quarta-feira, 16 de junho de 2010

O bonde - Parte I


Bonde de tração animal - O serviço de transporte de passageiros por bondes a burro em Fortaleza, inciou em 1880 e perdurou até 1913, quando foram substituídos pelos elétricos.

Andar no bonde elétrico era um dos hilariantes passeios que se podia experimentar no século passado. Desde sua instalação em nossa cidade - ou seja - na década de 20, quando substituíram o “bonde puxado à burro”. Fruto do progresso se fazia essencial mister; embora retirando o lirismo de hábito camponês vivenciado na época, dando lugar a expansão que o tempo exige - modernidade.
O interessante a se observar é que as distâncias entre os locais, parece, que se encurtaram, ou os caminhos fizeram dininuir a lonjura entre os diversos pontos da nossa querida Fortaleza.
Não vamos porém exagerar esse saudosismo de saltar da época dos bondes puxados a burro, para o bonde elétrico, remontando o século XVIII, porque o bonde por sua própria estrutura tem enriquecido o anedotário rebuscado das suas mais diversas formas - a começar pelo entendimento que se faz de quem “pegou o bonde andando” - (desconhecimento do fato) ou “pegou o bonde errado” - por ficar frustrado, por ter feito mau negócio, cair no conto do vigário. Ou "vender o bonde", no pilheriar do mineiro -, casar com mulher feia (é tão feia que parece um “bonde” ou trem virado).
Mas dizia o escritor Berilo Nevesquem anda com mulher feia é uma forma deselegante de andar só”, com quem concorda o poeta Vinícius de Moraes, “quando pede perdão às feias, por considerar a beleza fundamental, como características do ser humano”.

Bonde de tração animal passando entre o Colégio Jesus Maria José e a Igreja do Pequeno Grande.  Foto do Álbum Boris. - Arquivo Nirez

Mas voltemos ao bonde, nosso foco de atração, mesmo olhado a certa distância é com auxílio da memória, diante do decurso do tempo - amigo fiel que marcou a existência das coisas, inimigo procaz, implacável, que persegue os longevos anunciando a grande viagem . . .

Mas, caros amigos, vale à pena recordar os tempos dos bondes da nossa Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.
Antigamente, talvez por precariedade estrutural ou falta de melhores condições, estradas carroçáveis, se dizia que alguém tinha feito uma longa viagem quando se deslocara às próximas cidades de Pacatuba, Maranguape, ou, até mesmo, Arronches (Porangaba, hoje Parangaba). Era tudo tão longe . . . tão diferente os caminhos, a própria paisagem de hoje, tomou outro aspecto com o passar do tempo que impulsiona e moderniza tudo a começar pelo ambiente, solo, estrada, bombardeando a atmosfera, implodindo coisas, e até faz chover . . . Mudança dos tempos. Antigamente só Deus fazia chover . . .
Ah! O tranporte, nem se fala - era o burro, o cavalo, o jumento. Sem a ajuda do jumento, “nosso irmão”, tão proclamado pelo Pe. Vieira, não se ia a lugar algum. No sertão brabo “quem é rico anda em burrinho, quem é pobre anda a pé”, porque na poesia do rei do baião, o inesquecível Luís Gonzaga, proclamava “automóvel” lá nem se sabe se ele é “home ou se é muié” . . . ! !
O tempo se encarrega de dar impulso apagando das nossas mentes imagens tão agradáveis ao espírito, aproximando-nos com outras civilizações - principalmente o português, dentre outros, raças emigraram no compasso rápido do tempo -, dando salto de progresso principiaram como novo meio de transporte - O Bonde puxado a burro, que durante muito tempo serviu de condução para a população da Capital, prestando seus inestimáveis serviços aos moradores desta urbe (cidade).

Dizem que seu percurso não ultrapassou até Arronches!! Opa, transporte de almocreve (carregador;arrocheiro) que servia para conduzir pessoas que se locomoviam para locais de pouca distância, na nossa cidade, nossa Fortaleza tão querida e cheia de lembranças encrostada indelével na nossa memória, lutando contra inexorável tempo que não se apieda dos desprotegidos saudosistas, compungidos pela velocidade apaga do nosso besunto toda a grandeza do passado, deixando só as saudades, as lembranças que continuam vivas nas nossas mentes.

Os bondes se recolhiam na Estação que se localizava nas confluências da rua D. Leopoldina com Av. Visconde do Rio Branco (calçamento de Messejana) e de lá partiam para diversos pontos da Cidade.

Passagem(bilhete) do bonde - Arquivo Nirez

Valia à pena, logo às cinco horas começava a movimentação da saída, cada um equipado com os instrumentos de trabalho - cupons, dinheiro trocado para passar troco, uniforme adequado - o cobrador invariavelmente vestido de tecido de brim e com boné da mesma cor - ou cáqui com quepe do mesmo tecido. O modelo da roupa se assemelhava ao libré (fardamento de criado de casas nobres), diferençado pelos grandes bolsos que compunham o paletó, abotoado com botões (jarina) dando certa sobriedade na vestimenta.
Quem tinha por dever sair cedo de casa para apanhar (pegar) o bonde, experimentava agradáveis momentos, de sentir que a cidade ainda dormia, assistia o belo espetáculo da calma que reinava na rua, onde eram vistos os padeiros a entregar pão a domicílio; o leiteiro com seu vasilhame na cabeça; o verdureiro com caixa sobre quatro pernas de madeira, conduzida sobre a cabeça do vendedor; - o carniceiro (vendedor de carne), ambos também se utilizavam de animais, cavalos . . . Assim caminhavam os vendedores atendendo a freguesia.
O bonde desenvolvendo sua marcha normal, quebrando, com o barulho sobre os trilhos, a sonoridade do deslizar que já habituara os ouvidos dos passageiros despertando para o amanhecer do dia com o toque da sineta anunciando que ia descer bem, com o toque para prosseguir - que no linguajar simples do condutor ordenava - vai embora.. vai embora... como quem vaticinava (predizer) um adeus para sempre.
Então quem se transportava de bonde nas manhãs de junho/julho, sentia agradável sensação do frio europeu, porque é nesta época do ano que nosso clima se torna mais ameno. É como se o balanço causado pelo desenvolver da velocidade envolvesse aquele vento frio que soprava, fazendo recordar um passado que não volta mais, relembrando recantos inesquecíveis, embora muitos deles hoje transformados, deram lugar à modernidade, fruto da evolução natural do tempo. Ah! Tempo bom que não volta mais. Mesmo para matar as saudades!... mas nem isso.

Zenilo Almada
Advogado


Continua AQUI (Bonde Jacarecanga)

Veja também:

O bonde - Parte IV (Bonde Soares Moreno)
O bonde - Parte V (Bonde Benfica)
O bonde - Parte VI (Bonde Praia de Iracema)
O bonde - Parte VII (Bonde Prainha) 
O bonde - Parte VIII (Bonde Outeiro)
O bonde - Parte IX (Bonde Alagadiço)
O bonde - Parte X (Bonde Joaquim Távora)
O bonde - Parte XI (Bonde Prado)
O bonde - Parte XII (Bonde José Bonifácio)



Fonte: Artigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza.
Domingo, 6 de outubro de 2002
Fotos: Arquivo Nirez

2 comentários:

  1. Meu Tio-avô e meu pai foram uns dos motorneios de bonde. Meu Tio-avô: Roberto Soares Martins.
    Meu pai: Edilson Sampaio Costa.

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