradores, transmissores, retransmissores, antenas e estúdios.

O velho projeto concretizara-se no rápido prazo do biênio final daquele decênio de lutas.

Superados estavam os difíceis problemas comerciais e organizacionais surgidos e enfrentados, incansavelmente, no decorrer da execução do empreendimento. 




Chegara, enfim, a majestosa noite. Momento da inauguração da PRF3 TV Tupi de São Paulo. Primeira transmissão a partir do parque de produção localizado no Alto do Sumaré.

AO VIVO OU EM FILME 16 mm

Sem o recurso do videoteipe, somente chegado em 1960, quase toda a programação, obrigatoriamente, dava-se ao vivo.

A produção de clipes, em películas cinematográficas de 16 mm, além de exigir montagens complexas, era elaborada de maneira trabalhosa e demorada. 



 
Equipamento Telecine 16mm - Lealevalerosa

Até a exibição de filmes destinados às salas dos cinemas, para transmissão na TV, impunha difíceis adaptações e arranjos. Nem sempre, exitosos.

Impossível, devido à inexistência de aparelhagem da época, a realização de transmissões externas, impedindo levar ao ar ocorrências relevantes locais e nacionais.


GAFES, IMPROVISAÇÕES E HUMOR

As gafes, improvisações e paralisações, no ar, de propagandas comerciais e noticiários faziam-se constantes. Os telespectadores aceitavam, compreensivelmente, tais dificuldades, ante a novidade.

O aparecer, no cinescópio, de imagens em preto e branco, sem brilho, com o efeito “chuvisco” e as costumeiras interrupções de sinal faziam-se suportadas pelo telespectador e “televizinho”. Afinal, não se conheciam melhores condições tecnológicas.

Quem deveras sofria eram os protagonistas. De quando em quando, esqueciam, parcial ou totalmente, o texto decorado. Pronunciavam, erroneamente, palavras e chegavam a risos incontidos. Por seus equívocos ou os dos colegas copartícipes.

Alguns intérpretes chegavam ao total mutismo durante uma apresentação.

INAUGURAÇÃO: TV TUPI E SEU FUNCIONAMENTO

Finalizada a benção das instalações, proferidas as falas das autoridades presentes à solenidade, foram exibidas as cenas das filmagens realizadas, em um programa especial dedicado aos atos inaugurais. 



Hgproduções

Focalizou logradouros, pontos turísticos e históricos da capital paulista, representando um passeio que se completou com visita ao complexo de emissoras de Chateaubriand em sua Cidade do Rádio.

A conclusão enfocou, em amostragem objetiva e compreensível, o funcionamento total do sistema de televisão, iniciando na portaria do prédio e percorrendo todos os setores.



SHOW INAUGURAL DA TV TUPI

A segunda etapa da festividade inaugural constou de um musical participado por conhecidos intérpretes do cancioneiro nacional, apresentado pela atriz Yara Lins e encerrado com o famoso balé de Lia Marques.
 
Como apoteose, duas famosas atrações internacionais especialmente trazidas ao País.

Recital do ator contratado pela Century FOX, destaque em dez filmes e inúmeros discos fonográficos, o frei-cantor mexicano de tangos e boleros Jose Mojica, de grandiosa querência pública. Mojica fascinou a plateia ao entoar “A Canção da TV”, magistralmente composta para a ocasião. Para encerrar o espetáculo, aguardado com ansiosa expectativa, as duas únicas câmeras revezavam-se no focar da esfuziante e linda cantora-rumbeira Rayito Del Sol, ao som do instrumento de seu irrequieto bongozeiro Dom Pedrito e do afinado conjunto musical acompanhante da estrela. Empolgação desmedida e surpreendente.

ESCÂNDALO RAYITO DEL SOL

A cantora caribenha cativou grandemente a maioria dos telespectadores da pauliceia. Em contraste, viu-se apupada por uma minoria de longevas senhoras. Carolas integrantes de uma confraria religiosa, segundo os jovens defendentes do modernismo

Para eles, tornou-se sucesso absoluto o cântico, a dança, os requebros, a sensual beleza, a microrroupagem e outros quês e porquês da análise de cada fã. Era a própria estrela em grandeza e não um simples pequeno raio, indicativo de seu nome artístico.

Para elas, escândalo horripilante provocado pela desinibição no trajar e no rebolear. “Horripilante pecaminosidade desvairada e chocante. O desvario obsceno. Reprodução orgíaca de Sodoma e Gomorra.” – asseveravam as matronas.

O show tornou a rumba e sua representante paixões populares, a partir daquele momento, graças às divulgações de jornais e rádios. Deu-lhe inesperada e extraordinária fama na TV Tupi e nas casas de diversões noturnas.

A também cognominada La Venus de Cuba, na estréia, afora seu mavioso vocalismo, vestiu um quase imperceptível maiô de duas peças, exibiu passes extasiantes, tidos acintosos pelas senhoras ditas tradicionais quatrocentonas.

Representante da conhecida família Whitaker formalizou manifestação de repúdio. O alvoroço ativou-se em reunião da Confederação das Famílias Cristãs e, em protesto, foi levado a Assis Chateaubriand, com o fito impedir que “a pecadora continuasse a invadir e desrespeitar a moralidade dos lares.”. 

O bispo de então, Dom Paulo Rolim, por igual, viu-se instado a reprovar as exibições e, se o caso, até excomungar a, para elas, terrível pecaminosa.

Em resposta, alegou “não ser este assunto da Igreja e que a emissora devia arcar sozinha pelas consequências.”. Daí em diante, fugiu da temática como satanás o faz da cruz.

CHATÔ, O BISPO E RAYITO

A encantadora vedete e dançante conquistou São Paulo, tornou-se a principal artista requisitada da noite paulista, com invulgar popularidade.

Chatô, a exemplo do bispo e inteligentemente, esquivou-se de comentar os fatos, deixando o assunto para exame da direção artística da TV.

Maridos e filhos das damas, atendendo aconselhamentos e aos próprios olhos, recomendaram as santas prudência e tolerância. Ah! e como adoraram sugerir as práticas naquelas circunstâncias... inclusive, enaltecendo o perdão.

Enquanto isso, a Tupi criava o semanal programa Maracás e Bongôs, exclusivamente para a saracoteadora rumbeira. Durante meses, sucesso primeiro e atração recorde de audiência.

E o ritmo cubano, irreverente e ousado, balançou os volumosos e trepidantes quadris pátrios.

EM SÃO PAULO, OUTRAS CAPITAIS E FORTALEZA

Tanto lá, quanto cá, a dançarina recebia homenagens mil.

Empreendeu turnê pelas capitais, realizando temporadas com exibições teatrais, shows especiais e participações em festas de clubes sociais.

O historiador paraense Carlos Rocque, irmão de Felix Rocque – proprietário dos Teatro Poeira e Teatro de Variedades – dedicou citações a Rayito e a “sambista Hebe Camargo” por suas participações na Festa de Nazaré. Belém homenageou, em grandioso estilo, as duas personalidades, de acordo com artigos da imprensa.

 

Patrocinada por empresas e programa radiofônico de auditório, Rayito atendeu a convites e cumpriu estada em Fortaleza.

Causou tumultos devido às multidões que atraia, quase provocando quebra-quebra na portaria do Theatro José de Alencar, em face das superlotações e consequentes esgotamentos na venda de ingressos. 


Teatro José de Alencar - Acervo Pedro Leite


Igual situação ocorreu na entrada do Edifício Pajeú, onde funcionava a PRE9 – Ceará Rádio Clube, quando a cubana chegou para abrilhantar o Programa Noturno Pajeú, comandado pelo comunicador, apresentador e radioator João Ramos.
Também em clube social a estrela de Rayito foi verdadeiramente Del Sol. Não se mostrou um "raiozinho" como sugeria no nome. Duvidasse, por ela o astro maior seria novamente vaiado na Praça do Ferreira


Estúdio da Ceará Rádio Clube 


Seus deslocamentos movimentava forte aparado policial, pois os admiradores não se continham nos desejos e tentativas de alcançar a ninfa.

Durante sua permanência entre nós, hospedada no Excelsior Hotel, diuturnamente, uma legião de admiradores postava-se na rua Guilherme Rocha na esperança de vê-la e conseguir autógrafo.

AS FOTOS E O JEJUM ESTUDANTIL

Curiosos e risíveis episódios marcaram a estada da rebolativa beldade na terra alencarina.

Os jornais Correio do Ceará, O Povo, Unitário e Gazeta de Notícias estampavam fotografias artísticas, com aberturas diafragmáticas precisas. Sobressaiam os sumários biquínis, pouco escondendo os predicados anatômicos da rebolante. Hoje, aquelas peças, segundo os estilistas já ultrapassadas e com volumoso desperdício de tecido, ofereceriam matéria prima para confecção de vários maiôs do tipo fio dental.

O impressionante residia na procura, pela estudantada, de exemplares daqueles noticiosos matutinos e vespertinos. Deles, as fotografias eram recortadas, colocadas entre as páginas dos livros escolares que, em classe e em plenas aulas, circulavam, passando de mão em mão.

Disputadas nas bancas de jornal foram, também, as edições da Revista do Rádio, onde se encontravam fotos, notícias e entrevistas com a intérprete do rebolativo estilo de música do Caribe

Acervo Amara Rocha 

Alunos do Colégio Lourenço Filho deixavam de merendar e o dinheiro da mesada destinava-se as aquisições de fotografias.

Até a Revista Saúde e Beleza, divulgadora de espécimes modelares humanas, foi esquecida.

 SONHAR COM RAYITO E ACORDAR COM APOLINÁRIO 

 À época, o desembargador Faustino de Albuquerque e Sousa governava o Estado, enquanto o inspetor João Apolinário da Silva, da Guarda Civil de Fortaleza, integrava o corpo de seguranças governamental. 
Afrodescendente, o vigilante, ao que divulgavam, possuía mais de 1,90 m de altura para um físico superior a 110 quilogramas.  
Certa feita, segundo consta, murro desferido pelo guarda na cabeça de um touro, teria derrubado o animal.

Fiel servidor do então governador e temido por sua conhecida valentia, não admitia a mínima crítica ao ocupante do Palácio da Abolição.

Opositores políticos e galhofeiros aproveitaram-se da imagem da bela para cutucar a fera.

Indagavam “Qual a diferença entre o céu e o inferno?”



Aos que não sabiam a resposta ou davam outra, retrucavam: “Sonhar com Rayito Del Sol e acordar com o Apolinário ao pé da rede.”

RAYITO CHEGOU E APOLINÁRIO PARTIU

27 de setembro de 1950. 22 horas. Igual horário ao da inauguração da TV Tupi, dias antes, em São Paulo.

Em bar das proximidades da Praça Presidente Roosevelt*, bairro Jardim América, registrou-se desentendimento entre frequentadores do estabelecimento. Travou-se renhida luta corporal, seguida de tiroteio.

Ao fim da contenda, sem vida, o corpo do inspetor Apolinário restou estendido na calçada.

A data marcou a chegada de Rayito e a partida de Apolinário


Geraldo Duarte




*Atual Praça Frei Galvão, como passou a ser chamado oficialmente o lugar.



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Agradeço ao querido amigo Geraldo Duarte 
(Advogado, administrador e dicionarista) pelo belíssimo artigo!

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: