sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Mudança nos nomes dos bairros


O crescimento urbano gerou a substituição dos antigos nomes dos bairros por denominações mais modernas e atuais

No rol das confusões entre os bairros, a memória e a modernidade travam uma luta diária. Enquanto as novas gerações conhecem nomes como Antônio Bezerra, Aldeota, Meireles, Bairro de Fátima, Castelão e Messejana, moradores mais antigos lembram do Outeiro, do Lagamar, da Praia do Peixe, da Estância e do Mata Galinha. Mesmo com os nomes antigos em desuso, a simples lembrança é significativa para a identificação da população com o bairro.


Bairro Aldeota em 1973 - Foto de Nelson Bezerra

O memorialista Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, foi testemunha da mudança de nome de muitos bairros e também do desaparecimento de alguns deles por conta do crescimento de outros. O Porangabussu virou Rodolfo Teófilo, o Coqueirinho e o Campo do Pio se tornaram Parquelândia; o Outeiro passou a ser Aldeota; a Pirocaia ganhou o nome de Montese, etc. 

Nirez lembra de bairros que praticamente desapareceram do mapa da cidade, ou melhor, cujos nomes dificilmente se escuta hoje em dia. A Vila Monteiro, por exemplo, foi incorporada ao Joaquim Távora, o mesmo aconteceu com a vizinha Vila Zoraide. O bairro Tauape é outro exemplo, conta o memorialista. Identificado com a Lagoa do Tauape, no momento em que o manancial foi aterrado para a construção do canal do Jardim América, o nome do bairro praticamente desapareceu junto com as águas.

Foto ao lado do Bairro Meireles - Travessa Acaraú (Vila Bancária) em 1967. Foto de Cláudio Santos

Outro fato interessante relembrado pelo pesquisador é o caso da Piedade, bairro que nunca existiu. “As pessoas chamavam o bairro de Piedade por causa da igreja da Piedade, mas ele não existia”, lembra. Os casos são muitos, assim como as denominações. “Alguns nomes sobrevivem pela força da tradição, do poder político, outros não”, reflete a Dra. em Ciências Sociais Marinina Gruska Benevides
A nomenclatura de um bairro não é apenas uma questão estética, explica a professora. O nome que é dado a uma unidade urbana é resultado de um momento histórico e da organização da sociedade nesse dado período.

Portanto, por trás da mudança de nome de um bairro há vários fatores, como interesses sociais e políticos. Marinina Gruska observa que, anteriormente, as denominações das unidades da cidade eram escolhidas a partir de nomes da fauna e flora regionais (Coqueirinho - atual Parquelândia); das atividades econômicas que caracterizavam uma dada região (Brasil Oiticica, atual Carlito Pamplona); da tradição indígena (Pirocaia - hoje Montese) e também pelos marcos de sociabilidade da área (Açude João Lopes - hoje Monte Castelo).


Bairro  Monte Castelo em 1993

Esses nomes, continua a professora, refletiam a perspectiva histórica de uma sociedade coletivista. Com a modernidade e a ascensão dos valores individualistas, as nomenclaturas foram substituídas por nomes de personalidades, pessoas que tiveram importância para o bairro, indivíduos de poder e influência política ou que desempenharam um papel representativo na sociedade.

Assim, vemos surgir bairros como Edson Queiroz (industrial), Antônio Bezerra (escritor), Farias Brito (filósofo), etc. A professora explica que, para além das homenagens, a troca do nome de um bairro reflete uma relação política. “Apagando o nome de um bairro você apaga a memória de um povo que não se quer lembrar por diversos motivos”, reflete. Por outro lado, a ideia da mudança das denominações dos espaços da cidade são anunciadas como traços da modernidade.


Bairro Edson Queiroz em 1981 - Acervo O Povo

É o caso, por exemplo, do bairro Aeroporto. Localizado em uma área que até os anos 60 era conhecida apenas por Vila União, com a chegada do equipamento, o local passou a ser chamada de Bairro do Aeroporto. No entanto, com a transferência do terminal de passageiros para outro lugar, o nome Aeroporto praticamente caiu em desuso e a Vila União voltou a ser referência na cidade.

Consenso

Para a presidente da Federação de Bairros e Favelas, Gorete Fernandes, a mudança, seja do nome de uma rua ou bairro, não pode ser feita à revelia da população. “Tem que partir do debate, do desejo da população, precisa haver discussão”, afirma.

Ela explica que as trocas sem o consentimento da população geram problemas na entrega de correspondências e podem promover o distanciamento da comunidade. Para que a mudança seja democrática, Gorete Fernandes observa que é necessária a realização de audiências públicas e a coleta de um abaixo-assinado, que deve conter, no mínimo, 50% de assinaturas dos moradores.

Foi assim que se deu a denominação do atual Planalto Ayrton Senna. A comunidade, formada a partir de ocupações de terras, era conhecida como Pantanal. Em 2001, a população se organizou e votou pela escolha do nome atual do local. A troca foi uma forma de quebrar o estigma de violência e pobreza que a área carregava perante os outros moradores da cidade.

Benfica e Jacarecanga resistem às mudanças



Antigo Cartão Postal do bairro Benfica no início do Seculo XX.
Crédito: Carlos Augusto Rocha Cruz

Muitos bairros da cidade foram atingidos pela síndrome da mudança de nome, mas alguns deles, os mais tradicionais, permaneceram com a mesma nomenclatura ao longo dos anos, em uma demonstração de resistência simbólica. O Benfica e o Jacarecanga são exemplos de permanência. Bairros residenciais, durante muito tempo foram habitados pela classe dominante da Capital. No Jacarecanga, as chácaras e palacetes das famílias abastadas eram edificadas a partir das tendências arquitetônicas européias. Um dos exemplos disso, era a casa do intelectual Thomaz Pompeu Sobrinho, inspirada na arquitetura italiana. No entanto, a partir de 1930, com a chegada das fábricas ao bairro, essas famílias se mudaram para o lado leste da cidade e o Jacarecanga entrou em decadência. Apesar da impiedade do tempo, ainda é possível encontrar prédios que mantêm a estrutura original e relembram o tempo de opulência do bairro. Já o Benfica, corredor cultural que abriga o Campus de Humanidades da UFC, ainda guarda o tom residencial e tem como principal ícone de seus tempos áureos o prédio que hoje abriga a Reitoria da UFC, a mansão que pertenceu à família Gentil.



Bairro do Jacarecanga em 1972

Planejamento urbano

No século XIX, o Centro era o núcleo comercial e habitacional da cidade. Com o passar do tempo, ele começou a inchar e as pessoas a buscar outros espaços com maior qualidade de vida. A população, então, migrou para os sítios e áreas mais distantes em que encontravam atrativos como vegetação, mas também vias e um mínimo de infra-estrutura.

Nas décadas de 1920 a 1950, surge o fenômeno das unidades de vizinhança, que eram círculos urbanos vizinhos ao Centro. A expansão dessas áreas acaba gerando o conceito de polarização, que corresponde ao crescimento de uma unidade em relação a outra.



Bairro do Centro no início dos anos 60

Na década de 1960, observamos o desenvolvimento das policentralidades , quando o Centro não é mais o coração da cidade e as unidades de vizinhança ficam independentes. Em Fortaleza, esse processo está associado à facilidade de transporte e à mobilidade da população.

Com a policentralidade, cada bairro passa a ter uso e atrativo diferentes para a população. O planejamento urbano tem o papel exatamente de gerir esse crescimento dos bairros. O planejamento tem que zelar para que os bairros cresçam de uma forma homogênea.

Se essas ferramentas de controle urbano não forem eficazes, os bairros acabam crescendo de forma desordenada e ganhando grandes proporções.

A policentralidade é um fenômeno natural que ocorre com intensidade nos países em desenvolvimento, onde o planejamento urbano é complexo. Temos que ter noção de que o planejamento e ordenamento da cidade não é uma responsabilidade apenas do poder público, mas também da sociedade civil, afinal, somos todos agentes desse espaço urbano.


Naiana Rodrigues


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Crédito: Diário do Nordeste