Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Getúlio
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



Mostrando postagens com marcador Getúlio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Getúlio. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Quebra-Quebra de 1942



“Passeata da Vitória” promovida pelo Centro Estudantil no dia 09 de Agosto de 1942 (alguns dias antes do 
Quebra-Quebra) - Foto de Thomaz Pompeu


Em 18 de agosto de 1942 acontece o chamado quebra-quebra, em represália ao afundamento de vários navios mercantes brasileiros na costa brasileira, torpedeados por submarinos italianos e alemães.
Estabelecimentos de alemães, italianos e japoneses são depredados, assaltados e incendiados pelo povo revoltado.
Até estrangeiros que nada tinham a ver com o "eixo" foram "punidos" por terem nomes complicados.
Na voragem foram incendiadas as lojas A Pernambucana e Casa Veneza e a firma Paschen & Companhia.
A Padaria Italiana muda seu nome para Padaria Nordestina, durante a revolta popular.



Foto do livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Nirez


Foto do livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Nirez

O dia 18 de agosto de 1942 parecia ser mais um dia comum no Brasil do Estado Novo, que assistia, sem maior envolvimento, à Segunda Guerra Mundial. O afundamento de seis navios brasileiros por submarinos alemães não havia gerado ainda nenhuma resposta do governo de Getúlio Vargas às forças do Eixo (formado por Alemanha, Itália e Japão). A população, inconformada com tamanha afronta dos alemães, toma suas próprias providências e sai às ruas para quebrar todos os estabelecimentos comerciais que tivessem alguma ligação com os países que passara a considerar inimigos. Acontece, então, o Quebra-Quebra de 42.


Motoristas participam da passeata.


Em meio à algazarra na Praça do Ferreira, onde se avolumava uma pequena multidão em
frente à coluna da hora, ouve-se o grito "Estão quebrando a padaria do Espanhol!". Assim teria começado, na capital Fortalezense, o chamado Quebra-Quebra. 




Em meio àquela confusão, estava Thomaz Pompeu Gomes de Matos, que fez várias fotografias do movimento popular. O fato não foi muito comentado pelos jornais da época, que preferiram não dar repercussão a um caso de desordem pública em plena ditadura. Assim, os principais registros da revolta, acontecida dois dias antes de o Brasil entrar oficialmente na Segunda Guerra, foram as imagens feitas pelo jovem. Para não ir contra os interesses do governo ditatorial, Thomaz Pompeu negou por muito tempo a autoria das fotos, que só foram divulgadas na década de 1980, na coluna de Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez) no jornal O Povo.

Loja A Pernambucana sendo consumida pelo fogo.


A algazarra na Praça do Ferreira


No jornal O Nordeste, do dia 19 de agosto, em edital na primeira página, comenta-se sobre a Grande massa de povo, ontem, durante quase todo o dia, principalmente depois das 10 horas, veio as ruas em manifestações coletivas de desagravo à covarde agressão dos piratas nazistas à Marinha mercante Nacional.

Considerando justificável e inevitável às repercussões dos afundamentos na multidão, a população agora deveria se colocar dentro dos imperativos do patriotismo e manter-se confiante nos labores do alto poder nacional. Obedecendo aos apelos das autoridades visando calma, ordem e disciplina. “Passou-se o tempo dos devancios faciosos, das intrigas partidárias, das rivalidades mesquinhas. O que se quer, o que o poder público reclama é a união de todos os brasileiros[...]



Missa pelos mortos de naufrágios de navios brasileiros.


Nesse dia a cidade “acorda” com uma Missa realizada na Igreja do Patrocínio, onde uma grande multidão se concentra abarrotando-se em frente as suas portas. Pela mesma atenção ao luto nacional, as aulas da faculdade de direito foram suspensas. Um informante privilegiado descreve o clímax dos acontecimentos:

[...] A revolta popular aumentava de minuto a minuto. Vi várias mulheres chorando durante a Missa. Nesse clima de revolta e indiguinação fomos para a Faculdade de Direito e lá nos reunimos em frente ao prédio onde oradores falaram concitando o Governo Federal a declarar Guerra à Alemanha.[...]
Mais ou menos às 10:30 saímos em passeata [...] e [chegamos] a velha praça do Ferreira. [...]Por onde íamos passando a fileira ia aumentando consideravelmente. Quando atingimos a Coluna, ali já se encontrava uma compacta multidão a gritar “morra Hitler e seus asseclas!”. Vários oradores se fizeram ouvir [...] [avultando] o número de manifestantes face ao fechamento do comércio as 11:00 horas como era de hábito na época. Nisso, no meio da multidão ouve-se um grito: “Estão quebrando a padaria do Espanhol!”. [...] Foi o início do quebra-quebra.






Nesse mesmo alvoroço acabaram sendo quebradas e incendiadas outras casas comerciais como as Lojas Pernambucanas, Camisaria Álvaro, Jardim Japonês da família Fujita.
O Jornal Correio do Ceará noticiava: "Acompanhados de grande massa popular, ao som de estrepitosos foguetes e empunhando cartazes de propaganda democrática, os estudantes rumaram para a Praça do Ferreira, onde já se havia formado  um grupo numerosíssimo de pessoas. A entrada do cortejo cívico no principal logradouro da cidade foi triunfal, ouvindo-se ensurdecedoras aclamações aos nomes dos presidentes Vargas e Roosevelt, de Churchill e De Gaulle e as nações unidas, cujos heróicos combatentes derramaram o seu sangue em holocausto da Liberdade."

"O Quebra-quebra de 1942 em Fortaleza", acúmulo de gente na Rua Floriano Peixoto.


Seria algo como um espelho do que realmente aconteceu. Nessas fotos, podemos detectar um grande número de pessoas fardadas mostrando o ativismo dos estudantes daquela época, a adesão dos vários grupos sociais (estudantes, professores, motoristas, organizações católicas como a Cruz de Cristo, etc) erguendo os seus cartazes e faixas que acabam se juntando em um só grito de condenação ao nazi fascismo dos países do eixo.


Estudantes participam de passeata.


Tanto pelo temor de se ser envolvido em alguma querela policial, como por motivos de constrangimento pessoal com pessoas próximas, essas fotografias foram guardadas em foro íntimo no arquivo pessoal do Sr. Thomaz Pompeu, tendo sido mostradas apenas para familiares e amigos próximos até o começo da década de 80.

O primeiro suporte, onde as fotos ganham uma divulgação mais ampla, é a página do jornal O povo intitulada Pesquisa e Comunicação, datada no dia 22 de Agosto de 1982, escrita pelo memorialista e colecionador Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez).



 
Álbum com as fotos do Quebra-Quebra organizado pelo
Sr.Thomaz Pompeu Gomes de Matos.

Reduzido a um foro íntimo, mas com grande audiência dos pesquisadores depois da divulgação no jornal, o segundo suporte é o álbum de fotografias organizado, também no começo dos anos 80, pelo próprio Thomaz Pompeu.

O Álbum – que hoje se encontra na reserva técnica do Memorial da Cultura Cearense – possui uma capa dura, vermelha e em letras douradas, no canto inferior direito, está o nome do seu antigo proprietário; na lombada, também em dourado, encontra-se um nome em caixa-alta: Quebra-Quebra de 18-08-1942. É possível julgar o livro pela capa, assim observamos o cuidado e carinho especial que o Sr. Thomaz tem por esse acontecimento.



x_3c031e9c 




Fontes: Cronologia Ilustrada de Fortaleza - Nirez,  
A trama fotográfica do Quebra-Quebra de 1942 de Carlos Renato Araújo FREIRE
 e Blog Coisa de Cearense 



terça-feira, 25 de outubro de 2011

A saga dos jangadeiros do Mucuripe


Orson Welles na praia do Mucuripe com os jangadeiros

Orson Welles chegou ao Brasil em 8 de fevereiro de 1942 para filmar o carnaval carioca. No Rio de Janeiro, tomou conhecimento da saga dos jangadeiros cearenses Jacaré, Tatá, Mané Preto e Mestre Jerônimo, que em 1941 se lançaram numa travessia na jangada São Pedro, de Fortaleza ao Rio de Janeiro, para sensibilizar o presidente Getúlio Vargas as condições de trabalho da categoria, que não tinha os benefícios da legislação trabalhista. Em março de 1942, Orson Welles fez uma viagem de reconhecimento à Fortaleza, com o objetivo de incluir a saga dos jangadeiros em um dos episódios do filme sobre o Brasil - It’s All True.


Mucuripe - Detalhe para a Igrejinha lá atrás (São Pedro dos Pescadores)


Durante as filmagens de It’s All True, Jacaré e seus três companheiros, Mestre Jerônimo Manuel Preto e Tatá foram levados de avião até o Rio, onde participariam de algumas cenas do episódio carnavalesco, ao lado de Grande Otelo. Rodariam no aeroporto a despedida do Rio e reconstituiriam, numa praia da Barra da Tijuca, a triunfal chegada da jangada São Pedro à Baía de Guanabara. Várias tomadas da chegada da jangada São Pedro ao Rio chegaram a ser feitas, mas uma manobra infeliz da lancha que rebocava a jangada, a teria virado, jogando ao mar agitado os seus quatro tripulantes. Três se salvaram. O corpo de Jacaré desapareceu e nunca foi encontrado. A tragédia abalou toda a equipe e elenco do filme. It´s All True ficou inacabado e Orson Welles voltou com sua equipe para os Estado Unidos. Um programa de boa vizinhança entre os Estados Unidos e o Brasil, em plena II Guerra Mundial, resultou no encontro de dois grandes mestres: o cineasta Orson Welles e o fotógrafo Chico Albuquerque. O ano era 1942. Em busca de apoio local, após aportar em Fortaleza buscando imagens de um Brasil exótico, o cineasta norte-americano convidou o fotógrafo Chico Albuquerque, na época com 25 anos, para fazer a fotografia do filme “It´s All True”. A parceria gerou imagens que mostram e enaltecem o maior ícone brasileiro do mar - o jangadeiro - como também uma relação de amizade, que resultou na troca de correspondências ao longo de muitos anos. 



Família Firmino Holanda

Segundo o próprio Chico Albuquerque, foi com Orson Welles que ele ouviu, pela primeira vez, falar em divisão áurea do retângulo. Dez anos depois, Chico Albuquerque, ainda com a fotografia e a luz do filme em mente, registra definitivamente as jangadas e os pescadores do Mucuripe.

Família Firmino Holanda - Sem o calçadão, temos a impressão que a igrejinha era ainda mais próxima ao mar...


Getúlio Vargas cumprimentando Jacaré

Há exatamente 60 anos, quatro pescadores brasileiros se lançaram ao mar para uma viagem que entrou para a história dos jangadeiros cearenses, da navegação, do Estado Novo e do cinema. Tão arriscada foi ela, que até na imprensa americana ganhou espaço nobre. Num artigo intitulado Four Men on a Raft (Quatro Homens numa Jangada), a revista Time (8/12/1941) reproduziu toda a odisséia de Manoel Olímpio Meira (Jacaré), Raimundo Correia Lima (Tatá), Manuel Pereira da Silva (Mané Preto) e Jerônimo André de Souza (Mestre Jerônimo), que a bordo de uma jangada singraram os 2.381 km que separam Fortaleza do Rio de Janeiro, sem bússola ou carta náutica. Algo parecido ocorrera em 1923, quando quatro jangadas, sob o comando de Mestre Filó, viajaram do Rio Grande Norte até o Rio de Janeiro, para reanimar os festejos do Centenário da Independência. Os jangadeiros potiguares foram brindados, na época, com um poema de Catulo da Paixão Cearense, mas seu feito não chegou à imprensa estrangeira nem virou filme. 

O retorno a Fortaleza de avião

A partida dos jangadeiros

Detalhe para a Igrejinha de São Pedro dos Pescadores - Mucuripe

Jacaré, Tatá, Mané Preto e Mestre Jerônimo partiram da antiga Praia do Peixe (hoje, Iracema), em 14 de setembro de 1941, e chegaram ao seu destino dois meses depois. Não participavam de um rali ou de um enduro patrioteiro, mas de um reide com finalidade política. Os jangadeiros queriam chamar a atenção do País e do governo para o estado de abandono em que viviam os 35 mil pescadores do Ceará. Morando em toscas palhoças, nem do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos eles recebiam ajuda. O presidente da República precisava saber daquilo. Ficou sabendo. Em carro aberto - Não tínhamos bem um presidente, mas um ditador, Getúlio Vargas, e no Ceará, como nos demais Estados, um interventor. Em 16 de novembro, o ditador recebeu os quatro jangadeiros, que pouco antes haviam sido acolhidos apoteoticamente pela população carioca e conduzidos em carro aberto até o Palácio do Catete, enquanto a jangada que os trouxera - batizada São Pedro, o santo padroeiro dos navegantes - era exposta na Cinelândia, entre as estátuas de Floriano Peixoto e Paulo de Frontin. Líder do grupo, Jacaré, 38 anos, falou pelos quatro. "Voltem tranqüilos", consolou-os Getúlio. "O governo saberá ampará-los e dar-lhes justiça." 

Ondas produzidas por baldes



O único amparo providenciado pelo governo, contudo, foi mantê-los sob estrita vigilância de agentes do Dops, nas duas semanas que passaram na capital federal, recebendo homenagens de autoridades e entidades civis. Qualquer aproximação deles com os comunistas poderia ser fatal, ponderou o fascistóide ministro do Trabalho, fazendo de conta que ainda havia comunistas fora das prisões do Estado Novo. Acompanhando a viagem dos jangadeiros desde o início, o repórter dos Associados Edmar Morel com eles retornaria ao Ceará num bimotor da NAB (Navegação Aérea Brasileira), para completar sua reportagem. A chegada a Fortaleza, em 1.º de dezembro, após sete horas de vôo, foi uma apoteose ainda maior que a do Rio. Um cortejo de 150 automóveis seguiu os heróis da terra do aeródromo do Alto da Balança ao Jangada Clube, na Praia de Iracema, onde foram recebidos, entre outros, pelo interventor Menezes Pimentel


Os jangadeiros no carnaval carioca da década de 40

Os corajosos jangadeiros do Mucuripe

A façanha de Jacaré, Tatá, Mané Preto e Mestre Jerônimo já entrara para a história dos jangadeiros cearense, da navegação e do Estado Novo. Só faltava entrar para a história do cinema. Estimulado pelo auê em torno do reide, Ruy Santos, que apesar de comunista faturava algum dirigindo documentários para o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), filmara em novembro um curta, A Jangada, em cima da canção praieira de Dorival Caymmi, A Jangada Voltou Só. A odisséia da São Pedro, contudo, estava condenada a entrar para a história do cinema americano. Na primeira semana de dezembro de 1941, folheando a Time, Orson Welles tomou conhecimento da proeza de Jacaré & cia., e teve um estalo: ali estava o segundo episódio brasileiro de It's All True, o filme pan-americano que o governo Roosevelt há pouco lhe encomendara. Além da viagem, parcialmente reconstituída com seus protagonistas originais, Four Men on a Raft contaria a história de um casamento prematuramente desfeito pelas ondas do mar, como aquele descrito em A Jangada Voltou Só. Mas sem esta ou qualquer outra canção de Caymmi. 

Orson Welles chega a Fortaleza em 1942 no Alto da Balança

Orson com os jangadeiros


A princípio, a música do segundo episódio brasileiro de It's All True seria composta por Villa-Lobos. A do primeiro, tendo como pano de fundo o carnaval carioca, seria de Herivelto Martins, Ataulfo Alves, Mario Lago e outros mestres do samba. Muito já se escreveu sobre a passagem de Welles pelo Rio e as dificuldades que ele enfrentou para rodar o malfadado It's All True. Pouca atenção, no entanto, se deu às semanas que o cineasta passou no Ceará, filmando a primeira parte do episódio dos jangadeiros. A temporada carioca, além de quatro meses mais longa que a cearense, foi infinitamente mais rica em peripécias - algumas até hoje à espera de relatos mais substanciosos e confiáveis -, mas não seria justo reduzir o folclore de Quatro Homens e Uma Jangada ao traumatizante desaparecimento de Jacaré, por acaso ocorrido numa praia carioca. Welles passou um mês em Fortaleza (com baldeações e rápidas incursões a São Luís, Recife e Salvador) quando estava na pior, quase ao deus-dará, encurralado por Hollywood, o Departamento de Estado norte-americano e a ditadura getulista. De mais a mais, as imagens de Quatro Homens e Uma Jangada que lograram ser recuperadas superam em quantidade e organicidade as do episódio carioca. Preenchendo a lacuna - O crítico cearense Firmino Holanda preencheu essa lacuna com um livro, Orson Welles no Ceará, que talvez conte mesmo tudo aquilo que precisamos saber sobre a fase nordestina de It's All True, muito superficialmente abordada nas reminiscências de Edmar Morel (Histórias de Um Repórter, Record, 1999). Por sua intimidade com o reide, Morel, que além do mais fora criado nas praias de Fortaleza, fez parte da equipe do cineasta, como pesquisador, conselheiro e contato com os pescadores, ganhando US$ 200 por semana, uma nota naquela época. Welles chegou ao Brasil e em 8 de março fez uma viagem de reconhecimento a Fortaleza. Lá chegou num vôo especial da NAB (Navegação Aérea Brasileira) e foi recebido como "um Napoleão do cinema". A imprensa local, arremedando a carioca, não economizou turíbulo nem incenso. "Um rapaz modesto e simples, de aspecto bonachão e risonho, atencioso e camarada (...) o tipo consumado do rapaz ianque de sua idade, sem protocolo e sem reservas, fazendo-se logo amigo de todos" - proclamou o diário O Povo. Arregimentados por Fernando Pinto, presidente do Jangada Clube e o mais boêmio, folgazão e altruísta empresário da cidade, mais de cem jangadeiros foram recepcionar o cineasta no aeródromo local. Em poucas horas, Welles participou de uma regata de nove jangadas (foi a bordo da Urano, ao lado de Mestre Jerônimo), assistiu a um espetáculo de coco-maracatu e jantou no Jangada, na companhia do cônsul dos EUA em Fortaleza, cujo sobrenome, curiosamente, era Rambo. Hospedada no Excelsior Hotel, no centro da cidade, a entourage It's All True (Welles levou seis acompanhantes, entre os quais Morel, seu fiel assistente Richard Wilson e a tradutora Matilde Kastrup) já embarcava, na manhã seguinte, para São Luís, onde algumas tomadas foram feitas, e de lá, no mesmo dia, para o Rio, via Recife. Dois meses mais tarde, Jacaré e seus três companheiros foram trazidos de avião até o Rio e hospedados no hotel Copacabana Palace. Por 500 mil réis semanais, participariam de algumas cenas do episódio carnavalesco, ao lado de Grande Otelo, rodariam no aeroporto a despedida do Rio e reconstituiriam, numa praia da Barra da Tijuca, a triunfal chegada da jangada São Pedro à Baía de Guanabara. Nessa ordem. Várias tomadas da chegada ao Rio chegaram a ser feitas, no dia 19, mas uma manobra infeliz da lancha que rebocava a jangada a teria virado, jogando ao mar agitado os seus quatro tripulantes. O corpo de Jacaré desapareceu e nunca foi encontrado. Acidente provocado? - À tona, várias paranóias. José Aírton, morador da Praia de Iracema e amigo da vítima, levantou logo a hipótese de acidente provocado. E deu suas razões: Jacaré falava demais e reivindicava muito. Sua morte, dizem, foi comemorada com champanhe pela Federação de Pesca do Ceará. Josefina de Castro, a viúva, passou cinco anos acreditando que o marido fora levado pelos americanos para os EUA, até que em 1947, cansada de esperá-lo todos os dias na beira da praia, morreu. Raimundo, um dos 11 filhos de Jacaré, até hoje acredita que seu pai foi assassinado. Nenhum parente ou amigo da vítima culpou Welles pela tragédia. Mas parte da imprensa carioca não se mostrou tão compreensiva. Especialmente naquelas publicações mais suscetíveis a pressões do governo - àquela altura indignado com o excesso de negros, favelas e pobres filmados pelo cineasta - It's All True passou a ser sistematicamente hostilizado e sua equipe exortada a pegar o primeiro avião de volta para Hollywood. Ainda assim, Welles foi em frente. As coações, quase sempre veladas, da ditadura getulista o perturbavam bem menos que o assédio crescente da RKO e do governo americano, que o acusavam de gastar dinheiro a rodo, filmar coisas sem nexo e repetidas e ser generoso além da conta com os jangadeiros. Na primeira semana de junho, a RKO deu um basta no projeto, cortou o crédito do cineasta e mandou toda a equipe voltar para casa. Welles conseguiu convencer o chefão do estúdio a prolongar sua estada no Brasil por mais um mês, o tempo de que necessitava para filmar, em Fortaleza, toda a primeira parte de Quatro Homens e Uma Jangada. Em troca, trabalharia com uma equipe mínima, levaria apenas 40 mil pés de negativo, filmaria tudo em preto-e-branco e sem iluminação artificial, com uma câmera Mitchell silenciosa, emprestada pela brasileira Cinédia. Welles e sua miniequipe desembarcaram na Base Aérea de Fortaleza às 15h30 do dia 13 de junho. Apesar do que ocorrera com Jacaré, foram acolhidos com enorme simpatia. Para assegurar maior tranqüilidade aos trabalhos, estabeleceram-se nas areias do Mucuripe e ali rodaram a história de amor do jovem pescador (José Sobrinho) com uma bela morena (Francisca Moreira da Silva, então com 13 anos), o casamento dos dois, a morte do jangadeiro e seu enterro nas dunas, a conseqüente revolta dos pescadores pelas suas precárias condições de vida e a decisão política do reide até o Rio de Janeiro. No papel de Jacaré, puseram seu irmão Isidro. Em Fortaleza, Welles revelou-se um homem radicalmente diferente do garotão farrista e mulherengo que os cariocas conheceram. Não deixou de ir a festas (chegou a marcar quadrilha num folguedo junino), nem de freqüentar o Jangada Clube, mas parou de beber e deu um duro danado nas seis semanas que lá passou, correndo contra o relógio e fazendo malabarismos com o orçamento. 

Sempre alegre, passou a viver com os pescadores, que o tratavam de "galegão legal" e admiravam o seu desprendimento de confortos materiais e sofisticações culinárias. Dormia numa cabana rústica, mal protegida dos raios solares, e à noite, depois de encarar um portentoso prato de feijão com arroz e peixe, recolhia-se para escrever madrugada adentro. Em 14 de julho, encerrada a faina em Fortaleza, a equipe de It's All True rumou para o Recife, seguindo três dias depois para Salvador, chegando ao Rio no dia 22. Dez dias mais tarde, Welles deixaria o Brasil, para nunca mais voltar. Firmino Holanda não se limita a fazer um relato das andanças de Welles pelo Ceará - vez por outra enriquecido com fatos pitorescos, como o dia em que o cineasta foi barrado na porta do Cine Diogo, que não permitia a entrada de homens sem mangas de camisa -, arriscando-se a ilações e interpretações que envolvem outras obras do cineasta (sobretudo A Dama de Xangai) e até uma experiência do russo Einsenstein, Que Viva México!, em muitos aspectos parecida com o também inacabado It's All True. Outros casos - Holanda tampouco se esqueceu de Jangada, o longa que o brasileiro Raul Roulien rodou no litoral cearense em 1949, e O Canto do Mar, dirigido em 1954 por Alberto Cavalcanti. O que eles têm de comum com It's All True, além do mar e dos pescadores? Bem, Roulien perdeu todo o negativo de Jangada num incêndio, em 1951. Temeroso de desafiar as bruxas, Cavalcanti, que pretendia filmar O Canto do Mar em Fortaleza, transferiu sua equipe para o litoral pernambucano. Teria Netuno ou Iemanjá enfeitiçado os mares bravios do Ceará? Welles não chegou a aventar tal hipótese, mas na década de 50, num programa da BBC, levantou a suspeita de seu "filme brasileiro" ter sido vítima de uma mandinga. Que outra coisa podia ser a enorme agulha que ele um dia achou atravessada no roteiro de It's All True?


Saiba mais sobre a saga dos jangadeiros Aqui


Fonte: Estadão, Chico Albuquerque, Fortal


domingo, 22 de agosto de 2010

Da glória ao esquecimento



A importância do rei dos animais contrasta com a modestia dos
frequentadores da praça Gentil Tibúrcio.

Em posição majestosa estão os leões da Praça General Tibúrcio. Trazidos de Paris, os reis dos animais, ainda que só da floresta, enaltecem a riqueza arquitetônica de um dos recantos mais tradicionais do centro de Fortaleza. Ostentando glória que um dia residiu na praça, os leões dão identidade ao espaço que é mais conhecido como a praça deles. Deles, os leões.
A área ocupada pela praça, hoje, ganhou relevância, inicialmente, por estar de frente para o que, na metade do século XIX, era a sede do governo cearense.
Recebendo assim três denominações: “Largo do Palácio”, “Pátio do Palácio” e Praça do Palácio”.
Em 1877, por decisão da Câmara Municipal, o espaço passou a denominar–se “Praça General Tibúrcio”, em homenagem ao cearense Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza, que lutou na Guerra do Paraguai.
Um ano depois, imortalizou-se no centro da praça, um monumento em honra ao General, com a primeira estátua erguida no Estado do Ceará. Como na época as pessoas mais importantes eram enterradas dentro de uma igreja, Tibúrcio, por toda a sua coragem, ganhou importância e um monumento próprio, onde foram colocados seus restos mortais, localizado debaixo da sua estátua.
A praça está localizada no centro de Fortaleza, entre as ruas Sena Madureira, General Bizerril, São Paulo e Guilherme Rocha. Ela hoje forma um importante conjunto arquitetônico com a Igreja Nossa Senhora do Rosário, a Academia Cearense de Letras (Antigo Palácio da Luz) e o Museu do Ceará (Antiga Assembléia Municipal).

José Pereira, 50 anos de praça: muitas histórias.

Antes de fazer parte do conjunto arquitetônico, o local já foi cenário para a passagem de mais importantes figuras políticas. Conta José Pereira, de lúcidos 92 anos de vida, que no púlpito, que subiram desde parlamentares a mendigos a urinar, foi palanque até para discurso do ex - presidente Getúlio Vargas.
Pereira, como é conhecido na praça onde trabalha há mais de 50 anos, recorda saudosamente do seu primeiro abrigo, logo quando chegou a Fortaleza. Vindo da sua cidade natal, Jaguaruana, depois de quatro dias de viagem, encontrou repouso embaixo das frondosas copas das árvores da praça.
Chegou à capital “sem lenço, sem documento”, com a vontade inabalável de vencer na vida. A praça foi palco de todas as suas tristezas, alegrias, superações. Seu primeiro emprego foi no Sombreiro Bar (atual Restaurante Lions), local onde já funcionou o mais importante restaurante de Fortaleza. No prédio também funcionava o Hotel Brasil, o mais renomado da cidade. Ele abrigava todas as ilustres figuras que pela cidade passavam.
Hoje, Pereira trabalha em uma banca do Paratodos, uma ilegalidade nordestina, que a polícia finge não ver. Exerce essa atividade com o prazer de retornar todos os dias para o seu primeiro porto.
A Praça General Tibúrcio já foi área nobre de Fortaleza.
Hoje, com a expansão da cidade, o centro se tornou um espaço mais comercial, que funciona de 8h da manhã às 18h da noite. Com isso, a praça perdeu sua vitalidade.
Pereira conta que há quarenta anos, os ricos e boêmios freqüentadores da praça, podiam chegar bêbados, portando bens de valor e se darem ao luxo de adormecer nos bancos. Ao acordarem percebiam que nada lhes faltava. Com a desvalorização do centro como área nobre, a praça passou a abrigar almas marginalizadas e prostituídas.
Muito dos comércios que hoje existem nas proximidades, antes eram motéis. Esta realidade contribuiu para que a praça deixasse de ser bem freqüentada e que seu espaço não fosse utilizado devidamente. De acordo com o cambista Emanuel Mendes, que trabalha na praça há
mais de 30 anos, chegou uma época que não se podia andar na General Tibúrcio em plena luz do dia, sem ser assaltado.Emanuel freqüenta a praça desde criança. Visitava todos os dias, quando ia deixar o almoço dos pais e tios, que lá trabalhavam como cambistas.

A estátua de Rachel de Queroz: agrega valor à praça apesar da ação de vandalos.

Ele vivenciou uma época quando ainda havia um estacionamento na Rua General Bizerril, que acabou quando construíram um calçadão que interliga a praça ao comércio de papelarias. Emanuel lembra que, depois da construção do calçadão, passou a funcionar o comércio, que
hoje é conhecido como beco da poeira. Depois de muito tempo o comércio foi retirado da General Tibúrcio, por conta da sujeira deixada.
Outra presença ilustre está sentada em um banco de madeira ao lado de uma árvore peculiar da praça, Ficus – Bejamim: uma estátua da Rachel de Queiroz, no auge de sua elegância. Ela foi colocada no começo de 2005, e presencia o atual cotidiano do logradouro, que flutua desde a comercialização do corpo até o exercício da solidariedade.
Fernando Moreira, porteiro da Academia Cearense de Letras, Conta que Rachel gostava muito da praça. Por conta dos vândalos, havia a intenção de colocar a estátua dentro da Academia Cearense. familiares da escritora porém fizeram questão de que ela fosse colocada no local que mais gostava. A vida da praça começa com a chegada dos comerciantes. O comércio abre, o sol esquenta, mas ela continua com sua sombra e ar fresco. Propício para receber quem está enfadigado dentro das lojas, quem espera alguém ou até mesmo quem passou a noite catando latas na cidade. Paulatinamente começa a se formar um grupo de amigos, batizados legalmente como: Associação amigos do Dominó. São aposentados, advogados, comerciantes, policiais fora do horário de serviço, que brincam” por distração, para passar o tempo, a labuta.
Os amigos do dominó formam uma associação muito organizada, que se instalou na praça há mais de 15 anos. Para participar tem que cumprir a regras, para que não vire bagunça, nem prejudique ninguém. Só pode jogar quem for associado e apresentar a carteira de associado.
As regras consistem em: Não pode... Fumar quando estiver jogando; Estar embriagado;
Jogar com pessoas estranhas; Eles começam a jogatina logo cedo e se tiver componente
vão até anoitecer. O aposentado Francisco Ribeiro da Silva, 72, vai todos os dias, de ônibus, do bairro Benfica, para a praça, só para jogar. “É meu divertimento”, diz ele. A associação é sem fins lucrativos. O presidente da associação pede apenas para que os conveniados contribuam com um presente infantil, para animar as festas organizadas pelos amigos do dominó no dia das
crianças e no Natal. Essa festa é feita anualmente, para crianças carentes que vivem perto da praça.
A Praça dos Leões é espaço para muitas manifestações de caridade. No logradouro, também acontece de terça a quinta-feiras um sopão, ofertado pela Catedral de Fortaleza, que alimenta pessoas carentes que rodeiam a praça. São distribuídos cerca de duzentos copos. A sopa é feita com os donativos doados na Igreja do Rosário e na Catedral.
A praça que ainda preserva a passagem do antigo bondinho, que funcionava antes do automóvel dar o ar da sua graça, recebe visitantes de todos os tipos. Seja para visitar a Igreja; seja para visitar a Rachel, que tem melhorado a freqüência dos visitantes da praça; seja só de passagem, quem desceu ou quem vai pegar o ônibus; seja para fazer o comércio do café, de livros ou até do próprio corpo; seja para engraxar os sapatos; seja para fazer uma aposta no jogo do bicho. E no passar do dia, pode – se observar a quantidade de vidas, de objetivos, de realizações, de esperanças, de um momento de cada um que passa por ali.
Independente do sexo, idade, cor, raça ou religião. Todos que contribuem direto ou indiretamente para a história da praça, que há muito morre e revive.


Crédito: Isabella Purcaru

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Praça dos Voluntários - Praça da Polícia


Edifício do Liceu na Praça dos voluntários já demolido, onde hoje se encontra o prédio da Polícia Civil. Foto do acervo do Museu da Imagem e do Som do Ceará


Antigo Largo do Garrote, a Praça dos Voluntários ganhou esse nome em 1932 como forma de homenagear os cearenses que lutaram na Guerra do Paraguai (1864-1870). No entorno da praça, destaca-se o Palácio Iracema, ocupado atualmente pela Sefin. Projetado pelos arquitetos Emilio Hinko e Alberto Sá, na década de 1930, o prédio abrigou o Clube Iracema até 1947, quando foi comprado pela Prefeitura para servir de Paço Municipal até por volta de 1967. Na praça, também existe o busto do ex-presidente Getúlio Vargas.

Monumento escultórico em homenagem ao presidente da república Getúlio Vargas, do escultor Agostinho B. Odísio, fundido na Fundição Cearense Viuva Gurgel & Cia. Cantaria Mário Rosal. Inaugurado em 1941.

Um pouco
de tudo

“Amolamos Alicate”
“Fazemos chaves”
“Comprados e vendemos cartuchos”

Estes são alguns dos cartazes/serviços espalhados por diferentes tipos de estabelecimentos localizados no entorno do logradouro, alguns até com dois – ou três – comerciantes dividindo um só espaço.
A Praça dos Voluntários, localizada no Centro de Fortaleza, poderia ser chamada de Praça da diversidade. Poucos sabem seu verdadeiro nome.
Para dificultar ainda mais, a placa que a identifica, está na parte de cima de uma das lojas de rações que a cercam, quase escondida, com boa parte do nome recoberto pela tinta de parede da última reforma do proprietário. Muitas pessoas passam pela Praça dos Voluntários, sem mesmo saber que este é seu nome. A conhecem, simplesmente, como Praça da Polícia.
No início do século XX, era conhecida como Largo do Garrote, uma alusão ao lago que começava no local e se estendia até à Cidade da Criança, atual Parque da Criança, em frente à Igreja do Coração de Jesus. O gado que vinha de Messejana tomava água e fazia descanso na sombra das árvores. Muito mato e semideserto, o local seria o que atualmente se conhece como açougue ao ar livre, com pequenos currais, nos quais o gado era abatido, debaixo das árvores e vendidos à sombra dos cajueiros. Hoje, tão diversificado quanto o tipo de loja da praça, são as pessoas que aproveitam a arborização – com direito à sombra – proporcionado pelo retângulo das árvores que formam a Praça dos Voluntários, que ganhou este nome em 1932 como forma de homenagear os cearenses que lutaram na Guerra do Paraguai (1864-1870).


Foto Jairo Silas

Salão de beleza, Farmácia Popular, loteria, Polícia Civil, estacionamento, restaurante, gráfica, Secretaria de Finanças do Município (SEFIN), Associação dos Magistrados, lotérica, casa de ração, INSS, loja de máquinas, de consertos de fogões, de bijuterias, de roupas, lanchonetes, banca de revistas e muito mais. Sem sair da praça, é possível dispor de diferentes tipos de serviços. Alguns pioneiros, como a Maquilar e outros recém chegados como a Farmácia Popular. Não só as ruas Monsenhor Luís Rocha, Perboire e Silva, General Bezerril e rua do Rosário, que a formam, mas em todas as ruas paralelas que dão acesso, ou não, ao logradouro, continuam as variedades de comércio, espalhando-se por todo o centro.

Foto Ricardo Sabadia

Foto Fco Edson Mendonça

Foto Ricardo Sabadia

Denile, Milksa e Edso, grupo de três amigos e funcionários da empresa Hoepers S.A., localizada no prédio Vital Rolin, na Rua do Rosário, passam todos os dias pela praça às 7h30min quando vão para o trabalho e às 14 horas, quando retornam. Receosos em perder o horário, eles apanham o ônibus para descer na Praça Coração de Jesus. O percurso até a empresa é pela Praça dos Voluntários. Eles são unânimes em considerar que o espaço poderia ter melhor aspecto, ser mais limpo e organizado. “Aos sábados e domingos, as pessoas ficam nos bares em frente à praça até tarde e, muitas vezes, colocam mesas até em cima da calçada da praça”, critica Denile.
O intenso comércio no local e nos arredores forçou a abertura de três estacionamentos, dois na lateral do INSS, e outro, mais afastado da praça, no sentido do Parque da Criança. Desses, dois são cobertos e um a céu aberto. E, mesmo assim, o contorno da praça é todo feito por veículos de funcionários e proprietários que colocam seus carros em frente à praça ou em frente às lojas, deixando um estreito espaço para a circulação de outros veículos. De frente a um dos estacionamentos, Oliveira, 70, engraxa todo dia a R$ 3,00, o par de sapatos. Há 26 anos nesse
ponto, ele chega às 7h30min e vai para casa quando o movimento acaba, por volta das 18h30min. “Além de engraxar, conserto sapatos, vendo também usados, mas o principal serviço que faço é consertar sandálias femininas que se quebram quando as donas vêm ao centro”, diz o experiente engraxate. Integrante de um grupo de oito profissionais, todos com quase a mesma idade, os engraxates da praça se agrupam em filas, com o objetivo de disputar os clientes que passam. Oferecendo seus serviços, eles amontoam tamancos e chinelas no chão, cada um de frente a seu respectivo dono. Essa é a maneira natural de concorrer uns com os outros e apresentar seu produto. As pessoas que cruzam a praça e, principalmente, as que sentam nos bancos são a maior clientela, não só deles, mas dos vendedores de flanelas, de Totolec, de cartões de crédito, que bombardeiam o descanso de quem fica nos bancos.

Foto Jairo Silas

O movimento dos prédios públicos INSS, SEFIN, Polícia Civil e Farmácia Popular é de segunda à sexta-feira; só a Farmácia Popular funciona no sábado até meio dia. No INSS, que fica no mais alto prédio da praça, pela Rua General Bezerril, em frente à Polícia Civil, são feitos diariamente, pedidos de aposentadoria, laudos médicos, e entrada em licença maternidade. Na SEFIN, que fica pela Rua Monsenhor Luís Rocha, entre a Rua do Rosário e a General Bezerril, ocupava antigamente apenas um prédio. Recentemente, foi construído um anexo, para possibilitar melhor funcionamento. Na SEFIN são resolvidos casos de pagamento, regularização, retiradas de certidões negativas de débitos e fiscalização dos impostos arrecadados no município tais como: Imposto sobre Serviço (ISS), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto de Transmissão de Bens Imobiliários (ITBI). Com o objetivo de supervisionar o recebimento desses impostos a SEFIN é responsável por boa parte da movimentação de contribuintes e veículos na praça.

Foto Ricardo Sabadia

Recém chegada, mas com importância essencial para o setor de medicamentos, a Farmácia Popular, esquina da Rua Monsenhor Luís Rocha e Rua do Rosário, é um programa do Governo Federal, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, que reúne idosos e populares logo cedo em aglomerados de frente à Farmácia a procura de melhores preços. Maria Alice, de 71 anos, aposentada, moradora do bairro Bom Jardim sempre que precisa vai à farmácia garantir o desconto que tanta diferença faz no orçamento mensal. “Eu uso remédio para colesterol. Na
farmácia do meu bairro uma cartela com 10 comprimidos custa R$ 17,00 e compro aqui a cartela por R$ 3,50. Faz muita diferença, por que nem ônibus eu pago para vir comprar”, conta feliz.
Um dos primeiros prédios a fazer parte da praça, onde está a Polícia Civil, na Rua do Rosário, já foi sede do antigo Liceu do Ceará (primeira foto da postagem), no período em que a praça ainda se chamava Largo do Garrote. Depois o prédio foi demolido e construído no seu lugar a Central da Secretária de Polícia e Segurança Pública, depois desativada, para uso exclusivo da Polícia Civil. Na gestão do prefeito Raimundo Girão, a praça cedeu homenagear aos cerca de 6 mil voluntários que partiram para a Guerra do Paraguai, em 1865. A denominação foi dada em 1932 sob o decreto 75/31/12/1932 e passou a se chamar “Praça dos Voluntários”.
Em homenagem ao Chefe da Nação, da época, foi levantado em 1941 um busto do presidente Getúlio Vargas, na reforma feita pela Prefeitura, na gestão de Raimundo de Alencar Araripe. Nesse período foi toda remodelada: ganhou dois jardins e nova iluminação. Atualmente os bancos formam dois quadrados e dentro ficam os jardins da praça. Entre os bancos fica o busto de Getúlio. Nos dias atuais, populares ainda prestam homenagens, nas datas de seu nascimento e morte, depositando flores aos pés do busto. Há, até mesmo, aqueles que a chamam carinhosamente, de Praça Getúlio Vargas.

Foto Fco Edson Mendonça

Das bancas de revistas que ficam em cada extremidade da praça, uma em especial chama atenção pelo som de uma caixa acústica, com alcance em todos os cantos da praça. Ela já é parte integrante do local. Djavan é o dono, tanto da banca quanto da caixa.
Djavan, só Djavan, como ele prefere ser chamado, trabalha há 16 anos e além de revistas e jornais, vende alternativamente CDs de música brega. O jogo de dama em frente à banca ou o de baralho, ao lado, são alguns dos métodos práticos de promover a publicidade de seus CDs. Mesmo cismado quando é esse o assunto e, com medo da fiscalização, garante que só ajuda a melhorar o ambiente da praça e colaborar com a alegria dos amigos.

Mais antigo do que Djavan na praça só o dono da banca localizada atrás da dele. Não muito disposto a trocar idéias, ele – que preferiu não dizer o nome – fica assistindo TV e atende os clientes, apenas esticando a mão, sem mesmo olhar para as pessoas. A banca dele é uma das maiores da praça. Todo o espaço interno é preenchido e ainda recobre boa parte do chão. É dividida em três espaços diferentes: à direita, ficam os livros; no centro, as revistas; e à esquerda, a sessão pornô – por sinal a maior e mais visível. O nome da banca “Terra da Luz” ironicamente oferece os títulos que se vendem por si sós – porque o proprietário permanece sentado, assistindo.

Do mais antigo ao caçula: Francisco Freire comprou sua banca há três meses e até agora, satisfeito com as vendas, manda buscar as revistas nas editoras e ganha uma boa quantia de comissão em cima do preço de capa, que ele não revela. “O que não se vende, eu devolvo”, confirma, satisfeito por não correr risco.
Nos finais de semana, quando os prédios públicos estão fechados, o comércio ambulante da praça se estende na frente desses locais: calcinhas, sutiãs, piranhas, bijuterias, porta – cartões, imãs de geladeiras, tudo a partir de R$ 0,50. Alguns dividem a mesma locação com três tipos de comerciantes diferentes. Não dá para saber nem o nome da loja de tantos produtos diferentes no mesmo local: rações para peixes junto com venda de queijos, molhos e cachaças artesanais, salão de beleza junto com gravação de carimbos e consertos para relógios, banca do Paratodos e Totolec, com venda e troca de celulares e acessórios. Sem falar do comércio não fixo de carrinhos de cachorro quente, frutas, verduras e até enfeites e cartões de Natal.
Eles passam, vendem um pouco de um lado, um pouco do outro e partem para um novo ponto de venda.
Enquanto os ambulantes se movimentam na praça, dois rapazes com farda de fiscal da prefeitura, que deveriam estar observando se todas pessoas que estão vendendo mercadorias são cadastradas e, conseqüentemente, pagam impostos, não parecem muito interessados no serviço. Ao contrário, se afastam da área para se deliciarem cada um com uma porção de batatinhas fritas...
Além da diversidade, a Praça dos Voluntários abriga lojas especializadas no ramo de informática, como a Maquilar, que iniciou esta atividade ainda com máquinas de datilografia. Com a evolução tecnológica e a era dos computadores, a loja passou a trabalhar com venda e consertos de produtos de informática, impressoras, calculadoras, telefones e também com carga e recarga, compra e venda de cartuchos. Hoje, com mais de 25 anos de serviço, abre caminho para a concorrência que se inicia no próprio entorno da praça.
Na Rua Perboyre e Silva, vizinhas à Maquilar, há mais duas lojas, a “Júnior Faz Tudo” e, mais nova da praça, a “Jaspefor”, que dispõe de três lojas, duas ficam em frente à praça e a outra, na Rua General Bezerril.
Outra diferença nos serviços oferecidos nos estabelecimentos ao redor da praça é o atendimento e o estilo único. Ao som da banda Aviões do Forró, os freqüentadores do Restaurante Bon Appetit se espalham pelas mesas, que se estendem pela calçada e também pelo chão da praça. Sem precisar entrar no restaurante para ter acesso ao cardápio, que fica em duas caixas pintadas, logo na entrada, cada uma para um grupo de clientes específico: “Promoção p/ empresa: a partir de 5 pessoas self service, sem peso: R$ 3,20. Grátis 5 guaranás Kuat 290 ml, ainda acompanha fruta. Só o almoço R$ 3,00.” A outra faixa para promoção individual, muda apenas o preço para R$ 3,40. Um tanto cansativo para quem tem que ler em pé e com fome. Mas, segundo Aline Bento, freqüentadora quase diária do restaurante, a comida é o que se pode chamar de BBBBoa, Bonita e Barata”.
As entregas de refrigerante com gelo, água de coco e até aquela cervejinha no local de trabalho são alguns dos pedidos levados de um lado ao outro da praça, durante todo o dia. Muitas vezes sozinhos no ambiente de trabalho, comerciantes acham mais prático telefonar para fazer o pedido.
A certeza da entrega do produto fica por conta da fidelidade dos que freqüentam a Praça dos Voluntários.

“sai da vida para entrar na história”


Getúlio Dornelles Vargas nasceu em São Borja (RS) a 19 de abril de 1883. Foi chefe do governo provisório depois da Revolução de 30, presidente eleito pela constituinte em 17 de julho de 1934, até a implantação da ditadura do Estado Novo em 10 de novembro de 1937. Foi deposto em 29 de outubro de 1945, voltou à presidência em 31 de janeiro de 1951, através do voto popular. Em 1954, pressionado por interesses econômicos estrangeiros com aliados no Brasil como Lacerda e Adhemar de Barros, é levado ao suicídio a 24 de agosto de 1954. Com uma bala no peito ele atrasa o golpe militar em 10 anos e “sai da vida para entrar na história”... Contrariamente ao que todos os governantes fizeram antes dele e vêm fazendo depois dele, o governo Vargas conquistou a vinda de técnicos estrangeiros para incrementar a nossa economia. Todos os outros governantes brasileiros antes e depois de Vargas colocaram, em maior ou menor grau, a economia brasileira a serviço de interesses estrangeiros. Por isso, apesar de todos os seus defeitos, é considerado O MELHOR PRESIDENTE QUE O BRASIL JÁ TEVE EM TODA A HISTÓRIA.
Por volta de 1894 estudou em Ouro Preto (MG), na Escola de Minas. Em 1898 torna-se soldado na guarnição de São Borja e em 1900 matricula-se na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo (RS). Não permaneceu lá por muito tempo, foi transferido para Porto Alegre (RS) a fim de terminar o serviço militar. Em março de 1904, matricula-se na faculdade de direito de Porto Alegre, onde conhece dois cadetes da escola militar, Pedro Aurélio de Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, dedicando-se, à ocasião, ao estudo das obras de Júlio de Castilhos (positivista, fundador do Partido Republicano no Rio Grande do Sul).Formou-se em dezembro de 1907, começando a trabalhar como segundo promotor público no tribunal de Porto Alegre, mas voltou a sua cidade natal, São Borja, para exercer as lides de advogado. Em 1909 elegeu-se deputado estadual, foi reeleito novamente em 1913, mas renunciou em sinal de protesto a Borges de Medeiros, que governava o Rio Grande do Sul. Voltou à assembléia legislativa estadual em 1917, e foi reeleito em 1921. Em 1923 torna-se deputado federal, e em 1924 torna-se líder da bancada gaúcha na Câmara. Washington Luís é eleito presidente em 1926 e escolhe Getúlio Vargas como ministro da Fazenda, devido ao seu trabalho na comissão de finanças da Câmara, mas ocupou o cargo por menos de um ano, sendo escolhido como candidato ao governo do Rio Grande do Sul. Eleito, tomou posse a 25 de janeiro de 1928.


Créditos: Paula Cleidiany Queiroz Gondim, blog centro de Fortaleza e pesquisas de internet
NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: