sábado, 2 de dezembro de 2017

Coluna da Hora - A polêmica em torno da construção do monumento


Construção da Coluna da Hora na Praça do Ferreira.
Acervo Ricardo Figueiroa

“ Do pó, do nada do chão,
Vai subindo céus afora,
Numa sublime ascensão,
A tal Coluna da Hora.
Nos velhos tempos de outrora,
A tal Coluna da Hora,
Causaria sensação!
Talvez, ficasse na história
Da princesa Teodora
O nome do seu Girão”.

Feira de Missangas

A construção da Coluna da Hora constituiu um importante marco no projeto de modernização da capital.
A ideia não era recente, pois desde a administração do major Tibúrcio Cavalcante, a Prefeitura já cogitava este melhoramento urbano. Em dezembro o major licenciou-se e foi ao Rio, incumbido de procurar um relógio adequado a Praça do Ferreira. Seus esforços foram, porém, baldados. Nem no Rio nem em São Paulo encontrou um que o satisfizesse. Consigo levara também plantas e fotografias das quatro faces da referida praça. Confiando a organização do projeto da Coluna a uma comissão de três membros, entre os quais se achavam os arquitetos Ruderico Pimentel e o capitão Ruy de Almeida. Cada um apresentou o seu projeto, chegando todos a conclusão, pela média das alturas dos prédios, que a Coluna devia ter a elevação de 10 a 12 metros.

Jornal A Razão de 02  Jun 1936
Porém, nenhum desses projetos apresentados foi aprovado pelo Estado, com alegação de não consultar o “senso estético do local”. O arquiteto da Prefeitura, também apresentou três projetos que foram sumariamente recusados. Ficou a cargo do engenheiro e arquiteto José Justa, apresentar um projeto definitivo. Também foram solicitados catálogos e preços de relógios europeus, através das firmas Alfredo Salgado, Gradovhl & Fils, Dumar & Cia e Antônio Fiúsa, contudo também resultou em nada. Após esses impasses, foi criada outra comissão, composta pelo Dr. Ernesto Pouchain e pelos relojoeiros Abílio Silva e Milton Muratori, para julgar a licitação mais vantajosa, em relação ao relógio. A comissão aprovou a proposta da firma Byington Co, que tinha filial em Recife, pois apresentou o menor preço, garantindo entregar o relógio todo montado pela quantia de 20 contos de réis. Depois foi aberta outra licitação para saber qual a empresa que iria construir a Coluna.

"Apresentaram-se dois concorrentes: Dr.Antônio Urbano de Almeida e o Sr.Clóvis Janja, aquele prontificando-se a edificá-la por 29:300$, e este por 28:690$. Como estava fixado no orçamento municipal, não ultrapassar a referida construção de 25 contos, condicionou a proposta vencedora a uma redução de preço”. (O Nordeste, 01/09/1933, p. 05)


Isso foi aceito pelo senhor Janja, todavia, a história do relógio e da coluna, tinha apenas começado. A primeira polêmica acerca da construção da Coluna ocorreu devido ao coreto que existia na Praça, o qual nunca conseguiu agradar gregos e troianos. Havia aqueles que defendiam sua importância histórica e política, pois ele era frequentemente utilizado para proferir discursos sobre a cidade, problemas sociais, ou mesmo propagandas políticas. E existiam aqueles que o tratavam com escárnio, menosprezando o seu estilo arquitetônico, alcunhando-o de feio, antiquado e obsoleto.
1930. No velho coreto, o célebre discurso do Dr. Morais Correia durante a campanha que levou Fernandes Távora ao Governo Provisório, e a queda do prefeito Cesar Cals ( Foto O Povo). Acervo Lucas
Vai ser demolido o coreto da Avenida 7 de Setembro, na Praça do Ferreira. Do ponto de vista estético é, não resta dúvida, providência que se justifica, pois aquilo não é lá coisa que se recomende, apesar de ter custado ao que se diz- mais da metade de uma centena de contos... Caro e feio. Mas tinha além da serventia para as retretas aos domingos, a de ser tribuna dos demagogos, desde os mais sisudos aos mais implumes ensaístas da oratória. Muita gente pregou ali ideias de todo quilate. Ouviram-se dali, palavras de fogo e asneira de palha. Oradores aclamados, aplaudidos, vaiados e apeados. Alguma coisa de histórico... E onde será, agora, a tribuna da oratória popular? Nos pisos da Coluna do relógio? (O Nordeste, 02/08/1933 p 03).
Praça do Ferreira por volta de 1920. Vemos o coreto em dois tempos, sem e com a cobertura.
Jornal A Razão de 13  Jun 1937.
Jornal A Razão de
15  Jun 1937
E onde os demagogos falarão agora? Este foi o título da matéria do Nordeste, acima citado. Para o matutino, o coreto era um espaço, essencialmente, das expressões de demagogos, que tinha lá seu valor histórico, apesar de ter custado muito caro e ser feio. Mas que, de certa forma, a sua demolição era justificável, não fazendo tanto alarde a esse respeito. No sentido oposto, o jornal A Rua saiu em defesa da manutenção do objeto em questão, justificando como espaço da expressão e liberdade do povo, e acusando o Prefeito de ter Passadofobia.

Não houve apelos, não houve razões, por mais ponderosas que fossem que demovessem o “futuroso” Prefeito da nossa Urbe da sua temível sanha de aniquilar o passado. É um homem teimoso, e sua “passadofobia” não tem limites. Por isso, o coreto do jardim da Praça do Ferreira, presentemente atingida por um terremoto vai desaparecer, está desaparecendo. As picaretas do estadista de Morada Nova manejadas por mãos hábeis e possantes, já, a estas horas põem por terra a verdadeira tribuna do povo livre do Ceará. (A RUA, 12/10/1933 p 01).

O periódico continua fazendo um resgate da importância histórica do coreto na derrubada de governos conservadores e antiliberais. Não obstante, o que está em jogo não é a defesa do coreto como objeto de relevância histórica e operacional para o desenvolvimento da liberdade do povo cearense, mas a crítica ao projeto de modernização de Raimundo Girão, onde o coreto é apenas um elemento simbólico da retórica de oposição. Os argumentos de defesa do velho e de críticas ao novo, mesmo envolvido de uma epiderme lógica e racional, se sustentam numa “retórica da nostalgia” como aspecto substancial da negação, na medida em que as reminiscências sentimentais são erigidas como o sustentáculo da defesa da tradição e da crítica à mudança.

Jornal A Razão de
03  Out 1937
Começou, há dias, a demolição do coreto da Praça do Ferreira. O jovem governador da cidade não se sente bem com o passado. Tem uma verdadeira volúpia pelo modernismo. Arrasou a Praça do Ferreira pelo prazer de construir para o futuro. [...] Mas é preciso demolir tudo. Como Julião, o Apostata, quer lavar Fortaleza de toda nódoa da administração do passado. Deixar incólume o coreto da 7 de Setembro é fazer obra incompleta. É que nas suas paredes está a inscrição, em vernáculo, da remodelação do jardim, na administração do Dr Godofredo Maciel Daí o pesadelo do jovem Chefe da Edilidade. Acha que a cidade de Fortaleza veio a lume, ressurgiu do nada graças aos seus esforços! [...] Enquanto houver dinheiro, estamos certos, o jovem Governador do município, derruirá tudo. Constatando com esta febre de reformas, a pobreza esfarrapada anda esmolando a caridade pública, pelos passeios da cidade. Mas, como já disse o Sr., a pobreza não vale nada. Vale mais um palmo de pavimentação a concreto do que um abrigo para as crianças pobres. São palavras do facundioso chefe do executivo municipal. E não há lógica que sirva. O coreto entrou há dias no pano das reforma... A picareta entrou em cena, sem contemplação! Pobre passado! (IDEM, 10/10/1933 p 03).
Praça do Ferreira nas primeiras décadas do Século XX. Entrada para o Jardim 7 de Setembro, construído pelo intendente Guilherme Rocha em 1902 e demolido pelo prefeito Godofredo Maciel em 1920. Ao fundo, na lateral direita da foto, avista-se a torre do prédio da Intendência Municipal (Prefeitura). Acervo Duarte Dias
Observamos, portanto, que o passado é o pano de fundo para uma crítica mais visceral ao projeto de modernização da cidade. Ao mesmo tempo em que a picareta do governo não para de executar reformas materiais que atenderão a uma pequena parcela da sociedade, a miséria em torno da cidade aumentara substancialmente. Também estava em questão, e o matutino aponta com sagacidade, a ofuscação das melhorias realizadas nas administrações passadas, pela administração hodierna. Cada Prefeito gostaria de deixar sua marca, ou ganhar o título de modernizador. Raimundo Girão não era indiferente a esses anseios.
Foto de 1952
No entanto, a destruição do coreto e a introdução da Coluna da Hora revelavam além desses aspectos políticos, uma tendência de uma cidade que se adaptava ao capitalismo, não apenas nos aspectos econômicos e políticos, mas culturais e simbólicos, pois a Coluna da Hora representava uma noção específica de temporalidade, o tempo do relógio, das horas de trabalho, das atividades programadas por segundos, minutos e horas, em detrimento de uma temporalidade essencialmente campesina, estigmatizada e norteada pela natureza. O tempo do relógio marca a imposição de novos costumes, de uma sociedade que está se industrializando, e que precisa “otimizar” o tempo da produção e circulação de mercadorias. Por isso, a construção de um marco regulador se fazia urgente!
Coluna da Hora em 1967 - Ana Teresa Mello Fiúza

Pelo navio “Sheridan”, chegaram a nossa capital os 8 volumes de que consta o material do novo relógio a ser instalado na coluna erigida á Praça do Ferreira. A remessa foi feita pela Casa Byington com matriz em São Paulo, e filial em Recife, sendo o relógio fabricado pela “Westing House”, E. U. da América.[...] O relógio como já é do conhecimento público, será movido a eletricidade, com 4 faces e dispositivos automáticos para darem a corda necessária. Esta é regulada por meio de pesos, que serão levantados, quando preciso, pelo maquinismo automático. Desta maneira, a intervenção que se requer é apenas em ordem a lubrificação e limpeza e ao bom andamento dos motores. A Fortaleza deverá chegar, brevemente, de avião, o Dr. Hermes Barroso de Lima, da filial Byington, do Recife, e que se vem encarregar da montagem do relógio. (O NORDESTE, 29/11/1933 p 4 e 5).

O relógio é apresentado como o mais moderno possível, não sendo quase necessário trabalho humano para regular, salvo em matéria de limpeza e manutenção, trazendo características que são sinônimos dos discursos da modernização como, “movido à eletricidade”, constituído de “dispositivos automáticos”, sendo ainda todo o material importado dos Estados Unidos. O relógio era um símbolo moderno em várias acepções! Em primeiro lugar, representava a instalação de uma nova temporalidade, industrial, urbana, afastando-se do tempo da natureza materializado no campo. E, em segundo lugar, o próprio “relógio em si” já era moderno na sua composição física.
Coluna da Hora em 1967 - Ana Teresa Mello Fiúza

De acordo com O Nordeste, o relógio custou 20.000$000, sem os impostos que teriam sido dispensados graças à intervenção do Interventor Carneiro de Mendonça. Caso tivesse que pagar os impostos, o custo sairia quase o dobro. Neste sentido, o maquinário foi apresentado como vantajoso para a municipalidade, e que seria inaugurado na véspera de Natal. Porém, nem tudo ocorreu como se esperava!

Descobriram depois que o relógio não cabe na cama que lhe arranjaram na tal Coluna do revolucionário desconhecido. Por último verificaram, por ocasião de examinarem a encomenda, que os quatros vidros que protegem o mostrador vieram quebrados. Será possível tanta urucubaca! Santo Deus, quando teremos hora oficial na cidade? (A RUA, 7/12/1933 p 01).

Segundo o jornal, além do material ter vindo já danificado e não caber no local da Coluna, ainda houve outro problema. “Rachou o pedestal da Coluna da Hora”. De acordo com o periódico, a base sofreu uma rachadura, prejudicando mais ainda o projeto do governo de inaugurar “a melhoria urbana”. A Praça do Ferreira e a Coluna da Hora eram o cartão postal do projeto de urbanização da prefeitura. Qualquer entrave na sua remodelação, de imediato já era denunciado nas páginas da imprensa, que não poupavam críticas quando se relacionava a tais “melhorias”. Todavia, a Coluna é inaugurada na virada do ano de 1933 para 1934, que, segundo o jornal O Povo, foi esperado por uma multidão de pessoas que se aglomeravam ao redor da Coluna, onde Raimundo Girão proferiu um discurso que foi irradiado através da Rádio Clube Ceará para a população que ali se encontrava.
Anos 30
A Coluna da Hora, no entanto, não foi o primeiro relógio da capital. De acordo com artigo de Antônio Theodorico da Costa, publicado no O Nordeste em 16 de novembro de 1934, p. 01 e 04, já havia sido instalado em 1854 o relógio da Catedral da Sé, depois outro relógio foi implantado no edifício da Estação Central, e um terceiro com caráter oficial no prédio da Intendência, onde funcionava a Prefeitura, na Rua Floriano Peixoto. No ano de 1922, também foi construído outro na coluna do Cristo Redentor, na Prainha, em comemoração à Independência do Brasil. Por conseguinte, este breve histórico sobre os relógios da cidade, mostra que a tentativa de estabelecer um padrão temporal, já vinha ocorrendo desde o final do século XIX, mas que ganha força e se materializa de forma mais concreta na década de 1930, uma vez que não se trata de um relógio instalado numa igreja, estação, ou órgão oficial do governo, mas fincado na Praça do Ferreira, e como diriam alguns dos escritores da época, a maior artéria econômica da capital.

 1958 - Na Praça do Ferreira, a Coluna da Hora maltratada
pela ganância da campanha política.
Parsival Barroso bateu o favorito da imprensa,
Virgílio Távora. (Tribuna do Ceará - Acervo Lucas)
Leia também:
As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital
A Seca, o conflito político e a favelização da capital
Seca e Campos de Concentração em Fortaleza


Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.

Fonte: http://memoria.bn.br/O NORDESTE, 01/09/1933 p. 05

Um comentário:

  1. Muito bom. A coluna da hora foi cercada de polêmica de sua construção até sua demolição, realizada por José Walter.

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