O cinema nas primeiras décadas do século XX chegou a ser considerado maléfico, sendo alvo de discussões médicas, devido aos efeitos que a trepidação poderia ocasionar à saúde ocular:
"O fenômeno da trepidação foi notado em outros lugares. Os médicos russos, segundo Yuri Tsivian, declararam guerra contra a “cegueira do cinema”, supostamente provocada nos espectadores pelos problemas com a fixação da imagem, deixando os exibidores em pânico. A medicina brasileira também se debruçou sobre os efeitos considerados daninhos das projeções, e os médicos procuraram malefícios durante todo o período mudo, fosse pela exposição dos olhos às imagens por demais iluminadas, fosse pela sala de exibição funcionando demasiado escura. A Gazeta Clínica, 1909, comentava que o cinema não era um causador de lesões oculares, mas provocador de outros danos, fotofobia, lacrimejamento e, nos casos mais graves, conjuntivite. A “imperfeição dos clichês” (os fotogramas), a posição do espectador em relação à tela e a predisposição individual foram os fatores apontados para as ocorrências clinicas. A trepidação estava no centro do problema: as “imagens fortemente
iluminadas determinam uma fadiga mais rápida. Como causas dessas perturbações apontam-se as cintilações e as trepidações que se vêem nas imagens animadas”. Quando melhoramentos técnicos na perfuração da fita de celulóide e nos obturadores dos projetores foram agregados aos últimos modelos, foi possível dar mais conforto aos espectadores, mas as queixas não se encerraram. A prevenção aos males podia ser feita, recomendando-se a utilização de óculos com lentes azuis, amarelas ou vermelhas."
SOUZA, José Inácio de Melo. Op. Cit., p.127.
Além de ser considerado prejudicial à visão humana, o cinema também era considerado nocivo pelo fato de ser mudo, como ressalta um jornal brasileiro:
"Em 1911, O Independente também alertava para possíveis doenças ocasionadas pelo cinematógrafo. Pelo fato de o cinema ser mudo, o espectador teria que fazer um esforço mental muito grande para traduzir as cenas, o que poderia trazer efeitos nocivos ao cérebro devido a um enorme “esforço de imaginação”.
"Em 1911, O Independente também alertava para possíveis doenças ocasionadas pelo cinematógrafo. Pelo fato de o cinema ser mudo, o espectador teria que fazer um esforço mental muito grande para traduzir as cenas, o que poderia trazer efeitos nocivos ao cérebro devido a um enorme “esforço de imaginação”.
STEYER, Fábio Augusto. Op.Cit., p.207.
Anúncio do Cinema Pathé
No Rio de Janeiro, por exemplo, a propaganda de algumas salas era reforçada justamente pela qualidade da projeção, uma vez que a questão técnica no cinema, era alvo de tantas discussões no Brasil e no mundo:
CINEMATOGRAPHO “PATHÉ”
Empreza Arnaldo & C.
AVENIDA CENTRAL, 147-149
PROJECÇÕES
LUMINOSAS
ANIMADAS, CLARAS E
ISENTAS DE TREPIDAÇÃO
DOIS PROGRAMAS DIVERSOS POR SEMANA
NOVIDADES! SEMPRE NOVIDADES!
SOUZA, José Inácio de Melo. Op. Cit. p. 252.
Sala de espera do Cinema Pathé - Arquivo do Museu da Imagem e do Som
Na capital cearense, nos deparamos com um anúncio da venda de um aparelho de projeção
cinematográfica, em que o principal atrativo é a qualidade técnica e a segurança do mesmo:
CINEMA
Vende-se um próprio para o interior ou collegio, porque funcciona com qualquer
luz electrica ou sem ella, tendo projecção nitida e sem perigo. Tem 50 fitas,
algumas de grande metragem, apparelhos para concertal-as, magneto,
resistencia, etc.
Preço único 1:500$.
Para ver e tratar á rua Senador Pompeu, n.54.
Correio do Ceará, 17 de outubro de 1929, p. 8.
Neste anúncio do final da década de 1920, a qualidade do equipamento é medida pela sua capacidade de nitidez na projeção e pela ausência de perigo. Assim como, no anúncio do Cinematographo Pathé no Rio de Janeiro, aqui também é a inexistência de malefícios à saúde humana que qualifica o equipamento.
Percebemos que a questão técnica perpassa as discussões sobre o cinema no início do século XX, seja no que concerne as projeções defeituosas e aos malefícios que as mesmas poderiam ocasionar à saúde humana, seja pela própria produção técnica das fitas, como afirma Meize Regina:
"A avaliação das fitas recaía frequentemente sobre o aspecto técnico. A comparação com o similar estrangeiro será uma constante e estará desde então presente na avaliação da atividade cinematográfica no país, adquirindo em cada momento um significado diferente. Nesse momento não existe uma discussão em termos estéticos e sim uma abordagem que tem como preocupação discutir a competência técnica para a confecção de uma fita."
No artigo Sodoma e Gomorra, a reclamação sobre a deficiência técnica dos aparelhos de projeção foi reforçada pela crítica ao ato de fumar, o que se repetia constantemente nas salas de cinema da capital cearense.
O articulista ressalta de forma irônica que na exibição do filme Sodoma e Gomorra
“... excessos de toda a ordem ali appareceram em tintas vivas e fortes...” O interessante é que o filme era em preto e branco, mas a expressão “ tintas vivas e fortes” é utilizada para relacionar os excessos do que era exibido na tela com o que acontecia na sala, antes e durante a sessão cinematográfica.
Apenas no ano de 1934 é que veio a ser lançada a primeira película colorida, com o filme norte-americano La Cucaracha, por meio do sistema technicolor. Até então, o que vigorava era a predominância de filmes em preto e branco.
Apenas no ano de 1934 é que veio a ser lançada a primeira película colorida, com o filme norte-americano La Cucaracha, por meio do sistema technicolor. Até então, o que vigorava era a predominância de filmes em preto e branco.
No entanto, apesar da supremacia das películas em preto e branco, havia por parte da firma francesa Pathé Fréres, a prática de colorizar quadro a quadro algumas de suas fitas, isso antes da década de 1920. Neste decênio, alguns filmes norte-americanos sofreram o processo de colorização, mas apenas de alguns trechos da fita. Ou seja, o filme era como um todo em preto e branco, tendo apenas algumas poucas cenas colorizadas.
Alguns destes filmes colorizados foram exibidos na capital cearense. A predominância dos filmes em preto e branco é demostrada pelos raros filmes colorizados. A seguir, listamos alguns filmes parcialmente colorizados, por processos pioneiros e experimentais, com o seu respectivo ano de exibição em Fortaleza:
No Brasil, o processo de colorização de alguns filmes também era utilizado no início do século XX. Apesar dos filmes em preto e branco prevalecerem, a cor não ficou, por completa, ausente das fitas nacionais:
"Nesses primórdios, sua utilização ocorre através da coloração artificial, parcial ou total do negativo, e, mais frequentemente, das cópias. Existem dois procedimentos básicos: pintar livremente a mão detalhe por detalhe, fotograma por fotograma, e submeter a película ou a um banho de anilina, conhecido por tintagem, ou a um banho químico, conhecido por viragem, fixando-se, nesses casos, uma única cor por plano, cena ou seqüência, dependendo do material e das escolhas feitas pelo realizador. Por ser uma especialidade da indústria cinematográfica francesa, o colorido a mão tem parcos exemplos no cinema brasileiro. Em função de suas ligações com a PATHÉ, a família Ferrez envia a partir de 1908 cópias de alguns títulos para serem colorizadas na capital francesa, caso de A mala sinistra, que terminava em uma “apoteose colorida”. (...) a tintagem predomina nos primeiros tempos, por exemplo em alguns filmes de Afonso Segreto, e a viragem a partir de meados da década de 10 (...) Na década de 20 a maior parte dos filmes brasileiros incorpora as viragens, incluindo sua codificação simbólica (vermelho para cenas de paixão, verde para cenas de idílio amoroso, amarelo para cenas de tristeza, em enorme variedade cromática e de significados), distinguindo-se os resultados alcançados pelos laboratórios da BENEDETTI FILM (Brasa dormida, barro humano) e da INDEPENDÊNCIA OMNIA FILM (Vício e beleza, Fogo de palha)."
Apesar de contundentes críticas, como a do artigo Sodoma e Gomorra, Luiz Severiano Ribeiro terminava a década de 20 expandindo-se comercialmente, atuando na exibição cinematográfica com salas do Acre a Recife. No Rio de Janeiro, instala várias salas de cinema, onde destacamos o “Cine São Luiz”, inaugurado em 22 de fevereiro de 1937, no Largo do Machado.
Na década de 30, a atividade de exibição cinematográfica será controlada por dois empresários: Serrador e Severiano Ribeiro. A força desses exibidores reside, fundamentalmente, nas boas relações comerciais que mantêm com as empresas distribuidoras norte – americanas. Outro detalhe interessante está no fato de controlarem os principais territórios cinematográficos do país: Rio de Janeiro e São Paulo.
Cine Diogo - Anos 40 - Arquivo O Povo
Em Fortaleza, nos anos 40, inaugura o “Cine Diogo” e, nos anos 50, o “Cine São Luiz”. Mesmo não sendo nosso objetivo adentrar nas décadas seguintes na análise da atuação de Severiano Ribeiro, pois nos concentramos nos anos de 1920, é significativo mencionarmos que, após este decênio, ele se consolida como um dos maiores exibidores cinematográficos do Brasil.*
A Praça do Ferreira com o belíssimo Cine São Luiz - Anos 70
*Luiz Severiano Ribeiro transfere para seu filho o comando das empresas, vindo a falecer no dia 1º de dezembro de 1974, aos 89 anos de idade, no Rio de Janeiro.
Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva
PARABÉNS!!!
ResponderExcluirEnvio minhas congratulações a vc, viajei pelo passado de nossa cidade maravilhosa. E mais quando vi LUIS ANTONIO (Aurineide Camurupim) gostei mais ainda, tive a honra de te-lo como meu funcionário em minha serigrafia, se bem que ele já nasceu artista rssss.
Grande Abraço
Marcos Prado (mmcomunicacao@hotmail.com)
Muito obrigada, querido!
ExcluirTenho certeza q o Luis Antônio ficará muito feliz em ler seu gentil comentário. Mas vc tem razão, ele já nasceu artista! :)
Forte abraço