Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Merceeiros
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Cine Merceeiros - 1930


O Cine Merceeiros da Associação dos Merceeiros

No dia 5 de abril de 1914 era fundada, em Fortaleza, a sociedade beneficente Associação dos Merceeiros, que se propunha a desenvolver atividades instrutivas e de defesa dos comerciantes de estivas e miudezas a retalhos e empregados no comércio, entidade que se mantem ainda hoje em pleno funcionamento.

A associação instalaria, dezesseis anos depois, na sua sede à rua Major Facundo, 421, esquina com rua Clarindo de Queirós, na Praça do Carmo, o Cine Merceeiros. A festiva inauguração ocorreu, no sábado, 1º de novembro de 1930, com a comédia A Ver Navios (Why Sailors Go Wrong; Fox Film Corp., 1928, 6 rolos, direção de Henry Lehrman, argumento de William Conselman, cenário de Randall H. Faye, com Sammy Cohen, Ted McNamara, Sally Phipps, Nick Stuart, Jack Pennick e Carl Miller).

O “Correio do Ceará” (3.11.30), registrou assim a inauguração:

INAUGUROU-SE ANTE-HONTEM O CINEMA DOS MERCEEIROS

Ás 19 horas, do dia 1º, na sede da conceituada Associação dos Merceeiros, fez-se a inauguração festiva do Cine Merceeiros, o qual se apresentava com todo o conforto e escrupulosa organização, representando mais um serviço de vulto conseguido pela atual Diretoria do pujante Centro de classe.

Convidados fomos para assistir o acto, e enviamos aos dirigentes os nossos parabéns, bem como toda nossa sympathia.
O cinema a partir dessa data ofereceu uma programação semanal, com filmes já lançados pelo circuito Severiano Ribeirotendo exatamente cinco anos de existência...

Quando comemorava o seu quinto aniversário, na noite de 1º de novembro de 1935, o Cine Merceeiros foi atingido por um incêndio que determinou o fim de suas atividades. Na festiva noite, que a fatalidade marcou, o filme exibido era “Manda Quem Pode" (Disorderly Conduct; Fox Film Corp.,1932, 7.400 pés, direção de John W. Considine, estória e diálogos de William Anthony McGuire, continuidade de Del Andrews, edição de Frank Hull, fotografia Harry Dawe, com Spencer Tracy, Sally Eilers, El Brendel, Ralph Bellamy, Ralph Morgan, Alan Dinehart, Cornelius Keefe, Sally Blane, Nora Lane, Dickie Moore, Claire Maynard, Pat O'Malley, Frank Conroy e Pat Harmon).

Reportando o incêndio que determinava o fim do Cine Merceeiros, o “Correio do Ceará”, no dia 4 de novembro de 1935, publicou a seguinte matéria:

O INCÊNDIO DO CINE MERCEEIROS

UMA COMMEMORAÇÃO FATÍDICA:
MANDA QUEM PÓDE!

Estava commemorando o seu 5º anniversario, o “Cine-Merceeiros” que é um dos mais populares cinemas da capital, quando, na 3ª parte da fita do dia, irrompeu o inesperado fogo, cerca das 9 horas da noite do dia 1º.

A Origem do Incêndio
Começou o fogo na “cabine” no momento em que a fita “quebrava" tendo o operador, no intuito de desembaraçar a pellicula, demorado um pouco a corrente sobre o espelho voltaico, occasionando o calor excessivo sobre o celluloide. Das versões que corriam no momento, esta nos parece mais razoavel. As chammas tomaram violentamente, toda a cabine de madeira, transmitindo as Iabaredas ao forro.
Percebida a realidade do perigo, estabeleceu-se ƒormidavel confusão. A “cabine" que fica atraz da platéa, estando coberta de Iabaredas, impediu a unica porta de acesso ao salão; sendo as inumeras portas laterais todas de “varanda". Ficou a assistencia toda cercada sem sahida rapida.
No primeiro instante, o "elemento masculino” não tergiversou: voou pelas varandas. Mas, num momento de heroica reflexão, numerosos cavalheiros voltaram a acudir o “elemento feminino” que assombrado, gritava tragicamente.
Viu-se, então, “raro trabalho" de salvação: senhoras, senhoritas e crianças carregadas, com viva presteza, por cima das grades de ferro que “avarandam todo o quarteirão” ocupado pelo majestoso palacete da “Associação dos Merceeiros" localizado à rua General Clarindo, entre Major Facundo e Marechal Floriano.

Os Seguros 
Informaram, no momento, de não haver seguros, nem no predio, nem no cinema. O presidente do cine, sr. Ignacio Costa, esteve presente, mostrando-se vivamente surprehendido com o sinistro.

“Manda Quem Pode!"
Era este o titulo da fita que se exhibia na occasião. O povo, seguindo a ação dos Bombeiros, applaudindo a coragem dos soldados e recuando aos estrondos mais fortes, fazia trocadilhos sobre o titulo, alludindo o poder do fogo, deante da lamentavel falta dagua, o que se verificou tres vezes.

A Fita da Bayer
O apparelho synchronizador da fita da Casa Bayer não trabalhava na filmagem da cinta “Manda quem póde".

O sr. José Penha, viajante da Casa Bayer calcula os prejuizos com o incendio do seu apparelho e do film em quantia superior a cincoenta contos de réis.

Ainda sobre o incêndio do Cine-Merceeiros, o “Correio do Ceará", na edição de 5 de novembro, publicou entrevista com o Presidente da Empresa mantenedora do cinema com novos esclarecimentos:

"A causa do fogo não fora propriamente aquela que em nossa noticia anterior julgamos veridica. O motivo real do incendio, assegura-nos o nosso informante - foi uma faísca desprendida da chave de ligação em curto circuito, vindo dita fagulha cahir justamente sobre os pedaços de fita que estavam proximos.
A proposito, lembramos aqui a grandeza de intuitos com que foi creado aquelle cinema.

A Associação dos Merceeiros possue uma importante escola para os filhos de seus associados, e, durante algum tempo, Iuctou com certa difficuldade financeira.
Alguns directores da Associação à frente da qual estava o proprio sr. Ignacio Costa naquelle tempo, lembraram a idéa de montar-se um cinema com o fim de serem empregados os lucros na manutenção da escola.

-Infelizmente queimou-se o nosso cinema, mas felizmente estava no seguro..."

O grande inimigo dos cinemas, o fogo, encerrava a iniciativa da Associação dos Merceeiros, de dar aos seus sócios e à cidade, um cinema alternativo.


(Grafia da época) 

Fonte:  Livro Fortaleza e a Era do Cinema de Ary Bezerra Leite


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Praça do Ferreira por Raimundo de Menezes



Foto de 1936

A Feira Nova, a futura Praça do Ferreira, a principal da Fortaleza, teve a sua história, que merece ser relembrada.

Boticário Ferreira

Em 1825, chegava de mudança ao Ceará, vindo do Estado do Rio, o boticário Antônio Rodrigues Ferreira. Estabeleceu-se naquele local, concentrando, em pouco, em seu torno, as atenções dos fortalezenses, pois era homem de visão larga e notável simpatia. Sua botica ficou sendo o "rendez-vous” dos políticos da terra, da gente de prol (de destaque). Dado o prestígio granjeado pelos seus dotes pessoais, era, em 1848, eleito vereador e, logo mais, vice-presidente, depois, presidente da Câmara Municipal da Capital, cargo que exerceu, ininterruptamente, pelo largo período de doze anos, trabalhando sempre em prol do desenvolvimento material da cidade, e cujo nome ficou perpetuado na Feira Nova, como homenagem póstuma dos seus contemporâneos, após seu falecimento, em 29 de abril de 1859.


Antônio Rodrigues Ferreira, o boticário Ferreira, foi o político do seu tempo que mais influência exerceu e que maiores benefícios prestou ao aformoseamento da cidadezinha que desabrochava promissora.
Até o seu tempo, a Feira Nova, nome que se lhe aplicou em virtude de ser ali que os comboieiros costumavam expor à venda as mercadorias trazidas do sertão, morria no beco do Cotovelo, formada de uma linha modesta de casas modestas, em cuja extremidade se trifurcava em ruelas pobres.


Dessas, uma, a que ia parar na Lagoa do Garrote, em determinado ponto, um pouco além, possuía, situado no centro da rua, grandioso e ensombrado cajueiro. À sombra dele, ficava a casa do Fagundes, o único açougueiro da terra. Ali matava e ali esquartejava as reges. Relembremos, com emoção, o episódio que o celebrizou, e que já foi contado, com pena de mestre, por Gustavo Barroso.

Ocupava, a esse tempo, o cargo de governador da Provincia, Luís da Mota Féu e Tôrres, homem ríspido e muito jactancioso das funções que exercia.
Costumava ele passear em belo cavalo, todas as manhãs, e aconteceu que, certa vez, ao passar sob a frondosa árvore, seu chapéu de três bicos agaloado e com tope fosse arrancado por um galho.
Apanhe meu chapéu, gritou o governador, para Fagundes que, em mangas de camisa, gozava a fresca, assentado num tamborete. Este não deu ouvidos, imperturbável ficou, imperturbável continuou.
Luís da Mota, mais áspero, deu nova ordem. Inútil o resultado. Fagundes permaneceu impassível.
Irritado, esporeou o cavalo e avançou, resoluto, na direção do açougueiro, que não se intimidou. Era homem afoito e corajoso. Jamais o haviam humilhado. Se o governador lhe pedisse com boas maneiras, com jeito cortês, por favor, ergueria, sem constrangimento. Mas, daquela forma, com grosseria e com imposições, jamais se submeteria. E foi o que aconteceu.
O tom ameaçador de Mota Féu não o demoveu:
Não me apanhas o chapéu, vilão duma figa, pois eu, que ia somente mandar cortar o galho baixo do caijueiro, agora o porei no chão e adeus açougue!
Dali seguiu, exacerbadíssimo, o Governador rumo ao Palácio, que ficava naquela casa envelhecida e escura de sujo, que se erguia, acaçapada, dentro de verdadeira muralha, na rua de Baixo, nas imediações do Mercado de Cereais.
A notícia esparramou-se, veloz como um raio, pela cidade quieta, desacostumada a novas desse jaez. Toda a gente bisbilhotou, assanhada. A novidade era de deixar o fortalezense de boca aberta. Mas o Fagundes enfrentara mesmo o Governador? perguntava-se,incrédulo. Era, não há dúvida, homem peitudo de fato. Já o sabiam, mas não para tanto.
O certo é que, no dia seguinte, cedo, cedinho, mal o sol despertara, os empregados do Governador, armados de machado, ameaçavam derrubar o cajueiro do Fagundes. Esse, munido de longa faca, juntamente com meia dúzia de magarefes, pôs em fuga os emissários de Mota Féu.
A notícia esparramou-se, veloz como um raio, pela cidade quieta, contaram ao Governador o que acontecera. o qual mais irritado ficou, determinando a ida ao local de uma leva de praças de polícia. Nesse ínterim, o afoito Fagundes, que tudo previra, provocou uma espécie de levante: trouxe para a rua 5 açougueiros do Garrote, os flandeiros da rua da Boa Vista, os merceeiros da rua Formosa, os carapinas da rua de Baixo, os ferreiros da rua do Quartel, até os pescadores da Prainha, todos os que tinham uma profissão no lugar. Traziam pistolas e bacamartes. A tropa carregou-os. Então levantaram trincheiras na encruzilhada das três ruas e abriram fogo contra ela, que recuou. Daí o nome das três ruas, perpetuando o episódio: rua do Cajueiro, rua das Trincheiras e rua do Fogo.
E, encerrando narrativa tão emocionante, Gustavo Barroso escreve:

“O governador desistiu de pôr abaixo o cajueiro, a cuja sombra o Fagundes continuou a vender carne à cidade. A vontade dum homem só, não conseguiu vencer a duma população inteira, O capricho dum tirano não conseguiu impor-se a uma gente que ainda tinha vergonha e brio. Defendendo sua liberdade contra a tirania, os antigos habitantes da humilde vila do Forte, como era chamada a nossa Fortaleza, deixaram escrito nas tabuletas de suas ruas um belo exemplo às gerações vindouras.”

Era assim o fortalezense intrépido e desenvolto. Pagava para não brigar, mas, quando na briga, pagava para não sair...

Perto, pertinho, branca de cal, erguia-se a velhíssima igreja do Rosário, e, logo adiante, quase nos fundos, na rua que lhe tomara o nome, hoje Cel. Bezerril, ficava outra árvore, também histórica para o filho da terra. Era o oitizeiro do Rosário, que a cidade inteira conhecia e amava. O oitizeiro-macróbio, como o haviam cognominado, muitos anos depois.
Ali o vimos, nos tempos da nossa meninice e assistimos, contristados, quando a picareta do progresso o prostrou, com o geral protesto de toda uma população.
Foi Gustavo Barroso, quem o cantou em página lapidar:

“Velho oitizeiro, contemporâneo da fundação da minha cidade natal, ninguém te cantou a vida centenária nem a morte breve. Não houve um Afonso Arinos para louvar a tua solenidade verde e triste como a do Buriti Perdido, testemunha silenciosa das bandeiras! Quando nasceste brotando tímido do solo arenoso, a vila do Forte compunha-se duma única rua torcicolosa, emparelhada ao curso do Pajeú. Aqui e ali, dela saía um beco de mocambos e casebres de taipas. A capela do Rosário, caiada de novo, dava-te as costas com desdém. Cresceste. A capela tornou-se igreja e a tua copa chegou ao beiral do seu telhado. Por cima dos cercados e das ateiras, vias para os lados do Garrote a histórica cúpula de verdura do Cajueiro do Fagundes, que o governador Luís da Mota Féu e Tôrres quis pôr abaixo, recuando diante do poviléu assanhado e feroz. E éreis as duas árvores tradicionais da cidade que se ia formando.
O cajueiro, que servia de açougue, morreu de velhice. Tu continuaste a crescer, a deitar raízes, a aumentar a fronde, no meio dos casebres barrigudos e escuros. Viste a displicência do viajante Koster, sentado ao luar numa “roda de calçada” da praça vizinha. Ouviste o taciturno murmurar do governador Sampaio. Avistaste o governador Rubim vendendo apressadamente as alfaias antes de regressar a Portugal. E estremeceste rudes vozes de comando de Conrado Jacó de Niemeyer, depois de vencida a revolução de 1824.
A cidade de Fortaleza foi crescendo contigo, lentamente, sob o sorriso azul do céu, alegre nas invernias, melancólica nas sêcas assassinas. E eras como o pastor no meio do teu rebanho de casas humildes, a cabeleira verde agitada ao vento do Atlântico como uma bandeira.
Oitizeiro velho, conhecias tôda a gente e tôda a gente te conhecia. Devia ser no teu tronco rugoso que o famigerado Padre Verdeixa amarrava o cavalo, quando ia em voz alta insultar, debaixo das sacadas do Palácio,
o Presidente padre José Martiniano de Alencar. É possível que certa noite se tivesse agitado a ramaria àtrepidação do estrondo do bacamarte que matou o major Facundo. Decerto tuas fôlhas mais altas presenciaram por cima dos telhados o enforcamento dos réus no largo à entrada do desaparecido beco do Cotovêlo.
Durante muitos anos, a melhor escola da cidade funcionou na tua vizinhança, em frente do antigo Quartel de Polícia. Escutavas, recolhido, a monótona cantilena dos meninos decorando a cartilha e a tabuada. E, quando os bolos da palmatória estalavam e os lamentos cortavam o ar, não sabias se era o decurião que castigava os alunos vadios, ou se era o delegado que mandava corrigir os escravos fugidos, os bêbedos, os vagabundos, os ladrões ou as rameiras.
A cidade que viste nascer fêz-se moça e tornou-se mulher. Em lugar das barrigudas casas de taipa, alevantaria-se sobrados. O arrôjo dos primeiros arranha-céus de cimento armado espantou a tua altura vigo­rosa. Os automóveis, fonfonantes, reclamavam tua queda, porque lhes estorvavas a velocidade, tu que conhecias uma por uma as velhas traquitanas de magras pilecas, alugadas pelo Golignac, mais velho do que elas. Não houve voz, pedido ou protesto que te salvassem. Condenaram-te à morte. E tu, que perderas a grade protetora, posta pela bondosa Câmara Municipal de 1877, que fôras amputado várias vêzes por estorvares as platibandas dos prédios próximos, desenraizado brutalmente, cortado e recortado em achas, acabaste como lenha oferecida pela nova edilidade às cozinhas da Santa Casa.
Mais nobre e útil do que os que te derrubaram, morreste dando o teu corpo para ferver a sopa dos enfermos e dos pobres.
No século XVIII, o povo revoltava-se para salvar um cajueiro. No século XX, os povos não se revoltam mais por causa duma árvore que viveu com êles. .. Os povos aos poucos perderam a alma.”

Passeio pelo centro, vendo-se a Praça do Ferreira na década de 50/60.
Acervo da família Lonngren Sampaio

Fortaleza de 1858, como eras encantadora, na tua modéstia e na tua simplicidade deliciosamente colonial.
Já tinhas comoventes histórias para contar-nos, nesse tempo. . . E com que esplêndidos episódios sabias tecer as tuas narrativas feitas com o heroismo e com a bravura do teu povo.., da heróica e da brava gente cearense.
Mais tarde, o poeta Paula Nei, teu filho dileto, em sonêto magistral, havia de evocar-te, emocionado, os olhos marejados de lágrimas, debruçado na amurada de um navio, vendo-te, distante, ao embarcar para a Côrte:

Ao longe, em brancas praias, embalada
Fortaleza, a loira desposada
Do sol, dormita à sombra dos palmares.

Fôra naquele 1858 que vira a luz do dia Francisco de Paula Nei, num recanto provinciano de terra nordestina...


Crédito- Astolfo Lima do blog Literatura Real

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Muriçoca - Figura lendária do Theatro José de Alencar



José Cassiano da Silva, figura lendária e popular do Theatro José de Alencar, por muito tempo o mais antigo funcionário do teatro. Contra-regra, depois porteiro, cativava todo mundo com seu jeito simples, espontâneo e despojado.

Em plena forma e muita alegria de viver, José Cassiano da Silva - mais conhecido como Muriçoca - é o porteiro oficial do Theatro José de Alencar há mais de 37 anos. De origem humilde, já exerceu diversas atividades: lidou com a terra no sertão e foi até sapateiro. Hoje, além de trabalhar no TJA, continua fazendo também a cobrança para a Associação dos Merceeiros, cargo que já exercia na época em que conheceu a trupe do teatro dos gráficos, da qual pertenciam o diretor Domingos Gusmão e sua esposa, a atriz Estelita que lhe deu o apelido de Muriçoca. Quanto à terceira idade, Muriçoca não costuma sequer pensar no assunto. Ele se considera uma pessoa muito feliz. ''A gente é que procura ser feliz. Tem muita gente por aí que fica com raiva facilmente, parece que não gosta da vida. Só espero coisa boa na terceira idade porque coisa ruim ficou para trás''

OPovo

Pouca gente sabe, mas a primeira vez que Muriçoca adentrou pelo portão principal do Theatro José de Alencar não foi para trabalhar na portaria. O episódio aconteceu 30 anos antes. Na época, Muriçoca era apenas José Cassiano, um jovem soldado voluntário disposto a lutar na revoluçao de 1932, em São Paulo: "0 teatro se transformou num quartel improvisado, muita gente compareceu e a viagem acabou não acontecendo". Em pouco tempo a frustração deu lugar ao encantamento. Natural do Crato, ele considera o Centro o bairro mais simpático de Fortaleza. O momento mais emocionante de sua vida foi no TJA. Durante a Semana Santa de 1937, ele assistiu a apresentação da peça sacra "0 Gólgota". Durante a cena de luta, a lança perfurou o peito de Jesus. E enquanto o sangue jorrava em cima do palco, Muriçoca chorava na platéia, mesmo sabendo que tudo não passava de encenação. "Vixe Maria, furaram o nosso Senhor!", recordou o porteiro. O apelido Muriçoca surgiu quando ele ainda era contra-regra do TJA e aparecia a todo instante em um lugar diferente: "Esse rapaz é que nem Muriçoca aparece em todo canto...", gritou uma diretora durante os ensaios. Pegou!

Colocarei agora trechos da entrevista dada por Muriçoca - Concedida a Francisco Salvino Lôbo. Essa entrevista está dividida em 9 fitas e pertece ao Museu da Imagem e do Som:

Casa do entrevistado - Rua Adanías de Lima, 348 - Morro do Ouro (Fort. Ce)

Salvino – A gente vai começar pela infância do senhor lá no Crato. Onde o senhor nasceu? O nome dos pais?

Muriçoca – Eu sou filho de pessoas pobres, meus pais, tá ai nesse comércio e eles ficaram órfãos de pai e mãe e foram criados nas casas dos outros, então meu pai é filho de Porteira de Fora e a minha mãe é filha do município de Crato, do Riacho Seco, no sítio do pessoal, aqueles Teles, Fidelmon Teles, Pinheiro, aquele general Raimundo Pinheiro Teles. Você ouviu falar dele? Pois eu nasci naquele canavial. Foi passando-se o tempo e tal, a gente trabalhando na roça. Comecei a trabalhar com cinco ano de idade, em 1919. Em 1919, meu pai plantou um arroz, em um cerco e mandou que eu fosse botar sentido os passarinho e ao mesmo tempo ele disse: José você vai tirar o feixe de capim pro animal. Que lá tem um bananeiral, tinha muito capim de planta, a gente chama de pinga. Ai fui tirar o capim, negócio de 3:00 hora da tarde, 4:00 hora, fui tirar o capim. Quando desci o riacho, quando eu cheguei com o capim em cima, subi, tem aquela subida, batente, ai coloquei o capim em cima, tinha na cabeça, tinha ali assim uma distancia de uns dez metros, a nuvem de passarinho levantou. Vixe Maria! Agora sim. Mas sabe o que foi que eu fiz? Peguei o arroz, ele tava virado as avessa, eu fui cobrindo a casca do arroz. Cobri todinha. Tudo bem. Cinco, seis horas, os passarinho foram dormir, eu fui pra casa. O velho tinha ido pra rua, vender uma carga de venda, na cidade, em Crato. Quando vem a chuva, o arroz nasceu, mas onde o passarinho comeu num nasceu um pé. O velho foi olhar, chegou em casa, o véi era daqueles ignorante, era novo, eu chamo véi, mas era rapaz novo, era homem novo, em 1919, eu tava com cinco ano de idade. Quando me pegou pelo braço, meteu a peia, ai eu pulando, parecia um macaco, o mijo correndo. Ai minha mãe saiu de dentro, disse: o que é isso, Cassiano? Quer matar o menino, o que o menino fez? Esse cabrito sem vergonha deixou o passarinho comer o arroz todo. Ai se agarraram. Até que ele deixou, me soltou. Ela foi cuidar das minhas costa com água de sal. Chicote era de relho cru. Fiquei todo encalombado.
Num precisa se afobar desse jeito, dá no menino, tá todo arrebentado. Passou. Ele continuou pastorar o arroz, ai foi trabalhando e veio o inverno. Ai fumo trabalhando na roça, plantando cana, chegou a época do mês de abril, ai fumo pra plantação de cana. Eu tenho uma irmã, então tavam trabalhando plantando cana e tinha a minha irmã, que a gente saia de lá ia compra uma cachaça na Baixa, um sítio que tinha lá detrás da Baixa, comprava aquele tonel de cachaça, duas, três, pra vender naquelas festazinha, na beira de estrada, minha mãe fazia sempre um bolo de mandioca, de milho.

MURIÇOCA E O ALISTAMENTO MILITAR

Muriçoca- Aí eu me alistei quando cheguei, ele...

Salvino- Aí o rapaz do alistamento perguntou né, a idade.

Muriçoca- Três de setembro de 1913, ai me alistou, na hora que terminou, me deu três mil reis naquela época, eu fiquei todo cheio de vida, já sabia que os outros tavam recebendo, e eu naquele dia num recebi, porque se eu tivesse me alistado no outro dia, tinha sido mais três mil reis a mais, naquele dia eu perdi os três mil reis, aí fui pra casa, quando cheguei em casa a mãe ficou alegre, e chorando porque eu tinha me alistado pra ir pra guerra. Eu digo: não mãe, ninguém vai morrer não, se morrer ninguém nasce pra semente. Aí dei o dinheiro logo a ela, pra ela compra alguma coisa, um feijão, todo dia a gente tinha dinheiro, recebia os três mil reis, aí saía, comprava cigarro, quando, passou uns seis a sete dias, pra gente embarcar, aí eles deram a gente, eu tenho falado tanto, mas as vezes me esqueço do total x, parece que uns nove mil réis, é um negócio assim viu, eu sei que eu deixei uma parte de dinheiro em casa, e fui com outra, agora eu vim com o mesmo dinheiro, aí quando eu sai ela disse, meu pai, minha mãe: num precisa levar mais? Não, precisa não, nós temo. Aí viemo, ai vai chegar coisa boa, quando o trem desembarcou foi aquele choro, aquele pessoal chorando, que a gente ia tudo pra guerra, a família da gente e os conhecido, cidade pequena né, que naquele a chegada do trem e saída era assim, ninguém perdia uma saída do trem, e a chegada, era muito difícil, perder, só se não pudesse deixar aquilo ali, mas você ia assistir a chegada e a saída, e aí fui embora, apitando aquela maria fumaça, quando chega num certo ponto, o trem saía as duas e vinte da tarde, nessa hora mais ou menos mais tarde o pessoal: a galinha, coisa e tal, a galinha muito boa e tal. Então uns comprava, pagava, outros num queria, um camarada, colega meu Xavier e Zé Ferreira, aí Zé Ferreira mais danado: deixa ver. A primeira partida, a segunda, quando foi a da terceira ele disse assim: deixa ver ai menino. Ai: deixa eu ver o dinheiro logo. Tá aqui o dinheiro rapaz. Ficou puxando assim o (?), aí entregou o prato, quando entregou o prato: Ei, me dê o meu dinheiro. Ele botou a comida no chapéu, jogou o prato de ágata: Nós vamo pra São Paulo defender vocês. Não, mas meu dinheirinho o que vou fazer, o que é que vou dizer a mulher? As vezes tinha aquelas pessoa de melhor situação, fazia aquelas comida, pra botar aquelas menino, aquelas mocinhas, pra ir vender, ganhar um tostãosinho, dois, aquele negócio, e o desgraçado vem desse jeito ainda faz isso né, aí eu vi o outro fazer: vou fazer também, aí meti o pau, comecei a fazer, ai foi o resto da tarde, o outro dia quando amanheceu o dia, de nove horas pra dez horas, começavam a vender aquelas galinha, (?) até aqui pelo, no Otávio Bonfim, a gente fazia assim, fiz muito isso, acho que tou pagando certas coisa... ai quando chegamos aqui, descemo aí na estação e tocamo ali, eu num sei, eu tou achando, eu sei que tinha umas planta ali, eu tou achando eles tão fraco assim, de 1932, já tá plantado, 32 pra 98 é uma porção de ano né.

O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Salvino – Os campos de concentração. Aí depois disso o inverno melhorou, como foi a família, a partir daí? (...) Sabe o que eu queria perguntar o senhor? Por mais que a gente é menino, a gente brinca de muita coisinha, a gente brinca até com sabugo que a gente acha. Qual era os seus brinquedos, quando era menino?

Muriçoca- Eu vejo esses menino, tudinho diz: ai que todo mundo, dia de pai, é dia da mãe, e dia de tudo e natal (...) Bom, você agora me tocou num assunto, que fez eu me lembrar das muitas coisas, que eu vejo todo menino hoje quando é natal, dia de festa, dia de ano, todo mundo quer carrinho, quer uma coisa e quer outra. Naquela época, os menino, a gente brincava muito era com aqueles ossos, os corredor de boi, naquele tempo o pessoal matava aquele boi, batia aqui no corredor e num cortava nem nada, soltava ai, batia aquela graxa, aquela gordura como chama o caboco mesmo, e acabar salgava lá e o cachorro iam roer, então a gente fazia, brincava daqueles touros, aqueles grande, era os touro, as mais magra, era as vaca, tinha os bezerrinhos, era a brincadeira daquele tempo, então tinha também aqueles (?), tinha aqueles mucunã, tinha aquelas (?), a gente tirava, fazia era o boi a vaca, jatobá, só dessas coisa né, era os brinquedo daquele tempo e as meninas era sabugo de milho, fazia aqueles negócio, era aquelas bonequinha, aquelas coisas, os pobres que num podia comprar nada né, os rico ainda comprava, tinha aquelas bonequinhas de louça, que os ricos comprava, hoje é tudo, rapaz, é bicicleta, é revolver, é metralhadora, é tudo, aquele negócio, essa rua aqui hoje, rapaz, é cheio de bicicleta, de motocicleta e o pessoal diz que o tempo tá ruim, por isso que eu fico com raiva, eu fico revoltado com isso. Tempo ruim, eu mesmo cheguei nessa rua aqui, dia 8 de março de 1938, eu entrei nessa rua, quem era que via, tinha um camarada que fazia uns tamborete ali na rua da Saudade, uma oficina que fazia aqueles tamboretes redondo, aquelas tábuas comprada no mercado, pra vender no mercado, aquelas mesinhas quadradas, ou então redonda, com aqueles tamborete pra vender, os tamborete era as mobília, hoje o sujeito é sofá de todo jeito, coisa e tal, quando o bicho tá furado nem manda mais consertar, joga é no mato, toca fogo e eu fico olhando isso, ainda diz que o tempo é ruim, nessa época agora é a época que o povo mais como galinha, que é era difícil sujeito comer galinha, apesar de num ser galinha de granja, mas nessa temporada que eu entrei aqui, tinha o pessoal que viajava de trem, comprava aquelas galinha no interior, galinha caipira mesmo, a caipira que passou pra capital, chama galinha pé duro, então, tinha um senhor ali por nome Fernando, que era um bagageiro e o Cangulo também, que era guarda-freio, (?) maquinista, aqui morava muita gente (?) tinha pressa, tinha só que pular o muro, tava dentro do serviço, então, eles trazia as coisa, as coisa de casa, chegava, num passava nem ali no portão, era só jogando no portão e o pessoal pegando, (?) maquinista, (?), só aquele pessoal, eu trabalhando de sapateiro aqui, na trezentos e vinte e oito ali, isso na época de quarenta, 4 de outubro de 1940, mudei pra essa terra em 28.

Salvino – O que eram os magarefes?

Muriçoca – É o pessoal que corta carne, os açougueiros; pessoal que trabalha em carne, açougue, são os magarefe.

Salvino – O senhor falou da legião, que legião era essa?

Muriçoca – A Legião Cearense de Trabalho, foi uma organização que houve naquela época que o comandante diretor era o Tenente Severino Sombra, e tinha aqueles dois movimento, era a Ação Integralista Brasileira e a Legião Cearense do Trabalho.

Salvino – Elas eram ligadas uma a outra?

Muriçoca – Não. Eram inimiga, eram contra. O integralismo, era parte do Hitler da Alemanha e eu como solteiro, esse padre Antônio Gomes, que eu falei, eu ia trabalhar de manhã todo bonito, e ele me convidava pra eu deixar de ser legionário pra ingressar na Ação Integralista Brasileira, que um rapaz novo, forte, ia estudar no ginásio e mais tarde eu me tornaria um oficial do exercito brasileiro e era outro homem, ai eu respondia: “padre Antônio, não, eu quero ficar mesmo como Legião Cearense do Trabalho, sou operário pobre.”

Salvino- Você tava se mudando pra casa do cunhado.

Muriçoca- Mudamo pra lá quando surgiu na época os entegralistas.

Salvino- O senhor da padaria e o ministro era entegralista também ou não?

Muriçoca- Se era eu num sabia não, num tinha conhecimento não, nunca ouvi nem falar esse negócio de política. Tinha um amigo meu, era rapazote, trabalhando em olaria, carregando tijolo, essas coisa de jumento e tal, o Edmundo, ele foi também aprender arte de sapateiro etc. depois veio pra cá pra Fortaleza, sentou praça na polícia, e quando surgiu o movimento dos entegralista, aquela revolução, Plínio Salgado, aquele movimento todinho e os comunistas...

Muriçoca- Aí ela se atuou, pegou lá um mestre e fizeram aquela prece em mim e rezaram. Nessa noite eu já fui dormir. Ela mandou fazer um caldo pra mim, passei o dia melhor, fui melhorando e fiquei continuando. No outro dia ela veio em casa, depois eu já fiquei indo na casa dela. Ela morava pertinho, tem a saída ali, quando chegar onde tem aquela subida que você entra pra lá, tem uma rua, que hoje tá tudo modificado mas era uma casinha beira-e-bica, calçada alta, ela morava ali: “o senhor vai lá pra casa, pode ir?” Eu digo: “vou.” Aí eu sai me arrastando. Nesse tempo eu trabalhava de sapateiro, tinha uma calça de mescla cortada, suja de tinta, cola, grude e tudo, de limpar as mão. Ela disse: “você vai onze hora, que é o tempo que o João vem da estação.” O marido dela era carreteiro e trabalhava na estação, pegava aqueles volume, que tinha um trem chegando de Baturité, disse: “João tá aqui pra prestar atenção na casa.” Era uma parada, ninguém podia fazer esse negócio não, que a polícia batia em cima. Eu fui pra lá, e coincidiu que nesse dia, era um dia 7 de setembro, (...) ela tinha vindo da parada, eu tava sentado na calçada alta, casa dela é calçada alta, com as perna dependurada, ela com um pano amarrado na cabeça, quando foi me avistando: “vixe Maria, que é isso!” Logo na minha porta. Ela era uma preta velha, num era dessas dos cabelo muito enrolado, mas também num era muito solto não, era dos cabelo meio duro. Aí eu disse: “é dona Amélia, eu tou aqui, mas se a senhora acha que num tá dando certo, eu vou-me embora.” Ela disse: “não, pode ficar, eu num tou dizendo isso com o senhor não, seu Zé Cassiano, ave Maria, num se incomode com isso não.”

Muriçoca - Ator

Salvino- Nessa peça qual foi seu papel? Quando você entrou em cena?

Muriçoca- Eu num tô lembrado qual foi a peça, eu sei que eu fiz um detetive, parece que foi essa que ele botou “Muriçoca em Cena” fazendo detetive, mas num tô lembrado qual foi a peça, essa eu num decorei. Aí lá vem o convite pra gente..., quer dizer, já fizemo Maranhão, aí esse convite já foi em Recife, aí num fumo mais em Recife porque pouco tempo foi debandado, todo mundo preso. Aí ficamo no Theatro José de Alencar fazendo umas peçazinha e tal. Aí foi o tempo que o Gusmão adoeceu, ele era diabético, num se tratava e bebia, comia a toa, morreu magrinho, Domingos Gusmão de Mendes, um grande escritor, escrevia bem no Jornal Diário do Povo. Eu tinha uns jornais desse aí mas eu perdi muita coisa. Quando eu entrei no Theatro eu comecei a juntar aquelas papeletas, aqueles reclame, aquelas propaganda, e quando seu Afonso se aposentou ele disse: “Tá aqui Muriçoca, você gosta dessas coisas e eu vou me aposentar, num vou precisar mais disso, tu guarda, fica pra ti essa lembrança, tu gosta disso.” Aí guardei o que eu vinha juntado e o que o seu Afonso me deu, coisa antiga, aquelas peças antigas que veio do Procópio Ferreira, vários artistas, cantores, Vicente Celestino, eu guardei lá.

Os pais

Muriçoca- (…) Eles foram criados órfãos de pai e mãe, que eu já contei, mas numa fazenda da família Teles, o sítio por nome de Riacho Seco no município do Crato. Lá eles cresceram e foram indo, se namoraram. Tinha uma velha por nome Genoveva, na casa, assim eles me contaram depois, era a governanta da casa, era toda a confiança da família, a casa era numa fazenda, num sítio e ela tomava de conta de todo mundo. Então ela notou que eles estavam se namorando, aí perguntou a meu pai e a minha mãe, aí ele disse: “é, eu estou, quero me casar com ela.” “Pois é, então, vou dizer seu Odorico e a dona Mandú.” Que era os donos da casa. “Tá certo.” Aí ela contou a história a eles, eles disseram: “tá tudo bem.” Ai, tava na época da moagem, quando terminou a moagem, que acabou aquele serviço, aí ele foi, pediu pra vir ganhar um dinheirozim, porque lá, naqueles tempos, naqueles anos passados, quando terminava aquele serviço, eles saíam no interior, ali por Ingazeira, Aurora, Missão Velha, Cedro, trabalhando naquele roçado, quebrando milho, apanhando algodão. Então foi e saiu, trabalhando aqui, acolá, até que veio chegando, chegando... Agora, num me recordo bem se nessa época o trem... parece que só vinha até Baturité ou era Senador Pompeu, mas parece que era até Baturité, é tanto que o nome da estrada de ferro antiga é estrada de ferro Baturité, hoje passaram pra Reviação Cearense, depois passou pra Refesa e CBPU (SIC).

Encontro com Daniel Filho (Ator e diretor)

Muriçoca - Daniel Filho, era o diretor do filme, que eu me orgulho muito de ter tido lá um personagem num filme dirigido por Daniel Filho, ele gostava muito do Theatro, quando chegou lá tava a Iramiza Serra, aí ele perguntou: “quem é aquele rapaz acolá?” Ela disse: “é o Muriçoca.” Ele disse: “eu queria falar com ele.” Ela disse: “Muriçoca, o Daniel tá lhe chamando!” Naquela época ela era diretora do Theatro. Ai ele disse: “rapaz, é possível você trabalhar com a gente num filme?”

Memórias do campo de concentração

"Alguns desses guardas eram, inclusive, ex-concentrados, que devido ao “bom comportamento” ou outro motivo que desconheço, conseguia esta promoção. Meu tio, o seu Muriçoca, o qual acho que você conheceu, pois era muito popular em Fortaleza, por ser o porteiro do Teatro José de Alencar; foi guarda do Campo de Concentração do Crato. Esperto como era, além de ter um carisma inconfundível, titio com sua magreza aguda conseguiu driblar as autoridades. Fugindo da seca, ele se alistou para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Ao retornar para o Ceará, mais especificamente para o Crato, ele tratou logo de vestir sua elegante farda. Impressionado a todos, pois um homem fardado naquela época passava a idéia de respeito e autoridade. E, assim, conseguiu ser guarda em vez de concentrado. Que saudades dele! Que Nosso Senhor Jesus Cristo cuide bem de titio Muriçoca!"

(Personagem fictício criado para narrar à história real dos Campos de Concentração, tendo como base o livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”, da professora do Departamento de História da UFC, Kênia Sousa Rios.)


Jornal OPovo - 22 de Dezembro de 2003

Morre funcionário mais antigo do TJA

O tradicional porteiro do Theatro José de Alencar, José Cassiano da Silva, mais conhecido como Muriçoca, faleceu na madrugada de ontem vítima de uma infecção

Uma despedida simples, calorosa, emocionante. Assim como foi o homenageado, José Cassiano da Silva, 90, o seu Muriçoca, figura tradicional do Theatro José de Alencar (TJA) e o mais antigo funcionário. Ele faleceu na madrugada de domingo, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção. O corpo foi velado na sede da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), no Meireles, no início da tarde de ontem, com a presença de parentes, amigos, funcionários do TJA, artistas e políticos. Mas o acolhimento não podia deixar de ser no próprio Theatro, onde ele foi funcionário por quase quatro décadas.

Ao som do saxofonista Elismário, que interpretava composições de Vila-Lobos, gente amiga pôde prestar a homenagem, com a presença da diretora do TJA, Eliza Gunther. Gente que não era tão próxima de Muriçoca também compareceu. Com a instalação de uma feira de ambulantes na porta do Theatro, além da reforma da Praça José de Alencar, o movimento foi intenso.

Para o diretor de Theatro, Haroldo Serra, Muriçoca vai chegar ao céu com a intensão de fazer um acordo com São Pedro, que fica na portaria e recebe quem está chegando. O posto deve ser dividido agora com o novato, educado e vestido com um paletó. ''Meu pai era uma pessoa muito boa, muito querida. Fez muitas amizades na vida'', constata o único filho, Valdizar da Silva, 67.

O corpo de Muriçoca foi enterrado no fim da tarde de ontem em um túmulo da família. O cemitério São João Batista, localizado no Centro, fica em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, Dona Lindu, 88 anos. ''Não deixei minha mãe ir até o Theatro, era emoção demais'', conta Valdizar. Ele acrescenta que o pai vinha sentindo problemas no estômago há algum tempo, além de complicações em uma cirurgia que fez na próstata. O quadro de saúde foi se agravando e levou a uma infecção. Ele tinha duas netas.

''Não tenho palavras para homenagear meu irmão, o melhor irmão do mundo. Se pudesse sair gritando, diria bem alto: muito obrigada'', disse a irmã caçula de Muriçoca, Francisquinha Cassiano. Além dela, são mais quatro irmão vivos. Para o deputado estadual Chico Lopes, presente ao enterro, a cultura cearense perdeu um ativista popular. ''Muriçoca estava lá, nos carnavais da Praça do Ferreira, Guilherme Rocha... O Theatro José de Alencar perde uma figura. Mas a vida tem dessas coisas'', considerou o deputado.

''Era uma figura ímpar. A frase que ele mais gostava era 'seja bem vindo e sinta-se em casa'. Tinha amizades boas no meio artístico, junto a comunidade, entre os políticos. Tinha um quê de alma boa, apesar de ser humano e também ter defeitos. Não reclamava da vida mesmo doente e continuava trabalhando. Continua uma lenda, uma história, a partir do nome dele'', declarou o diretor teatral e ex-administrador do TJA, Fernando Piancó. Na despedida do Theatro, muitos aplausos para o eterno porteiro Muriçoca.


Portal da História do Ceará:

2003 - dezembro - 21 - Morre na madrugada, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção, aos 90 anos de idade, José Cassiano da Silva (Muriçoca), figura popular, elegante, usando gravata borboleta, um dos mais conhecidos e queridos personagens que passaram pelo Teatro José de Alencar - TJA.
Recebeu o apelido após comentário sobre o inseto em 1961.
Em 1932, quando se alistou para servir nas Forças Provisórias, durante a Revolução de 30, veio do Crato para Fortaleza e teve o teatro como primeira casa na Capital, que funcionava como quartel na época.
Foi cobrador da Sociedade dos Merceeiros; em 1965 ele passou a atuar no TJA, como contra-regra, por influência do diretor de teatro Domingo Gusmão de Lima.
Em 1973 foi nomeado funcionário do teatro.
Depois deixou de ser contra-regra e passou a recepcionista de espectadores e visitantes.
Seu corpo foi velado no Palácio da Abolição.
Seu cortejo passou pelo Teatro José de Alencar, onde houve uma homenagem e de lá seu corpo seguiu para o Cemitério São João Batista, localizado no Centro, em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, onde foi sepultado no final da tarde.



Créditos: OPovo, Ceará Cultural, Portal da História do Ceará, MIS e pesquisas na internet

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