quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Arquitetura Neoclássica em Fortaleza - Parte I

Detalhe da Estação Central
O Neoclássico chegou ao Brasil em 1808, com a vinda da Família Real e a transmigração do Estado português para a cidade do Rio de Janeiro. Fortaleceu-se com a Missão Artística (1816) e a presença do arquiteto Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, junto com seus discípulos Charles de Lavasseur e Louis Ueier. Logo, um considerável número de edificações Neoclássicas passou a compor a paisagem da cidade do Rio de Janeiro e daí se espalhou pela região Sudeste. Décadas depois, atingiu o Nordeste, chegando ao Ceará na segunda metade do século XX.

O momento da chegada da arquitetura Neoclássica ao Ceará coincidiu com o período do seu declínio na Europa, que vivia então outra febre: a da Belle Époque, cujo ecletismo arquitetônico absorveu o Neoclássico. No Ceará, coincidentemente, o Ecletismo (com o Neoclássico incluso) e a Belle Époque casaram-se com relativa harmonia em Fortaleza, entre as décadas finais do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, trazendo todo um novo estilo de se viver, que as elites locais prontamente abraçaram, determinando os novos rumos que a cidade tomou. 

Assembleia Provincial do Ceará, exemplo da arquitetura neoclássica - Álbum Vistas do Ceará 1908
Por que o Neoclássico se fez tão marcante, na arquitetura da cidade? Como eram as relações sociais de seus habitantes e destes com a Belle Époque, no momento em que se adotou o modelo Neoclássico e o Ecletismo? Como se deu a transformação do sítio geográfico inicial da cidade à condição de bairro? 

Assembleia Provincial de arquitetura neoclássica - Álbum Vistas do Ceará 1908

Centro Histórico da cidade de Fortaleza: origens e evolução espacial 


Centro no início da década de XX.
O núcleo embrionário do bairro Centro, se confunde com os fatos relativos à própria fundação da cidade no início do século XVII. Diferentemente da maioria dos estados brasileiros litorâneos, a ocupação do espaço cearense processou-se de forma bastante atrasada, uma vez que a região viu-se “abandonada” pelas autoridades portuguesas a começar pelo donatário Antônio Cardoso de Barros que mesmo tendo sido provedor-mor da Fazenda Real do primeiro Governador Geral, Tomé de Sousa, entre 1549 e 1553, sequer para a região mandou alguma expedição, preferindo investir capitais em engenhos na Bahia.
Jardim 7 de Setembro na Praça do Ferreira. (1902).
Detalhe das colunas Neoclássicas.
Fonte: Álbum de Vistas do Ceará, 1908
Somente, a partir de 1603, começou a existir algum interesse pelas terras cearenses, quando das expedições exploratórias de Pero Coelho de Sousa, fundador de uma povoação, Nova Lisboa, e um fortim, São Tiago (1603), às margens do rio Siará, distante, entretanto, da área em questão, o Centro de Fortaleza; logo em seguida, entre 1607 e 1608, o padre Luís Figueiras  fundou outra povoação, “distante légua e meia” da área anterior, provavelmente, às margens do riacho Pajeú, córrego que corta parte da antiga cidade. É o que demonstra o texto a seguir:

O novo local não poderia estar longe da praia nem de curso d'água, pelo que é possível, ou mesmo provável, que a escolha do jesuíta tenha recaído na foz do Pajeú (local depois preferido por Matias Beck), mesmo porque o sentido da marcha do padre era oeste-leste. Considere-se ainda o que ele mesmo escreveria em sua Relação do Maranhão quanto à distância de légua e meia em que tomara o navio que o levou de volta, certamente ancorado no Mucuripe, baía que, segundo consta do Diário de Beck, é o "sítio mais próximo e capaz de ancoradouro de nossos iates", distando do "Siará" (rio em cuja margem direita Pêro Coelho fundara a aldeia de Nova Lisboa) "obra de três léguas". Ora, légua e meia para o rio Ceará e légua e meia para o Mucuripe somam as três léguas registradas por Beck. (ADERALDO, 1974, p. 30)
Cartão postal da primeira década do Século XX, mais precisamente em 16 de outubro de 1913, no qual vemos a rua Barão do Rio Branco na altura do cruzamento com a rua Senador Alencar.
Teria sido esse o fato embrionário de Fortaleza, apesar dos historiadores cearenses, em maioria, apontarem para Martim Soares Moreno, primeiro capitão-mor do Ceará, devido à significância de sua obra e pelo destaque a ele dado pelo escritor José de Alencar, na obra Iracema. Entretanto, pelo que se notou na citação acima, os marcos de suas fundações distam uma légua e meia da área em voga. Lá, no local da primeira expedição de Pero Coelho do Sousa, Moreno edificou outro forte, São Sebastião, e uma ermida, Nossa Senhora do Amparo, em 1612. Para finalizar esse ciclo, dá-se por obrigação mencionar, a participação do holandês Mathias Beck, quando na segunda expedição holandesa ao Ceará, por ter ele fundado, em 1649, o forte Schoonenborch, nas mesmas margens do riacho Pajeú, para proteger o povoado também criado, a quem dera o nome de Nova Amsterdam. O forte holandês foi tomado pelos portugueses, liderados por Álvaro de Azevedo Barreto, em 1654, e logo batizado com o nome de Fortaleza da Nossa Senhora da Assunção. Será em torno desse forte e do riacho Pajeú, que a pequena Fortaleza irá crescer. Toda a área adjacente constituirá no que se convencionou denominar-se de bairro Centro.

Avenida Alberto Nepomuceno no início do século XX. A cidade cresceu no entorno do antigo Fonte Schoonenborch.
O povoado foi crescendo lentamente, até que, em 1726, tornou-se vila, a segunda do Ceará, uma vez que a primeira era Aquiraz, então capital da capitania do Ceará. É o que afirma Aderaldo:
Em face de renovados pedidos (...) preferiu o Rei que fosse criada outra vila no Ceará, junto à Fortaleza, o que ocorreu em 1725. E a 13 de abril de 1726 foi, afinal, definitivamente instalada aqui a Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, a segunda do Ceará, pelo capitão-mor Manuel Francês. ADERALDO (1974, p. 33)

Rua Major Facundo. Álbum de Vistas do Ceará, 1908
Data mais ou menos dessa época¹, a primeira planta que se tem conhecimento de Fortaleza, descoberta, segundo Aderaldo, pelo historiador, padre Serafim Leite e publicada no 3º volume de sua História da Companhia de Jesus no Brasil. Essa gravura tem sua reconstituição, em forma de maquete, exposta no Museu do Ceará. Girão procura relacionar o lento crescimento da aglomeração urbana à questão geográfica, dando a entender que a vila começava a dar os primeiros passos de relativa autonomia em relação ao determinismo geográfico, bastante predominante naquele momento, com ações e intervenções espaciais mais audaciosas, ainda que “preguiçosamente”.
Rua Major Facundo. Álbum de Vistas do Ceará, 1908
A despeito de se tornar centro administrativo da capitania, no século XVIII, a tímida vila não conseguia concorrer em termos econômicos e populacionais a outros centros no Ceará, como Aracati, Sobral e Acaraú, impulsionados pela criação de gado, principal atividade econômica da capitania, ou Icó, grande centro comercial ao sul, ou mesmo Aquiraz, primeira capital, local preferido de moradia das pequenas elites, que também desenvolvia atividades comerciais. 

As dificuldades da pequena vila eram grandes, as condições de sobrevivência ínfimas. Demonstrando as circunstâncias críticas desde o solo aos ventos e os mares bravios, Girão descreve, com acuidade, que sobreviver na pequena Vila não era tarefa das mais simples, daí a necessidade de uma forte intervenção do homem no espaço, algo que ocorreu lentamente, uma vez que a região circunvizinha não oferecia atrativos que pudessem estimular a vinda de colonos.
Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) do Álbum de Vistas do Ceará, 1908
(...) o solo, o revestimento vegetal e a fauna da região circunjacente não davam, com efeito, melhor alento ou ajuda ao labor produtivo do homem. As atividades da caça e pesca não ultrapassavam as lindes de lastimável primarismo. Na mata pobre não se encontravam as madeiras de lei com que se pudesse montar qualquer indústria compensadora. De sua vez, o chão arenoso recusava-se a uma agricultura mais larga e capaz de lastrear riqueza substancial, garantidora de uma vida econômico-social mais refinada. A falta de pastagem não estimulava o criatório, exatamente quando este, já no seu apogeu pelos sertões, construía a típica civilização do couro. Do lado do mar, as revoltas ondas, quebrando na praia vã, sem cais nem trapiches, mostravam-se como seria ameaça à vinda de mercadorias e efeitos exógenos, tão necessários à existência não deixava seus variados aspectos. Cidade marítima não deixava de ser, mas com um oceano carrancudo e muito pouco amigo. Talvez só o clima, estável e ameno, entrasse naquele conjunto como índice positivo? Tem-se ideia gráfica da penúria da Vila de Nossa Senhora d'Assunção, olhando a planta rascunhada, em 1726, pelo Capitão-mor Manuel Francês e por ele enviada a Lisboa, como demonstração de seus serviços. É interessante documento encontrado pelo Padre Serafim Leite e incluído, a título, na sua obra admirável - História da Companhia de Jesus no Brasil(GIRÃO, 1974, pp. 59-60)

Rua da Misericórdia (atual Dr. João Moreira)
Álbum de Vistas do Ceará, 1908

Observando o traçado urbano da vila naquela ocasião, vê-se que ela segue um modelo que os colonizadores portugueses adotaram a partir de práticas ainda medievais, conforme explica Liberal de Castro

Este é o ambiente em que viviam os primeiros governadores da Capitania, civis na função, mas militares de profissão. O traçado da vila refletia um modelo de organização urbana caracterizada pela expansão linear, desenvolvida ao longo de rios e caminhos, consoantes uma tipologia morfológica comum nos vilarejos medievais europeus. CASTRO (1994, p. 44).

Planta de Fortaleza, em 1726

Concordando-se com a premissa acima, pode-se observar que grande parte das cidades brasileiras tem em seu traçado inicial exatamente o acompanhamento topográfico em torno de rios, principalmente, ou de rotas de trânsito, quase sempre comerciais. Vê-se claramente essa tendência na aglomeração de edificações ao longo do riacho Pajeú, que é a linha azul que corta a vila em duas metades. Pelo que se verificou até então, as condições geográficas naturais não eram favoráveis ao crescimento da região.




¹ Há uma polêmica em relação ao ano correto da confecção da planta. Alguns autores (NIREZ, 2001; GIRÃO, 1979) apontam para o ano de 1726, quando da instalação da vila. Outros (SERAFIM LEITE, 1943), para o ano de 1730, já uma terceira corrente (LIBERAL DE CASTRO, 2005), afirma ser o ano de 1831, data em que o capitão-mor Manuel Francês pleiteia indenização pelas despesas pessoais gastas com a instalação, anexando à petição, o desenho da planta.

Parte II


Fontes: Arquitetura Neoclássica e Cotidiano Social do Centro Histórico de Fortaleza - Gilberto Abreu.
CORDEIRO, Celeste. O Ceará na segunda metade do século XIX. In: Uma nova história do Ceará. Org. Simone de Souza; Adelaide Gonçalves ... [et al]. 3. ed. rev. e atual. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004.
GIRÃO, Raimundo. Geografia Estética de Fortaleza. 2. ed. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil. 1979.
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza belle époque: reformas urbanas e controle social: 1860-1930. 2. ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1999.
PONTE, Sebastião Rogério. A Belle Époque em Fortaleza: remodelação e controle. In: Uma nova história do Ceará. Org. Simone de Souza; Adelaide Gonçalves ... [et al]. 3. ed. rev. e atual. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004.

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