Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Benfica
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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sábado, 20 de outubro de 2012

Avenida Carapinima - Um símbolo do Benfica



Avenida Carapinima é a continuação da Tristão Gonçalves

A Avenida Carapinima é a continuação da Avenida Tristão Gonçalves. Antigamente, os trilhos que saiam da Estação da Estrada de Ferro de Baturité para a zona sul do estado tinham curso pela atual Av. Tristão Gonçalves, que era conhecida como Trilho de Ferro, que também se chamou Av. 14 de Março, Da Lagoinha e N° 8. Em 1917, os trilhos foram retirados daquela avenida e foram para o local onde ainda hoje estão só atingindo a Av. Carapinima na altura do início da Av. José Bastos. O início exato da Av. Carapinima fica no cruzamento com a rua Domingos Olímpio e prossegue até desaparecer ao lado do trilho que vai em direção à Parangaba, depois da Bela Vista. Constitui avenida apenas entre as ruas Domingos Olímpio e Padre Fco. Pinto. O restante ficou prejudicado pela aproximação dos trilhos e do muro da RFFSA.


Avenida Carapinima - Arquivo Nirez

O nome foi adotado por Feliciano José da Silva, militante da Confederação do Equador (movimento revolucionário, de caráter emancipacionista e republicano ocorrido no Nordeste do Brasil que representou a principal reação contra a política centralizadora do governo de D. Pedro I). Movidas pelo nacionalismo, famílias que aderiam à iniciativa adotavam nomes mais “abrasileirados”. Condenado à morte por sua participação militar na Confederação do Equador, Carapinima foi fuzilado no antigo Campo da Pólvora, atual Passeio Público.


Avenida Carapinima - Foto de Jairo Silas

Quero ressaltar que essas reminiscências, todas essas lembranças aqui relatadas, integram a realidade dos chamados “Anos Dourados”. Anos que vivi na Rua Carapinima que, a propósito, bem mereceria  o homenageado, Feliciano José da Silva Carapinima, que lhe deu o nome, um Cordel que celebrasse a sua bravura na épica Confederação do Equador, em 1824, que tanto desejou a implantação da República no Brasil
O belo Passeio Público, vivendo hoje um momento de recuperação, foi tinto do seu sangue assim como de outros mártires, como Azevedo Bolão, Padre Mororó, Pessoa Anta e Feliciano José Ibiapina. A propósito Carapinima era alferes oficial da tropa de linha. Nasceu em Minas Gerais e era Secretário do Governo de Francisco Alberto Rubim, Governador do Ceará Colonial.




A Rua Carapinima de hoje já não é a mesma. Principia pelo fato de que longe estão de 
fazer parte do mundo em que hoje vivo, as aventuras ali ocorridas. Quanta felicidade em mim havia por ter visto um ninho no jardim da Professora Dido Facó, maravilha da arquitetura do rouxinol, que só foi descoberto pelo piá de seus filhotes sem plumas. A Carapinima de então tinha casas com jardins de belas flores, volteando entre elas abelhas e borboletas sob o sol dos nossos quentes verões. Era uma rua tal como  hoje integrada no bairro do Benfica onde os leilões, as novenas de maio, as quermesses instaladas na rua adjacente, a Rua Padre Francisco Pinto, no trecho entre a Igreja dos Remédios e o Dispensário dos Pobres até hoje existentes, eram as grandes atrações. O Dispensário era  uma instituição filantrópica mantida pela Congregação das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, voltada para à assistência aos pobres e aos idosos, além de promover a educação para as pessoas carentes. Ali ainda vivem pessoas que conheci, dobradas pelos anos  e que talvez lembrem com enlevo o tempo que passou, mas não ofuscou as imagens. A minha  memória refaz, com nitidez, as figuras refesteladas nas cadeiras de balanço e espreguiçadeiras para animadas conversas em que de tudo se falava: futebol, festas, discos voadores, notícias da política e se externava o receio 
pelos rumos da economia brasileira numa frase única: “dessa vez o Brasil cai no buraco!” .



Originalmente, o bairro do Benfica abrigava  os segmentos mais expressivos da sociedade 
fortalezense que morava em bangalôs e palacetes. O bairro era muito visitado e nele estava o Hipódromo do Prado onde se dava a prática do hipismo, isto desde 1920, sendo que hoje este hipódromo e campo de futebol é a sede da Escola Industrial do Ceará. No Benfica estavam os clubes Maguari, de onde saiu a Miss Ceará e  depois Miss Brasil Emília Correia Lima em 1955; o Gentilândia, Nacional, Ferroviário  e Fortaleza, esses últimos, agremiações futebolísticas, decerto, a escolha do local de construção do nosso Estádio Presidente Vargas deveu-se à proximidade dos clubes mencionados. Muitos diretores e torcedores do Cearáoutro clube de futebol, frequentavam o Benfica, embora o Ceará ficasse em Porangabuçubairro vizinho. 



Mas, a importância do Benfica  refletia-se também no elevado número de escolas públicas e particulares. Àquela época as escolas públicas eram mais bem conceituadas e um exemplo disso era o Grupo Escolar Rodolpho Theóphilo, grande autor de Libertação do Ceará; Queda da Oligarquia Acioly, onde é contada a saga da sua luta pioneira contra a cólera e o tifo no estado. 


O Grupo Escolar Rodolfo Teófilo

O colégio religioso mais conceituado era o Santa Cecília, de freiras vindas de Garanhuns, em Pernambuco, e Damas da Instrução Cristã. Outro colégio religioso, o de Nossa Senhora das Graças, foi precedido pelo Colégio Americano, onde estudei quando criança. 

A Rua Carapinima, modernamente elevada à categoria de Avenida, nascia na confluência da Avenida do Imperador com a Avenida Tristão Gonçalves, perfazendo cerca de 
três quilômetros. Aproximadamente duzentos metros do seu curso margeavam a linha férrea, terminando na Rua Padre Cícero, no mencionado bairro de Porangabuçu, a poucos metros do campo de futebol do Ceará. A Carapinima, então uma bela rua, transformou-se, hoje, numa via de tráfego intenso com seu antigo cenário quase todo destruído. Na verdade, ultrapassando o seu espaço físico, a Rua Carapinima concentrava em sua órbita as ruas e bairros adjacentes, como Gentilândia, Granja e o mesmo Porangabuçu. Morei numa rua que era de fato um símbolo do Benfica.



...tudo permanece bem vivo em minhas lembranças... chegamos hoje a tal ponto em 
que já é difícil recordar como era antigamente. Saudades vivemos dos anos de 1960 e lá bem no fundo indagamos se a velha cultura humanística terá de fato ido pelos ares... A Rua Carapinima tinha mesmo era um quê de interior e encarnou uma época de amor e fortes relacionamentos humanos. Uma das razões  é que a Igreja dos Remédios assentada 
solenemente em 08.12.1878, nasceu de um sonho do português João Antonio de Amaraldevoto de Nossa Senhora. Ele faleceu sem realizar seu sonho e foi a sua esposa Maria Correia do Amaral quem o concretizou, cumprindo a sua promessa. A conclusão da obra foi feita com a ajuda de José Gentil Alves de Carvalho com a primeira missa rezada em 1910. Sei tudo isto porque fui coroinha da igreja e a sua imagem de Nossa Senhora dos Remédios, é uma das mais belas do Brasil. Esta igreja tinha na época um efeito aglutinador. As missas e as novenas, bem como os leilões, eram acontecimentos  sociais no bairro, pois  bem, os fundos da edificação davam justamente para a Rua Carapinima, funcionando, na prática, como uma passagem alternativa para os que não desejavam vir pela Rua Francisco Pinto. Muitas pessoas passavam pela Rua Carapinima, tornando-a uma espécie de corredor para dirigir-se aos bairros e ruas circunvizinhas. 



A rua era também o caminho para o Colégio Capistrano de Abreu e o Colégio Sete de Setembro, na Rua do Imperador. Era praxe as famílias do bairro estarem integradas aos movimentos sociais de evangelização da paróquia. 

Numa época em que não existiam supermercados, muitos iam  ao estabelecimento de Sr. Moisés, pessoa bondosa e muito querida no bairro. Ele instituiu no bairro a venda por caderneta onde as pessoas pagavam por mês, na base da confiança. Tudo isso passava pela Carapinima. Ainda pela passagem mencionada da Igreja dos Remédios, andavam moças e rapazes que iam se encontrar no patamar da igreja, bem ao lado da “Capelinha de Santa Liduína”, em frente à Gruta de Lourdes”... posso lhe assegurar que muitos namoros e casamentos começaram ali. 
Também bem próxima era a famosa Farmácia Arthur de Carvalho, que era a única do bairro e muito boa. Até hoje se usa as Ghottas Arthur de Carvalho, criadas pelo seu proprietário. Era ali que os meninos recebiam os primeiros socorros por conta de brigas e pedradas. Todos tomávamos, apesar do medo, injeções. 

Ah! E havia ainda a velha Maria Fumaça que atraia a criançada toda, arrastando-se como uma cobra nos velhos trilhos, soltando fumaça preta e como que cantando uma música que repetíamos aos gritos: “café com pão, bolacha não...  piúúúú”. Hoje, a velha Maria Fumaça, foi substituída pela máquina a diesel e o seu atraente apito deu lugar a uma estridente e incômoda buzina, deixando em nós a saudade de sua passagem pela nossa rua."


Paulo Maria de Aragão
(Advogado e professor universitário)

Continua...
Crédito: Carapinima: A história de uma rua -Regina Stela Ferreira Moreira 
(Formada em jornalismo pela Faculdade Celso Lisboa (Rio de Janeiro)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Espaços da elite na capital cearense


Até a segunda metade do século XIX, a cidade de Fortaleza passava por uma evolução urbana lenta. Nesse período, Fortaleza estava vivenciando um processo de urbanização ainda incipiente, pois o próprio espaço considerado urbano era restrito à determinada área da cidade, correspondente, hoje, às ruas próximas à Praça do Ferreira e ao Forte de Nossa Senhora da Assunção. A ação da administração pública visava modificar a disposição espacial da cidade, dando-lhe um ordenamento que se pautava nos discursos e práticas vigentes na Europa e que se difundiam no Brasil com o advento da República a partir do Rio de Janeiro, Capital Federal, e a ascensão de uma classe média que se aburguesava nos padrões da burguesia do velho continente. No final do século XIX, a capital cearense tinha em torno de cinco quilômetros, possuía 34 ruas no sentido norte –
sul e 27 no sentido leste – oeste, 3 boulevards e 15 praças. Nas primeiras décadas do século XX, Fortaleza sofreu um crescimento espacial, mas ainda carecia de uma moderna estrutura urbana. 


No século XIX, a capital cearense sofre intervenções no seu traçado urbano. Em um primeiro momento, no ano de 1818, quando o urbanista Silva Paulet projeta a planta de Fortaleza em formato xadrez, e em um segundo momento, no ano de 1875, por Adolfo Hebster, que deu continuidade ao projeto, finalizando a “Planta Topográfica de Fortaleza” que tinha por finalidade disciplinar a expansão urbana e racionalizar os espaços da cidade, eliminando becos e vielas:

Para os que precisam se esconder, ocultar seus males sociais, ou para os que ousam segredar terríveis verdades, o labirinto é a forma perfeita da cidade. Para aqueles que em vigília tem o dever de perscrutar o escuro das vielas em busca de maus pagadores, de deficientes sociais, ou mesmo de revolucionários, e que se põem a auscultar as conversas 
da taverna, o bulício das ruas, o leva – e – traz  da falação da arraia 
miúda e o veludo dos segredos da revolução; a reta, o plano, a 
iluminação direta, a transparência, é a cidade querida.
PECHMAN, Robert Moses



As transformações urbanas, sobretudo na segunda metade do século XIX, demostram que a cidade de Fortaleza passa a se destacar como importante centro urbano. É nesse período que ocorre a Guerra de Secessão Norte - Americana (1861-1865), momento em que a necessidade de abastecer o mercado europeu favoreceu a expansão da cultura do algodão no interior cearense. Com o crescimento da produção algodoeira e a comercialização de tal produto no mercado europeu, a cidade de Fortaleza assume a hegemonia político–econômica da província, destacando-se entre as demais cidades importantes do Ceará, como CratoAracati, Sobral e Icó. A construção da Estrada de Ferro Fortaleza – Baturité, em 1873, e a expansão do porto, local de partida do algodão exportado para a Europa, favoreceram a consolidação de Fortaleza como principal centro econômico e social do Ceará.

O crescimento populacional de Fortaleza na passagem do século XIX para o século XX, pode ser explicado pelo seu histórico de imigrações. No período de secas prolongadas como as de 1877, 1889, 1900 e 1915, uma imensa quantidade de sertanejos deslocou-se do interior para a capital, vitimados pela fome, muitas vezes não conseguindo chegar a Fortaleza devido a longa caminhada. Muitos ficaram na capital cearense, não retornando para os seus locais de origem, tornando-se mendigos, vadios, meninos de rua, prostitutas e, junto aos pobres que a cidade já possuía, aumentavam o número de miseráveis em Fortaleza. 

O tecido social de Fortaleza era formado por esses pobres e mendigos, um reduzido grupo de comerciantes e industriais, além de profissionais liberais e intelectuais. 
A elite, composta pelos comerciantes, industriais, profissionais liberais e intelectuais compunha o restrito grupo social privilegiado que procurava se diferenciar da chamada “ralé”, terminologia utilizada na época para definir os pobres. À medida em que as classes privilegiadas se auto-legitimavam pelo status social e poder aquisitivo, promoviam uma forte divisão entre os grupos sociais, transformando os espaços de convivência. 

Praça Gustavo Barroso (do Liceu). No lugar dessas duas casas do centro, hoje tem um bloco de apartamentos, a rua à esquerda é a Avenida Filomeno Gomes. Foto do início da década de 40 - Arquivo Nirez

A elite, inicialmente, residia no centro da cidade, em casas próximas do comércio e de áreas de lazer, restando para os indigentes se instalarem nos arrabaldes da cidade, em áreas como o Outeiro e o Arraial Moura BrasilContudo, buscando-se posicionar enquanto grupo hegemônico, a elite utilizava estratégias de diferenciação social nos espaços de convivência da cidade. Por isso, aos poucos,  ocorre um lento afastamento da moradia desse grupo do centro da cidade para áreas nos arredores como o bairro do Jacarecanga, que se torna um dos primeiros bairros residências da elite e que passa a ser mais um elemento de diferenciação social desta, no início do século XX: 

Belíssimo casarão na Avenida Filomeno Gomes (Jacarecanga). Pertencia a Meton de Alencar Gadelha
Arquivo Nirez

Palacete localizado na Avenida Francisco Sá, esquina da Praça do Liceu. Era a residência da 
família Morais Correia - Arquivo Nirez

As áreas escolhidas por essa elite eram preferencialmente as que hoje correspondem os bairros de Jacarecanga e Benfica. No Jacarecanga, podíamos encontrar, mesmo que de forma não muito adensada, residências edificadas à feição de palacetes, segundo os ditames do ecletismo, tão em voga no começo dos anos 1900. Tais edificações se concentravam principalmente nos arredores da Praça Fernandes Vieira (Praça do Liceu). 
No Benfica, detectava-se a existência de chácaras esparsadas, ao longo da hoje Avenida da Universidade Avenida João Pessoa, assim como na área do atual bairro Joaquim Távora
Algumas casas apalacetadas também surgiram na região do Alagadiço, hoje correspondente à Avenida Bezerra de Menezes. Os bairros que se afirmaram 
como preferidos pelas elites, em começos do século XX, eram os que se desenvolveram ao longo dos caminhos originais que ligavam Fortaleza a outros pontos:  Jacarecanga - estrada para Vila Velha, Benfica - estrada de ParangabaAlagadiço - estrada de Soure e Joaquim Távora - estrada de Messejana.
O deslocamento das classes abastadas pode ser reflexo do temor causado pela multidão de retirantes que invadem Fortaleza durante a seca de 1915, além da revolta urbana de 1912, ocorrida durante o governo de Nogueira Accioly.
A ocupação de Jacarecanga, a partir dos anos de 1920, configura “... o surgimento dos primeiros bairros elegantes da Capital, delineando com maior visibilidade os novos espaços burgueses e reforçando a segregação sócio – espacial entre ricos e pobres na cidade”.
No entanto, isso não quer dizer que o centro foi despovoado pela elite, pois, mesmo com o deslocamento residencial era nele que estavam localizados os principais espaços de trabalho, lazer e encontros da elite como as lojas, os cafés, o Teatro José de Alencar, as praças, os clubes, o Passeio Público e as salas de exibição cinematográfica. 

Passeio Público do Álbum Vista do Ceará 1908

Alguns desses espaços de lazer nos anos de 1920, em Fortaleza, podem ser compreendidos como ambiente de diferenciação social. A estrutura social de Fortaleza era bastante marcada pela “segregação” social na década de 1920. Os locais de diversão eram frequentados  de acordo com o poder aquisitivo, e mesmo em locais públicos havia espaços de diferenciação social.  Para compreendermos o lugar do cinema na cidade e a elitização deste espaço, analisamos o Passeio Público e os clubes que eram locais frequentados pela elite que, sobretudo a partir da década de 1920, tornou-se público das salas de exibição cinematográfica de Fortaleza. 


Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva  e Arquivo Nirez

quinta-feira, 15 de março de 2012

A Vila Gentil III


Descrever a localização das casas com os nomes dos moradores é uma tarefa muito difícil, ou quase impossível. Foram dezenas de famílias que por ali passaram em um quarto de século. Uns mudaram de local na mesma vila, outros demoraram pouco, sendo ocupadas durante certo tempo por vários inquilinos. Vamos tentar dar informações gerais sobre esse fato sem descaracterizar o todo. As omissões ficam justificadas.


Ônibus da Empresa Santo Antônio que fazia a linha Maracanaú, estacionado em frente a sua primeira sede na Travessa Sobral, 91. Em 1962 – Arquivo Cepimar


Rua Redenção antiga Travessa Sobral. Conhecida, inicialmente, como Vila Gentil por ter sido a primeira vila construída, no ano de 1931.

Arquivo Elmo Júnior.

Aquelas construídas na Travessa Sobral, localizadas no outro lado dessa quadra eram, também, casas simples, menores que as citadas. Entre os dois conjuntos existia um terreno estreito, arborizado, onde existiam longas fossas para serventia delas. Lembro-me que morava ali a família de um cidadão que trabalhava de vigia e complementava seu salário vendendo carvão para a vizinhança. Moramos em frente a esse terreno na rua Padre Francisco Pinto, nº. 382, esquina com a Vila Santana, que falaremos mais adiante. O sistema de esgotos da Gentilândia nunca deu problemas ao longo de décadas, e se distribuía em vários locais da vila.


Vila Santana com entrada pela Rua Padre Francisco Pinto, 2006.

Arquivo Elmo Júnior

Na citada Travessa existiam casas mais simples no lado do poente, confrontando com estas, no outro lado da rua, as casas estavam fora dos padrões destas; possuíam um pequeno recuo, eram um pouco maiores e mais bem acabadas. Lembro-me que moraram ali, no lado do poente, um colega da Escola Padre Anchieta, chamado José Barrocas; outro o “Quim”, devia se chamar Joaquim, seguiu a carreira militar, na Aeronáutica, seu irmão Luiz, foi Agente Fiscal do Imposto de Consumo, seu pai era pequeno negociante no Mercado Central. No outro lado da rua o Sr. Aneuso Gurgel da Silva Rossas, sócio da Livraria Gurgel, e seus filhos Neuisa, Luciano, Hamilton, Neide, Rutênio e outras moças, que não me vem a lembrança; ele era irmão do Sr. Zenith Gurgel da Silva Rossas, casado com D. Betina, neta do coronel Gentil, que morava na Rua Nossa Senhora dos Remédios. O Fausto Pontes, irmão do Augusto Pontes, ex-Secretário da Cultura do Estado do Ceará. Muitos ali residiram de passagem; dentre outros o Sr. Marcelo Benevides.

Escola Industrial (atual Centro de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET), instalada em sede própria na av. 13 de maio, onde existia o Campo do Prado. Arquivo MIS

Na rua 13 de Maio (depois avenida) correspondente a Vila Gentil existiam apenas três quarteirões pertencentes a Imobiliária. No primeiro, ocupando meia quadra, existia a mansão da família Gentil, no segundo quarteirão, apenas uma, localizada na esquina da rua Nossa Senhora dos Remédios, onde morava o subtenente Tobias, pai do Mauricio, que seguiu a carreira militar chegando a coronel do exército, e mais duas irmãs. O terreno que lhe seguia era todo murado, correspondendo a um quarto da respectiva quadra, não possuía construções, apenas muitas mangueiras onde foram guardadas capotas dos bondes desativados. Vem-me a memória uma frondosa mangueira de mangas coité, assim chamadas por serem muito grandes, existente naquele terreno, localizado na esquina da rua Rodolfo Teófilo. Alguns meninos da Gentilândia brincavam de pega-pega sobre elas. Esse lugar era vigiado por uma família humilde, recém- chegada do interior. Na quadra seguinte, existia um mangueiral, onde atualmente é o Parquinho da Gentilândia, ou Praça José Gentil,
onde jogávamos futebol.



Portão principal do palacete do Cel. José Gentil, localizado na esquina das avenidas 13 de maio e Universidade, antiga Visconde de Cauípe, durante algum tempo permaneceu como entrada principal da Sede da Reitoria da Universidade Federal do Ceará. Arquivo Nirez, 1959.

Naquela época o Antônio Gumercindo, famoso torcedor do time do Fortaleza, era um dos poucos “dono da bola” pois não era um objeto comum. A dele era grande e de borracha, aquelas de couro eram luxo.
As “bolas de meia” eram as mais comuns para se jogar “gol a gol”. As duas casas seguintes, no outro quarteirão, foram demolidas com o alargamento da rua 13 de Maio e faziam parte da Vila Santo Antônio. Habitaram nelas, por algum tempo, o Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos, meu confrade no Instituto do Ceará e professor da Universidade Estadual do Ceará, e o Renan Montenegro, atualmente conceituado médico endocrinologista, nosso contemporâneo no Ginásio Sete de Setembro. Seguia-se o bar Ponto Chic, muito famoso naquela época, onde findava a linha do bonde do Prado.
O lado fronteiro a esse que descrevi não pertencia a Vila Gentil, mas era historicamente uma parte dela porque seus moradores se interrelacionavam. Na esquina da rua 13 de Maio com a avenida Visconde de Cauipe, encontrava-se a mansão do Sr. Francisco Queiroz, em estilo europeu, atualmente é o Centro de Cultura Germânica da UFC, em seguida vinha um sobrado onde residia o comerciante Francisco de Oliveira, casado com D. Maria Mendonça de Oliveira e filhos. A Marta de Oliveira Sampaio, sua filha, era casada com o Fernando Sales Sampaio (Fernandão), assim chamado pelos amigos devido sua estatura elevada. O Fernando teve morte prematura em um acidente, e quando solteiro,
morava na rua Rodolfo Teófilo. No sobrado que lhe seguia morava o médico oftalmologista Honório Correia Pinto. Após um terreno grande, murado, encontrávamos a sobrado de residência de outro médico, o professor Joaquim Alencar, e logo após, encontrava-se uma sequência de casas conjugadas duas a duas que iam até a esquina da Rua Rodolfo Teófilo. Na primeira delas morou meu colega de Escola Padre Anchieta e amigo, Luís Carlos Riquet Nogueira Aragão com sua mãe D. Corina (viúva) e três irmãs. Duas delas foram morar nos Estados Unidos. Seguiam-se outras onde residiam diversos membros da família Albuquerque de Souza, dentre as quais me lembro a de D. Souzinha, mãe do Deim, irmã
de D. Naninha, residente com suas filhas na Vila Santana, eram irmãs do desembargador Faustino de Albuquerque de Souza, ex-governador do Estado do Ceará; Wildson Monte Silva, contador, cunhado do Chico Periquito, assim chamado pelos amigos por falar muito; e D. Dodô, casada com o Sr Filipe, italiano. O Haroldo, filho deles, deu muito trabalho aos pais com diabruras, foi servir na Marinha. Seguia-se um terreno, depois ocupado pelas casas do advogado e professor do curso de jornalismo da UFC Luiz Queiroz Campos e aquela que pertenceu ao Artemilton Braga Arraes; antes moradores na Rua São José do Tauape, esse último residiu depois na rua Padre Francisco Pinto; seguindo-se residências já existentes, do Dr. Raimundo Araújo França, dentista, aquela do médico Dr. Pamplona, e mais outras.


Casa, 276 na rua Padre Francisco Pinto, onde residiu o Dr. Dorian Sampaio, 2006. Arquivo Elmo Júnior

A rua Paulino Nogueira não possuía muitas casas, mas confluíam para ela três vilas interiores, ditas particulares, denominadas Vila Santa Rita, Vila Santa Cecília e Vila Santa Luzia. No lado correspondente, onde atualmente encontram-se os blocos administrativos da UFC, existiam quatro frondosas mangueiras, junto ao meio fio, que eram usadas pelos namorados mais afoitos. Vizinho morava o Sr. Adolfo Gonçalves Siqueira, já idoso, casado com D. Amélia, foi ex-presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, ex-prefeito interino de Fortaleza e presidente da Fênix Caixeiral por muitos anos; instituição essa considerada a de mais utilidade pública em Fortaleza. Essa casa fazia esquina com a entrada da Vila Santa Cecília. Na outra que lhe ficava fronteira, definindo a entrada dessa vila, morava o Dr. José Freire, agrônomo, que foi Inspetor Chefe da Defesa Sanitária Vegetal, no Ceará, casado com D. Consuelo Carvalho Freire, tinham oito filhos: José Geraldo, fiscal da Secretaria da Fazenda, Teodósio Mauro, comerciante, Maria Celina, funcionária pública, Maria Consuelo, professora do Parque das Crianças, casou-se com José Batista de Campos Paiva, funcionário dos correios, Maurício, funcionário da Defesa Animal, Maria Nilda (Anita) Freire Gomes, casou-se com o Gen. Valdir Gomes, Armado Máximo, comerciante, casado com Evangelina Barata Freire, Maria Helena Freire Arruda, casou-se com Eliano Arruda, advogado. Na casa vizinha, esquina com a rua Nossa Senhora dos Remédios, com frente para essa rua, morava o engenheiro da Prefeitura Nelson Machado, casado com D. Gabriela Fiúza Machado e seus filhos: Isnélio, Wanda, Nelson (Nelsinho), casou-se com a professora da UFC Maria Cecília Chaves, Helena, casou-se com o coronel do exercito Ney Borba.

Residência de Amélia Gentil de Aguiar na rua Paulino Nogueira, 1956.

Arquivo Elmo Júnior.


O quarteirão seguinte não possuía casas, apenas os muros laterais de residências de esquina que tinham frente para as ruas Nossa Senhora dos Remédios e Rodolfo Teófilo, respectivamente. Logo em seguida existia uma quadra, muito arborizada com mangueiras. Em sua primeira metade, funcionava o Serviço de Piscicultura da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS) posteriormente chamadas DNOCS, depois de 1945. A segunda metade era ocupada pelo PARQUE DA GENTILÂNDIA já referido, um dos locais mais característicos da Gentilândia, com alamedas calçadas com piso de cerâmica vermelha, localizado entre as ruas Rodolfo Teófilo, Padre Francisco Pinto e São José do Tauape

Parque da Gentilândia, vendo-se ao fundo casas da rua São José do
Tauape. Na foto (1961) estão da esquerda para a direita: Ruth, Ângela, Valéria,
Maria de Lourdes, Simone. Maria de Lourdes ainda viva, lúcida, com 96 anos,
morando na Vila Santo Antônio. Arquivo de Pedro Alberto de Oliveira Silva

Na área da Piscicultura anteriormente encontrava-se um prédio muito bonito, onde funcionou o Gentilândia Club, logo após a criação da Vila Gentil, havendo ali festas muito concorridas, reunindo pessoas vindas de outros locais. Afirmava-se que ali havia jogo de baralho; o clube deixou de funcionar quando foi ocupado como sede do serviço de piscicultura.

 
Gentilândia Club, posteriormente sede da Piscicultura do IFOCS (Inspetoria

Federal de Obras Contra as Secas) e depois, DNOCS. (Arquivo Nirez).

Existiam, naquele local, muitos tanques de alvenaria cheios de água onde eram criados alevinos e peixes para estudos e distribuição para açudes. Existiam dois poços profundos, com respectivas caixas d’água, para uso da piscicultura e das casas que lhe ficavam adjacente na rua São José do Tauape, sendo uma delas localizada num pequeno local do lado de fora. Todo dia vinha um servidor da Gentilândia ligar um motor para encher a caixa. Esta quadra encontra-se totalmente ocupada por casas de aspecto variado e um prédio pertencente à UFC, funcionando como residência universitária.

No último, localizavam-se cinco casas. Na esquina com a São José do Tauape, residia o Sr José Gondim, pelo que me lembro, era viajante comercial, casado com D. Cristina Sales e seus filhos: Glice, casou-se com o professor Heródoto, Gelsa, casada com Joahannes Maehlmann (Rani), exportador. Posteriormente mudaram-se para a rua São José do Tauape no primeiro quarteirão. A casa que lhe seguia, fora dos padrões de outras da Vila, habitou o médico Hyder Correia Lima, casado com D. Sara, e seus filhos Iaci, Mário, médico destacado no Rio de Janeiro e a Emília Correia Lima (foi Miss Brasil), casou-se com um oficial da Aeronáutica. Depois foram morar na rua Carapinima, por trás da Igreja dos Remédios. Nesta mesma casa, morou um filho de um advogado chamado Renato, que me vem à memória, pois era o “dono da bola” de couro com a qual jogávamos futebol. Posteriormente o desembargador Zacarias Amaral Vieira, casado com D. Elza Amaral Vieira. Conhecemos dois de seus filhos: Francisco José Amaral Vieira, professor da UFC e o Roberto Amaral Vieira que foi Ministro da Ciência e Tecnologia, por algum tempo. A casa seguinte pertencia ao Dr. Roberto Bezerra de Menezes, casado com D. Eduarlinda. Vizinho encontrava-se três garagens que eram alugadas. Logo em seguida foi construído um sobrado por D. Amélia Gentil de Aguiar Figueiredoneta do Sr. José Gentil, casada com o Sr. Alceu Figueiredo. Dona Amélia negociava com jóias de Juazeiro, e depois que se mudou da Gentilândia abriu uma joalheria na rua Barão do Rio Branco. Eram filhos do casal: o Edson, o Dirceu, Alceu Carlos, chamado por nós, carinhosamente, de Brocoió, e a Alcélia (Nena). 
Finalmente encontramos no final desse quarteirão a casa do Sr. Renato Batista Carneiro casado com D. Maria Luiza Carneiro e tiveram onze filhos: João Batista, Eduardo, Osmar, Aldemar, José, Renato Filho, Maria Luiza, Maria de Lourdes, Mercedes, Iolanda e Fernando. Seu Renato era muito conhecido na Gentilândia, foi o primeiro motorista do coronel Gentil e depois, como funcionário da Imobiliária, era o cobrador dos alugueis das casas. Era mais um serviço especial para os moradores que não precisavam se deslocar para o Banco. Sua casa era bem ampla, alta e antiga, com um quintal bem grande. Ficava na esquina, bem em frente ao portão de entrada de carros para o Estádio Presidente Vargas. Nos quarteirões em frente a estes, na mesma rua, começando na avenida Visconde de Cauipe, havia o muro lateral da segunda casa daquela avenida construída por José Gentil para seus filhos. Nela morou seu neto Nestor Gentil, depois o Sr. José Albuquerque Monteiro, “Seu Pepino”, como era conhecido, que posteriormente mudou-se para a Rua Marechal Deodoro. Entre essa casa, de luxo, e a que lhe seguia, na esquina com a Vila Santa Rita, morava D. Francisca da Frota Gentil (Dona Chiquita) a filha solteira do Coronel Gentil. Sua casa era ampla, em um terreno de profundidade, mas sem luxo. Era uma pessoa muito simples, caridosa, e ajudava muito a Igreja dos Remédios. Presenteava, também, os padres com petiscos. Na referida esquina da Vila Santa Rita o Sr. Amélio João Terceiro Fiório, caminhoneiro e depois funcionário da Prefeitura Municipal de Fortaleza, casado com D. Luzanira Cabral de Araújo Fiório, irmã do conhecido radialista e ex-prefeito de Fortaleza Paulo Cabral de Araújo. No outro lado residia o Sr. Raul Memória, telegrafista dos Correios e Telégrafos (DCT), casado com D. Ester Maravalho e três filhos: Raimundo, postalista do DCT, José Afrânio Memória, médico oftalmologista, nosso colega do Liceu do Ceará, e um seu irmão, bem mais novo. Vizinho morava o Sr. José Domingos; o José Domingos (filho), casou-se com a teatróloga Glice Sales, e sua irmã Mirsa casou-se com um membro da família Mesquita. Essa casa fazia esquina com a Vila Santa Luzia. Fronteiro a ela, esquina com a rua Nossa Senhora dos Remédios, morava o advogado Francisco Vale. Filho do citado Lauro Vale. No quarteirão seguinte havia as laterais de duas casas. Após elas estava o atual Parque da Gentilândia (Praça José Gentil); era uma quadra sombreada com muitas mangueiras, onde a meninada e adolescentes do bairro jogavam futebol. Na esquina do parque, com a rua São José do Tauape, morou um cidadão da família Teles Campos, por algum tempo, e depois o Dr. Agamenon Frota Leitão; vizinho a essa casa residiu o Sr. Virgílio Alves Barata, depois residente na Vila Santa Rita. Era avô da Evangelina Barata Freire, e do Virgílio Alves Barata Neto, nosso grande amigo de adolescência. Seguia-se o outro parque arborizado, atualmente conhecido como Parque da Feira da Gentilândia, mas seu nome oficial é Isaac Amaral conforme a Lei 1422/05/10/1959, publicada na gestão do Prefeito Manuel Cordeiro Neto. Secretário Raimundo Girão.



Continua...

A Vila Gentil I
A Vila Gentil II

Crédito: Revista do Instituto do Ceará - 2010 
A Gentilândia e o bairro do Benfica de 
Pedro Alberto de oliveira Silva 
(Sócio efetivo do Instituto do Ceará)


terça-feira, 13 de março de 2012

A Vila Gentil II


Igreja Nossa Senhora dos Remédios na época da
Vila Gentil.

A presença da Igreja dos Remédios, foi uma das recordações queridas para nós e penso que para contemporâneos. A dedicação dos padres Lazaristas holandeses para com os paroquianos foi memorável. Atendiam aos fieis a qualquer hora do dia ou da noite que necessitassem de seus préstimos religiosos. As missas dominicais, dos dias santos e diárias, eram lembradas aos fieis pelo dobrar dos sinos, o Ângelus sempre nos levava a reflexão. O relógio, doado pelo coronel Gentil, batia os quartos, meia hora e as horas; ecoando para bem longe, estava sempre lembrando a Igreja. As aulas de catecismo ministradas por zelosas catequistas supervisionadas pelos padres era um reforço à fé católica. Havia, também, nos fundos da Igreja, o Salão São Vicente de Paulo onde ocorriam reuniões de várias natureza e a realização de aulas de alfabetização para adultos, geralmente ministradas por confrades da Sociedade de São Vicente de Paulo, os vicentinos, como eram chamados.
Foi marcante a participação histórica dela na vida social do bairro, como polo centralizador de pessoas das mais diferentes classes socioeconômicas, que tinham ali um lugar em comum. Por ser uma grande Vila, constituída por casas de aluguel com qualificações e preços diferentes,
vivendo num mesmo ambiente, formou-se nela uma verdadeira comunidade, no sentido exato do termo. Habitaram ali: profissionais liberais, comerciantes, comerciários, bancários, militares, funcionários públicos. Muitos foram temporários, outros permaneceram até a extinção da Imobiliária José Gentil, quando puderam comprá-las a prestação.

Além das missas que agregavam os moradores, pondo em contato direto uns com os outros, havia as novenas, principalmente as do mês de maio, dedicadas a Nossa Senhora, que atraiam grande número de fiéis do Benfica e de outros locais. Não era apenas o zelo religioso, era também o divertimento, principalmente para os jovens que iam ali para flertar, paquerar, somente que isso era um ato mais sentimental e casto. Os valores morais e éticos eram outros. Inesquecíveis foram as quermesses e os leilões organizados para angariar dinheiro para a realização de obras beneficentes da paróquia.

Os leilões eram uma vez ou outra realizados no pátio da Igreja, com doações de pessoas mais generosas. E pasmem, iam para leilão um frango ou peru assado, às vezes acompanhado com uma garrafa de vinho; um bolo confeitado, meia dúzia de garrafas de cerveja ou outros objetos de mais valor. Os arrematadores pagavam preços muitas vezes mais altos do que o valor real das prendas, a título de ajudar a renda do leilão ou para mostrar destaque financeiro. As quermesses duravam uma semana ou mais e tinham a mesma finalidade dos leilões. Algumas delas foram realizadas na rua Padre Francisco Pinto, ao lado da Casa das Missões, e o Dispensário dos Pobres, entre a avenida Visconde de Cauipe e a rua Carapinima, fechada ao tráfego de veículos que por sinal era muito pequeno, por não ser passagem de ônibus.
Outro local, coberto de mangueiras, onde se realizaram quermesses foi um terreno grande que havia entre a casa do senhor Joahannes Maehlmann, alemão de nascimento, gerente das Casas Pernambucanas, localizada na esquina da rua Padre Francisco Pinto e aquele onde existiu a mansão do senhor João Gentil depois Escola Doméstica, Ginásio Americano e Ginásio Nossa Senhora das Graças. Aquele cidadão possuía dois filhos: o Joahannes (filho), conhecido também por Rany, e sua irmã Aída, considerada uma das moças mais bonitas da Gentilândia.
O Rany afirmou que seu pai pagava Cr$ 400,00 de aluguel.


Mansão do Senhor João Gentil, posteriormente: Escola Doméstica, Ginásio
Americano e Ginásio Nossa Senhora das Graças. Foto tirada do alto da Igreja Nossa Senhora dos Remédios (Arquivo Nirez).

Atualmente todo aquele local está ocupado pelos blocos administrativos da Universidade Federal do Ceará. Alias, naquela época existiam apenas esses imóveis na avenida Visconde de Cauipe, confrontando com a Igreja dos Remédios e a Casa das Missões. No quarteirão que lhe seguia existia o terreno da mansão do coronel Gentil e mais duas casas de luxo que ele mandou construir para os filhos. O tradicional bairro do Prado estava localizado onde se encontrava o citado hipódromo e campo de futebol, e arredores. Logo após a construção do Estádio Presidente Vargas, no começo da década de 1940, aquela área ficou dividida pela rua Paulino Nogueira; ficando uma parte ocupada por aquela praça de esportes, e a outra desocupada. Nela funcionou por pouco tempo, durante a Segunda Guerra Mundial, o Serviço Nacional de Trabalhadores para a Amazônia (SENTA) onde ficavam em rudes telheiros os chamados soldados da borracha, esperando embarque para o Amazonas onde deveriam extrair borracha dos seringais como esforço de guerra. É um assunto pouco conhecido de nossa história. Aqueles operários ficaram ao findar a guerra completamente abandonados pelo poder público, entregues a própria sorte.

Vista aérea, mais recente, onde se localizava o Hipódromo e campo do Prado.
(Arquivo Nirez).

Maquete do projeto de construção do estádio Presidente Vargas na gestão do
Prefeito Raimundo Alencar Araripe. (1936 - 1945). - Arquivo Pedro Alberto de Oliveira Silva

Detalhe do estádio Presidente Vargas. Arquibancada de cimento armado,
lugar especial, vendo-se ao alto à esquerda, cabine da imprensa. (Arquivo Nirez).

Nessa época, os bondes do Prado tinham seu final de linha na esquina da rua 13 de Maio com Marechal Deodoro. Em maio de 1947 o serviço de bondes elétricos foi desativado pela Prefeitura Municipal de Fortaleza. Quando foi prefeito, (1936-1945), Raimundo de Alencar Araripe possuía um passe para andar gratuitamente nos bondes. Após a extinção do SENTA, abarracavam temporariamente naquele lugar os circos que vinham a Fortaleza apresentar seus espetáculos. Lembramos de dois deles o Nerino e o Garcia. O primeiro apresentava o trabalho de palhaços, demonstrava espetáculos de acrobacia e peças de teatro; dentre essas haviam duas de muito gosto dos espectadores: Sempre no meu coração. 
A cabana do pai Tomás. A participação do palhaço Piculino era muito apreciada. Um amigo nosso, residente na Travessa Sobral, foi apelidado com esse nome, o que muito lhe desagradava. O segundo, o Garcia, era muito maior e mais rico, pois apresentava além do peculiar, muitos animais selvagens domesticados, tais como leões, elefantes, zebras e outros. Posteriormente foram construídos naquele local estabelecimentos educacionais profissionalizantes do governo federal, sendo o último o Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET). O Prado praticamente havia desaparecido.

Passe Livre” para o prefeito municipal de Fortaleza usar os bondes da Light.
Arquivo Pedro Alberto de Oliveira Silva


Empresário empreendedor, como já foi dito, o coronel Gentil vislumbrou no mercado imobiliário (década de 1930) uma boa oportunidade de aplicar parte de sua fortuna. Fortaleza era uma cidade relativamente pequena, crescendo, porém pobre. O trabalho assalariado pequeno preponderava na maioria da população, constituída por funcionários públicos, comerciários, e outras atividades de pequena ou média renda. 
O poder aquisitivo de grande parte dela considerava a posse de uma casa própria como um desejo difícil de ser realizado. Não havia crédito fácil, apesar dos juros serem relativamente baixos. As pessoas consideradas ricas ou de posses possuíam suas residências e imobilizavam parte de seu capital em casas para alugar. 
A Imobiliária José Gentil S/A surgiu nessa conjuntura. Na Vila Gentil a maioria das residências era padronizada variando de tamanho e acabamento conforme o preço do aluguel, apresentando os seguintes tipos: as conjugadas, as livres de um dos lados, e aquelas fora do padrão das demais. As primeiras foram construídas a partir de 1931, exatamente na avenida Visconde de Cauipe na primeira metade do primeiro quarteirão, situadas entre as ruas Adolfo Herbster e Padre Francisco Pinto. Eram conjugadas com um recuo de bom tamanho onde foram plantados fícus-benjamim para fazer sombra, pois eram do lado do sol. Eram simples e não tinham forros, mas possuiam o teto muito alto, dentro dos padrões 
de outras mais antigas localizadas na mesma avenida próximo ao Grupo Escolar Rodolfo Teófilo, onde atualmente funciona a Faculdade de Economia da UFC. Numa delas morou nosso amigo José Silvio de Oliveira Freitas, colega no Ginásio 7 de Setembro, com seu irmão Pedro, filhos do Sr. Altino de Freitas, proprietário de uma bomba de gasolina localizada na Praça Clóvis Beviláqua, e na última, esquina com a rua Adolfo Herbster, residiu o advogado Lauro Vale. Na frente delas terminava a linha do bonde e ficava o ponto final dos ônibus do Benfica, pertencentes à Empresa São José, passando depois para a Empresa Severino



Ônibus da Empresa Severino que servia à Gentilândia -1945 (Arquivo Nirez).


As demais não eram uniformes e ficavam em frente ao Dispensário dos Pobres e o convento das Irmãs de Caridade. O Cine Benfica ficava no meio desse quarteirão.


Cine Benfica - 1926. Arquivo O Povo



A Vila Gentil I

Crédito: Revista do Instituto do Ceará - 2010 
A Gentilândia e o bairro do Benfica de 
Pedro Alberto de oliveira Silva 
(Sócio efetivo do Instituto do Ceará)

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