Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Manoel de Oliveira Paiva
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



Mostrando postagens com marcador Manoel de Oliveira Paiva. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Manoel de Oliveira Paiva. Mostrar todas as postagens

domingo, 9 de setembro de 2012

Olhares sobre a praia através da literatura


"Defronte da avenida o mar, na sua aparente imobilidade, tinha reflexos opalinos que deslumbravam, crivado de cintilações minúsculas, largo, imenso, desdobrando-se por ali fora a perder de vista, e para o sul, muito ao longe, a luz branca do farol tinha lampejos intermitentes, de minuto a minuto. No porto a mastreação dos navios destacava nitidamente, inclinando-se num movimento incessante para um e outro, com oscilações 
de um pêndulo invertido."

Adolfo Caminha

Alvarenga e catraia (embarcação menor). Arquivo H. Espínola

Durante o século XVII, a praia era frequentada pelos grupos da elite econômica que desejavam fugir da melancolia e da solidão. Então, a praia passou a ser o local de conversas ou de retiros e meditações e da manutenção ou da busca pela saúde. Nesse sentido, o mar ganha feições terapêuticas e o banho de mar passou a exercer importante papel nos tratamento de enfermidades.

A praia é o lugar que ganha sentido de espaço a partir dos seus frequentadores como: banhistas, turistas, curistas e trabalhadores. Dessa maneira, para compreendermos a praia como um espaço de sociabilidade, podemos nos remeter também aos passeios de Maria das Dores na direção da Praia do Mucuripe, uma das personagens principais do livro 'A afilhada'. Assim, Manoel de Oliveira Paiva aponta suas impressões sobre a praia e seus moradores:  

"...Subiam à Maria das Dores desejos de largar-se por ali afora, curiosamente, como se por trás de cada morro se preparassem novas paisagens, como se novas praias beirassem outros mares e regiões de outra natureza. Arrancharia nas povoações plantadas do coqueiro, nos arraiais de pescadores, nas palhoças metidas na areia como no gelo a cova dos esquimós; espraiaria-se-ia como aquelas ondas de mar, de vento, de céu, de poeira nevada.
A terra parecia findar-se na duna enorme de ponta Mucuripe, de onde descia uma alvura vagamente corada pelos tons das nuvens.
Sob o fundo dos coqueiros da povoação, viam-se branquejarem as velas das jangadas empoleiradas no seco e saídas da pesca: um acampamento de alvas barracas pontudas no poeiramento de crepúsculo. A praia vinha acompanhada, longe de uma linha escura de matos e de sítios, aqui fugindo para trás de um morro de pó, ali aparecendo como os cabelos de uma calva incompleta. E uma duna, de cimácio quase reto, encostando no escuro anil do sul, era como o dorso de um oceano de leite. Da areia porejava uma 
frescura conformativa. Porém, as educandas chegaram até a povoação. A irmã disse que já estavam muito afastadas do Meireles, e que era preciso voltar.  Descansaram num dos botes, jangadinhas a remo para um só tripulante. Maria das Dores, com a irmã, sentaram-se no banco do remeiro. Veio-lhe de súbito um desejo de ir-se naquela jangadinha pelo mar adentro, e puxou a sua ex-preceptora a conversar sobre viagens."

Vista de 1950 - Dunas do Mucuripe (hoje é o Serviluz) e a orla do Meireles sem prédios. IBGE

Para Maria das Dores o passeio pela praia proporcionou-lhe momentos de contemplação e prazer, chegando a enxergá-lo como espaço de liberdade, pois poderia conhecer outros lugares através da viagem pelo mar. O espaço da praia para Das Dores era marcado pela beleza da paisagem natural e as intervenções humanas. Essa era uma visão do século XIX que compreendia a praia como espaço que favorecia o bem-estar das pessoas. Após o passeio, Maria Das Dores passou a observar a praia e o mar com olhos mais sensíveis: “Gostava de avistar os caminhantes, lá por longe, pela beira da praia, meio ocultos pela ribanceira do areal, e fitava agudamente o ponto branco das jangadas na risca do mar”.

A praia, com o decorrer dos séculos, passou a ser utilizada para a manutenção da saúde, fundamentada pelo discurso médico vigente, o que provocou um afluxo de enfermos que buscavam a cura de doenças, em sua grande maioria de membros das classes dominantes, tomados pela tristeza, melancolia e, passaram a ter nos contatos com as ondas, uma maneira de tratamento médico.

No  livro Mississipi, Gustavo Barroso descreve que “os bandos que buscavam as praias movimentavam-se a ida, mal caía à noite, e regressavam para a ceia o mais tardar às oito horas”. Enquanto alguns iam à praia ficavam as senhoras a preparar o jantar, pois diziam que o banho de mar abria o apetite, e também ajudava na cura de doenças como o beribéri, pois tinham a idéia da função terapêutica do mar.
Os médicos e higienistas do século XVI já pensavam na importância do contato com a água do mar e a contribuição à saúde das pessoas através de diferentes ambientes, não somente nas praias, mas também nas montanhas, para fugir das transformações da “vida moderna” que se avizinhava. Para os higienistas, a praia representava limpeza e a diminuição da proliferação das epidemias.
Além da utilização para fins terapêuticos, o mar era um espaço de sociabilidade. Afinal, as pessoas passaram a ter o hábito de se reunirem nas “noites de lua” para ir à praia, pois esse horário era recomendado pelos médicos, principalmente aos indivíduos escravos do conforto, que não sabiam andar senão sobre tapetes; em outras palavras, as pessoas “presas ao luxo”:

Arquivo H. Espínola. Antigo trapiche Ellery.

"As meninas, moças e senhoras, acompanhadas de mucamas e moleques, guardadas pelos homens da casa, de cabelos caídos aos ombros, saia e blusas, arrastando chinelas, desciam pelas ladeiras do Gasômetro, da rua de Baixo, do Boris e da Conceição para as praias da alfândega e do Pocinho. 
Na primeira sobre o costão arenoso, alinhava-se uma dezena de barraquinhas de madeira, construídas por gente de recursos, nas quais se operava a mudança de roupas. Quem não possuía um desses refúgios, despia-se e vestia-se na própria praia, por trás duma empanada de lençóis estendida pelas criadas. A ocasião era propicia para certos namoros breves recados dos coiós, mas com os maiores cuidados, porque pais e irmãos vigiavam ciosamente o mulherio. Os costumes da época obrigavam os homens a se banharem separados das mulheres, que usavam sungas de baeta grossa geralmente vermelha, as mangas chegando aos punhos, as calças descendo até os tornozelos e a gola afogando o pescoço. Não se via, afora a cabeça, as mãos e os pés, um tico de carne."

Segundo Gustavo Barroso, os banhistas precisavam pegar o último bonde de nove horas, descrevendo a maneira que as mulheres saíam do banho e eram acompanhadas por meninotes que carregavam as roupas molhadas que pingavam pelos passeios. Enquanto ocorriam essas movimentações na praia “a lua boiava alta, muito redonda, no céu limpíssimo”.

João Mississipi, personagem principal do romance, guardava na sua memória as paisagens de Fortaleza, proporcionando-nos um passeio pela cidade e ressalta a pobreza marcante da sua cidade natal. Assim Barroso descreveu suas lembranças:

"...dava-lhe o pensamento ganas de voltar rapidamente ao Ceará e rever aquilo. 
Mas logo encolhia os ombros magros ao sentir que dessa paisagem, tão viva na memória, as figuras humanas - mãe e os irmãos - tinham desaparecido para sempre e os aspectos materiais já não eram os mesmos."

Para João Mississipi, as paisagens apesar de terem sido modificadas, permaneceram imutáveis e vivas na sua memória. Mesmo depois de cego, afirmava conhecer toda a cidade de Fortaleza e guardava-a na memória, ressaltando que “agora” precisava conhecê-la através do olfato, devido à cegueira.
Na descrição de Barroso, a partir do Porto ou da “terra firme”, essa era a visão que se tinha do mar:

"Além da alfândega nova, montado sobre estacas, ficava o trapiche da Guardamoria. Nas grandes marés de agosto, as ondas venciam o costão arenoso e se espraiavam debaixo daquela comprida construção de madeira pintada de azul. Corria paralela, vencendo um maceió do poço da Draga, ultima vestígio do projetado porto, uma grande ponte de ferro que unia a Alfândega ao quebra-mar atolado no areal."

A partir desta descrição da região portuária, podemos perceber a visão que os trabalhadores catraieiros tinham do mar através das suas ações cotidianas do trabalho. 

No romance 'A Normalista',  percebe-se a presença marcante do mar na dinâmica da cidade, quando Adolfo Caminha descreve o vai-e-vem de pessoas no Porto e na praia:

"O tempo estava magnífico. Ventava forte e o mar em ressaca atirava sobre o quebra-mar uma toalha de espuma que se desmanchava em poeira tenuíssima irisada pelo sol. A cada golpe de mar havia uma algazarra na praia coalhada de gente. Escaleres navegavam para terra puxados a remo, destacando a bandeira do escaler da Capitania do Porto."  

Foto do Poço da Draga em 1932

Visualizamos a praia como sendo um espaço marcado pelo movimento dos trabalhadores, passageiros e transeuntes, que admiravam o movimento das águas. Para esses trabalhadores o mar podia ser visto como local fundamental para a retirada do sustento da sua família e local de dura rotina de trabalho. Ou seja, ao mesmo tempo em que era fonte de vida, era também de cansaço. Daí a pertinência de afirmarmos que “nada pior que o mar para cansar um homem, por mais forte que seja”.
E o catraieiro, ao transportar carga e pessoas sobre a água, tinha que possuir além da força física, habilidade para esse trabalho, além de depender das condições da embarcação que manobrava para realizar de maneira satisfatória sua função. 
Porém, os fatores abordados anteriormente estavam à mercê do “humor” da natureza, como no caso do barco “São Raphael” que precisou de um “comcerto urgente, ou seja rebaixar as bordas, pois altas como são, não se presta para o serviço de transporte de sal, porque no balanço, bate contra  navios e arrebetam-se como de facto se acham...” (MOREIRA, Trajano. Telegrama Aracaty - Fortaleza, 17 de novembro de 1903. Documentação da Casa Comercial Boris Frères.)

Esses trabalhadores estão diante de mais uma relação de tensão, posto que o mar se apresentava de maneira dual através dos aspectos favoráveis e desfavoráveis na lida diária. O mar, local de onde retiravam o sustento da família, era também marcado pelas batalhas cotidianas para dominar a embarcação e realizar o transporte das mercadorias sem provocar prejuízos ou até mesmo acidentes no trabalho. 
Com as lutas, diante do movimento das marés, o catraieiro, na sua atividade diária, precisava saber lidar com as adversidades causadas pela força dos ventos, elemento fundamental para o funcionamento da pequena embarcação, muito susceptível às ventanias. Como podemos perceber na descrição do serviço de carregamento do escaler “São Raphael” para bordo do Vapor Grão-Pará que foi prejudicado devido às dificuldades impostas pela força dos ventos.

"Na primeira viagem que dei, foi-me precizo fundar a noite para entrar no outro dia, devido ao mar e forte ventania sucedendo porem partirem-se as 2 amarras, e correndo porem grande risco de naufrágio fora da barra, consegui salvar o “S. Raphael”. (MOREIRA, Trajano. Telegrama Aracaty - Fortaleza, 17 de novembro de 1903. Documentação da Casa Comercial Boris Frères.)

Serviço de carga e descarga dos navios, através de alvarengas, 
escaleres e catraia na década de 1930. Arquivo H Espínola.


Apesar das nossas limitações para identificar a visão dos trabalhadores catraieiros sobre o mar de Fortaleza, partimos da idéia de existirem adversidades impostas pela natureza e que estas fizeram parte das experiências vivenciadas pelos catraieiros no Porto, de modo que foram fundamentais para a elaboração de uma percepção sobre a importância do mar nas suas vidas.



“Todo cais é uma saudade de pedra”: Repressão e morte dos trabalhadores catraieiros
(1903-1904) - Nágila Maia de Morais

terça-feira, 13 de julho de 2010

Manoel de Oliveira Paiva - A inspiração


A mulher que serviu de inspiração para o Romance D. Guidinha do Poço.


Absolvição de Marica Lessa


Maria Francisca de Paula Lessa (Marica Lessa), conhecida no romance como Dona Guidinha do Poço, era uma rica senhora que detinha sob seus poderes grandes fazendas no município de Quixeramobim, no século passado. Era casada com o Coronel Domingos Vítor de Abreu Vasconcelos (...) a primeira pessoa a inaugurar a cadeia pública do munícípio. Segundo alguns autores, o prédio tinha sido construído por ela.

Graça Braga levanta a tese contrária aos resultados das investigações sobre a tragédia, de que Dona Marica Lessa não haveria mandado matar o marido.

Graça Braga lança seu terceiro romance, “Absolvição de Marica Lessa”, onde vislumbra a possibilidade de reverter um crime histórico que movimentou o Sertão Central cearense a 150 anos. Nascida em Quixeramobim, a escritora conta que sempre foi fascinada pela história de sua conterrânea, uma latifundiária condenada a 30 anos sob a acusação de ser mandante do assassinato do ex-marido.

FICÇÃO LIBERTÁRIA


Pode sim a ficção transformar a realidade. Os exemplos são muitos, no terreno da literatura, do teatro, do cinema. Em geral, a intenção dos recriadores é desvendar alguns aspectos mais simpáticos da biografia de seus assuntos. Com a escritora Graça Braga, não foi diferente. Conhecendo a história da sua conterrânea desde os treze anos, a escritora tratou de dar-lhe um alento que ela teve, após ser acusada e condenada por um crime. Uma história que manchou o passado da pequena Quixeramobim, há 150 anos. Tempo em que seu filho mais ilustre, Antonio Conselheiro, era apenas um afilhado da personagem redimensionada por Graça Braga no romance histórico “Absolvição de Marica Lessa” (...)
Para recontar a história dos dias mais terríveis da vida de Maria Francisca de Paula Lessa, mais conhecida como Marica Lessa, Graça Braga percorreu algumas dimensões do tempo e do espaço. Foram sete anos de pesquisa, entre jornais, referências bibliográficas e depoimento orais, recuperados na própria Quixeramobim. Mas o interesse pelo assunto foi despertado ainda em sua adolescência, quando a escritora percebeu a possibilidade de proporcionar uma nova chance à latifundiária, invejada e abandonada por quase todos os seus conterrâneos, como uma vítima da ignorância e do machismo de uma sociedade.
Herdeira do Capitão-mor José dos Santos Lessa, Marica foi educada com os brios de uma formação rigorosa. Generosa com os muitos retirantes que se deslocavam pelo Sertão Central, Marica era invejada por sua discrição e suas maneiras finas. Segundo Graça Braga, a tragédia de sua vida tem início em 1827, quando ela é desposada por um aventureiro, o Coronel Domingos Vítor de Abreu Vasconcelos. O casamento de interesse logo trouxe decepções e o desquite, pedido pelo próprio “coronel”, sob a falsa alegação de adultério.
Com metade dos bens herdados por Marica, Domingos Vítor vivia esbaldando os recursos obtidos graças à sua conquista, também gastos para sustentar os luxos de sobrinhos, vindo de Pernambuco e que diziam ser um parricida fugitivo. As coisas estavam nesse estado, até que um afilhado de Marica, Manoel Ferreira do Nascimento, conhecido apenas como Corumbé, assassinou o novo latifundiário. Diante do temor de ser enforcado, sua única reação era repetir o nome da madrinha, na esperança de que fosse salvo por ela.
Coadunado com a polícia, Antonio da Silva Pereira, o sobrinho do Coronel, acabou propagando que Marica era a mandante do crime atiçando na população a ira contra a senhora que não tinha mais ninguém que lhe valesse os interesses. Apenas uns poucos empregados e amigos, ousaram transgredir o clima de acusação que levou a latifundiária a ser conduzida, de maneira humilhante, de sua fazenda à cadeia pública, construída com seus próprios recursos. Entre os que se mantiveram fiéis a Marica Lessa estava o futuro beato que construiria o Arraial de Canudos, Antonio Mendes Maciel, seu afilhado.
Condenada antes de seu inquérito, Marica Lessa mantinha uma atitude de placidez, diante das acusações que lhe foram feitas sem qualquer critério, “Não se sabe qual a razão de tanto silêncio. Na realidade, Marica era uma mulher forte do sertão que possuía os seus meios de defesa com um sentimento de orgulho e integridade” descreve Graça.
Sua obra não é a primeira a narrar as desventuras de Marica Lessa. Bem antes, Manoel de Oliveira Paiva inspirara-se em sua história, oficial, para produzir “Dona Guidinha do Poço”, lançada apenas em 1952. Agora, Graça Braga redimensiona o episódio, livrando Marica de sua condenação a 30 anos e seu desterro final, como mendiga pelas ruas de Fortaleza. “Em momento algum, prova-se que ela foi a mandante do crime. Mas esse era a lógica da sociedade machista de Quixeramobim”, diz.
Graça Braga conta que aprofundou sua pesquisa inclusive nos estudos jurídicos. “Durante seis meses assisti a vários julgamentos”, conta a escritora que coloca-se como a advogada de defesa de Marica, absolvendo-a, finalmente, de todas as suas seculares acusações. O romance foi escrito entre 97 e 99, concluído sete anos de pesquisa. É às vésperas do século XXI que a “Princesa dos Poetas Cearenses”, membro da Academia Feminina de Letras Municipais do Estado do Ceará, liberta a latifundiária, através das armas de “uma perspectiva feminina e ficcional”.


MEDO E CONDENAÇÃO

“Uma voz unânime surgia do meio da multidão gritando pelo nome Corumbé. O rapaz, ao presenciar a ferocidade daquela gente correndo ao seu encalço, procurou livrar-se da multidão, descendo a ladeira do Rio Quixeramobim. Corumbé imaginava ser ele um afilhado muito querido da Senhora, e sentindo o desespero na hora da acusação, queria chamar o nome de sua madrinha, pois não seria preso devido à grande influência político-econômica que ela detinha. E nesse cerco irremediável prenderam-no. Como era de hábito na vila, acontecia tudo assim muito rápido, a justiça era feita com as próprias mãos para atender as conveniências dos poderosos. (...) O rapazola (...) deixou para sempre a dúvida imensurável. Ficou o chuleado das palavras mal cozidas que levou a fazendeira Marica Lessa ao banimento e ao escárnio de um povo que coseu a sua própria condenação”.

A Absolvição de Marica Lessa

Esse livro é o romance de estréia da já laureada poetisa e jornalista Graça Braga. Em 20 de setembro de 1853, acontecia na Vila do Campo Maior, em Quixeramobim, um dos crimes de maior repercussão na história do nosso estado, chegando inclusive a incomodar autoridades da Corte Brasileira, inclusive o Imperador Pedro II.
Graça Braga através da pesquisa e da inventividade revisitou esse fato e escreveu Absolvição de Marica Lessa. O crime já havia sido inspirador para o romance “Dona Guidinha do Poço”, escrito por Oliveira Paiva e publicado apenas após a morte do autor.
Graça Braga levanta a tese contrária aos resultados das investigações sobre a tragédia, de que Dona Marica Lessa não haveria mandado matar seu marido. Há uma teoria de que Manoel Ferreira do Nascimento, vulgo Corumbé, seria o verdadeiro autor do crime, motivado por um desentendimento banal entre a vítima e o assassinato quando ainda criança.
Baseada nestes fatos, principalmente em documentos antigos, relatos orais e nos autos do júri da época, com perspicácia e intuição feminina, Graça Braga vislumbra a possibilidade de inocência de Maria Francisca de Paula Lessa.

No prefácio da obra está dito: “... a polêmica esta lançada, embora não seja pensamento da autora contradizer ou mesmo se opor a Oliveira Paiva. Os críticos literários, os juristas e, de uma maneira geral a população, que façam a análise dos acontecimentos e julguem a ré, ou melhor, a suposta co-autora do crime e lancem seus veredictos.”

O histórico líder messiânico de Canudos, Antonio Conselheiro, que era natural de Quixeramobim, foi afilhado de Marica Lessa. Ele, assim como a seca avassaladora do sertão também estão contidos no romance. Ali o leitor saberá como foi o julgamento, três anos após o crime; a viagem para Fortaleza, e por fim o júri simulado em 1999, em que a ré foi absolvida.

Somente o leitor pode julgar a história e Marica Lessa.



Crédito: Carlos Alberto Lima Coelho, Diário do Nordeste

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Manoel de Oliveira Paiva - A obra



Dona Guidinha do Poço

Coube a Lúcia Miguel Pereira redescobri-la, fazendo na primeira Edição uma elogiosa ( e merecida ) apresentação.
Obra de profundidade psicológica e sociológica, vale-se de um estilo vivo , onde se fundem poesia , reflexão, senso de humor, a presença do falar regional nordestino , além do aproveitamento das tradições orais e das narrativas dos contadores de histórias.
Narra a história da poderosa Margarida Reginaldo de Oliveira Barros, dona de cinco fazendas , prédios, gado , prataria e muitos escravos. Mulher bravia e apaixonada, envolve-se com um sobrinho de seu marido, soldado elegante e vaidoso. Este acusado de homicídio, esconde-se na casa do tio, que desconfiado de seus amores com a mulher, dona Guidinha, resolve entregá-lo à polícia. Como vingança Dona Guidinha , manda um caboclo matar o próprio marido, e , como sempre altaneira, é conduzida à prisão, sob as vaias da população.

Uma história real

D. Guidinha do Poço - Nos últimos anos do século passado, perambulava pelas ruas de Fortaleza uma esfarrapada mendiga, alvo das indigitações da molecada, que a molestava gritando: olha a mulher que matou o marido. A Andrajosa mulher, a "Velha Lessa" realmente havia sido condenada a 30 anos de cadeia pela justiça de Quixeramobim, como mandante daquele delito. Seu nome - Maria Francisca de Paula Lessa. Fora rica fazendeira, esposa do Coronel Domingos Victor de Abreu e Vasconcelos. O Coronel foi assassinado no próprio lar, pelo escravo Curumbé, a mando de Maria Francisca, conhecida na extremidade como d. Maria, então de amores com um sobrinho do esposo, vindo de Pernambuco, Senhorinho Pereira da Costa. Preso, Carumbé revelou o nome da mandante. Foram ambos, a fazendeira e o escravo condenados a 30 anos, sendo que o segundo fora degredado para Fernando de Noronha. Senhorinho conseguiu escapar do julgamento, embrenhando-se nos vastos sertões do Ceará e Pernambuco. Toda essa tragédia, anos depois, seria romanceada num livro que viria ficar famoso - "Dona Guidinha do Poço" , do escritor Manoel de Oliveira Paiva, publicado em 1952. Na 2ª edição, já muitos anos depois, o grande pesquisador de nossa história - Ismael Pordeus provou, com farta documentação que o romance "Dona Guidinha do Poço" retratara a tragédia do Quixeramobim.



A Fazenda Poço da Moita, onde se dão grandes festas e para onde se dirigem os que fogem da seca. A figura de uma enérgica mulher se destaca.

Dona Guidinha do Poço – como era conhecida a proprietária da fazenda – vivia respeitada por todos, ora agressiva, ora bondosa, até que um dia a paixão deitou a crueldade de sua alma.


O autor e sua 0bra

Manoel de Oliveira Paiva, escritor cearense, por alguns anos ficou na obscuridade, não obstante o valor de suas obras. Pôs toda a sua alma e todo o seu talento, retratando gente e coisas do Nordeste, em Dona Guidinha do Poço, o último trabalho de sua curta existência. Não conseguiu ver a sua obra publicada, como tanto desejava, mas contava com a insistência de seu amigo Antônio Sales, certo de que ela seria dada a lume um dia. Os editores julgavam o autor um tanto excêntrico e argumentavam que não podia oferecer interesse uma história regional ao gosto de reduzidos leitores. E os anos se foram passando e a obra permaneceu à espera de um lançamento. Ao vir à luz, bastaram-lhe louvores da consagrada crítica Lúcia Miguel Pereira, para que ficassem definitivamente assinalados os méritos do escritor que esteve injustamente apagado por longo tempo.
Surge o livro sessenta anos depois do falecimento de seu criador, mas, como bem acentuou Lúcia Miguel Pereira, ao parece “que seja tarde, que se haja fanado ou esmaecido a sua graça”. E continua sincera: “Não a direi talhada para resistir séculos, mas meia dúzia de décadas só são perigosas para as obras cujo único valor reside em seguir a moda do momento, o que aqui não se dá. Ao contrário, o exemplo de sua heroína, matuta, orgulhosa, não imita esta narrativa nem maneirismos nem elegâncias alheias e passageiras. É inteiramente original, espontânea, livre, com aqueles toques de bizarria notados por José Veríssimo.”
O linguajar do Nordeste e muitas expressões usadas pelo autor em vários trechos do livro poderiam deixar confusos os leitores, o que não acontece porque estes poderão contar, para seu esclarecimento, com um excelente glossário preparado por Américo Facó.
Dona Guidinha, a enérgica e orgulhosa matuta, assim como outros personagens da história, passam aos nossos olhos como reflexos de uma época em que a campeava o feudalismo rural. Tipos e costumes aí estão vivamente assinalados num livro que, depois de tantos anos de obscuridade, apareceu com a mesma luminosidade do sol do sertão para juntar-se ao brilhante acervo da literatura brasileira.

Dona Guidinha do Poço resgata elementos da cultura nordestina e pormenores da vida interiorana, na história de uma mendiga que, no final do século XIX, era alvo de piadas nas ruas, por ter sido condenada pela Justiça de Quixeramobim pelo assassinato do próprio marido. A tragédia inclui elementos de vingança, prisões e mortes.

É a saga da fazendeira Marica Lessa. Essa via foi devassada pelo historiador Ismael Pordeus que teve acesso em cartório de Quixeramobim, ao processo em que a poderosa fazendeira Marica Lessa respondeu pelo assassinato de seu marido o Cel. Domingos de Abreu e Vasconcelos por volta de 1853. A fazendeira poderosa amasiou-se com um sobrinho do marido, Senhorinho Pereira, e contratou o executante do crime contra seu consorte. Descoberta a trama, a desditosa dama foi condenada a muitos anos de prisão, vindo a cumprir sua pena na cadeia pública de Fortaleza. Ao ser solta, semi-enlouquecida e depauperada, perambulava pelas ruas da capital até quando morreu como indigente. Foi nessa história real que se baseou Oliveira Paiva para escrever Dona Guidinha do Poço.

É um romance modelar do realismo brasileiro. Compromissado com a realidade, ele mostra uma história que realmente aconteceu, mudando os nomes dos personagens e acrescentando alguns detalhes ficcionais e ilustrativos. Depois há a coragem do autor em introduzir na sua linguagem o rico latifúndio lingüístico regional. O falar da região aparece como forma de trazer não só o homem mas principalmente sua fala para dentro do enredo. Além disso há outra realidade cruciante no romance, que ainda hoje se faz presente na região do semiárido nordestino que é a seca.

A seca, pois, e o regionalismo margeiam o tempo todo a saga trágica acontecida na fazenda Poço da Moita. A linguagem do povo está tão presente que necessária se tornou a elaboração de um glossário no final do livro. Com cerca de quinhentos verbetes esse glossário de termos bem demonstrativos do falar do sertão cearense comprova a preocupação do autor em devassar a vida daquela gente sofrida a partir da sua linguagem. Prova é que a partir da primeira expressão do livro “De primeiro” esse falar já se apresenta. Depois disso vão se configurando cenas e temperamentos entrevistos sem a crueza naturalista em moda, mas deixando-os subentendidos como na estética realista.

Dona Guidinha do Poço é, portanto, um romance comprometido com a estética realista, resgata a linguagem regionalista do centro sul cearense, apresenta uma história de paixão e morte que traz, secundando-a, o fenômeno climático da seca, tão marcante na região Nordeste como nos romances da geração de 30. Daí que o embrião para o romance de seca da segunda fase do nosso modernismo finca-se, segundo Alfredo Bosi, em Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva, Luzia-Homem, de Domingos Olímpio e A fome, de Rodolfo Teófilo. Esses três autores cearenses foram testemunhas da grande seca dos anos de 1877, 1878 e 1879. Essa temática aliada ao resgate que faz do regionalismo, faz com que se afirme que nenhum escritor cearense soube trabalhar com tanta felicidade a nossa linguagem do povo - sem desfigurar o conteúdo literário como Oliveira Paiva. Além disso há a técnica narrativa empreendida pelo escritor quando ele consegue tornar sugestiva qualquer minúcia, valendo-se de indicações objetivas para reforçar indiretamente o sentido da narrativa ou insinuar o caráter de um personagem.

Dona Guidinha do Poço, considerado por José Ramos Tinhorão como um clássico da literatura brasileira. Obra de profundidade, psicológica e sociológica, vale-se de um estilo vivo, onde se fundem poesia, reflexão, senso de humor, a presença do falar regional nordestino, além do aproveitamento das tradições orais e das narrativas dos contadores de história.

Tempo

Dona Guidinha do Poço passa-se em dois anos, distribuídos ao longo dos 5 Livros: dois meses para o Livro I (o amor despontando); um mês para o Livro II (o amor se consuma em posse); onze meses para o Livro III (a paixão cega); novamente um mês para o Livro IV (o drama) e um mês ou mais para o Livro V (desenlace). Um preâmbulo de abertura completa a conta.

O tempo cronológico, convencional e linear, com discretos flash backs, é altamente marcado, em dias, meses e até, por vezes, horas. Uma precisão, a mais óbvia, é, no entanto, insidiosamente escamoteada: o ano dos acontecimentos. Sabe-se que Guida era pequena na seca de 25 (“em 25, ela era ainda pequenota...” p. 56) e que tem, no momento da narrativa, mais de 30 anos. Essa inesperada imprecisão aponta para um desdobramento temporal entre o enunciado e o narrado: na verdade, a história de Guida pertence ao passado, é um “causo”, contado em outro momento. Aconteceu, “foi verdade” (a prova, as marcas de datas), no tempo da história.

Ao tempo cronológico, exterior e ao tempo psicológico, interior, soma-se um tempo cósmico, cíclico, marcado pelas estações. Assim o Livro I é o da seca, em março; no Livro II vêm as chuvas de abril e maio; o Livro III, o mais extenso, cobre as quatro estações – primavera, verão, outono, inverno e novamente as chuvas; o Livro IV retorna à primavera e o Livro V, ao verão.

Tempo cósmico, que é o tempo real do sertão e também o do mito e que, como as outras dimensões, dilui-se no final.

Foco narrativo

Em função do tempo, o narrador é a voz que conta um “causo”. Jogral contador, assegura, através de sua narração, o tempo cósmico-simbólico e restaura, no jogo de corda bamba, o equilíbrio. Narrador sem rosto, voz discretamente onisciente e onipresente, porque situada em outro tempo: a história contada já aconteceu. Mas, se algumas pistas são maliciosamente jogadas cá e lá, ele guarda a surpresa do final (que conhece), mantendo o ouvinte-leitor preso ao narrar.

Narrador popular, oral, que pouco intervém e que tem sua fala própria – e não é de espantar que, como Flaubert, use e abuse do estilo indireto livre.

Alguém conta uma história: O clássico narrador na terceira pessoa vai nos narrar o que sucedeu no Poço da Moita. Vemos na narrativa outras vozes surgirem e vários narradores proliferarem. O narrador de Dona Guidinha é um homem culto, com belo manejo de língua, conhecedor do latim e que julga desabusadamente a sociedade.


Margarida do poço:

Inocente ou culpada?

Uma mulher rica e poderosa, dona de fazendas e outros bens entra numa questão polêmica da literatura. Uma espécie de Dom Casmurro, onde não se sabe se houve ou não traição, se bem que, na minha opinião, em Dom Casmurro, há traição sim, mas esta é uma outra história.

Margarida ou simplesmente Guidinha é casada com o Major Joaquim Damião de barros ou simplesmente Quinquim, com quem vive na fazenda: Poço da Moita. Um dia aparece lá o Secundino, sobrinho do Major e da Guida, é claro. Secundino, porém, estava foragido; tinha sido acusado de homicídio e vinha ocultar-se na fazenda do tio. Acontece que nasce um não sei o quê entre ele e Guida que faz todos suspeitarem que aí há coisa. Podia-se notar perfeitamente os sentimentos da Guida nas cenas de cíúme com Lalinha, uma donzela formosa que tinha enamorado-se do Secundino. O autor não revela se a Guidinha traiu ou não, mas deixa-nos uma passagem bem insinuadora:

"Os dois, pela vereda, sumiram-se no escuro". (Cap. 3, livro segundo)

O que aconteceu foi que os falatórios chegaram aos ouvidos do Major Quinquim e este não viu outra alternativa, senão, mandar o sobrinho embora. Tempos depois, o que acontece? O Major aparece morto. Foi morto pelas mãos de um caboclo, mas por ondem de quem? A principal suspeita era Margarida que é presa e das grades, imagina o Secundino longe, afastando-se daquela terra ingrata.


No dia 9 de outubro de 1982 é publicada a poliantéia Oliveira Paiva, em homenagem
ao escritor, falecido em 29 de setembro; Sales redige os “Traços
biográficos” do autor de Dona Guidinha do poço.

É fato sabido que Antônio Sales tudo fez para ver publicado o romance
D. Guidinha do poço, de Oliveira Paiva, sendo uma das tentativas estampá-lo
em folhetins da Revista Brasileira, de José Veríssimo, que logo deixaria de
circular. Sabino Batista, nessa carta de julho de 1899, comenta:

"Na Revista de março li os primeiros capítulos do romance
do Paiva. Dei uma notícia da sua publicação na Província e
aguardo com ansiedade os outros fascículos que devem trazer
a continuação."


Próxima postagem : A história da mulher que inspirou Manoel de Oliveira Paiva



Fonte: Pesquisas na internet

Manoel de Oliveira Paiva - O Escritor

Biografia completa

Filho de João Francisco de Oliveira e de D. Maria Izabel de Paiva Oliveira nasceu a 12 de julho de 1861 em Fortaleza na então Rua Amélia, hoje Senador Pompeu, casa nº162. Estudou no Seminário do Crato e foi aluno da Escola Militar do Rio de Janeiro, que deixou em 1883, já doente de infecção pulmonar(tuberculose) a que sucumbiu. De colaboração com João Lopes e Antonio Martins escreveram A semana, crônica que o Libertador publicava aos sábados, assinada por Gil, Pery & Cia. É o autor de um romance com o titulo A afilhada, que foi publicado no rodapé do Libertador, como foram também uns sonetos seus sob o titulo Sons da viola. Zabelinha é um trabalho de propaganda abolicionista como muitos outros de Oliveira Paiva, entre os quais o panfleto intitulado Vinte e cinco de Março, de 25 p. de 1884. Em 1887, com João Lopes, Antonio Martins, Abel Garcia, José de Barcellos e José Olympio redigiu A Quinzena, propriedade do Club Literário, publicando nela vários contos como A corda sensível, O velho vovô, O ar do vento Ave Maria, A Paixão, De preto e de vermelho, A melhor cartada. No jornal Cruzada, da Escola Militar do Rio de janeiro, escreveu o romance Tal filha, tal esposa e uma serie de sonetos sob a epigrafe Transparencianas. Faleceu a 29 de Setembro de 1892, tendo desempenhado as funções de Secretario do Governo e de 1º oficial da Secretaria do Ceará. A Padaria Espiritual publicou em 9 de Outubro uma poliantéia com seu retrato e traços biográficos por Antônio Sales. Oliveira Paixa deixou um romance D. Guidinha do Poço, que foi publicado em 1899 na Revista Brasileira, Rio de Janeiro.

Sobre Manoel de Oliveira Paiva escreveu o seguinte Araripe Junior no Tempo, do Rio de Janeiro, em artigo sob titulo - Um romancista do norte:

"No momento em que as letras pátrias parecem receber um poderoso impulso e, com as agitações políticas, todas as forças vivas da nação se levantam para amparar o futuro e consolidar a crença no próprio valor; não estranharão os leitores do Tempo que um amoroso da terra venha lembrar aqui o nome de um escritor desconhecido, que muito trabalhou para oengrandecimento das letras de seu país com o amor de um artista e a coragem de um batalhador. Trata-se de um moço cearense, que dispersou muito talento e sensibilidade pelos jornais de sua província, e que estava destinado a representar um papel brilhante entre os romancistas brasileiros. Infelizmente refiro-me a um morto, porque, quando os seus escritos prometiam a conversão dos projetos em formosa realidade, a eterna inimiga desmoronou os castelos, que se esboçavam numa imaginação já perfeitamente cultivada para as fortes construções do romance de observação.

Chamava-se Manoel de Oliveira Paiva esse moço, que a 29 de Setembro de 1892 sucumbiu do mal dos poetas brasileiros, aos 31 anos de sua idade, deixando atrás de si uma saudade imorredoura traduzida no soluço da nova geração do Ceará. Sentimento igual a este pungiu o coração do autor destas linhas, em 1878, quando se finou Raimundo da Rocha Lima, outro cearense de grandes esperanças, que a fatalidade surpreendeu no amanhecer de glória, justamente no momento em que no seu cultivado espírito se conjuravam os elementos para a factura de dois monumentos de critica — um sobre a “Revolução” e outro sobre “Jesus”.

Era Oliveira Paiva um observador e um forte, no qual juntavam-se qualidades poéticas que o tornariam um mestre na arte de compor se continuasse a viver. Pobre, sem proteção teve de lutar com a vida para abrir caminhos ao exercício de suas faculdades. Foi Seminarista no Crato, para obter os primeiros rudimentos de educação, e depois sentou praça, para ilustrar-se num curso de guerra. O que fez durante esse período de sua existência dizem as tradições da escola Militar, a “Cruzada” onde o poeta ensaiou as suas primeiras armas publicando versos humorísticos e romances, que desde logo anunciaram a sua aptidão para o gênero descritivo e para análise dos caracteres. Pouco tempo depois abriu-se a campanha abolicionista e Oliveira Paiva foi um dos incendiados por essa convulsão sentimental, em que o Ceará devia tomar a dianteira e os seus filhos representar o papel de imediatos precursores da República. Nessa época o propagandista audacioso já era minado pela cruel enfermidade, que o levaria a sepultura.

Obrigado a voltar á sua terra em busca de lenitivo aos males que o atormentavam, longe de achar ali o repouso de que carecia, encontrou a febre do “Libertador” e a tormenta que João Cordeiro, Amaral, Frederico Borges e outros haviam desencadeado contra os proprietários de escravos. A jangada do “Dragão do Mar” desfraldara a vela branca da libertação dos cativos nos verdes mares do Mucuripe; e os negreiros aterrados diante da propaganda enérgica capitularam por toda parte, entregando a presa secular aos novos conquistadores a “Terra da luz”. Nesse tumulto de entusiasmo, Oliveira Paiva extenuou-se em discursos e versos, e, no auge da excitação, deu á estampa dois poemetos de propaganda, vibrantes de cólera e de um lirismo estranho, quase desconexo. “Zabelinha” intitulava-se um desses poemetos, e um dos poetas da nova geração cearense, Antônio Sales, quis descobrir nele “certa allure” imprevista, de que dão idéia muito aproximada os produtos da atual escola “decadista” ou “simbolista”. Terminada a faina libertadora, começou então para o poeta uma fase tranqüila, durante a qual, no “Libertador”, órgão literário, dirigido pelo atual deputado João Lopes, dedicou-se mais calmo aos trabalhos de sua vocação, Afirmam todos os que conheceram o autor da “Zabelinha” nesse período, que apesar de minado pela enfermidade, ele mostrou na prosa uma fecundidade que de dia a dia tomava maiores proporções. Foi nesse jornal e na “Quinzena” que tive ocasião de apreciar o talento artístico de Oliveira Paiva, que á primeira inspeção se apresentava como um namorado de formas goncourianas. Logo depois, fui surpreendido com a publicação, em folhetim no “Libertador”, de um romance de fôlego, intitulado “A afilhada”, no qual não sabia o que mais admirasse, sua habilidade com que o romancista adotava o naturalismo no meio que descrevia, se as audácias propriamente “cearenses”, que davam ao romance um sainete só apreciável aos filhos da terra. Esta obra, por motivos secundários, não se editou em livro, o que é uma pena. Com o advento da República nasceu a atividade política, do poeta.

Escolhido para secretário do governo provisório do Estado foi depois escolhido para 1° oficial de uma das respectivas secretarias, quando se organizaram os serviços públicos. A medida da vida desse moço, porém, tinha enchido. A morte, que o namorava havia tantos anos, escolheu; para fulminá-lo justamente no momento em que os seus esforços iam ser coroados, não só por uma colocação definitiva na sociedade, mas também pela confirmação do conceito em que os amigos tinham no seu talento. Pode-se afirmar que com Oliveira Paiva baixou á sepultura uma das aptidões mais enérgicas, que o Ceará tem produzido para o romance de costumes. Agora chega-me a noticia de que no espolio literário do morto encontrou-se o manuscrito de um romance de extenso desenvolvimento, o qual ele tinha promto para o prelo.

Diz-me um dos seus saudosos amigos, após a leitura em roda competente, que D. Guidinha, tal é o nome do livro, “tem por motivo” principal um desses dramas sanguinolentos a que serviam de cenário as nossas fazendas, revestidos de circunstâncias ao mesmo tempo bárbaras e cavalheirescas que davam á vida dos antigos sertanejos um acentuado tom medieval.” Pela natureza do assunto vejo que se trata de um livro escrito sob tese idêntica a que serviu de arcabouço ao “Sertanejo” de José de Alencar. Sucede, porém, que o autor do “Guarani”, não conhecendo os sertões do Ceará “de viso”, ficou muito a barlavento da verdade, e no romance deu-nos apenas uma sombra poética da vida do interior e das fazendas. Se não mentem os meus vaticínios, se é exato que Oliveira Paiva pôs em contribuição todos os processos modernos denotação para compor o livro que se anuncia, não recuso pensar que D. Guidinha virá preencher uma lacuna no gênero romance, oferecendo-nos um quadro violento de situações quentes, no qual se agitam tipos os mais curiosos criados pela vida crioula na região central, onde os horrores da seca triunfam periodicamente."

Obras de Manoel de Oliveira Paiva:

Contos

A barata e a vela (1887)

A melhor cartada (1887)

Corda sensível (1887)

O Ar do vento, Ave Maria (1887)

O ódio (1887)

O velho vovô (1887)

Pobre Moisés que não foste! (1887)

Variação sobre um tema de Buffon (1887)

De pena atrás da orelha (1888)

De preto e de vermelho (1888)

A paixão (1888)

Ao cair da tarde (1888)


Romances

Dona Guidinha do Poço(1891)

A Afilhada(1889)


Poesias

A tacha maldita (1883)

Vinte e cinco de março (1884)

Sons de viola (1884)

Aos 55 (1884)


Resumo dos principais pontos: Manoel de Oliveira Paiva ( nasceu em 12 de julho de 1861, Fortaleza, CE e faleceu em 29 de setembro de 1892 em Fortaleza. Morreu cedo, aos 31 anos, e teve uma juventude atribulada. Foi expulso do seminário do Crato e não conseguiu seguir a carreira militar por causa da saúde frágil. Fundou o jornal Libertador, abolicionista, onde publicou crônicas e contos. O clássico "Dona Guidinha do Poço" foi escrito por ele em seus dois últimos anos de vida, mas só foi publicado 60 anos depois.

Oliveira Paiva tentou a vida eclesiástica e, depois, a militar, no Rio de Janeiro(retornando à terra natal em 1883, devido a tuberculose). Engajou-se nas lutas pela abolição e pela república. Colaborando no jornal O libertador, publicou ali, no formato de folhetim, o romance A afilhada. Destacou-se, também, como membro do Clube Literário.

Sua única obra publicada em vida foi A Afilhada, novela que saiu em folhetins no Libertador em 1889. Neste jornal e em A Quinzena saíram alguns de seus poemas abolicionistas e seus contos realistas. Em livro, porém, seus escritos só seriam publicados postumamente, algumas dezenas de anos depois da sua morte.

Sua obra-prima, Dona Guidinha do Poço, escrito em 1892, é um dos maiores romances do Naturalismo brasileiro e possui uma história interessante: seus originais foram entregues pelo próprio autor ao amigo Antônio Sales, que entregou uma cópia a Lopes Filho, que a perde, e outra a José Veríssimo, que iniciou a publicação, interrompida com a falência da sua Revista Brasileira; no fim dos anos 40, porém, Lúcia Miguel Pereira encontra uma cópia com Américo Facó, depois de intensa pesquisa. Ela publicou, finalmente, Dona Guidinha do Poço em 1952.

Devido a problemas de saúde, transferiu-se para o sertão cearense, onde escreveu seu romance mais famoso, Dona Guidinha do Poço, história de paixão e crime, baseada em fatos reais e narrada em linguagem densamente poética.

Após sua morte, Dona Guidinha do Poço começou a ser publicado na Revista Brasileira. Com o fechamento da revista, os originais passaram muito tempo desaparecidos, sendo redescobertos, em 1950, pela pesquisadora e crítica literária Lúcia Miguel Pereira, que os fez publicar dois anos mais tarde.

A Afilhada ganhou edição em livro no ano de 1961. Em 1976, a Academia Cearense de Letras publicou um volume de contos inéditos de Manoel de Oliveira Paiva.

Participou das campanhas abolicionista e republicana. Como escritor, só se tornou conhecido mais de meio século após sua morte, com a publicação póstuma, em 1952, de Dona Guidinha do Poço, obra que retrata com força dramática o meio social do sertão nordestino.

Editado(correção): Diferente do que foi dito sobre o local da morte de Oliveira Paiva, conforme explicou Lúcia Paiva(descendente de Manoel), ele não faleceu em Quixeramobim, mas sim em Fortaleza.


Postagem em homenagem a Lúcia Bezerra Paiva, uma pessoa maravilhosa que conheci através do blog, e que sempre me presenteia com ricas e belas histórias de sua vida e de seus antepassados, o que me enriquece a cada dia que passa. Obrigada Lucinha, por ser essa pessoa tão gentil e amiga!



Crédito: Portal da história do Ceará e pesquisas na internet

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: