Foto de 1915
João de Andrade Pessoa Anta nasceu na Vila, hoje cidade de Granja, em 23 de dezembro de 1787. Seus pais eram Thomaz Antônio Pessoa de Andrade, português insular, e D. Francisca Maria de Jesus.
Era, por demais conhecida, a propriedade do velho comerciante, mas, por uma circunstância imperiosa desviara uma certa quantia, o equivalente a uma partida de gado. Certo de que poderia saldar o débito antes da chegada, do Corregedor Geral, a quem teria de prestar contas dos haveres pertencentes à sua tutelada (O Capitão-mór Thomaz Antônio Pessoa, português natural de Ribaçal, era tutor da menor Raimunda Ferreira Veras, dona de regular fortuna, constituída de prédios, na vila de Granja e de fazendas de gado, no município.), fez, com esse dinheiro, certos pagamentos de sua casa de negócio.
Aconteceu, porém, que não lhe foi possível equilibrar as finanças como esperava, e correndo o risco de ser descoberto o flagrante atestado de sua falta, o que certamente abalaria a sua reconhecida honorabilidade, procurou uma medida salvadora. Fez o casamento da menina com seu filho Júlio de Andrade Pessoa.
A moça era filha natural de um rico português com uma escrava. Aquele, ao morrer, procurou o patrício para tutor da filha que muito estimava e a quem havia legado sua fortuna. Entre passar pela suprema vergonha de ser apontado como desonesto e casar o filho com uma mestiça, preferiu este recurso muito embora fossem abalados os arraigados preconceitos de família.
João de Andrade Pessoa Anta entrou na posse de regular fortuna, tornando-se dentro em pouco, o homem mais influente do lugar, quer no comércio, quer na política, cujo prestígio transpôs as fronteiras do Estado.
Quando o comandante lusitano Fidié (João José da Cunha Fidié, fiel comandante das tropas portuguesas sediadas na capital do Piauí), que não aderira á independência da nação, partiu de Oeiras (então capital do Piauí) para dominar Parnaíba e o Ceará, Pessoa Anta, que já a este tempo era capitão-mor, organizou uma expedição e foi ao encontro do aventureiro invasor. Ajudado nessa arrojada empresa por ricos fazendeiros desta e daquela província, infligiu completa derrota a Fidié. Esse feito lhe valeu os mais rasgados elogios por parte de D. Pedro I, como também a nomeação ao posto de Coronel de Milícias e a Comenda do Oficialato da Ordem do Cruzeiro.
Dois anos depois, Andrade aderia ao malogrado movimento republicano conhecido por Confederação do Equador.
Em 26 de Agosto de 1824 foi proclamada a República do Equador e aclamado, no Ceará, presidente o Tenente-Coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, servindo de secretário o Pe. Gonçalo Inácio de Albuquerque e Melo Mororó.
João de Andrade Pessoa Anta quando recebeu essa notícia manifestou-se inteiramente solidário com o movimento de libertação nacional e dispondo, na câmara, da maioria dos vereadores, convocou imediatamente uma reunião. Foi lavrada uma ata e assinada pelas seguintes pessoas: Manuel Joaquim da Paz, advogado; Pe. José da Costa Barros, vigário da freguesia e irmão de Costa Barros – o presidente deposto pelos republicanos; Francisco de Paula Pessoa; Frei Alexandre da Purificação; Francisco Rodrigues Chaves, João Porfírio da Mota; Plácido Fontenele, Inácio José Rodrigues Pessoa; Elias Ferreira de Abreu, José Raimundo Pessoa, Inácio de Barcelos, Joaquim de Andrade Pessoa, José Eusébio de Carvalho, Joaquim da Costa Sampaio, Juiz Ordinário; Antônio Inácio de Almeida Bravo, português; Antônio Zeferino Caju de Granja e Francisco de Paula Ferreira Chaves, tabelião público.
Em um verdadeiro entusiasmo os republicanos percorreram as ruas da vila aclamado os novos líderes. Dirigiram-se ao local do pelourinho, fazendo-o em pedaços. O sargento-mor, sabendo que entre os manifestantes se encontrava o seu filho Joaquim da Costa Sampaio, desistiu da denúncia que pretendia fazer, caso o pelourinho fosse restaurado. Houve acordo entre os insurretos e no dia seguinte mandaram reconstruir o aparelho de suplício.
Foto de 1913
Francisco de Paula Pessoa, futuro senador do Império, vindo à Sobral, soube que havia malogrado o movimento republicano, cuja notícia se apressou em transmitir ao irmão, em Granja, Coronel João de Andrade Pessoa Anta. (Anta, foi o nome de guerra que recebeu quando aderiu ao movimento). Então, a debandada foi geral, diante do fracasso irremediável. O próprio Pessoa Anta, em 24 de Outubro, teve a infelicidade de aceitar uma retratação e jurar fidelidade ao Imperador. Os seus adversários políticos, porém, trabalharam à socapa, e, viam-se frustradas as esperanças de salvação do patriota.
Em Janeiro de 1825, Conrado Jacob Niemeyer enviou uma tropa de linha para Granja a fim de capturar Pessoa Anta, cuja casa uma noite foi cercada, tendo ele conseguido escapar. Marcos Antônio Brício, português, adversário ferrenho, soube tirar partido do angustioso transe por que passava a família de Andrade Pessôa. Não podendo prender o chefe, que se interrara no sertão, encarcerou os irmãos e parentes. Deste, José Raimundo Pessoa, Antônio de Andrade Pessoa, Joaquim de Andrade Pessoa, Inácio José Rodrigues Pessoa, o Capitão Manuel Inácio Pessoa, o Tenente Coronel Joaquim Inácio Pessoa, o Capitão Manoel Inácio de Almeida Fortuna, Domingos Anselmo de Sousa Castro, Antônio Brício dos Santos, o Tenente Coronel João Pereira, Jacinto e Manuel Antonio de Almeida. A vila viveu dias inquietantes. Desordens, violências, espancamentos, tudo isso. Marcos Antônio Brício praticou para exercer cruéis vinganças políticas.
Frei Alexandre da Purificação conseguiu fugir para Belém. Foi preso na capital paraense e recambiado para Fortaleza, onde foi julgado e condenado à pena última.
Paula Pessoa abjurou a república e prestou juramento de fidelidade ao Imperador e transferiu-se para Sobral, onde se estabeleceu e se casou. Pessoa Anta se refugiou em uma fazenda em Ubatuba e em 15 de Janeiro dirigiu uma súplica ao governador das armas da província, alegando que no tempo do governo de Tristão foi obrigado a cumprir algumas ordens e mandados e que deixava de mandar os documentos por ter queimados todos para deles não haver mais lembranças. Não obteve resultado.
Tendo revelado o seu esconderijo, resolveu mudar-se para a fazenda Jaguarapí, perto de Parazinho, e daí para Angica(*) de onde, em 4 de Fevereiro, dirigiu nova súplica, esta ao Governador do Rio Grande do Norte, o seu conterrâneo, Manuel do Nascimento de Castro e Silva. Alegava que tinha sido coagido a obedecer ao governo de Tristão. Terminou dizendo o seguinte: "Esta ocasião, Excelentíssimo Senhor, de me aproveitar de tantos oferecimentos que V. Excelência me tem feito e guardei-os para agora, na certeza de ser valido".
Não encontrando portador seguro, decidiu ele mesmo trazer a carta para esta capital, e aqui chegando procurou ocultar-se no sítio Urubu, de propriedade de seu amigo de confiança, o Pe. Antônio de Castro e Silva. Aí, formulou, talvez por inspiração do padre, uma petição à Imperatriz. Não se esqueceu de argumentar em sua defesa, que Tristão infelicitou a província inteira do Ceará, quando fui por ele obrigado a fazer alguns escritos à província do Piauí. Quanto lhe custou defender a vida! Não respeitou si quer a memória do grande herói que tombou bravamente em luta pelo ideal. Esta petição tem a data de 12 de fevereiro.
A 25 de março, o presidente da província mandou cumprir o aviso para a captura de todos os rebeldes condenados pela célebre Comissão Militar. Quando Pessoa Anta teve notícia da sentença, tratou de regressar à sua terra. Ocultou-se numa fazenda próxima de Granja. De seu esconderijo observou a passagem de um de seus escravos, de nome Francisco Cobra, a quem rogou que fosse imediatamente á procura de comida, pois estava faminto. O escravo, muito ao contrário, foi bater à porta do perseguidor de seu amo e revelou o local onde ele se encontrava. O lugar ficou conhecido por Riacho da Traição.
O infeliz granjense foi conduzido sob o peso das algemas para Sobral e daí para Fortaleza, sendo recolhido à prisão. Não havia defendido. A Comissão seguiu às pressas. Desejava logo que se levasse a efeito a execução, pois havia probabilidade de perdão da parte do Imperador. O perdão veio e, dizem, chegou em tempo, mas ficou oculto em palácio. A 28 de abril lhe foi dada a conhecer a sentença de morte e marcada para ás 9 horas da manhã do dia 30, a execução, de Pessoa Anta e do Padre Mororó. Perdidas todas as esperanças, mandou vir, neste mesmo dia um advogado, Manoel Antonio da Rocha Lima e ditou seu testamento(**).
Os parentes não apareceram, nem mesmo apresentaram um lenitivo ao condenado. Ninguém queria se comprometer, com medo da severidade da Comissão Militar. Só uma pessoa dele se compadecia: era a esposa do advogado Manuel Antonio. Amiga íntima da mulher de Conrado Jacob. Dizem que acertou a entrega de grossa quantia em ouro e prata, correspondente ao peso do condenado, para a interposição de um embargo de sentença. O prazo era exíguo para que viesse, a passo de animal, de Granja, a preciosa carga. Contudo, a tentativa foi feita. A pobre vítima recorreu ao irmão rico e bem instalado, em Sobral. Houve pouco interesse. O portador alegou cansaço das alimárias. Paula Pessoa não escapou à maledicência. Falaram mal a seu respeito. Chamaram-lhe de negligente e desleal. Deve ter sido desarrazoada esta campanha, pois que, o eminente político sobralense era de uma probidade exemplar. Era possível que ele não quisesse se comprometer.
Foto de 1910
Fortaleza, 30 de abril de 1825 - Pessoa Anta é fuzilado. Ele deixou quatro filhos, 1 – Francisca Pessoa de Sampaio, que se casou com Alexandre Sampaio e constituiu família em Angico; 2 – Maria de Andrade Pessoa, que foi casada com Antonio Bernardino Chaves, deixando grande descendência na cidade de Camocim; 3 – Ana de Andrade Pessoa, casada com Domingos Portela, residiu na Ibiapaba deixando enorme família; 4 – Tomaz Rodolfo de Andrade Pessoa, que residiu em Riacho, onde hoje vive um neto de igual nome.
Deixou também alguns filhos naturais. Em Granja existem alguns membros da família Elesbão, descendentes do menino Elesbão, recomendado em seu testamento. Mencionou igualmente outros rebentos, que foram contemplados em partes iguais. Pessoa Anta possuía diversas fazendas no município, e, ao que parece, em cada uma delas trabalhava patrioticamente pelo engrandecimento da população.
O testamento que é longo e minucioso revela não só a lisura, a correção, a honestidade, como também o alto espírito de compreensão e conduta para com os membros de sua família e amigos.
Pessoa Anta foi aos mínimos detalhes, não se esquecendo, nem mesmo, de ordenar aos seus testamenteiros que "Vendam meus escravos José e Francisco Cobra, para que os meus herdeiros não os possuam porque foram os infames acusadores que me entregarão a prisão e não sejam traidores aos meus ternos e cordiais filhos".
Foi objeto de censura e estranheza a covardia que ele revelou no curso de sua defesa, não se pejando em atacar esse grande herói que foi Tristão Gonçalves, morto no campo da luta, em defesa do seu ideal. Pessoa Anta, ao contrário, desmereceu inteiramente do conceito que gostava, pois era proverbial a sua coragem, o seu destemor. Diante do perigo não teve força para enfrentar galhardamente a morte, como tantos outros que nunca fraquejaram e marcharam impávidos ao encontro da morte!
Rezam as crônicas, que ao receber a primeira carga, ainda teve força para se erguer, tendo nesse momento, um soldado feito novo disparo, o tiro de misericórdia. O herói estava morto ao lado do seu bravo companheiro Mororó.
Foto de 1907
Sobre Pessoa Anta escreveu o Barão de Studart:
" A seus esforços e poderoso concurso mallogrou-se a tentativa de Fidié para apoderar-se da villa de Parnahyba, que se declarara pela Independencia. Esses e outros importantes serviços á causa publica valeram a João de Andrade a nomeação de Coronel de milicias e o Officialato do Cruzeiro.
(...)Opposicionista a Pedro José da Costa Barros e adheso ás idéas da Republica do Equador, (...) foi por denuncia e traição dos seus escravos José e Francisco entregue a Conrado de Niemeyer, e, depois de condemnado pela celere Commissão Militar, foi espingardeado ao lado do P.e Gonçalo Mororó a 30 de Abril de 1825."
A essa execução se referem dois interessantes documentos publicados às pags. 37 e 38 do livro a história do Ceará, vol. 2.º
Nestes termos é concebida a despedida de Pessoa Anta à sua familia e aos amigos.
"Manos, patricios e amigos, envio a todos perpetua saudade muito especialmente a meus filhos, masculinos e femininos.
Oratorio, 28 de Abril de 1825.
Hoje, pelas 3 horas da tarde foi-me intimada minha sentença de morte! Prasa a Deus que fosse por Deus assim destinado, como meu verdadeiro Author.
Peço a todos que não se magôem por minha morte por não ser ella motivada por crime que mereça execração publica e sim por opinião que segui; e se tiverem noticia que em o cadafalso mostrei alguma fraquesa, não deve ser reparada, porque o homem não pode resistir aos effeitos da natureza.
Peço a todos incessantemente que roguem a Deus por minha alma nas suas orações diarias, porque meus rogos talvez não sejam capazes de obter.
O Supremo Dictador da natureza vos dê melhor sorte, que eu saudoso vos deixo. Não sou mais extenso porque já me vae faltando o tempo para os negocios d'alma.
Sou o mais amante dos patricios, e á minha nação amarei ainda na sepultura.
Adeus meus charos filhos até o dia tremendo - João de Andrade Pessoa Anta ".