Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Iracema
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A origem da Praia de Iracema - De 1920 até os dias atuais


Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

O surgimento do bairro Praia de Iracema, antes denominado Porto das Jangadas, Praia do Peixe ou Grauçá, está associado à “descoberta” do banho de mar como medida terapêutica e também como contemplação e lazer por parte da elite econômica da cidade nos anos de 1920. Esta elite intensificou a sua inserção na praia, com a construção de casas alpendradas ou do tipo bangalôs, de frente para o mar, fenômeno que “obrigou” os pescadores (casinha de pescador ao lado) a mudarem-se para outras praias.

Fortaleza vista do antigo porto na Praia do Peixe.
 Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

Devido as novas formas de apropriação desse espaço da cidade surgiu a necessidade de se forjar uma nova imagem para aquele lugar, que expressasse os novos hábitos e valores, inclusive no que se refere à sua denominação. 

A primeira manifestação pública que permite antever o futuro nome do bairro ocorre em 1924, quando a cronista social Adília de Albuquerque Morais lançou a ideia de que se construísse um monumento à heroína do romancista José de Alencar, a ser erigido na orla marítima.

Em 1925, tem início uma campanha, apoiada pela imprensa local, para a oficialização da denominação Praia de Iracema

“Um abaixo assinado é encaminhado, pelos novos moradores do bairro, ao então prefeito Godofredo Maciel, solicitando ‘que mude a denominação imprópria e vulgar por que é conhecido aquelle encantador trecho de Fortaleza para a de Praia de Iracema"

A Praia do Peixe - Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

As ruas do bairro ganharam nomes de tribos indígenas cearenses: "Tabajaras, Potiguaras, Guanacés, Groaíras, Tremembés, entre outras” (Schramm,2001:37). 

Desta forma, elaborava-se uma imagem do bairro associada ao bucólico e aprazível, inclusive por meio do epíteto Praia dos Amores.
Como foi descrito por Schramm (2001), neste período, foram inaugurados na Praia de Iracema os “balneários”, pequenas instalações comerciais, onde a um bar se agregava um local para troca de roupa, aluguel de calções de banho e guarda de pertences dos banhistas. 

A Praia do Peixe - Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

Houve também a instalação de clubes, como o Praia Clube e o América. Na época, ganharam fama o Jangada Clube, frequentado pela boêmia de classe média e alta da cidade, e o Hotel Pacajus, o primeiro à beira-mar.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a mansão Vila Morena, residência da família Porto, construída em 1925, foi arrendada às tropas americanas e transformada em um cassino pelos oficiais. Denominado U.S.O. (United States Organization), o lugar era quase exclusivo aos estrangeiros, e ficou conhecido por suas noites com danças, jogos e shows, tornando-se atrativo para as moças da cidade, que se dirigiam ao local para namorar os oficiais americanos e beber o refrigerante Coca-cola, que ainda não era consumido na cidade. Essa prática foi responsável por gerar uma disputa simbólica entre os moradores da cidade e os visitantes. Os rapazes da terra, enciumados, passaram a chamar por Coca-colas as frequentadoras do cassino dos americanos.


A partir de meados da década de 1940, a Praia de Iracema começou a apresentar um novo cenário em virtude do avanço do mar, decorrente da construção de um novo porto da cidade, o Porto do Mucuripe. Parte do casario foi destruído em decorrência da alteração no movimento das correntes marítimas, o que acarretou também significativa diminuição da faixa de praia. 
A transformação da paisagem obrigou a saída de antigos moradores e frequentadores dando início a um discurso melancólico sobre a praia que o mar carregou.

Nesse período, a imprensa local começava a falar em decadência da Praia de Iracema, associando o encanto do bairro à sua apropriação pela elite. Matérias do jornal O Povo lamentavam a sua destruição, como pode ser lido nos trechos abaixo:

"Nestes próximos dias, a maré investirá com grande violência, vindo a atingir, talvez, os ricos ‘bungalows’ da nossa aristocrática praia. Destacam-se entre os prédios mais visados pela fúria do mar os de propriedade da família João Gentil, do sr. José Porto, a antiga sede da United States Organization (U.S.O) e o do antigo ‘Ideal Clube(...) O fato é que estamos mais uma vez diante de uma situação difícil, pois se a maré próxima for impetuosa assistiremos à eliminação dos ‘bungalows’, com prejuízos para a própria estética da cidade" (O Povo, 27 de abril de 1946 apud Schramm, 2001, grifos meus).


A Praia do Peixe - Foto do Álbum Vistas do Ceará - 1908

O interior do bairro, especialmente a área conhecida desde o início do séc. XVIII por Prainha, também viveu transformações, principalmente no tocante às sociabilidades.
O compositor Luís Assunção contribui para a elaboração da imagem de afetividade da Praia de Iracema na cidade de Fortaleza, através da seguinte canção: 

«Adeus, adeus/Só o nome ficou/Adeus, Praia de Iracema/Praia dos Amores que o mar carregou/Quando a lua te procura/Também sente saudades/Do tempo que passou/De um casal apaixonado/Entre beijos e abraços/Que tanta coisa jurou/Mas a causa do fracasso/Foi o mar enciumado/Que da praia se vingou»

Com a transferência do porto da Praia de Iracema para o Mucuripe, os armazéns e casas comerciais ligadas aos negócios de exportação foram fechados, transformando-se em prostíbulos.
Nos anos 1950, contudo, a parte costeira do bairro ainda figurava como um lugar da elite econômica e intelectual. Como nos mostra Schramm:

“Na década de 1950, foi inaugurado, defronte ao hotel, o Restaurante Lido, que figurou, até os anos 70, como casa de pasto que reunia a elite fortalezense, ficando, também, afamado o local de vida boêmia. Alguns bares surgiram nas ruas de toponímia indígena, em meio às residências da população de classe média e classe média baixa do bairro: Tonny’s Bar, El Dourado, Nick Bar, Jangadeiro” (2001:47).

Dia de exibição de aviões supersônicos na praia de Iracema - Arquivo Nirez

Nesse período, o Restaurante Estoril, que funcionava desde 1948, na antiga residência da família Porto, onde existia o cassino dos americanos, era frequentado por boêmios seresteiros. Iracema era apropriada por: jornalistas, intelectuais, profissionais liberais e músicos, que se dirigiam ao lugar para cantar e namorar. Eles compartilhavam o mesmo sentimento de pertença ou entendimento sobre o lugar e sobre os seus códigos culturais (Leite, 2001). A partir desta década, se consolida a imagem da Praia de Iracema como um bairro boêmio.

Avião da Latecoere pousa na Praia de Iracema em 1927 - Arquivo Nirez

Nos tempos do regime militar entre 1964-1985, o bairro foi “descoberto” por novos frequentadores e se tornou um ponto de encontro de militantes de esquerda. Estes se reuniam no Restaurante Estoril, que havia sido arrendado a comerciantes portugueses. A Praia de Iracema tornou-se reduto de artistas, militantes políticos e intelectuais. Era palco de encontros culturais, políticos e amorosos, como pode ser visto nesse trecho de uma matéria publicada no jornal Tribuna do Ceará: “mesmo com as torturas rolando pelo país, a vida [no bairro] era uma festa” (15 de janeiro de 1996 apud SCHRAMM, 2001).

A sede da U.S.O em Fortaleza, o conhecido Estoril da Praia de Iracema

Antigo Porto de Jangadas na praia de Iracema, Foto da década de 30

Iracema era apropriada por utilizadores “marginais” em relação aos valores sociais vigentes. Os donos do espaço, ocupantes do Estoril, que se encontrava em mau estado de conservação, se apropriaram também da Ponte dos Ingleses, para “ver e ‘fumar’ o pôr-do-sol”, como afirma um ex-frequentador (O Povo, 09 de dezembro de 2004). Praticavam, assim, uma inversão dos valores e normas de disciplina da cidade. Os seus comportamentos, porém, eram legitimados e compartilhados entre os usuários da Praia de Iracema.

Foto de 1931

Durante a década de 1980, alguns bares temáticos, como o La Trattoria, o Cais Bar e o Pirata Bar, inaugurados em 1981, 1985 e 1986, respectivamente, atraíram diversos frequentadores para o bairro, mas, os usos na Praia de Iracema, ainda se restringiam aos intelectuais, políticos, profissionais liberais, artistas e universitários. É importante ressaltar que Iracema vivenciou, entre meados dos anos 1960 e 1980, uma imagem de bairro decadente. O bairro era habitado por famílias de classe média e baixa, e havia uma ocupação irregular na margem da praia, por meio da construção de casas de madeira ou papelão. 
O banho de mar perdera sua atração, pois a pequena faixa de areia que restara recebia somente alguns poucos frequentadores. O público que se dirigia ao Bar e Restaurante Estoril e Ponte dos Ingleses, mesmo fazendo parte de uma elite da cidade, era marginalizado por questões ideológicas.


Nesse período, diante das possibilidades de mudanças na lei de uso e ocupação do solo no bairro, houve uma mobilização dos moradores e frequentadores no sentido de sustar aquele processo e solicitar, além de algumas melhorias, que a Praia de Iracema fosse reconhecida como Patrimônio Histórico e Cultural da cidade. Em 1984, foi fundada a Associação de Moradores da Praia de Iracema/AMPI e houve grande movimento pela sua preservação, com adesão de artistas e intelectuais.

Contudo, as tentativas de barrar as construções de edifícios verticais no bairro, não tiveram êxito. Nesse período iniciava-se a edificação de prédios com mais de dez pavimentos, assim como a instalação de uma diversidade de bares e restaurantes em imóveis supervalorizados. Sob protestos, antigos moradores mudaram-se do bairro. Entendendo como uma “destradicionalização” daquele espaço da cidade, moradores e frequentadores não aceitaram as transformações da sua arquitetura. Assim é que, a década de 1980, terminou com os moradores chamando atenção do poder público, por meio dos jornais, para os problemas causados pela especulação imobiliária.


As transformações vivenciadas ali durante a década de 1980, deram inicio a uma “requalificação espontânea”, da Praia de Iracema; ou seja, uma mudança nas formas de uso e apropriação do espaço, sem um devido planejamento do poder público. Esse fenômeno que chamo de “espontâneo” foi incentivado pela tradição boêmia do bairro e pela movimentação dos diversos frequentadores que se dirigiam para alguns bares, restaurantes e para assistir ao pôr-do-sol na Ponte dos Ingleses.

Impulsionados pela freqüência desses estabelecimentos e vislumbrando a Praia de Iracema como um novo mercado, empresários da noite se inseriram no bairro com uma grande oferta de bares e restaurantes. Assim, a paisagem transformou-se rapidamente, com a presença de grande diversidade de estabelecimentos comerciais.

Foto da década de 50

Devido as novas formas de ocupação desse espaço e suas novas representações, os moradores intensificaram suas lutas na defesa do bairro, mas, já não era prioridade a transformação do bairro em Patrimônio Histórico e Cultural. Nesse novo momento estavam na pauta das reivindicações dos moradores: o combate à poluição sonora, ao desordenamento do trânsito, à abertura irregular de estabelecimentos comerciais e à especulação imobiliária.
Outro problema que emergiu com as transformações na apropriação do espaço na Praia de Iracema foi a presença de pessoas que não tinham uma tradição boêmia. Em meio à disputa pelo espaço de Iracema, criou-se um clima de rivalidade entre os empresários estabelecidos e os recém-chegados. No cerne da polêmica, estava a questão de quem tinha direito ao bairro.
Como conseqüência dessa “requalificação espontânea” que estava transformando a paisagem do bairro desde meados dos anos 1980; em junho de 1991, o então prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães, juntamente com o arquiteto Paulo Simões, apresentaram para os moradores e comerciantes da Praia de Iracema um projeto de urbanização da sua parte costeira. A partir de então, alguns gestores da cidade passaram a defender a tese de que a Praia de Iracema possuía uma “vocação natural para o lazer”, graças ao seu passado boêmio.

Fotos da mesma perspectiva. Antiga: Nirez/Atual: Daniel Costa 

A Praia de Iracema “requalificada”

Em 1994, um calçadão a beira mar já fazia parte do novo cenário de Iracema. Em meados dos anos 1990, o bairro já apresentava diversos sinais da “requalificação” urbana, por meio de obras da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado, como a construção do Largo Luiz Assunção, o calçadão, a reforma da Ponte dos Ingleses e a reconstrução do Restaurante Estoril, que em abril de 1994, havia desmoronado.

As intervenções urbanísticas na Praia de Iracema podem ser associadas a uma disputa administrativa, entre os governos estadual e municipal. Havia um interesse político em estabelecer a cidade de Fortaleza como um pólo turístico. Por meio de uma política de atração de investimentos, mediante incentivos fiscais e da estratégia de Place Marketing (Gondim, 2001).

Foto da década de 60

Paralelamente as intervenções nos espaços públicos do bairro, apareceram investimentos da iniciativa privada em bares, restaurantes, hotéis, flats e pousadas. Transformando a arquitetura vernacular em paisagem, essa política de reforma urbana na Praia de Iracema acarretou uma mudança nas práticas sociais e consequentemente foi proposta uma imagem do bairro. Falava-se em “Miamização de Iracema(*)”. Nesse novo contexto, esse espaço da cidade de Fortaleza passou a ser consumido por moradores de classe média e alta da cidade e também por turistas, nacionais e internacionais. Consolidou-se a imagem do marketing turístico na Praia de Iracema.
Como a “requalificação” conduz ao “consumo do lugar” (Zukin,2000), o que foi presenciado na Praia de Iracema foi uma supervalorização dos “produtos vendidos”; ou seja, uma grande valorização dos imóveis e consequente aumento nos valores dos aluguéis e dos serviços e produtos ofertados. Esse processo desencadeou a monofuncionalidade com a predominância de bares e restaurantes no bairro. Na fala de um empresário, esse fenômeno contribuiu para o início da imagem da degradação da Praia de Iracema.

"O poder público chegou fez um calçadão superlegal, maravilhoso, eu só tenho a parabenizar, ótimo, aí dá aquele inchaço onde toda casa por menor que ela fosse era um bar. Então você tinha três milhões de bares, você nem andava pelo calçadão, em segundo lugar todo mundo vendia a mesma coisa que era uma cerveja com petisco, ou seja, não tinha proposta, não tinha proposta comercial dentro da Praia de Iracema (...) não deviam ter liberado tantos alvarás pra tanta gente devia ter escolhido o que fazer em cada lugar, não teve, foi assim ao leu e então como não tinha nenhuma proposta desinchou a Praia de Iracema deixou de ser moda o fortalezense enjoou" (Entrevista concedida em 27 de abril de 2005).

Outro fenômeno a ser ressaltado é que a “política de controle social”, típica dos processos de “requalificação”, não permitiu uma nítida visualização dos contra-usos, que dava os seus primeiros passos rumo ao dissídio na ocupação daquele espaço. Adentravam o bairro atores sociais que não comungavam com os códigos da disciplina dos espaços “requalificados” como os hippies. Nesse sentido, no final dos anos 1990, os protestos dos moradores ganharam novos temas, como a expulsão dos hippies.

Além dos hippies, os turistas internacionais e as “garotas de programa”, também passaram a incomodar alguns utilizadores do bairro, concorrendo para a construção da representação de bairro degradado e lugar de prostitutas e gringos. Leiamos a fala de um empresário da Praia de Iracema:


"Essa imagem [da degradação] se dá porque no início não teve uma boa divulgação do turismo [internacional] aqui do Estado, os poucos turistas [estrangeiros] que vieram pra cá foram vôos italianos e alemães e no início o voo dos italianos foi péssimo conseguiram acabar com esse voo tem pouco tempo atrás que era assim, 300 machos vindo, com cinco prostitutas voltando da Itália" (Entrevista concedida em 27 de abril de 2005).


Praia de Iracema  nos anos 70. Foto de Nelson Bezerra

Hoje muitos chamam o trecho da antiga Praia do Lido de "Praia dos Crush", mas antigamente, a chamavam de "Praia do Hawaii". Acervo Henrique Abreu

Como parte da dinâmica de ocupação dos espaços da cidade, os frequentadores da Praia de Iracema foram paulatinamente procurando outros lugares de lazer. E a Praia de Iracema “requalificada” começou a apresentar sérios problemas no tocante à ocupação do espaço e manutenção dos espaços reformados, dando maior visibilidade aos hippies, mendigos, meninos em situação de rua, vendedores ambulantes, turistas estrangeiros e prostitutas. Iniciavam-se também as denúncias de violência, como assalto aos frequentadores.
Em 1999, foi inaugurado o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, sob a forma de uma arquitetura eclética e pós-moderna. Este equipamento passou a oferecer teatro, museus, cinemas, auditório, livraria, um planetário, além de praças, café, loja de artesanato e bares. No seu entorno, onde havia antigos armazéns desativados, passaram a existir bares, boates e casas de shows.


Dragão do Mar em construção. Foto Gentil Barreira

O Dragão do Mar projetou uma intervenção no bairro que se refletiu por toda a Praia de Iracema. A sua implementação não considerou os “trajetos” (Magnani, 2000) de seus utilizadores(**). Este fato produziu um conflito na apropriação do espaço daquele bairro, pois grande parte do público frequentador da parte costeira da Praia de Iracema passou a ocupar esse novo espaço. Os novos frequentadores saíram em busca de novos lugares. Esse fenômeno redesenhou a Praia de Iracema a partir dos seus usos e contra-usos. Assim é que, a partir do inicio dos anos 2000, a Praia de Iracema passou a abrigar duas “manchas” (Magnani,2000) de lazer com sociabilidades e temporalidades distintas.

Trecho da praia de Iracema antes da colocação da estátua 
Iracema Guardiã de Zenon Barreto

No inicio dos anos 2000, os problemas referentes à ocupação do espaço na Praia de Iracema se agravaram. O calçadão apresentava muitos trechos com buracos e a grade de proteção quase toda quebrada, passando a ser ocupado predominantemente pelos hippies e meninos de rua. O Largo Luis Assunção deixou de ser ocupado por famílias nos finais de tarde. A Ponte dos Ingleses ficou sem iluminação, e teve seus pontos comerciais e observatório de golfinhos desativados. Os bares e restaurantes gradativamente foram sendo fechados, inclusive o tradicional restaurante La Trattoria e o Cais Bar. Em janeiro de 2003 a pizzaria Geppo’s fechou, deixando um terreno baldio no meio da rua dos Tabajaras, principal rua do bairro.



No ano de 2004, mais da metade dos novos estabelecimentos já haviam sido fechados, abrindo espaço para instalação de boates algumas com shows de stripper. Este fato contribuiu para enfatizar ainda mais a representação do bairro como lugar de prostitutas e gringos. Um empresário, instalado no bairro há quase vinte anos, afirma que a nova representação surgiu a partir da instalação de uma boate, conhecida na cidade de Fortaleza, como uma casa que favorecia a prostituição.


Não existiu um respeito às demandas dos moradores do bairro, por parte do Poder Municipal, ou seja, houve ingerência quanto à ocupação do espaço, poluição sonora e desordenamento do tráfego. Ocorreu uma intervenção no espaço urbano, sem um devido planejamento. Esse fenômeno contribuiu para a saída da maioria dos moradores, acarretando a monofuncionalidade do bairro. Como resultado desse processo, a própria dinâmica da cidade e do turismo nacional e internacional foi determinando as novas faces de Iracema.

"Precisamos resgatar uma relação sadia entre o mar, os bares e restaurantes, e os frequentadores’’, afirma Luizianne Lins, então prefeita de Fortaleza.



A Reforma:


Foto de Kiko Silva

A requalificação da Praia de Iracema, que teve início em fevereiro de 2008, foi orçada em aproximadamente R$44 milhões. O calçadão foi a obra de maior extensão do projeto. O trecho que vai da Avenida Rui Barbosa ao Largo do Mincharia ficou pronto dentro do esperado. A obra seguiu em direção à Ponte dos Ingleses em ritmo acelerado. Os arredores da estátua “Iracema Guardiã”, de Zenon Barreto, também recebeu os ajustes necessários. O local recebeu guarda-corpo, piso novo, rampas de acessibilidade e corrimãos. As outras 22 intervenções previstas foram aos poucos iniciadas, entre elas, a reforma do Pavilhão Atlântico, antigo Café, que ficou no extremo do calçadão (em frente ao local do futuro Parque da Liberdade).

(*)Denominação dada por ex-frequentadores e moradores do bairro. Alusão a Miami (EUA).

(**) Em entrevista com um dos arquitetos do projeto do Centro Dragão do Mar, Fausto Nilo, ele esclarece que o projeto original previa um “corredor” de ligação entre a parte costeira do bairro o Centro Dragão do Mar, contudo por falta de verbas a ligação não foi estabelecida. A deterioração começou por que? Porque em primeiro lugar deixaram construir o África’s [boate conhecida na cidade por shows de stripper] (...) a gente fez toda uma campanha pro África’s não vir, porque a gente pensava assim, no dia que o África’s vier, se vier um puteiro vem todos os puteiros da praia, e foi dito e feito. (...) Depois apareceu um português que era o maior trambiqueiro. Ele fazia o seguinte: montava um restaurante achava um investidor em Portugal e dizia olha eu tenho um restaurante maravilhoso pra você ele montava o restaurante pras pessoas ai o cara vinha de lá pra cá com o restaurante montado comprava o restaurante e achava que tinha um ponto super bem feito e vinha pra trabalhar quando chegava aqui ele tinha um puteiro, ou seja, o cara muitas vezes vinha com boa fé tinha muita gente que vinha com boa fé e ficavam com um puteiro nos braços (Entrevista concedida em 27 de abril de 2005).


Crédito: Roselane Gomes Bezerra, Inventario ambiental de Fortaleza


domingo, 11 de janeiro de 2015

Um passeio na história pela Praia de Iracema - Literatura de Cordel



Iracema em 1930 - Nirez

Luís Antonio de Aragão

Apresentação

Só quem viu, sabe. Só quem morou ali alcança o mesmo espanto frente à beleza e o feitiço da praia de dunas brancas, que se estendia da Barra e o Cocó virgem intocada, cuja estória Luís Aragão nos conta em seu romanceiro popular, que atravessa sete dias, sete meses, sete anos, quiçá sete décadas ... E de sete em sete versos, caminha soprado por ventos brejeiros que adejam o areal espetado de coqueiros, aos sons da embolada e do repente, da batida do coco, sob a luz de candeeiros e da Via Láctea, narrando a valentia do jangadeiro.



Heróis sofridos, cujas aventuras Jacaré tão bem simbolizou, assombraram o mundo, indo ao Rio de Janeiro e Argentina, tornando–se mártires e enredo de filme americano. Suas empreitadas, como as dos portugueses, tornaram–se épicas na simplicidade dos brancos lençóis desta praia. Jacaré adormeceu para sempre no fundo do oceano.

São frágeis as jangadas com suas antigas velas de algodãozinho branco, mas possuidoras de tanta ciência na sua construção e na de seus apetrechos, só para poderem ir pra onde Deus quiser...




Mas, frágil também era a praia: logo a história nos conta que foi Netuno, enfurecido, que em represália a construção de um novo cais "No mar fez um levante" e destruiu ruas e sobrados antigos do litoral de Iracema.

Assim, de verso em verso vamos sentindo as perdas quase imperceptíveis, se vistas com as lentes de hoje. Mas, quem viveu, viu. E o cordel nos conta. Enquanto as fotos antigas servem para revelar e enredar.




Mas, o sopro das mudanças trouxe também tantas coisas boas, tantos locais de encontro, típicos. Logo o Ramon, antigo restaurante destruído pelas águas, foi substituído por inúmeros locais que enriqueceram a praia, como Zero Hora, Tony's, o Lido, o Estoril e tantos outros.

Chegaram os clubes Tabajaras, Diários, Jangada e Estoril, caminhando como um prenúncio do que seria a praia para turistas, hoje tão distante daquela Vila de Pescadores.




O Estoril nos remonta a II Grande Guerra, e a uma segunda invasão: esta não das águas, mas de novos costumes. Ali, onde a água traspassava o sólido quebra-mar, numa grande depressão formava–se uma piscina onde a índia sereia, em noite de lua cheia, ia banhar–se.

É essa a Iracema das lendas. Onde nossos olhos hoje "vêem um mar de lama, cheia de pedras cortantes, de bueiros e esgotos...".

(Foto: Nos velhos tempo da Praia de Iracema. Acervo de Holanda Re)

O grande vagalhão não levou apenas Jacaré para o fundo do mar ou deixou a aventura de Tatá perdida próxima do Pólo Sul.

Tantas coisas mais foram levadas e outras tantas foram trazidas.

O Cordelista nos fala dos marcos históricos, das escolas, da folia em Iracema, dos moradores famosos, dos nomes indígenas das ruas... e dos seus ciúmes por Iracema.

Mas, há uma Iracema frente ao mar, arco retesado num gesto simbólico atirando, nossas esperanças para o futuro. Essa a bela mensagem do cordel de Luís Aragão.

Drª. Cláudia Leitão
Secretária de Cultura do Estado





O NASCER DE IRACEMA

Iracema de Alencar
Em honra ao grande escritor
Um filho de Messejana
Homem de culto valor
Que o povo inteiro proclama
É todo mundo lhe chama
Nosso maior escritor



O amor do luso e a Índia
Bem ele imortalizou
De Martim e de Iracema
Moacir se originou
Quando a guerreira esvaiu
Do Mucuripe partiu
Com seu filho emigrou


Ao gosto do mar eu falo
Grito forte na Pocema
Que já foi Praia do Peixe
Ora já foi Praia do Peixe
Mergulhando na história
De um bairro cheio de glória
Da nossa Musa Poema


Enorme de brilho intenso
Era o belo litoral
Da Barra até o Cocó
Puro e tão virginal
Parece assim Deus ter feito

Um lugar assim perfeito
No mundo celestial


Da Praia o nome crescia
Todos queriam ficar
A índia tinha um feitiço
Ninguém queria voltar
Dunas brancas que a areia faz
Vento puro e muita paz
Aqui podiam encontrar


Mais duas ruas havia
Muito além dos Tabajaras
Eram muitas residências
Bonitas e muito caras
Bem distante o mar ficava
Ao longe se caminhava
Por tantas belezas raras


A Dona Maria Júlia
Da imensidão dos coqueiros
O sol quando aparecia
Com seus raios primeiros
No areal que havia
O coqueiral reluzia
Brisa ventos brejeiros

Na vila dos pescadores
Ao clarão da luarada
Dançavam dança do coco
Com repente e embolada
E, o jangadeiro valente
Rumava pra sua gente
No clima da madrugada

E cantava toda à noite
O Marcolino e o Carneiro
Fosse claro ou noite escura
Sob a luz do candeeiro
A Via Láctea brilhava
E todo mundo escutava
O canto do jangadeiro:




"Sete dias, sete meses, sete anos
Sete padres no altar
Sete salas de quadrilha
Sete tambores a rufar
Sete pandeiros tocando
Sete rapazes namorando
Numa noite de luar"
.


Praia de Iracema na década de 60 - Livro Viva Fortaleza


HERÓIS JANGADEIROS E SUAS VIAGENS ESPETACULARES


Bravura de jangadeiro

É de homem destemido

Impetuoso e valente

Corajoso e aguerrido
Somente a Deus é temente
Nada há que não enfrente
Esse herói tão sofrido

No Tempo da servidão
O jangadeiro lutou
Ao transporte de escravos
Ao lado da Redentora
E a classe libertadora
Com ele se rebelou



Um prático-mor da barra
De moral e muita ação
Era Chico da Matilde
Mais tarde do mar Dragão
F. José Nascimento
O líder do movimento
Em prol da libertação

Convidado foi ao Rio
Para nos representar
E lá por Terra da Luz
Foi chamado o Ceará
A jangada nos pertence
É o símbolo cearense
Pelo mundo d’além mar

Setembro de quarenta e um
Meio século tinha ido
Do grande Dragão do Mar
Tudo já era esquecido
E um quarteto valente
De forma diferente
Se mostrou decidido



Ir ao Rio de Janeiro
Falar com o presidente
E partiram de jangada
Orgulho da nossa gente
Não seria uma aventura
E, sim uma forma pura
De mostrar o que se sente
Assim, todo o nosso estado
A decisão apoiou
Até o Doutor Pimentel
Que era o interventor
Chamou "raid" da Coragem
Pois para fazer tal viagem
Tinha que ser lutador

Chico Altino construiu
A jangada dos "sem medo".
Frei Perdigão batizou
Com o nome de São “Pedo”
Para serenar os ventos de açoites violentos
O oceano, tem segredo


Partiram de onde é hoje
O atual Paredão
Fortaleza era Iracema
Iracema era a Nação
Lenço branco se agitava
Banda de música tocava
Era tudo um coração

Parte do mastro e bolina
Com a vela já desfraldada
A bandeira brasileira
Ao vento tremulava
Vinte barcos de escolta
Circulavam sempre em volta
Da “São Pedro” abençoada



Foram 1.500 milhas
Em dois meses e um dia
Temporais e muito sol
Tanta dor e agonia
Por sobre as ondas da morte
Entregues à boa sorte,
Mas lamentos não havia
Os quatro predestinados
Emocionaram o País
Getúlio Vargas contente
A eles abraça e diz:
“Homens d ‘alma corajosa”.
Oh! Gente forte e briosa
O Brasil está feliz

“Não vimos aqui pedir”.
E, sim, reivindicar
Melhor condição de vida
Pro nosso homem do Mar
A nossa classe trabalha
Vive em barraca de palha
E isso tem que mudar".

Disseram que o motivo
Do risco de suas vidas
Foi para chamar a atenção
Que as pessoas desassistidas
Causam dor e sofrimento
E isso, nesse momento,
Há com pessoas queridas


O Rio todo aplaudia
Aos humildes de ação
Desfilou em carro aberto
Aquele grupo mais que irmão
É conto, lenda e poema
Dessa, Praia tão Suprema
Em eterna louvação

Raimundo Correia Lima
Ou simplesmente Tatá
Jerônimo André de Souza
Com dois Manoeis são de cá
Manoel Preto é Pereira
Manoel Jacaré de Meira
No céu já chegaram lá

A história ganhou o mundo
Orson Wells escutou
No ano quarenta e dois veio
Ele um filme iniciou
E em nossa Fortaleza
Sentiu muita tristeza
Com o sofrer do pescador


Por falta de condições
Voltou ao Rio para filmar
Conduzindo os jangadeiros
De retorno aquele mar
E na Barra da Tijuca
Mais de uma cena maluca
O diretor quis mostrar

O herói não é dublê
Esqueceu o escritor
Aquela raça de homens
Não é falsa como o ator
De medo só sabe o nome
Passa frio, passa fome,
Mas não perde o seu valor



E assim ficou o grupo

Esperando um vagalhão
Bem forte como no dia
Da ida à consagração
E no meio da comédia
O final foi de tragédia
Daquela triste lição


Em inglês It’s all true
No português “Tudo é verdade”
O título do filme diz
Da dura realidade
Jacaré morreu no fundo
Do oceano seu mundo
Foi viver na eternidade

Uma segunda viagem
Que Tatá bem comandou
Ao Rio Grande do Sul
Com Mané Preto zarpou
Juntos a Frade e Batista
Não há homem que resista
Aquilo que Deus traçou

“Nossa Senhora d’ Assunção”
Padre Pita batizou
A garbosa jangada
Que a equipe levou
Os gaúchos então viram
Os Pampas aplaudiram
O Ceará que lá chegou


Voltaram de cavalo
Nem navio ou avião
Jangadeiros a galope
E bebendo chimarrão
Homens do meu Nordeste
Quatro cabras da peste
Cada um num alazão

Outros homens de aço
O mar um dia singraram
Luiz, José, Samuel
E Jerônimo mostraram
Não vagaram ao léu
Seguindo estrelas do céu
Pra Argentina rumaram

Luiz era garoupa
Levou a vida a pescar
Tinha este nome de peixe
Sua vida era no mar
A jangada irão chamar
De Tereza Goulart
E a virgem há de os guardar

Portanto trinta e três léguas
Tiveram que recuar
Uma grande tempestade
Os levou noutro lugar
Perdidos na escuridão
Três dias nenhum clarão,
Ficaram sem avistar


Próximo do Pólo Sul
Tudo fica congelado
Noventa dias com fé
Um milagre era esperado
Um apito bem distante
Se ouviu da nau “Bandeirante”
O grupo foi resgatado

Foram a Buenos Aires
Diante da Casa Rosada
Argentinos curiosos
Frondisi era Presidente
A esposa de presente
Lhes deu uma barca de equipada

JANGADAS

Uma mulher bem sabia
Na Praia comerciar
Isaura Carlos de Souza
Se fazia respeitar
A mãe de Pedro Garoupa
Não precisou tirar a roupa
Para se emancipar





“Jaraqui” e “Itajubá”

Eram nomes de jangadas

De Dona Sinhá Garoupa
As duas bem alinhadas
Com as velas de algodãozinho
Mostravam todo o carinho
Por ela, tão refinada

Acervo Clóvis Acário Maciel

Pra fazer boa jangada
Com zelo na construção
A madeira é de piúba
De boa conservação
Vem do Norte do Pará
Tem que se importar de lá
Pois aqui não existe, não

Medindo trinta e seis palmos
É sempre a embarcação
Vinte e dois centímetros cada
Abertos na minha mão
Comprimento da jangada
Pequenina e apertada,
Mas grande no coração


Da família da jangada
Bem muito se fala destes
O bote de treze palmos
De vinte e nove Paquetes
Bote de casco é quarenta
Grande viagem aguenta
Merecem também lembretes

Os seis paus têm seus nomes
Sendo assim intitulados
Os dois do centro são meios
Imediatos encostados
Por “bordos” são conhecidos
Assim bem distribuídos
Memburas dois são chamados





Arranjos de popa e proa
Ostentam a Jangada bela
Sustentando o Mastro Grande
E tem o Banco de Vela
Carlinga é pequenina
Tábua dos meios e Bolinha
Vela de algodão é ela

Presa a Ligeira no Mastro
No Espeques também é
A Escolta amarrada
Se puxa com muita fé
Pra ela se encher de vento
E a Jangada em movimento
Ir pra onde Deus quiser


Os Caçadores são tornos
Tuacu pedra furada
Cuia de Vela é uma concha
A Quimanga é bem guardada
Tupinambaba com anzóis
Samburá peixes pra nós
Bicheira arrasta a pescada

Banco de governo ao Mestre
A Forquilha é bem fixada
Macho e Fêmea remo é leme
A Araçanga e pra porrada
Do anzol arame é Ipú
Búzio que chama é Atapú
Sopra o Terral a Jangada

Acervo Carlos Juaçaba

Bucólico e pequeno Cais
Encostado ao Paredão
Enfileirados Paquetes
Quem pesca tem tradição
Coró, Piaba, Lanceta
O Batata e a Pilombeta
Peixe também é atração









Crédito: http://www.nehscfortaleza.com/





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