Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Cais Bar
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Cais Bar - Lendário ponto de encontro da boemia alencarina


Foto Eduardo

O Cais Bar foi inaugurado em 1985 no calçadão da praia de Iracema. O Bar funcionou bem até o ano de 1999, mas fechou as portas em 2003 – o último bar a fechar na rua da praia. O motivo foi o fato de estrangeiros, na maioria homens, passarem a frequentar os bares a procura de prostituição e, com o tempo, essa máxima se estendeu até as proximidades dos bares novos.


O Cais Bar em 1986



O Cais Bar foi um dos bares mais históricos e fundamentais na estória da música cearense. Responsável pelo nascimento de tantos talentos e por uma época inesquecível para quem vivenciou.
Por quase 20 anos o Cais Bar agitou a Praia de Iracema com poetas, boêmios, artistas e intelectuais. Foi palco para muitos artistas consagrados.


Crédito da foto


Quem se habilitar a pegar mais copos e garrafas? rs - Crédito da foto

Em 1985, o Cais Bar de propriedade do engenheiro da Petrobrás Joaquim Ernesto, que passava 15 dias na plataforma e os demais à beira do mar é inaugurado. O Cais era o mais badalado bar da cidade perdendo apenas para o Estoril. "Era um negócio bem bucólico", assim definia Joaquim Ernesto o seu empreendimento. A música era o grande diferencial,
feita a seleção por ele mesmo que também era compositor, privilegiando dessa
forma, principalmente os artistas da cidade (CARVALHO, 2003, p.1).


 Foto de Jacques Antunes da exposição Corações & Mentes da Praia de Iracema

Foto de Jacques Antunes da exposição Corações & Mentes da Praia de Iracema



Para Joaquim Ernesto, dono do Cais Bar, é compreensível que as mudanças ocorram, afinal, isso faz parte da evolução. O grande problema da Praia de Iracema, segundo ele, foi a falta de planejamento urbano unido ao crescimento desordenado. "Esse espaço aqui só é feito para o turista. A urbanização da Praia de Iracema é uma maquiagem. Não tem esgoto, a iluminação parece de estádio de futebol” (ALETEIA, 1997, p.15). Na opinião do empresário os grandes prejudicados com a situação foram os moradores, aqueles que tanto se orgulhavam em residir na Praia, considerada reduto dos boêmios e intelectuais.


Painel do Cais Bar, feito pelo artista Válber Benevides

Válber Benevides


Lançamento no Cais Bar da Revista Singular - Crédito da foto

O irrequieto cantor Lúcio Ricardo tem uma ligação direta com o Cais Bar, pois além de se apresentar por várias vezes na casa noturna, também gravou canções de Joaquim Ernesto nos discos que celebraram efemérides do espaço cultural. "Tudo que for feito no sentido de lembrar esse espaço(Cais Bar) que foi um grande encontro de artistas e intelectuais e grande incentivador e divulgador de nossa música, é muito bem-vindo, pois revela a sua importância também, para os jovens de hoje", afirmou Ricardo.



Lúcio Ricardo - Foto Diário do Nordeste

O veterano tem boas lembranças da casa noturna. "Depois que voltei ao Ceará no ano 2000, o Cais Bar estava bombando na Praia de Iracema. Comecei a cantar lá e tenho uma amizade sincera com o Joaquim Ernesto, pelo qual fui convidado para cantar nos discos comemorativos. Foi no Cais que conheci todos os artistas da música dessa geração atual do pessoal do Ceará. Fiquei tão íntimo de lá que, uma vez estávamos ensaiando com outros músicos e como não havia ninguém para preparar uma comida, acabei cozinhando para todos os presentes", relembrou o artista.



O Cais Bar e o espírito de uma época

O Cais foi um importante e marcante bar em Fortaleza, que pudemos frequentar na década de 90. O que imantava a atmosfera daquele lugar era uma mistura que não se poderia ter planejado acontecer. Circulava por lá uma “inteligentíssima classe média” de artistas, professores, intelectuais de diferentes gêneros, jornalistas, jovens aspirantes a tudo isso, e mais, ou nem tanto.




O Cais Bar foi para alguns de nós, esse lugar idílico que, acreditávamos sem precisar confessar, singraria titânico o eterno retorno dos modismos. Chegar na esquina do La Trattoria e olhar para o calçadão com a Ponte Metálica ao fundo, era uma espécie de “visão do paraíso”. Tamanha surpresa quando tudo aquilo naufragou num passado de uma memória traída, talvez nunca refeita do seu caráter melancólico de nostalgia, como outros lugares memoráveis da cidade (desta e tantas outras Barcelonas), inundados pelos interesses meramente turístico-financeiros.




Àquela época, dos nossos vinte ou trinta e poucos anos, vivíamos o deslumbramento de uma trama de delícias que recheava a pequena Fortaleza “contemporânea”: revistas literárias, um caderno de cultura aos sábados, casas de arte & cultura reunindo a finesse da gente, artistas nativos despontando como trupe pós-regionalista e então global, barracas de praia onde reverberava as conversações e o clima da night... De onde talvez ressoe em nós a famigerada e fatídica constatação no provérbio popular: “éramos felizes e não sabíamos”.




Em tempos de dispersão política e do deslocamento das utopias (das quais a Praia de Iracema e o Cais Bar foram emblemas de resistência), a lógica da produção e difusão das culturas e das artes veio se modificando, e os valores que antes mantinham o encontro, a presença, e alguma gratuidade, pulverizaram-se na maresia corrosiva da orla dos novos tempos. O fomento às artes e às culturas foi ganhando mais atenção e recursos, desde que um perfil mais “profissional” fosse adotado, com o predomínio das ações planejadas, e a necessidade dos agora reconhecidos (pelo Estado) “trabalhadores e criadores da cultura” compreenderem e aceitarem a lógica instrumental da elaboração de projetos, por sobre o dinamismo cultural. Por outro lado, com o “tempo de Murici” atravessando todas as estações, a ideia de uma esfera pública ampliada para a qual poderiam convergir as políticas culturais em face do bem comum, pareceu soçobrar à necessidade de preservação das espécimes raras, dos que falam mais alto, e à consagrada, e velha, maneira de alguns grupos e indivíduos fazerem política no Brasil (entre amigos e de soslaio para a maioria da população).




O contato com estrangeiros no campo da cultura se sedimentou – o que talvez fosse mais uma prova de que a pequena cidade “amadurecia” e realizava ao menos uma das facetas da natureza das metrópoles: a multiplicação das referências simbólicas proveniente dos trânsitos e tráficos interculturais, “dos fluxos que nela entram e saem”.




Por seu turno, ao lado da expansão dos novos tempos de “desenvolvimento”, vimos vingar e se atualizar, também aqui, o que o antropólogo Marc Augé chamou de “mundialização do vazio”. Ainda que se possa explorar o lado existencial da expressão, e reiterar, no campo dos afectos, isso que se costuma apontar como característica do ar do nosso tempo (“crise do comum”, “descentramento dos valores”, “desenraizamento”, “ausência de sentido”, “diáspora”, “síndrome do pânico” etc.); o que sentimos é que tais espectros da melancolia, particularmente no caso da Praia de Iracema, materializaram-se na figura espacial do tempo: nos terrenos baldios, nas zonas vazias, nos permanentes canteiros de obra, na expectativa adiada de “reinauguração” e no alijamento das comunidades do entorno nesse processo, como que exumando os fantasmas alegóricos de Will Eisner (no impagável “O Edifício”): libertos sob as ruínas da cidade persistem evocando lembranças.



O que hoje ocorre na pequena cidade, onde a Praia de Iracema está contida, e prefigura como o nosso território despossuído, remete-nos à grande Fortaleza, e tantos outros lugares de valor cultural para seus habitantes – que estão sendo desfigurados (ou abandonados) por interesses de ordem eminentemente financeira, e que, por suas características materiais e imateriais duráveis, bem comporiam, isto sim, um inventário de “Áreas de Proteção Cultural” que poderiam ser certificadas cidade afora. Não custa lembrar que se hoje o Cais Bar ainda congrega um número considerável de memórias que evocam o que foi a Praia de Iracema para alguns, é que sua marca mantém o seu valor, antes, por aquilo que tatuou na memória da (pequena) cidade, graças à sua capacidade em ter produzido, durante anos, uma atmosfera encantatória no dia a dia da Fortaleza.


Com Barry White - Crédito da foto


Nesse contexto de disputas por territórios na cidade, se há um movimento estratégico que agora se ocupa, em particular, com essa parte da pequena Fortaleza que nos é tão cara, pois tem mesmo o significado de pertencimento a um tempo em que um espírito de juventude nos imbuía do sentimento (e da consequente ação) de possuir a cidade; urge hoje outros movimentos que se ocupem da cidade por inteira, e inventem as pontes que possam perfazê-la como um Todo.


Foto de 22/09/1995 - Crédito da foto

Foto de 22/09/1995 - Crédito da foto

Sá Filho - Crédito da foto

Co-habitantes desse lugar-comum que é a cidade, onde nos acotovelamos entre buzinas e vidros fechados, numa invisibilidade de proteção fictícia, somos também co-responsáveis em fazer aceder à aristocracia político-cultural os rumores de outros mundos tão importantes quanto desconsiderados. Se observarmos as manifestações afetivas para com a Praia de Iracema, perceberemos que aquém ou além de quaisquer interesses financeiros, dos quais somos parte e não prescindimos, insiste também aquele desejo intocado de conviver numa cidade que se respeite, e que não exproprie aquilo sem o qual ela deixa de ser: seus moradores. Qualquer intervenção ou movimento em prol da cidade deve considerar também aquilo que não tem preço.





Também não podemos esquecer um dos melhores tira-gosto servido no Cais Bar, que era o verdadeiro carro chefe da casa, o Pedacinho do Céu:

O Pedacinho do Céu (peito de frango empanado, recheado com queijo e presunto, enrolado à milanesa), prato vencedor do Concurso do Boteco 2011.

Fotos que marcaram uma época:







Sá Filho e Joaquim




Fábio Giorgio Azevedo,
Psicólogo, mestre em Educação pela
Universidade Federal da Bahia


Créditos: Praia de Iracema: Fatores de estagnação de um espaço turístico à beira-mar 
de Elsine Caneiro de Souza, Diário do Nordeste e Jornal O Povo

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