quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A escrava Bonifácia - Por Gustavo Barroso

Fortaleza 1840 - Pena de Morte.


Quando o Joaquim Carpina se apeou à porta de casa no Sítio Mongubeira, além de Arronches, a escrava Bonifácia, que era pessoa de sua inteira confiança, veio para ele em pranto:

- Meu senhor, - disse por entre lágrimas e soluços: - seu Toinho morreu de mordedura de cobra! .... O homem empalideceu e entrou apressado na habitação, atirando-lhe esta pergunta:

- Onde está ele?

- Lá dentro, na camarinha,


Era uma alcova escura, com um bafio de mofo, onde mal se distinguia a rede do enfermo atravessada.

- Toinho! - chamou o pai, aproximando-se.

Silêncio. A rede imóvel.

Nada. Então, apalpou o corpo e o sentiu gelado.

- Está morto! Pobre do meu filhinho! - exclamou, e desatou a chorar convulsivamente.

A escrava de pé, encostada ao umbral da porta, soluçava.

O filho do português Joaquim Marques Vairão, mais conhecido por Joaquim Carpina, devido ao seu ofício de carpinteiro, ainda não completara quatorze anos. estudioso e dócil, era a grande esperança do pai e fazia-se amar por toda a gente. Vinha sempre passar as férias ao sítio, ora com o progenitor, ora sozinho. A escrava Bonifácia, que tomava conta da casa, gostava muito dele.

- Traga uma vela, - ordenou o português depois de algum tempo, dominando o choro.

A luz trêmula e escassa do pavio embebido em cera de carnaúba, contemplou longamente as feições do morto. Olhando o rosto lívido e chupado, imobilizado numa expressão de dor, notou algumas manchas escuras nas faces e no pescoço.

- Que foi isso? - indagou.

Bonifácia respondeu serenamente:

- Seu Toinho, no dia em que foi mordido, tinha levado uns coices de cavalo, quando metia os animais no cercado. A cobra picou o finado de volta de casa.

Chegavam os moradores do sítio e os vizinhos da redondeza do Siqueira, meio caminho de Arronches ao Maranguape. Levaram o corpo para o capiá e puseram-no sobre uma mesa, com velas ao torno. Foi quando a cabocla Ana sussurrou ao ouvido do carpinteiro Vairão:

- Sou capaz de jurar que a Bonifácia matou o menino... a mordedura de cobra é mentira! ....

Semi aturdido pela dor e ainda mais por aquela revelação inesperada, ele perguntou:

- Mas por que haveria ela de matar o meu filhinho?...

- Para que ele não lhe contasse as artes que ela fazia aqui no sítio.

- Que artes?


- É que vosmicê ignora que ela vive amancebada com o mulato Damião, que os dois vendiam de vez em quando uma terça de farinha e furtavam as suas cabras. Seu Toinho desta vez descobriu tudo e ameaçou de contar. A Bonifácia ficou muito irada, passou-lhe uma grande descompostura, agarrou-o pelo pescoço, deu-lhe uns safanões e uma coça. O menino adoeceu da surra. Levou uma porção de dias gemendo que fazia dó. Uma tarde, quando vim buscar água, ele ouviu minha voz e me chamou. Fui lá dentro e o coitadinho me pediu para passar a noite com ele, porque tinha medo de ficar só com a Bonifácia. Fiquei, e ele dormiu sossegado, mas de madrugada a malvada me mandou buscar um tição na cozinha e, quando voltei, tinha falecido. O corpo ainda estava quente... não quero a salvação da minha alma se não foi ela quem o matou!...

Desvairado, o Joaquim Carpina começou a gritar a todos os trabalhadores:

- Segurem a Bonifácia! .... Amarrem essa assassina!....

A escrava, porém, havia fugido. Então, fez selar um cavalo e galopou para a cidade de Maranguape, em busca da justiça.


O cirurgião militar Machado examinou o cadáver por fora e declarou que as manchas do rosto acusavam contusões e as nódoas do pescoço eram de unhadas, sendo certo que a morte se dera por asfixia proveniente de compressão. Não se fez autópsia. Ouviram-se quatro testemunhas. A primeira vira o menino doente, porém não dera fé das manchas devido à obscuridade da camarinha. A vítima lhe contara ter levado os coices e ter sido mordida pela cobra. À segunda, Bonifácia mandara pedir que fosse a Fortaleza participar ao Sr Vairão que o filho se achava mal dos coices apanhados e da picada da serpente; depois, declarara não mais precisar desse serviço por ter enviado outro portador com o recado. Quando essa testemunha estivera no sítio, a cabocla Ana fazia companhia à escrava. Ouvindo-lhe a voz, o menino perguntara lá de dentro: - É você, Manoel? A terceira testemunha foi a própria Ana, que repetiu o que dissera ao carpinteiro. E a quarta já vira o menino morto, tendo ajudado a lavar e vestir o corpo. A escrava declarara-lhe que a morte fora causada por mordedura de cobra e lhe mostrara num dos pés do defunto duas picadas que antes lhe pareceram feitas com alfinete do que com as presas duma jararaca.


A acusada foi presa vagando pela Estrada do Maranguape e submetida a um único interrogatório, esse mesmo diante do júri. Respondeu calmamente que não surrara nem matara o menino, que ele morrera naturalmente das consequências dos coices e da picada, que passara muitos dias doente e que ela avisara em tempo ao pai. Mais nada. A confissão do crime ninguém lhe arrancou.

O tribunal popular não quis, contudo, saber se o processo tinha falhas graves, se as testemunhas eram insuficientes, se seus depoimentos se mostravam parciais, hesitantes ou incompletos, se o exame cadavérico fora imperfeito e se a ré negava o crime. Era o ano da Graça de 1840 e tratava-se de uma escrava. Foi condenada à morte.

Fotografia da Cadeia Pública de Fortaleza em 1964 - Acervo do IPHAN.

Presa na Cadeia Pública de Fortaleza, a infeliz esperou resignadamente o desfecho de seu triste destino. Uma noite, deitada numa esteira rente ao muro do calabouço que dava para a rua, pensava na sua vida desditosa, quando ouviu para lá e para cá os passos da sentinela que rondava aquele lado do presídio. Uma luz se fez no seu espírito: - Essa parede, pensou, deve ser muito fina, para eu poder escutar esses passos. Arrancou da caliça um prego que servia para pendurar roupa e se pôs a descascar o reboco. Em poucos minutos descobriu os tijolos. Escutou. Os passos haviam cessado. Atacou os interstícios herdados de argamassa e, em menos de meia hora, um buraco pelo qual podia passar a cabeça.

Antiga rua Amélia

Rua Amélia - Atual Senador Pompeu

Registro feito de dentro da cadeia, vendo-se
o anexo da Estação Central. Anos 70.
Crédito: Eugênio Arcanjo
Silêncio e luar. O ar iodado do oceano acariciou-lhe levemente o rosto. Na noite clara, boiavam os perfumes sutis da natureza. Os oitões caiados das casas esparsas da rua Amélia pareciam de prata. O alísio brando agitava devagar a folhagem escura das ateiras. Sentada na guarita do canto da cadeia, com as pernas estiradas para fora, a sentinela dormia a sono solto, ressonando alto como um justo. Bonifácia tirou mais alguns tijolos e conseguiu sair da prisão. Espreguiçou-se com a volúpia da liberdade. Junto ao soldado, encostada à parede, a espingarda reiuna de bandoleira branca. A escrava tomou-a e, agachando-se pela sombras dos ateiros, fugiu na direção do Cemitério de São Casimiro.

No dia seguinte, a notícia alvoroçou Fortaleza. O inspetor da Cadeia de Correição participou ao general José Joaquim Coelho, residente na província, o acontecido, declarando julgar seu presídio impróprio para guardar certos criminosos, pois as paredes eram feitas de "barro e tijolo", podendo ser "arrombadas até com um prego", e pedindo providências para ser tapado o buraco.

Rebuliço nos meios oficiais. A sentinela culposa a pão e água na solitária. O inspetor da Correição recebeu do carcereiro João José Saldanha Marinho o seguinte: "Participo a Vossa Senhoria que foi arrombada a cadeia das mulheres esta meia noite pela sentenciada Bonifácia, a qual se evadiu pelo mesmo rombo que havia feito, por se achar a sentinela dormindo, e de tal modo que deixou furtar a granadeira". E os pedreiros consertando o buraco entre as chufas dos basbaques que vinham admirá-lo. E as patrulhas de linha e de permanentes a percorrer os arredores da cidade, a bater os matos, a devassar areais e praias em busca da criminosa.

Dois dias depois, a 30 de julho, alguns soldados a agarraram no caminho da Jacarecanga para o Urubu, fingindo-se de lavadeira, com uma trouxa de roupa à cabeça. Voltou à prisão e foi algemada, ficando de sentinela à vista.

No dia 21 de setembro recolheram-na ao oratório e no dia 22 marchou para o patíbulo através das ruas principais da cidade, sob o ouro do sol radioso e o dolente badalar dos sinos. O carrasco Pareça segurava a corda, o juiz Samico mostrava-se imponente sobre um corcel alazão e o escrivão, ao lado, de vez em quando berrava:

- Justiça que manda fazer o júri da capital na ré Bonifácia, escrava de Joaquim Marques Vairão e assassina do filho deste, para que sofra na forca morte natural!

Seguia-se a leitura da sentença.

Antigo Arronches
A multidão rodeava a forca no Largo do Paiol em frente da muralha verde do mar que se interpunha entre a alvura puríssima das dunas e o azul luminoso do céu. Silenciosa, calma, com as pernas enfiadas numas calças velhas, a ré subiu os degraus do cadafalso. O carrasco tapou-lhe o rosto com um lenço e a enforcou.

Por que a cabocla Ana a teria denunciado? Única testemunha que precisou os fatos não teria caluniado a outra? O segredo, acusada e acusadora levaram para o túmulo, uma na fossa comum dos enforcados do antigo cemitério da Fortaleza, onde hoje se ergue a , a outra na vala dos deserdados de Arronches ou do Maranguape.


Fonte: Revista Excelsior (1940) - Gustavo Barroso
Crédito: Antônio Neto

domingo, 17 de outubro de 2021

Os homenageados nas ruas da cidade - Amélia Benebien - Parte XI

A Primeira médica nordestina

Amélia Pedroso Bembem¹ é nome pouco conhecido no Ceará, inclusive em sua cidade natal, Crato². Poucos ali sabem tratar-se da primeira mulher cearense e a segunda no Brasil a formar-se em Medicina, em 1889, pela veneranda Escola de Medicina da Bahia, a mais antiga do País. A primeira foi a gaúcha Rita Lobato, diplomada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, dois anos antes. 

Como boa parte dos vizinhos, seus pais deixaram Exu-PE e foram morar no Crato/Ce, na época a mais progressista cidade de todo o Cariri, extremo sul cearense. Ali nasceu, no Sítio Bebida Nova³, ao pé da Serra do Araripe (de propriedade de seu pai, agricultor e grande produtor de rapadura na região), em 6 de janeiro de 1860, Amélia Benebien (depois Perouse, sobrenome do esposo, Dr. Julio Perouse da Ponte, médico francês), filha de Umbelina Moreira de Carvalho e do coronel Joaquim Pedroso Bembem, parente de Pe. Cícero, afeita aos estudos.

Dez anos antes da Proclamação da República, um decreto (Lei Leôncio de Carvalho) permitiu às mulheres brasileiras estudarem nas Escolas de Medicina. Quando soube, suplicou aos pais para iniciar o curso na Escola de Cirurgia do Hospital Real da Cidade da Bahia, cuja Faculdade de Medicina fora criada em 1808. 

Ao término do curso, a cearense defendeu a tese que intitulou “Disposições anormais do cordão umbilical”.


Recorte da matéria de Ângela Barros Leal (O Povo, 22/11/ 1988), “A História do Ceará Passa Por Esta Rua”. A Rua Amélia Benebien se localiza no bairro do Papicu.


Rua em homenagem à Amélia 

E num lombo de um cavalo, aos 25 anos, acompanhada de dois escravos, partiu para Salvador, cortando de balsa o majestoso Rio São Francisco. Enfrentou o preconceito por ser mulher, cearense, num curso frequentado por filhos de abastados, brancos de todo o Nordeste, e para tal conviveu com seus cabelos curtos, machista, até a formatura em 1889, sem repetir uma cadeira.
Valeu a pena: primeira médica nordestina. E segundo conta a história, foi também a primeira mulher a exercer a Anestesia no Ceará
Amélia faleceu em 1953, aos 93 anos. 

Foto: Memória Histórica do Crato
A respeito da médica cratense, escreveu Figueiredo Filho

“De Crato, escondida à sombra da Chapada do Araripe, quando no Brasil não se falava em reivindicações femininas, ainda na monarquia seguiu, para estudar medicina, a moça Amélia Pedroso. Parte do percurso até alcançar os trilhos da estrada de ferro SalvadorJuazeiro da Bahia fazia-se em lombo de cavalo”. E, reportando-se ao pai de Amélia, para ele uma espécie de Diógenes matuto: 

"Certa vez, quando conduzia a filha do Crato ao São Francisco, acompanhada de dois escravos de confiança, parou o cavalo de súbito em cima da chapada do Araripe. Virou-se para a filha e disse: “Menina, você vive na escola com rapazes brancos e bonitos, mas nunca se perdeu. Pode viajar sozinha com esses negros, sem nenhum perigo. Vou voltar." Retrocedeu. Foi cuidar do engenho de rapadura no seu sítio pé-de-serra, Bebida Nova”.

Rua Amélia Benebien

¹ O escritor J. de Figueiredo Filho, autor do livro “Engenhos de Rapadura do Cariri”, cratense como Amélia, esteve com ela, em Salvador, em 1936. Visitou-a em casa. Ela já de idade avançada e viúva do cirurgião Julio Perouse Pontes, de ascendência francesa. Explica Figueiredo Filho como, com o casamento, ela passou a assinar Amélia Benebien Perouse. Alterou o sobrenome Bembem para Benebien, resultado da junção da palavra latina Bene, e do francês Bien. Na verdade, Bembem era apelido do seu pai que foi incorporado ao sobrenome de família. Com o nome de casamento, passou a ser conhecida na Bahia e com o qual a municipalidade de Fortaleza a homenageou no início dos anos 80, batizando uma rua com o seu nome, fato que até hoje, lamentavelmente, não ocorreu em sua cidade natal. 

² O jurista e escritor Raimundo de Oliveira Borges, em seu livro “Crato Intelectual”, focaliza a figura da Dra. Amélia e afirma fora a homenagem prestada pela edilidade fortalezense à primeira médica cearense, a ilustre cratense “teria desaparecido na voragem do esquecimento, lembrada quando muito pelos familiares...”.

³ Também conhecido como Lopes, o sítio ficava a pouca distância do centro da cidade do Crato e em volta dele dezenas de outras propriedades rurais eram dedicadas à produção de rapadura, que era vendida, em grande parte, para os estados de Pernambuco, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte. Houve época em que só no município do Crato havia mais de 200 engenhos de cana de açúcar, produzindo a melhor rapadura do País.

Leia também:



Fonte: Blog Fatos Históricos Mundo em debate/Portal da História do Ceará/1001 Cearenses Notáveis-F. Silva Nobre e Site Casa do ceara, do jornalista José Jézer de Oliveira (Crato).

sábado, 16 de outubro de 2021

Ginásio Paulo Sarasate - 50 anos

Construção do Ginásio Paulo Sarasate

O Cruzeiro 1971
Acervo William Beuttenmuller

O Ginásio Paulo Sarasate teve sua construção iniciada em 5 de maio de 1963, na gestão do ex-prefeito Murilo Borges. Localizado na rua Idelfonso Albano, 2050, o ginásio é fruto de um esforço desenvolvido junto ao governo federal através do então Deputado Paulo Sarasate garantindo mais de 70 milhões de cruzeiros, com os trabalhos perdurando todo o mandato do ex-prefeito José Walter Cavalcante (1967-1971).


Construção do Ginásio - Fotos de Nelson Bezerra

1971. Teto a ser montado do Ginásio Paulo Sarasate, inaugurado em setembro daquele ano. (Tribuna do Ceará). Acervo Lucas


Ginásio Paulo Sarasate em foto do jornal O povo de 1970. Acervo Lucas

Ginásio em 1972. Revista Manchete
Acervo Lucas

O nome do ginásio homenageia Paulo Sarasate Ferreira Lopes, ex- governador do Estado do Ceará. Foi inaugurado em 24 de setembro de 1971, pelo então prefeito Vicente Fialho e o governador do Ceará, César Cals, e contou com a presença de mais de 2 mil autoridades e convidados especiais e mais outros 15 mil espectadores. A partida de futebol de salão entre Sumov, Da Casa, e Palmeiras, marcou o evento de inauguração, terminando 2 x 1 para o time visitante. Durante o intervalo da partida, o maestro cearense Eleazar de Carvalho, um dos cinco mais celebrados regentes à época, foi homenageado com as medalhas da Abolição, através do Governo do Estado do Ceará, do Mérito Municipal oferecida pela Prefeitura de Fortaleza e do Mérito Cultural da Universidade Federal do Ceará.


Ginásio Paulo Sarasate, ano 1971.
Foto: Escritório Castro Mello Arquitetos.


Vista área do Ginásio Paulo Sarasate no ano de 1972. 
Revista Manchete

O Ginásio pertence à Prefeitura Municipal de Fortaleza. Nele funciona a Secretaria de Esporte e Lazer de Fortaleza, órgão responsável por sua administração. 

Foto do Ginásio Paulo Sarasate na década de 70. Acervo Renato Pires

Paulo Sarasate, ano 1975.
Acervo Ivanberto Pires

Segundo Delberg Ponce de Leon, o projeto original do Ginásio Paulo Sarasate é do Arquiteto Ícaro de Castro Mello, de São Paulo, e a grande obra de restauração e atualização executada na Administração do Dr. Juraci Magalhães foi projetada por seu filho Eduardo Castro Mello e o neto Vicente de Castro Mello, ambos arquitetos.

Um grande susto

No dia 25 de março de 1980, em consequência do desgaste natural da estrutura, a cúpula do ginásio cede. Felizmente, o fato ocorreu durante a madrugada, não havendo feridos com gravidade. Após reconstrução e reparos, o  ginásio foi reaberto em 14 de dezembro do mesmo ano, com um jogo de futebol de salão entre o Sumov e San Jorge, da Argentina.


Carreata da Campanha do Café Wal-Can, em frente ao Ginásio Paulo Sarasate na década de 70.


Ginásio Paulo Sarasate em outubro de 1983. Jornal O Povo

As duas últimas grandes reformas ocorreram entre os anos de 1997 e 2000, na gestão do ex-prefeito Juraci Magalhães, com o custo total da obra chegando a R$5.090.213,83. Com a modernização, o ginásio recebeu nova iluminação, sonorização, elevadores, setor de imprensa e tribuna de honra. As antigas escadarias, muito íngremes, que davam acesso ao anel superior, foram trocadas por novas escadas e rampas helicoidais, foram criados setores dedicados para pessoas portadoras de deficiência física, auditório, 06 (seis) vestiários, sendo 04 (quatro) para atletas e 02 (dois) para árbitros, sala vip, alojamentos, aumento nas dimensões da quadra poliesportiva para 20m x 40m, troca das cadeiras, corrimões, portões, além de nova comunicação visual.


Show de Raul Seixas, em 1989, terminou em desordem total. 
Jornal O Povo/Acervo Renato Pires


Baile Municipal para o povo, no Ginásio Paulo Sarasate, em 1986. 
Jornal da Manchete/Acervo Antº Neto

Fato curioso

A Prefeitura de Fortaleza só tomou posse de fato e de direito do terreno onde se encontra o ginásio, no ano de 2011, após decisão da 4ª vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, de acordo com o processo Nº 0092784-73.2008.8.06.0001, julgando procedente a ação de usucapião impetrada pelo ente público, por entender que o município vinha investindo no imóvel por quase 40 anos, através de reformas e eventos esportivos.


O Ginásio em 1979.

O Ginásio Paulo Sarasate já sediou vários shows, eventos públicos e desde 2012, reúne grande número de jovens na Academia Enem. Em 2020, o evento contou com 8 mil estudantes na aula inaugural daquele ano. 

Capacidade: 15.100 espectadores
Proprietário: Prefeitura Municipal de Fortaleza 
Administração: Secretaria de Esporte e Lazer – SECEL / PMF

Vista área do Ginásio Paulo Sarasate no ano de 1972. Revista Manchete

Antigo aspecto do Ginásio Sarasate. A Vila Monteiro ainda estava intacta. As escadas ainda eram as antigas, do tipo "nave da Xuxa". Só o pé de castanhola sobreviveu. Sim, ainda existe, está lá. A cerca era de estacas de concreto e arame farpado. 
Foto de Luiz Carlos Moreira

Alguns eventos marcantes:

  • 29/10/1971 - Apresentação do cantor Jerry Adriani, ídolo da juventude brasileira. 
  • 16/11/1971 - Grupo Harlen Globetroters, se apresenta no Ginásio Coberto Paulo Sarasate.
  • 06/10/1973 - O quadro da Associação Atlética Banco do Brasil - AABB sagra-se campeão cearense de futebol de salão de 1973, com a vitória sobre a equipe do Sumov.
  • 25/10/1974 - Eleita a Mais Bela Estudante de Fortaleza, a estudante Vera Maria Sales Espíndola, no Ginásio Coberto Paulo Sarasate.
  • 06/06/1976 - Eleita, entre nove candidatas a Miss Ceará 1976, no Ginásio Coberto Paulo Sarasate, Maria Imaculada Ciccareli de Almeida, do Bradesco. A Miss Fortaleza foi Nelise Bacelar Linhares.
  • 23/10/1982 - A equipe de futebol de salão do Sumov Atlético Clube, do Ceará, sagra-se campeã invicta da IX Taça Brasil ao derrotar a equipe do Huracán de Minas Gerais por 4x3. 
  • 04/04/1987 - Xuxa leva o seu Xou para o Ginásio Paulo Sarasate. Durante uma hora e meia, os baixinhos se esbaldaram com o espetáculo.
Crédito: Blog Ilha X

  • 14/03/1988 - A Legião Urbana estreava nos palcos de Fortaleza. A aguardada noite teve como cenário o Ginásio Paulo Sarasate.
Diário do Nordeste

  • 27/10/1990 - A Legião Urbana voltaria ao mesmo Ginásio Paulo Sarasate, naquele que foi, segundo relato da imprensa, "o show mais caro ano".
Legiao Urbana na chegada do antigo aeroporto Pinto Martins em 1990, lançamento do disco V da banda. Show no Paulo Sarasate. 
Acervo Wladimir Xavier

  • 23/03/2016 - Espetáculo A Paixão de Cristo é realizado no Ginásio Paulo Sarasate.
  • 27/02/2020 - A Prefeitura de Fortaleza e a Associação Cultural das Entidades Carnavalescas do Estado do Ceará (Acecce) realizam a apuração dos desfiles das agremiações carnavalescas da Avenida Domingos Olímpio.

Fontes: Wikipédia, Jornal O Povo, Diário do Nordeste, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo e pesquisas diversas


quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Os homenageados nas ruas da cidade - Heráclito Graça - Parte X

 

Heráclito de Alencastro Pereira da Graça (Heráclito Graça), era advogado, magistrado, jurista, político, jornalista e filólogo, nasceu em Icó, CE, em 18 de outubro de 1837.

Era filho do Conselheiro José Pereira da Graça, o Barão de Aracati, e de D. Maria Adelaide da Graça, e tio de Graça Aranha. Realizados os estudos primários e secundários, fez os preparatórios na cidade do Recife, onde se diplomou, em 1857, na Faculdade de Direito. Deixou, já como acadêmico, um rastro brilhante de sua extraordinária inteligência e dedicação aos estudos. Depois de formado, foi viver com a família no Maranhão, onde seu pai era desembargador. Exerceu a magistratura, começando como promotor de Justiça em São Luís. Findo o primeiro quadriênio, pediu demissão, consagrando-se à advocacia, à política e ao jornalismo.

Icó antigo. Acervo Clóvis Acário Maciel

Fez parte do Partido Conservador. Fundou A Situação, jornal em que defendeu as ideias do partido. Simultaneamente trabalhava num semanário literário que também tinha a colaboração de Joaquim Serra, Gentil Braga, Trajano Galvão e outros. Não só no jornalismo político, senão no literário, via-se nele o futuro mestre da língua, tal o cuidado e esmero com que escrevia e a paixão que tinha pelos estudos da Língua Portuguesa.

Maranhense adotivo, elegeu-o o Maranhão representante na Câmara da Província em duas legislaturas. Em 1868 foi eleito para a assembleia geral, legislatura 1869-1872; dissolvida esta, foi Presidente da Paraíba. Reeleito deputado para a legislatura 1872-1875, e para a seguinte, que também foi dissolvida; foi designado para presidir o Ceará em fins de 1874.

Hoje uma importante avenida de Fortaleza carrega seu nome.

Na Câmara, registrou-se a atuação que ele teve nos debates da reforma judiciária (1871), do recrutamento eleitoral (1875), da Lei do Ventre Livre. Na administração da Paraíba e do Ceará, exerceu o governo com correção e coerência a seus princípios. A probidade de caráter, a austeridade de suas medidas e a independência das atitudes o incompatibilizaram logo com as correntes políticas dominantes.

Avenida Heráclito Graça asfaltada depois de ter sido prolongada até a Avenida Barão de Studart. Registro de 1970. Crédito: Correio do Ceará/Acervo William Beuttenmuller

Foto ao lado:  "A avenida Heráclito Graça está totalmente mais segura, com placas de advertência com linguagem moderna e ampla sinalização luminosa, sem esquecer o gelo baiano que além de facilitar o tráfego, veio embelezar a avenida". Registro de 1972. Fonte: Gazeta de Notícias/Acervo William Beuttenmuller

Em 1877, voltou ao Rio de Janeiro, indo a princípio advogar em companhia de José de Alencar, de quem era grande amigo. Além de profundo conhecedor do vernáculo, era ainda jurista eminente, e, como tal, o Barão do Rio Branco convidou-o para advogado do Brasil nos tribunais arbitrais com o Peru e a Bolívia, sendo depois disso nomeado consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, cargo que ocupava quando faleceu¹.

Avenida Heráclito Graça nº 400. O ano é 1970. Fonte: Tribuna do Ceará /Acervo William Beuttenmuller

Além de tantas atividades, era no estudo da língua que ele encontrava a maior satisfação, anotando pacientemente os clássicos e mais sistematicamente o Elucidário de Viterbo, ao fim do qual escreveu: “O Elucidário contém 6.143 vocábulos, foram acrescidos 7.457, perfazendo o total de 14.600.” Isso mostra o seu grande saber e capacidade de trabalho, e também a sua modéstia, pois era avesso à publicidade do que escrevia e realizava. Mesmo o único livro que publicou, resultou de circunstância especial.

Avenida Heráclito Graça nos anos 70. Na ocasião, ocorria o desfile da campanha de divulgação do café Wal-Can.

Logo que apareceram os três volumes das Lições práticas da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo, o filólogo Heráclito Graça publicou no Correio da Manhã, de 26 de fevereiro a 16 de novembro de 1903, sob a epígrafe Notações filológicas, uma série de artigos de refutação àquele mestre, esmiuçando, com clareza e logicidade admiráveis, os problemas linguísticos por ele tratados, não só nos mencionados artigos, mas ainda nos que publicou no Jornal do Comércio, sob o títuloO que se não deve dizer

"Avenida Heráclito Graça ainda com o gelo baiano dividindo a pista, Posto de combustível Shell, Orelhão da Teleceará, veículos da época (Fusca, Kombi, Belina I, Brasília) e Revenda da Volkswagem onde observamos no piso superior a grande sensação da época, o esportivo MP Lafer". O ano é 1976. Fonte: Correio do Ceará/Acervo William Beuttenmuller

Em 1904, reuniu em volume o que ele próprio chamou de meus pobres reparos a alguns pontos filológicos e vernáculos do Sr. Cândido de Figueiredo no livro intitulado Fatos da linguagem: esboço crítico de alguns assertos do Sr. Cândido de Figueiredo.

Segundo ocupante da cadeira 30, foi eleito em 30 de julho de 1906, na sucessão de Pedro Rabelo, e tomou posse por carta em 11 de julho de 1907.


¹Heráclito Graça faleceu a 16 de abril de 1914, no Rio de Janeiro, desempenhando de último as funções de Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores.


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sábado, 9 de outubro de 2021

Messejana - Quando os caminhos eram veredas

 

O. Justa 1919

O processo de assentamento das populações que mais tarde dariam origem a Messejana teve início quando o território cearense recebeu as primeiras incursões organizadas, tanto a mando da Coroa Portuguesa, quanto pela Igreja Católica. Cada incursão tinha objetivos diferentes e, ao longo do caminho, deparava-se com diversas etnias, nativas ou recém-chegadas, de outros pontos do território brasileiro, principalmente do Nordeste.

Em meio a essa diversidade, destacava-se a população de nome Potiguara, estabelecida no litoral cearense depois de enfrentar inúmeros conflitos na região onde hoje está situado o estado do Rio Grande do Norte. Dessa presença é atribuída a expressão Ceará, nome dado mais tarde ao rio que fica na divisa entre Fortaleza e o município de Caucaia, expressão trazida por eles, replicando nome de rio existente em sua terra natal.

Antiga Estrada de Messejana


No entanto, uma das principais concentrações de nativos entre o final do século XVI e início do século XVII dava-se na Serra da Ibiapaba, interstício entre o Ceará e o Maranhão. Este último contando com significativa presença francesa, fato motivador do envio da expedição de Pero Coelho às veredas cearenses, cujo intuito era o de garantir o julgo português sobre aquela estratégica região.

Essa tentativa, ocorrida a partir de 1603, logrou certo êxito, principalmente ao derrotar os inimigos de seu intento em algumas batalhas. Contudo, a condição não lhe era favorável devido à escassez de recursos para sobrevivência, falta de estrutura e clima hostil, fatores que somados à tentativa de dar sequência à sua campanha, visando a expulsão dos franceses do Maranhão, tenha resultado na
mitigação de suas forças, obrigando-o a retornar com seu séquito para a região próxima ao Rio Ceará.

Estrada de Messejana - O. Justa 1919

No esteio desse insucesso, seguiu outra malograda expedição quatro anos depois, agora comandada por padres jesuítas sob o pretexto de “ganhar almas” para a
Igreja Católica. Tendo à frente os Padres Luís Figueira Francisco Pinto, essa tentativa de instituir um processo de “civilização” desembarcou na foz do Rio Jaguaribe, em fevereiro de 1607, iniciando ali uma longa jornada de um mês, culminando com sua chegada à enseada do Pará, região próxima ao atual município de Parucuru. Ali, eles passaram cinco dias juntos a alguns índios, preparando-se para a subida da Serra da Ibiapaba, com objetivos específicos,
e sempre focados nos interesses da Coroa Portuguesa.

A Messejana dos anos 20. Acervo Museu da Imagem e do Som


Depois de outra extenuante caminhada, o grupo liderado pelos religiosos alcançou a região da Serra da Ibiapaba, onde adensavam-se várias etnias. Lá, os padres
passaram a aprofundar os seus trabalhos de catequese.
Infelizmente, no início de 1608, um ataque desferido por índios Tocarijus resulta na morte do Padre Francisco Pinto e, consequentemente, na fuga antecipada do Padre Luís Figueira para a mesma região onde a combalida expedição de Pero Coelho estivera anos atrás.
Estabelecido após o infortúnio e martírio do colega, o Padre Luís Figueira organiza um pequeno ajuntamento que ele denomina em seus relatos de “Aldeia de São Lourenço”, por ter sido fundada no dia em que o dito santo é homenageado pela Igreja Católica. Esse refúgio serviu de abrigo ao padre até o seu embarque,
deixando para trás as lembranças daquela infeliz viagem, tudo exposto no documento intitulado “A Relação do Maranhão”.


As duas tentativas desastrosas de estabelecer o domínio 
português no Ceará não contribuíram substancialmente para indicar o início de um processo de povoamento denso da região, tendo em vista que antes do europeu já habitavam aqui populações nativas e recém-chegadas, como é o caso da etnia Potiguara.  
Apenas entre 1611 e 1612, com o retorno de Martim Soares Moreno ao Ceará como seu Capitão-Mor, observa-se o florescimento da ocupação do litoral a partir da construção, por obra do próprio Martim, de uma ermida em homenagem a Nossa Senhora do Amparo e de um fortim na embocadura do rio Ceará, passando essa edificação a servir como um dos pontos de ancoragem daquele litoral.


Esse estabelecimento português acontece de forma mais tranquila devido à relação amistosa entre o fidalgo português e o chefe Jacaúna, liderança dos potiguaras em
território cearense, conhecida por Martim Soares Moreno desde a sua passagem junto à comitiva de Pero Coelho, amizade cultivada devido à forma como o Capitão-Mor respeitava seu povo, o que era facilitado pelo conhecimento que tinha da língua dos índios.
Jacaúna e seu povo foram trazidos da região do rio Jaguaribe até o Forte, a convite de Martim, para habitarem próximos ao rio Ceará, onde ficava a base de operação da ocupação portuguesa. O objetivo era ajudar na construção das estruturas necessárias para a manutenção da população e resguardar a região contra o ataque de tribos arredias à presença estrangeira. A aldeia de Jacaúna distava do referido
Forte cerca de meia légua, aproximadamente três quilômetros, onde hoje temos a fronteira entre o bairro da Floresta e Álvaro Weyne, em Fortaleza.

Antiga Estrada de Messejana. O. Justa 1919

Seguido a esse momento, em 1613, Martim Soares Moreno deixa o Ceará para se dedicar a outras missões em nome da Coroa Portuguesa, só retornando em 1621,
passando então mais uma década junto ao amigo Jacaúna, repelindo ataques às tentativas de afirmação portuguesa na região. Em 1631, Martim deixa em definitivo o Ceará para combater a ameaça holandesa que avançava sobre os interesses lusitanos.
É notável a participação potiguara nos acontecimentos que movimentaram o início do século XVII no litoral cearense, contribuindo em muito nos primeiros passos dados a caminho da consolidação do adensamento da região. De forma menos agressiva, essa etnia mantinha relações de negócios com os portugueses desde as tensões no Rio Grande do Norte, fato que ajuda a estabelecer o julgo colonial no Ceará. Contudo, dentro desse grupo social e cultural brotou o interesse em afastar os portugueses, tendo como causa o histórico de massacres e humilhações, 
inclusive por meio da escravidão contra os índios.

Estrada de Messejana. O. Justa 1919

Nesse cenário, fortalece-se a figura de Amanay, ou Algodão, filho de Jacaúna, que opera junto aos holandeses e outras lideranças nativas, formando uma aliança cujo resultado é a expulsão dos portugueses do Ceará no ano de 1637 e, por conseguinte, a tomada do Forte de São Sebastião, na Barra do rio Ceará. Nesse momento, inaugura-se um período que duraria até 1644, quando ocorre um grande massacre de holandeses por conta da insatisfação dos índios e em represália as mesmas práticas utilizadas pelos portugueses contra suas populações.
Depois de vários conflitos, o lugar do Forte é transferido pelo holandês Mathias Beck para a atual localização da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, situada às margens do majestoso Rio Pajeú, que naquela época corria de beira à beira, fato esse acontecido em 1649.

Estrada de Messejana. O. Justa 1919

Nessa altura, Portugal atua para restaurar sua primazia. Para tanto, aproveita as falhas cometidas pelos invasores do momento para incitar as tribos, promovendo,
assim, a desestabilização do domínio holandês, fato esse dado por encerrado no ano de 1654, devolvendo o controle daquelas terras à Coroa Portuguesa. Por conta disso, algumas populações que apoiaram os holandeses no primeiro momento, inclusive os potiguaras de Amanay, mantêm-se afastadas da região do forte, possivelmente com receio de novas represálias por parte dos portugueses.

Nesse meio tempo, visando evitar os problemas que envolviam um cenário de conflito e tensão, a Coroa Portuguesa se previne contra novas rebeldias, impedindo
qualquer atividade que pudesse configurar revanche contra os apoiadores dos holandeses, sem deixar de manter as estratégias de controle destinadas aos povos nativos. Esse novo contexto favorece a organização do território cearense,
culminando com o surgimento bem definido das três aldeias do forte: Parangaba, Paupina e Caucaia.


Messejana / Edmar Freitas - Fortaleza: Secultfor, 2014. Coleção Pajeú