Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Otávio Bonfim
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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segunda-feira, 23 de julho de 2012

O antigo Cine Familiar - Otávio Bonfim


Fachada do Cine Familiar na Praça dos Libertadores, no Otávio Bonfim - Foto Aba Film

Em 1949 começava, no bairro de Otávio Bonfim, a paixão de um cearense pelo cinema. Raimundo Carneiro de Araújo, “Seu” Vavá, começou sua vida profissional como
carregador de filme (o auxiliar do projecionista) do Cine Nazaré, que depois teria o nome mudado para Cine Familiar, e pertencia à paróquia de Nossa Senhora das Dores. Ele trabalhou nesse cinema até 1968, exercendo funções diversas, até chegar a gerente geral em 1957. No Cine Familiar, graças ao publicitário Tarcísio Tavares e ao empresário Maurílio Arraes (arrendatários do cinema às segundas-feiras, mantendo de 1966 a 1970, um dos mais interessantes cinemas de arte de Fortaleza), foi exibido em 16 de fevereiro de 1967, a obra prima de Orson Welles, ‘Cidadão Kane
*.

Seu Vavá - Foto de Neysla Rocha

Depois de aposentado não conseguiu esquecer essa paixão. Comprou as cadeiras do extinto Cine Fortaleza, e devagar, com muito carinho, foi montando seu próprio cinema. E então o Cine Nazaré renasceu, no mesmo bairro de Otávio Bonfim, na rua Padre Graça nº 65. Hoje “Seu” Vavá é o orgulhoso proprietário de uma das últimas salas de cinema à moda antiga, na realidade um pequeno museu, nessa cidade que já teve mais de duas dezenas de cinemas espalhados por seus bairros. Simples, sempre risonho, 81 anos bem vividos, “Seu” Vavá talvez nem imagine que realizar esse sonho foi, ao mesmo tempo, uma declaração de amor a Fortaleza.

O Cine Familiar era anexo a Igreja N.S. das Dores e foi construído com investimento dos frades Franciscanos. Funcionou até a década de 60 como opção de lazer para os moradores de Otávio Bonfim e adjacências.
O Cine dedicava-se à exibição de filmes de arte, localizado no bairro de Otávio Bonfim. Não se localizava, portanto, no “olho” das salas de exibições cinematográficas fortalezenses.

 
Sala de exibição do Cine Familiar na Praça dos Libertadores, no Otávio Bonfim 
Foto Aba Film

O Cine Familiar, foi fundado pelo frei Leopoldo, surgiu para fazer oposição e contrabalançar os malefícios decorrentes da apresentação de fitas a cargo do Cine Odeon, que funcionava em área defronte onde hoje se localiza a Delegacia do 3º Distrito Policial. O Cine Odeon era de propriedade de José Marcelino, àquela época marchante, e que funcionava o seu cinema sem dar grande “bolas” para a moral e os bons costumes, ditados pela censura do jornal O Nordeste.

 
Foto de 1960

Frei Leopoldo diz, em registro: “Em dezembro de 1935, resolvi construir, ao lado da Igreja, no parque dos meninos, um pavilhão aberto para nele ser ensinado o catecismo. Ao mesmo tempo adquiri um velho aparelho de cinema, fora de uso, e quase de graça, dando apenas um pequeno aparelho de projeção fixa em troca. Era minha intenção dar, de vez em quando, uma pequena sessão cinematográfica para os meninos do catecismo. Vendo grande interesse do povo e notando ao mesmo tempo que um cinema vizinho passava todas as fitas, mesmo as condenadas pela censura católica, resolvi dar sessões semanais. Consertei o aparelho, um tanto avariado, o melhor possível e comecei. O resultado foi satisfatório. Em dezembro de 1936, na ocasião da visitação canônica, combinei com o Rev. Pe. Provincial de que o dinheiro do cinema fosse aplicado à pobreza. O Sr. Miguel Rosendo daria dinheiro e mantimentos mediante vales despachados por mim e pelo Sr. José Alexandre, presidente dos vicentinos, entre pessoas idosas. No fim de cada mês resgataria esses vales com o dinheiro do cinema. Em agosto de 1937 adquiri um aparelho já usado para tornar o cinema falado, da mão do Pe. Luis Braga, por 7.000$000, montado aqui e funcionando. O dinheiro foi dado, parte por pessoas amigas da cidade, parte do saldo de cada mês. Era um cinema falado, funcionando até bem, mas só na minha mão, por ser muito complicado. Recebendo, às vezes, pessoas “endinheiradas” da cidade, em visita, as mesmas achavam tudo muito trabalhoso, para mim, muito quente na cabine e acharam de bom alvitre em comprar um aparelho moderno, novo, bom, prometendo dar o dinheiro. Combinei, “exigindo” porém, antes de fazer a encomenda, o dinheiro. Aos poucos vinha recebendo os donativos para esse fim. (...) Lá passam fitas aprovadas pela Censura de O Nordeste”.

Cine Familiar, inaugurado em dezembro de 1937, na Praça dos Libertadores, no bairro de Otávio Bonfim, fundado pelo Frei Leopoldo, pertencente à Paróquia de Nossa Senhora das Dores. Em 12 de agosto de 1968 houve a última exibição no Cine Familiar, com o filme “Bandoleiros do Mississipi”.


Por essa época, a Praça fronteiriça era um imenso areal, cuja travessia incomodava muita gente. Chamava-se Praça dos Libertadores. Ganhou a denominação que hoje ostenta, de Praça de Otávio Bonfim, ao ser inaugurada no final do mês de maio do ano de 1941, na gestão do Prefeito Alencar Araripe, quando foi transformada a área, com a plantação de canteiros, construção de passeio e iluminada com lâmpadas elétricas.

Foto da então Praça dos Libertadores - Arquivo Nirez

O cinema funcionou até 1968 quando foi fechado por exigência do Pe Provincial sob
a alegação de que estava dando mais prejuízos que retorno financeiro. Foi aberta
concorrência para arrendamento da sala de projeção em 1970, saindo como vencedora,
a empresa Severiano Ribeiro, que posteriormente, decidiu pela desativação.

Saiba Mais:

  • 02/12/1937   - Surgiu, no bairro de Otávio Bonfim, o Cine Familiar, na Praça dos Libertadores, pertencente à Paróquia de Nossa Senhora das Dores. 

  • 11/08/1968 - Última exibição no Cine Familiar, com o filme "Bandoleiros do Mississipi". 

  • 18/05/1969 - O antigo operador do Cine Familiar, Raimundo Carneiro de Araújo (Vavá), adquire e reabre o Cine Nazaré, na Rua Padre Graça nº 65, com o filme "Desafio de Gigantes". Ficaria até 1972.

*"O filme Cidadão Kane teve lançamento em Fortaleza, no Moderno, no dia 2 de abril de 1944. Como não chamou a atenção maior dos cinéfilos da época, pensavam muitos que não fora exibido na cidade e o Tarcísio é que exibira pela primeira vez no Cine Familiar."  Ary Bezerra Leite

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Fontes: Diário do Nordeste, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo 
e  Site Paroquiadasdores.org

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Seca e campos de concentração em Fortaleza



Uma realidade sub-humana, que fazia da morte uma rotina diária. E que fazia da fome e das epidemias...companheiras permanentes. Uma catástrofe provocada pela insensatez.

Campo de concentração

CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NO CEARÁ

No Estado do Ceará
A exemplo do alemão
Houve por aqui também
Campo de concentração
Lá era pra matar judeu
Aqui o povo do sertão.

Na seca de trinta e dois
Criamos uns sete currais
Para evitar que famintos
Criassem problemas sociais
E pudessem invadir
Na capital seus mananciais.

Currais foram construídos
Em Senador Pompeu, Ipu,
Quixeramobim e Crato,
Fortaleza e Cariús.
Fortaleza teve dois
Otávio Bonfim, Pirambu.

Pessoas foram confinadas
Como bando de animais.
Tinha a cabeça raspada
Sacos de açúcar, jornais
Era o que lhes serviam
Como vestes mais usuais

Sem nome, ou identidade,
Chamados por numerais.
Desta maneira estavam
Registrados nos anais.
Só se comia farinha,
Rapadura nos currais.

Toda essa gente foi presa
Sem ter crime praticado
E para isto bastava
Somente estar esfomeado.
Pedir prato de comido
Que seria logo enjaulado.

E controlados por senhas,
Pelas forças policiais.
Quem entrava não saía,
Senão pros seus funerais.
Sessenta mil lá morreram.
Nos registros oficiais.

Para aqueles locais, todas
Pessoas foram atraídas.
Com promessas que seriam
por médicos assistidas,
Que teriam segurança
E fartura de comidas

Experiência que houve
Somente aqui no Ceará.
Que se iniciou em quinze
Naquela seca de torrar
Depois disso os alemães
Trataram de aperfeiçoar.

Alguns campos projetados
Para abrigar duas mil pessoas
Dezoito mil chegou alojar.
Presos por vilões e viloas,
Felizes os governantes
Ainda cantavam suas loas.

Em Ipu todos os dias
Morriam de sete a oito.
A maioria era de fome
E até por ser afoito,
Nas tentativas de fugas,
Pro que não havia acoito.

Nas décadas posteriores,
Pra mudar essa imagem,
governos criaram albergues
para evitar sacanagem,
mesmo assim pouco funcionou
pois sempre há malandragem.

E o povo nordestino
ainda de pires na mão,
espera de todos governos
pro problema solução.
Agora estamos na briga
pela tal transposição.

Ceará de Terra da Luz
É chamado no Brasil.
Foi nosso primeiro estado
Que escravatura aboliu
Pra isso não foi necessário
Nem mesmo usar um fuzil.

Mas a geração atual
Tem que redimir o erro
De governantes passados.
Não permitir o desterro
De seus filhos pra terra alheia
e muitos acham o enterro.


HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO
___________________________________

Em 1915, uma seca severa fez com que os sertanejos se dirigissem para as grandes cidades, desta feita o Governo do Ceará, optou por criar o primeiro "campo de concentração, no Alagadiço, hoje Otávio Bonfim, ao oeste da cidade de Fortaleza, lá foram "abrigadas" mais de 8 mil almas a quem eram fornecidas alimentação sob a vigília constante de soldados. Mais uma vez (sim, essa infelizmente não foi a primeira e não seria a última seca que tivemos) foi estimulada a migração para a Amazônia e o campo (curral humano) foi desativado em novembro do mesmo ano.



Decididamente aqueles não seriam anos bons para os cearenses. Depois das duas guerras de 1912 e 1914, seu Jader e sua família iriam assistir em 1915 a pior seca de todos os tempos. Um pressentimento ruim tomava conta de todo mundo. Toda população dependia de alguma forma da agricultura e a agricultura dependia das chuvas. Os comerciantes ficavam sem ter para quem vender, além disso ainda estavam sujeitos a saques dos flagelados, ou o que era mais comum, acabavam tendo que dividir o pouco que tinham com parentes e agregados mais necessitados. O ambiente ficava pesado e só restava rezar, e rezar muito para que as chuvas aparecessem.

Só duas classes de gente lucrava (e ainda lucra) com as secas: os políticos porque receberiam mais verbas "para ajudar aos flagelados" e grandes donos de terras que aproveitavam para adquirir mais terras e o gado magro dos pobres retirantes.
O preço de tudo subia e o seu Jader já sentia no bolso como pesava cuidar da família, que em breve voltaria a aumentar.



Dona Dica passou a dar aulas na escola da cidade. Ela era professora formada pela antiga Escola Normal. Naquela época havia pouquíssimas professoras diplomadas. Era sempre uma honra para o Grupo Municipal ter uma professora formada dando aulas. Ao dar aulas D. Dica colocava mais algum dinheiro em casa.
O dia de São José já havia passado fazia duas semanas e nada de chuva. Em Fortaleza começavam a chegar os primeiros retirantes vindos do interior. As pessoas sem ter o que comer e o que beber vinham para a capital em busca de algum trabalho ou mesmo ajuda.



Dois meses depois começavam a chegar do escritório central da EFB em Fortaleza passagens de trem para serem distribuídas entre os retirantes.
A estação do seu Jader fervilhava de gente. As passagens só davam para uns poucos. A maioria acabava tendo que vir a pé para capital para não morrer de fome e sede.
O governo federal estava prestes a autorizar a retomada da construção da EFB para dar ocupação a uma parte dos retirantes.
A miséria campeava infrene e terrífica em toda extensão do território cearense, e não havia lar que não tivesse sido assaltado pelo abutre da fome, com as suas garras aduncas e afiadas. A cidade de lguatú, mais que as demais situadas a margem da via-férrea, regorgitava de famintos d'este e dos estados vizinhos acossados também pelo excepcional flagelo, reduzidos a penúria extrema - sem pão e sem abrigo.

"A miséria, consubstanciada nos trapos esquálidos e na cachexia profunda dos infelizes retirantes, emergia de todos os pontos da cidade. Era que em seu seio - praças, ruas e cercanias - achavam-se acantonadas cerca de 15.000 indigentes, todos a expensas exclusivamente da caridade particular já esgotada, aguardando, anciosos e com impaciência inquietadora de quem aspira com vehemência ver o término de seus sofrimentos, o início dos trabalhos do prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité. A varíola, em virtude da grande aglomeração de emigrantes e falta absoluta de hygiene entre elles, não se fez esperar; manifestou-se ameaçadora em diversos abarracamentos, sendo, porém, logo debellada, graças ao emprego de medidas enérgicas tomadas por este districto, - mandando isolar os pestosos e desenvolver com actividade a vacinação." ( Relatório da Inspectoria Federal das Estradas em:Benedito Genésio Ferreira - A estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930 – Ed. NUDOC/UFC, 1989)

"Muita gente morreu de fome e doença naquela seca. Não só nas várias cidades do interior, mas principalmente Fortaleza foi invadida por retirantes.
O quadro de angústias e misérias que se presenciavam na própria capital, ampliava-se e reproduzia-se em todo o interior do Estado, como se fosse um cinema ambulante, a exhibir em scenas successivas, as mesmas fitas macabras!"
( Relatório da Inspectoria Federal das Estradas em:Benedito Genésio Ferreira - A estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930 – Ed. NUDOC/UFC, 1989)



O governo acuado desenvolveu alguns métodos para cuidar dos retirantes da seca. Um deles era mandá-los para a Amazônia onde havia prosperidade com a exploração da borracha. Neste ano estima-se que 30.000 retirantes migraram para a Amazônia.

"Cenas de desespero e impotência ante a prepotência governamental eram rotineiras no porto de Fortaleza. (...) Os comandantes dos navios onde viajavam os nordestinos (nos porões) da terceira classe, tinham ordem de proibir o embarque de doentes. (...) Inúmeras famílias foram desfeitas quando do embarque, pois ao ser detectado qualquer doente, o comandante mandava imediatamente desembarcá-lo. Assim muitas mães e pais foram separados a força dos filhos." (Vida e Morte no Sertão - Marco Antonio Villa - Ed. Ática, 2000).



O outro método para lidar com os retirantes foi a construção de campos de concentração. No romance O Quinze, da escritora cearense Raquel de Queiroz, é possível ler descrições detalhadas de um destes campos de concentração. A personagem principal do romance Conceição ajudava na distribuição de comida e roupas no campo. O romance chama-se O Quinze por tratar justamente da seca de 1915.

O povo cearense tem o hábito de rir da própria desgraça. Em Fortaleza, um bode trazido pelos retirantes desta seca virou personagem histórico porque vivia passeando sozinho pelas ruas como se fosse mais um habitante da cidade. Era muito conhecido das crianças da época. Seu nome era bode "ioiô". Ao morrer o bode foi empalhado e pode ser visto no Museu Histórico do Ceará.



Bode Ioiô - Encontra-se hoje no Museu do Ceará

Um amplo programa de criação de campos de concentração, em que os retirantes fossem induzidos a entrar e proibidos de sair, foi implementado com total apoio da Interventoria Federal no Ceará. A fim de prevenir a "afluência tumultuária" de retirantes famintos a Fortaleza, cinco campos localizavam-se nas proximidades das principais vias de acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas e se viam à mercê da caridade pública ou privada. Dois campos menores situavam-se em locais estratégicos de Fortaleza, conectados às estações de trem que traziam os famintos, impedindo que eles circulassem livremente pelos espaços da capital. Uma vez dentro do campo, o retirante era obrigado não só a permanecer nele durante todo o período considerado de seca, mas deveria submeter-se a condições de moradia, relacionamento, trabalho e comportamento regulados pelas normas irredutíveis ditadas pelos dirigentes indicados pelo interventor – prefeitos nomeados e engenheiros do IFOCS. Os campos, portanto, pretendiam impedir a mobilidade física e política dos retirantes através da concessão de rações diárias e de assistência médica. O controle dessa imensa população – o maior campo, na cidade do Crato, chegou a abrigar quase 60 mil pessoas – representou um gigantesco esforço de organização, que tinha seu contraponto nas ações violentas das multidões de retirantes que ameaçavam tomar em suas mãos a resolução de suas aflições.

Ao mesmo tempo, novos campos de concentração foram organizados na capital, procurando evitar o trânsito indesejado dos retirantes pelas ruas da cidade. Em outubro, os campos foram unificados no campo do Alagadiço, sob a direção das irmãs Marianas, do Dispensário dos Pobres. Uma comissão de senhoras, liderada pela sr.ª Anita Gentil Barbosa, administrava os serviços, procurando oferecer socorro para as crianças, vestuário e assistência hospitalar, tendo conseguido um "generoso auxílio do comércio" e prometendo prestar contas do dinheiro arrecadado, "uma vez findos os seus trabalhos". O campo, também chamado de "albergue", no entanto, não era "rigorosamente o que desejavam realizar as autoridades do Ministério do Trabalho", com dois mil retirantes se amontoando "sob a sombra de árvores frondosas, encontrando-se, por conseguinte, expostos á chuva", em condições higiênicas precárias.



Os campos de concentração no Ceará — ou mais conhecidos como os currais do governo — foram locais de apoio e alojamento para as vítimas das secas de 1915 e 1932.
Os períodos de estiagem que fazem parte do clima do Nordeste brasileiro despertaram (e despertam) a atenção dos governantes desde a época do Império de D. Pedro II. E, por sua vez, estes reagiram com planos e projetos nas áreas de engenharia, social e política, tentando assim amenizar as conseqüências das secas tanto para as populações diretamente afetadas (os flagelados), bem como as classes políticas locais.

A criação do Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), em 1909 por Nilo Peçanha é uma das respostas governamentais ao fenômeno da seca.

Os campos de concentração no Ceará ou os "currais do governo", foram reações governamentais executadas nas secas de 1915 e 1932 no estado do Ceará.

No campo de concentração do Alagadiço, estima-se um ajuntamento de 8 mil pessoas, cuidadas com alguma comida e sob a vigília de soldados. A razão para o uso desta estratégia foi os temores de invasões e saques dos flagelados da seca em Fortaleza — isso já acontecera na seca de 1877, quando sertanejos famintos invadiram a capital cearense, atemorizando a população urbana. Esse campo foi desfeito e as vítimas foram dispersadas em 18 de dezembro do mesmo ano. Durante essa seca, muitos cearenses também migraram para a Amazônia.


Retirantes da seca de 1915 na Ponte Metálica de Fortaleza aguardando embarque.

Acervo Nilson Cruz



Campos de concentração foram restritos ao Ceará

Os registros mais confiáveis sobre os "currais do governo", como os confinamentos eram denominados pelos flagelados, são encontrados no livro 'Campos de concentração no Ceará' (Edição Outras Histórias / Museu do Ceará, 2000, 120 páginas), de Kênia Rios. Segundo a autora, não existem referências de que a experiência tenha sido repetida em outros estados. O primeiro campo, conforme Rios, surgiu em 1915, instalado no bairro alagadiço. Mais tarde, na seca de 1932, os campos foram ressuscitados como política do governo federal.

"Do ponto de vista oficial, os campos aparecem como medida de assistência aos flagelados que não tinham trabalho nas frentes de serviço", diz a autora. Mas a realidade, segundo ela, era outra. "Os famintos eram atraídos com a promessa de comida, assistência médica e segurança. Lá não encontravam a estrutura prometida e não podiam sair do campo, sendo mantidos presos. Tudo para evitar que Fortaleza fosse invadida por famintos", comenta Rios.



A capital foi a única cidade a receber dois 'currais', um no Otávio Bonfim e outro no Pirambu, este conhecido como Campo do Urubu. O maior campo do Estado estava instalado em Buriti, distrito do Crato. 'Pelos registros oficiais, passaram por lá 65 mil pessoas em 1932', informa. Ela diz que alguns campos, projetados para receber duas mil pessoas, chegavam a manter até 18 mil flagelados de uma só vez. A fome e a insalubridade dos campos levaram, inevitavelmente, a milhares de mortes. "Os livros de óbitos das igrejas mostram que 90% das mortes registradas naquele período aconteciam nos campos de concentração."

No 'curral' de Ipu, segundo Rios, a média era de sete a oito mortes por dia. Depois de 1932, a experiência dos campos foi abandonada no Ceará. "Houve muita polêmica em torno desta experiência. Também tinha o estigma dos campos de concentração nazistas. Por isso, nos anos 40, 50 e 60, o governo adotou outra prática, criando abrigos que foram batizados de albergues, onde os flagelados tinham mais apoio e liberdade."

Délio Rocha
Repórter

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A segregação dos miseráveis era lei, mas chegou um momento em que o flagelo em massa era tão chocante, com uma média de 150 mortes diárias, que o governo do Estado ordenou, em 18 de dezembro de 1915, como contam os arquivos dos jornais da época, a dispersão dos flagelados, ou “molambudos”, como eram também conhecidos.

Segundo o historiador Marco Antônio Villa, autor de Vida e Morte no Sertão, durante a seca de 1915 teriam morrido pelo menos 100 mil nordestinos. Outros 250 mil migrantes para escapar da “velha do chapelão” – como a fome era conhecida no imaginário do semi-árido.

O medo das autoridades diante dos flagelados da seca tinha um antecedente. Em 1877, uma leva de cerca de 110 mil famintos saiu dos sertões e tomou as ruas de Fortaleza, assombrando os moradores que viviam a ilusão, importada de Paris, de urbanismo e civilidade. No livro A Fome, o mais consistente relato sobre o cenário de 1877 nas ruas da capital, o cientista e escritor Rodolfo Teófilo assim descreveu o que viu: “A peste e a fome matam mais de 400 por dia! O que te afirmo é que, durante o tempo em que estive parado em uma esquina, vi passar 20 cadáveres: e como seguem para a vala! Faz horror! Os que têm rede, vão nela, suja, rota, como se acha; os que não têm, são amarrados de pés e mãos em um comprido pau e assim são levados para a sepultura. E as crianças que morrem nos abarracamentos, como são conduzidas! Pela manhã os encarregados de sepultá-las vão recolhendo-as em um grande saco; e, ensacados os cadáveres, é atado aquele sudário de grossa estopa a um pau e conduzido para a sepultura”.


Memórias do horror

O ano da graça de 1915, relatado na ficção de Rachel de Queiroz, sertaneja da fazenda Não me Deixes, no município de Quixadá (CE), seria apenas o ensaio da segregação estatal dos miseráveis. Em 1932 é que o modelo de isolamento iria vingar para valer. Na “seca de quinze” – como era chamada a estiagem – ainda não existia sequer a famosa “indústria da seca”, como se convencionou chamar a ajuda do poder federal às oligarquias nordestinas – diante das ameaças de saques e violência das legiões de famintos, os grandes proprietários de terra sempre chantagearam o governo federal, principalmente a partir dos anos de 1930, alocando recursos para a região que na maioria das vezes acabavam se revertendo em benefícios das próprias elites.


“De longe eu sentia o cheiro de podridão, chegava a tapar as ventas. Era tão forte o fedor que é como se eu o sentisse hoje, mesmo eu estando com a memória fraquinha, fraquinha”, diz Manuel Conceição Rodrigues de Sá, 87 anos, um rapaz de 15 anos durante a seca braba de 1932. Hoje, ele mora no subúrbio de Juazeiro do Norte, no Ceará, terra do Padre Cícero, personagem que já era celebrado como santo naquele tempo, pelas levas de famintos que buscavam por sua bênção. Manuel morava, então, no município de Serra Talhada, em Pernambuco. Trabalhava como tropeiro – tocava burros com carregamento de cachaça dos engenhos da região do Cariri, no sul do Ceará, para municípios de Pernambuco e da Paraíba. “Era num sítio ali perto do Crato, só vi uma vez de perto o campo de concentração, nunca mais tive coragem de passar junto. Pense num desmantelo! Gente apodrecendo de verdade, pareciam uns urubus quando o governo mandava comida”, afirma o ex-mascate.

O cearense do Cariri Miguel Arraes de Alencar, nascido em dezembro de 1917, na cidade do Araripe, governador de Pernambuco por três mandatos, guarda também lembranças do campo de concentração do Crato, onde morou sua família. “A seca braba de 32 é muito forte em minha memória. Um dia, quando ia estudar, me deparei com três homens presos. Eram flagelados do curral da concentração. Foram presos como desordeiros, só porque ficaram revoltados com as injustiças na distribuição de comida por lá”, afirmou Arraes em 2002. “É uma lembrança que guardo para sempre, as histórias vindas de lá eram um horror danado.”



Antiga vila operária construída em 1919 em Senador Pompeu, para a construção de um açude  foram utilizados depois como campo de concentração.
Pelo campo de concentração do Crato passaram cerca de 65 mil pessoas durante aquela estiagem. Ali, o governo prometia comida, água, assistência médica e oferta de trabalho. Pouco disso, no entanto, acontecia. Não havia água tratada, nem comida para todos e muita gente morria de fome ou doença e era sepultada ali mesmo. O campo se tornou um foco de tudo o que é infecção. Em alguns dias, o número de mortes de famintos alcançava a marca de 200. Há registros de pelo menos outros cinco currais no estado do Ceará, localizados em Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús, Ipu, Quixadá e o último nos arredores de Fortaleza, como derradeira tentativa de evitar que os famintos convivessem com a população da capital.



Os 12 casarões da antiga vila -erguidos em 1919 para abrigar operários e engenheiros ingleses que trabalhavam na construção de um açude na região foram depois utilizados como sede do campo de concentração.

“Eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber do governo comida e assistência médica. Dali não podia sair sem autorização dos inspetores do campo. Havia guardas vigiando constantemente o movimento dois concentrados. Ali ficavam retidos milhões de retirantes a morrer de fome e doenças”, diz a historiadora Kênia Rios, da PUC-SP. As estatísticas oficiais, que não conseguiam abarcar todos os alistados nos “currais”, dão conta de 73.918 “molambudos” nas seis áreas de confinamento – 6.507 em Ipu; 1.800 em Fortaleza; 4.542 em Quixeramobim  16.221 em Senado Pompeu; 28.648 em Cariús e 16.200 no Crato, conforme uma das melhores fontes sobre o assunto, o livro Campos de Concentração no CearáIsolamento e Poder na Seca de 1932, de Kênia Rios.

Um sobrevivente da segregação é Antônio Siqueira da Silva, de 90 anos, que tinha 18 anos quando foi “jogado” com a família – pai, mãe e mais 12 irmãos – no “curral dos flagelados” do Crato. A família havia mudado do município de Quebrangulo, terra do escritor Graciliano Ramos, para Juazeiro do Norte, cidade hoje emendada ao Crato, em 1930. “A gente veio por causa dos milagres do meu padim Ciço. Só se falava nas obras do “meu padim” por esse mundão todo afora. Ai meu pai pegou a penca de menino, botou em cima dos burros, e chegamos aqui em Juazeiro, pois lá nas Alagoas não tinha mais como viver que preste”, diz Silva, em depoimento para o projeto Nova Geografia da Fome, do Centro Cultural Banco do Nordeste. “Chegando aqui o meu padim nos botou lá no sítio do beato Zé Lourenço, onde tinha muita fartura. O mundo todo sem nada para comer e o beato lá dando de comer a todo mundo, até irrigação já tinha.”

Ruínas de casarões que na seca de 1932 foi transformado em campo de concentração de flagelados para que não invadissem Fortaleza, muitos morreram de fome e com cólera.

Seguidor do padre Cícero, Lourenço (1872 – 1946), nascido na Paraíba, chegou a abrigar cerca de mil pessoas no começo dos anos de 1930. Conhecida como o Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, a comunidade foi destruída e bombardeada – a primeira vez que as Forças Armadas usaram aviões para um massacre no Brasil – em 1937, por ordem do ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra, durante o governo de Getúlio Vargas. O poder central, insuflado pelas autoridades cearenses, temia que o beato pudesse transformar o seu vilarejo em mais um Canudos, episódio que ainda assombrava os militares. No massacre, teriam morrido cerca de 700 pessoas. Lourenço escapou, fugindo pela Chapada do Araripe. Doente, morreria nove anos depois, em Exu (PE), município nas cercanias do Crato.

“O sítio do beato foi ficando cheio de gente demais, ai meu pai achou melhor a gente escapar da fome lá no “curral dos flagelados”, pois o governo prometia muita esmola por lá”, diz o sobrevivente do campo de concentração Antônio da Silva. “Mas quem disse que as esmolas chegavam? Lá perdi foi seis irmãos, de fome braba. Eu mesmo só escapei porque fugi com o resto, de madrugada, ainda lembro como se fosse hoje. Era uma catinga tão feroz, meu filho, que nem dava pra dormir direito. E os urubus em cima, querendo arrancar as tripas dos falecidos.”


Casarões de Senador Pompeu


A história das secas que castigam a população do Nordeste desde pelo menos 1877, deixou um rastro de tragédias e mortes assombroso. Nunca foi feito um levantamento a respeito dos números de nordestinos que perderam as vidas por causa da fome nestes períodos. Os levantamentos parciais, no entanto, são assustadores. Somente entre 1877 e 1913, portanto ainda sem os números da seca de 1915, o governo federal, por intermédio do IOCS estimava que 2 milhões de pessoas haviam morrido em consequência da miséria nas estiagens. Pouco mais de 100 anos depois, a equipe do livro Genocídio do Nordeste (organizado pela Comissão Pastoral da Terra e o Ibase, entre outras organizações) repetiu o desafio de contar as vítimas da seca e chegou ao número de 3,5 milhões de mortos somente no período entre os anos de 1979 e 1984.

O campo de concentração no Alagadiço, ao oeste de Fortaleza foi desfeito e as vítimas foram dispersadas em 18 de dezembro de 1915. Durante essa seca, muitos cearenses também migraram para a Amazônia.

Seca de 1932

Em 1932, nova seca assola o Ceará e novamente o movimento dos sertanejos se faz em direção às grandes cidades atendidas pela via férrea. Desta feita o governo instala novos campos de concentração, cercados por arames farpados e vigiados por soldados em:
Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim, Cariús, Crato ( Buriti, por donde passaram 65.000 pessoas ) além do já conhecido campo do Alagadiço(Otávio Bonfim) e o novo campo a noroeste da capital, o Pirambu, mais conhecido como o Campo do Urubu.
Campos projetados para abrigar 2000 pessoas, chegaram a manter 18.000 flagelados. As condições de higiene inexistiam, as pessoas viviam em verdadeiros currais.
Ao chegar tinham suas cabeças raspadas e era obrigadas a usar um uniforme feito de sacas de açúcar, confeccionado por eles mesmos.
A cabeça raspada impedia a proliferação de piolhos, no entanto, as péssimas condições de higiene, alimentação precária e um surto de cólera, dizimaram milhares de sertanejos presos nesses campos de concentração tupiniquins.
"A seca de 1932 foi uma das maiores da história do Ceará. Fome e doenças como cólera, febre amarela e varíola marcaram aquele povo sofrido pela sede e fome. Senador Pompeu foi uma das cidades que abrigou um dos sete campos de concentração, criados pelo governo da época para deter a vinda de retirantes à Fortaleza."


Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal 
O POVO, em 16/04/1932


Crianças num Campo de Concentração da seca de 1932, com distrofia farinácea. 
Com a escassez de alimentos, a saída era matar a fome com um pirão feito apenas de farinha, água e sal, que em excesso, causava edema na barriga. E nos meninos, até no saco escrotal. Muitos não podiam mais andar pelo inchaço e pela desnutrição e viravam presa fácil para as epidemias. Livro da comissão Federal que visitou os campos de concentração do Ceará na seca de 1932 - Acervo: Dnocs. Fotografia do livro feita por Valdecy Alves.

História real de quem ficou detido no Campo de Concentração do Pirambu:


"Amigo Leitor,

É impressionante como o tempo passa e tem fatos da vida da gente, que não conseguimos esquecer facilmente. Parece até ferrugem encardindo a alma, mofo sufocando o ar.

Lembro como se fosse hoje, o sol no céu tinindo como brasa, ferindo a terra desnuda, efervescendo as angústias e diluindo os sonhos de sertanejos vermelhos por fagulhas incandescentes. O ano era 1932, nunca um inverno foi tão esperado. Sabíamos que se não chovesse a vida se complicaria ainda mais.

Em janeiro de 1932, o desespero começou a comer os ânimos de muitos dos meus amigos, que partiram tristemente em rumo a Fortaleza. A maior parte deles foi tragada pela placidez luminosa dos dias queimosos. Desaparecendo para sempre.

Assim como outros, resolvi aguardar até o dia 19 de março, rogando insistentemente para São José fazer a chuva chover. Mas, tudo foi em vão, em vez da fartura proveniente de um glorioso inverno, tivemos de enfrentar o abraço entristecedor de uma grande seca.

No final do mês de março, levas de retirantes enchiam de dor e saudade as estradas do Sertão. Das mais longes paragens saíam homens e mulheres arrastando filhos e seus poucos pertences a caminho da Capital. Muitos se juntavam, formando bandos de flagelados, que andavam longos trechos a pé, a procura de uma estação de trem.

As estradas de poeira findavam, portanto, quando encontrávamos as estações ferroviárias. De lá saíam uma quantidade impressionante de sertanejos sedentos de fome e de esperança. A partir de abril, o número de flagelados que se dirigiam a Capital, aumentou consideravelmente.

O Governo durante alguns meses suspendeu a distribuição das passagens de trens para Fortaleza. Porém, nos meses iniciais, essa medida não foi suficiente para deter a vinda dos meus amigos. Muitos dos quais, invadiram locomotivas e chegaram ao destino tão desejado: “a cidade grande”.

A vinda para Fortaleza representava para nós, o sonho de uma vida melhor. Acreditávamos ser a terra de Iracema, a nossa Canaã perdida. Um lugar onde teríamos emprego, moradia e comida. Mas, ao contrário disso, o nosso sofrimento só estava começando. Não sabíamos que o pior ainda viria...

Coincidentemente com a seca de 1932, Fortaleza vivenciava um intenso processo de urbanização e embelezamento. O progresso se materializava na construção de prédios modernos, nas ruas alinhadas e na valorização do turismo local. No entanto, a cidade que queria ser moderna e civilizada estava sendo ocupada por um indesejado fluxo de flagelados, que traziam incrustados em seus olhares e gestos a sombra amarga da pobreza. Homens, mulheres, velhos e crianças eram obrigados a pedir esmolas para sobreviver. Em cada um deles, denunciavam-se a todo instante a situação calamitosa que se achava o Sertão.

A urbe alencarina, pouco a pouco se transformava num palco de miséria e tristeza, que contrastava com os interesses de uma burguesia voraz de progresso. Pressionado pela elite e pelos jornais de Fortaleza, que criavam a imagem de um retirante ameaçador, capaz de cometer saques e revoltas com proporções incalculáveis na cidade, (o que de fato era uma grande mentira, pois a gente só queria um lugar digno pra viver em paz); fez com que o Estado tomasse uma medida drástica, a qual marcou para sempre a minha vida e a de muitos.

Para barrar a marcha dos retirantes para a Capital, o Estado pôs em vigor o projeto de construção de Campos de Concentração. Ao todo foram erguidas sete concentrações, localizadas nas cidades de Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, São Mateus, Crato e duas em Fortaleza. A princípio, esses locais seriam espaços destinados a atender aos flagelados da seca, disponibilizando comida e assistência médica para todos. Mas, na prática tudo era uma verdadeira farsa. Dali não podíamos sair sem a autorização dos inspetores do campo e havia guardas nos vigiando constantemente. Aqueles que tentavam fugir eram enquadrados na lei como marginais.

Em nome dos parâmetros de civilidade e modernidade, o Governo tinha conseguido, finalmente, “enjaular a pobreza”. Milhares de retirantes ficaram presos e a morrer de fome e de doenças como, Varíola, Sarampo e Desnutrição. Para se ter uma ideia, cada concentração dessas tinha a capacidade de abrigar duas mil pessoas, mas chegavam a receber um número que variava de dezoito mil a sessenta e cinco mil flagelados. Morriam de oito a dez pessoas por dia. Tínhamos uma convivência muito íntima com a morte.

Os Campos de Concentração eram batizados por nós como “Os Currais do Governo”, nome bem oportuno para a própria situação que vivenciávamos. Mas, cada um tinha um apelido próprio. O meu, por exemplo, chamava-se Urubu. Ele corresponde hoje, o bairro do Pirambu.



Os Campos funcionavam como uma prisão. Os que lá chegavam não podiam mais sair, ou melhor, só tinham permissão para se deslocar quando eram convocados para o trabalho na construção de estradas, açudes ou obras de “melhoramento urbano” de Fortaleza, ou quando eram transferidos para outro Campo. Os concentrados eram transportados de caminhões e, a todo o momento, ficavam sob o atento olhar de vigilantes, que os seguiam feito cães ferozes.

Alguns desses guardas eram, inclusive, ex-concentrados, que devido ao “bom comportamento” ou outro motivo que desconheço, conseguia esta "promoção". Meu tio, o seu Muriçoca, o qual acho que você conheceu, pois era muito popular em Fortaleza, por ser o porteiro do Teatro José de Alencar; foi guarda do Campo de Concentração do Crato. Esperto como era, além de ter um carisma inconfundível, titio com sua magreza aguda conseguiu driblar as autoridades. Fugindo da seca, ele se alistou para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Ao retornar para o Ceará, mais especificamente para o Crato, ele tratou logo de vestir sua elegante farda. Impressionado a todos, pois um homem fardado naquela época passava a ideia de respeito e autoridade. E, assim, conseguiu ser guarda em vez de concentrado. Que saudades dele! Que Nosso Senhor Jesus Cristo cuide bem de titio Muriçoca!

Apesar de todo sofrimento, a gente sempre dava um jeitinho de animar a vida, afinal, também, somos filhos de Deus. Quando todos terminavam seus serviços nas obras de construção de Fortaleza, nós nos reuníamos para cantar belas canções de amor, fazer desafios e repentes. A gente, ainda, tocava instrumentos e dançava, relembrando as noites felizes e enluaradas que vivemos no sertão, antes da seca chegar.

O nosso Campo, o Urubu, era o mais visitado de todos. Para lá se dirigiam jornalistas, padres e até turistas. Destes chegávamos a receber alguns trocados, que nos eram entregues com ares de piedade, disfarçada por certo fascínio, porque, éramos, na realidade, bichos enjaulados, servindo de atração e divertimento para os ricos.

Uma das coisas mais detestável dentro do Campo eram os serviços de vacinação. Toda aquela agulharada e parafernália médica eram tão assustador, que nos levavam a reagir de diferentes maneiras. Chegávamos, mesmo, a esconder as crianças debaixo das camas para que os médicos não as vissem. Preferíamos mil vezes, as meizinhas, as rezas e as beberragens de Dona Raimunda. Aquela sim, sabia cuidar dos nossos males. Muitas pessoas falavam que Dona Raimunda era uma santa enviada por Deus. Ela faleceu, e depois de vinte e quatro horas voltou a Terra por ordem divina e com poderes de curar ou predizer a morte de quem lhe consultar.

Confesso que também tinha medo da cozinha do Campo. Lembro que seu acesso era constituído por um grande corredor estreito, onde todos nós ficávamos comprimidos para receber a comida. Anos depois, conversando sobre isso com um amigo, Francisco Lima, ex-concentrado do Campo de Ipu, ele me falou que achava a cozinha parecida com o inferno. “Aqueles homens de avental de couro vermelho, mexendo os tachos, as comidas...Era um fogo danado, aqueles homens brigavam com os pobres que chegavam e tinha uma cerca para evitar a invasão...”

Hoje, amigo leitor, aos 85 anos de idade, posso dizer que já vivi e passei por muitas coisas nesta vida. Mas nenhuma delas me marcou tanto como a passagem pelo Campo de Concentração. Vejo que a miséria, a pobreza e o descaso daquela época só fizeram aumentar. Os pobres não têm direito algum nesta sociedade mandada por ricos. Continuamos vivendo em concentrações, agora conhecidas por favelas ou conjuntos habitacionais afastados da cidade.

Senti vontade de lhe escrever, porque quero que saibas através das minhas memórias, um pouco desta história do nosso Ceará, ainda tão desconhecida de muita gente."

*Personagem fictício criado para narrar à história real dos Campos de Concentração, tendo como base o livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”, da professora do Departamento de História da UFC, Kênia Sousa Rios
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Na seca de 1932 o nordeste brasileiro sofria com as consequências da estiagem, mas também vivia um momento histórico próprio dentro da era de Getúlio Vargas; Lampião e seu bando centralizavam as atenções dos políticos; as oligarquias políticas do Nordeste mudavam de nomes: Padre Cícero ainda tinha influência política e milagrosa para os sertanejos e a irmandade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto atraia centenas de flagelados para os arredores de Crato, no Ceará. Com o temor da intensa invasão de flagelados para Fortaleza e para outras grandes cidades do Ceará, a estratégia dos Currais do Governo MAIS UMA VEZ foi implantada, só que desta vez não somente em Fortaleza, mas também em cidades com alguma estrutura básica e com estações de trens. Além dos campos de concentração na capital, um no já conhecido Alagadiço e um outro no noroeste da capital, no Pirambu. Estima-se que cerca de 73.000 flagelados foram confinados nesses campos onde as condições eram desumanas, o que resultou em inúmeras mortes. Ainda durante essa seca, flagelados cearenses foram enviados para o combate nas trincheiras da Revolução de 1932 em São Paulo. A seca de 1932 foi uma das maiores da história do Ceará. Fome e doenças como cólera, febre amarela e varíola marcaram aquele povo sofrido pela sede e fome.

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localização dos sete campos de concentração no Ceará (clique para ampliar)


Mapa da localização dos campos de concentração de Matadouro e Urubu 
(clique para ampliar)

O fim dos campos de concentração

As chuvas do início de 1933 recompuseram os pastos e os sertanejos isolados passaram a reclamar o direito de voltar ao sertão. Em todo caso, a liberação dos retirantes não foi imediata, houve discussão a cerca da importância da manutenção das prisões, uma vez que a mão de obra que se fazia disponível se mostrava muito útil à manutenção das obras de melhoramento urbano de Fortaleza. Mas o fim da seca determinava também o fim do envio de verbas da União para socorro aos flagelados e, aos poucos, chegou-se ao consenso de que eles deviam ser libertados.
É interessante notar que, durante o processo de tomada de decisão acerca da liberação dos retirantes isolados, questionou-se o uso que seria dado à infraestrutura construída para os campos de concentração, como registra esta matéria do periódico Gazeta de Notícias, de 25 de Fevereiro de 1933:


"Perguntamos, então: Ficará o campo do Pirambu abandonado, sem outro aproveitamento agora em diante? Serão retirados os seus pavilhões, sua capelinha, seu posto de saúde? Achamos que não e, até é possível que o governo do estado já tenha em mente alguma coisa... a propósito...cremos que o campo de concentração do Pirambu auxiliaria a solução do sério problema da mendicância, que de muito vem sendo objeto de comentários e cogitações nesta capital... A mendicância precisa ser socorrida pelo poder público e este bem poderia transformar o antigo "curral do governo" num abrigo para os mendigos de toda sorte que andam pedinchano diariamente pelas ruas de fortaleza, pondo a nu o aspecto deprimente desse problema que ainda está por resolver."


Mas ao contrário do que sugeria a matéria do Gazeta de Notícias, os campos não serviram ao propósito de solucionar o problema da mendicância em Fortaleza. Muito pelo contrário, estudos sobre o processo de favelização de Fortaleza assinalam os anos de 1932 e 1933 como marcos na expansão da periferia de Fortaleza. Os retirantes que ficaram na capital após as chuvas de 1933 passaram de flagelados a favelados e fundaram, no entorno do que era antes o campo de concentração do Pirambu, a favela do Pirambu, a maior de Fortaleza ainda nos dias de hoje.


Curral Grande: Construção de um texto dramatúrgico abordando o isolamento de flagelados no Ceará durante a seca de 1932 - Marcos Barbosa de Albuquerque

Créditos: Todas as fontes já citadas, Wikipédia e diversas pesquisas na internet

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Otávio Bonfim - Farias Brito



Igreja Nossa Senhora da Dores - Foto Júnior

Bairro localizado ao oeste do centro histórico de Fortaleza, oficialmente chama-se Farias Brito.

Este bairro surgiu de uma povoação ao lado da antiga Estrada para o Soure(atual Caucaia). Na época do Ciclo do Charque aqui existiu a Capela de São Sebastião, que mais tarde deu o nome ao mercado erguido neste bairro, o Mercado São Sebastião. No local da capela, a antiga Estrada do Gado(atual Rua Dr. Justiano de Serpa), os frades Franciscanos oriundos da Alemanha, construíram a Igreja de Nossa Senhoras das Dores.

Com a construção da Estrada de Ferro de Baturité em 1873, aqui foi construído uma estação de trem que funciona até os dias de hoje.

A Igreja de Nossa Senhora das Dores, inaugurada em 1932, foi uma parte do investimento dos frades Franciscanos, que além desta construíram ainda o Convento de São Francisco e o Cine Familiar. O Convento de São Francisco chegou a ser invadido por um dia durante a Segunda Guerra Mundial, pois os frade eram alemães. Neste período propriedades de famílias alemãs(família Lundgren), famílias italianas(família de Francesco) e famílias japonêsas(família Fugita) ligadas a este local sofreram represálias da população de Fortaleza.

Foto de data desconhecida da Fábrica Gurgel

O Cine Familiar funcionou até a década de 60 como opção de lazer para os moradores das adjacências.

Local com atração econômica, chegou a sediar a Siqueira Gurgel. Fábrica que fabricava produtos que marcaram história no Ceará: Sabonete Sigel, o óleo Pajeú, a gordura de coco Cariri e o famoso sabão Pavão. Um dos personagens fictícios deste produtos foi a Neguinha do Pajeú. Nos dias de hoje aqui fica um supermercado.

A famosa neguinha do Pajeú - Maninho Batera

Devido a suas tradições agrícolas aqui funcionou até a década de 70 jardins que produziam flores. Onde nos dias de atuais situa-se um supermercado.

No mesmo bairro existe a comunidade do Morro do Ouro. Uma comunidade de pessoas menos abastadas.

Na década de sessenta, por exemplo, o bairro Otávio Bonfim, tinha um charme bem particular. Não era de classe alta. Também não estava na linha da pobreza.

O que mais o diferenciava de outros, existentes em Fortaleza, naqueles idos, era o clima de família que reinava ali, campeando entre as árvores centenárias que se erguiam na Praça com o nome oficial de Libertadores.

Em cada canto, era comum ver-se mulheres com uma banquinha de café, fazendo fogo ali mesmo e lavando os utensílios em alguidar de barro, deixando a água escorrer pelas coxias.

De vez em quando tinha uma espiga de milho cozida, uma tapioca de goma fresca, sem respeito às normas de higiene, é claro, mas tão gostosas que até se esquecia de alguns prováveis transtornos gastrointestinais.

A Estação Ferroviária de Otávio Bonfim 

Os moradores de bairro tinham uma intimidade bem grande com aquela pracinha. Aposentados ficavam ali papeando, casais de namorados aproveitavam o bucolismo do local, para as costumeiras juras de amor, donas de casa levavam os filhos pequenos para andar de velocípede ou mesmo bicicleta, transeuntes iam e vinham despreocupados, ou com alguma preocupação, que isso já era freqüente antes mesmo da virada da economia.

Não havia lugar mais apropriado que a pracinha, para ler os jornais do dia, inclusive a Tribuna do Ceará, de saudosa memória. Muita gente circulava por ali, justo porque lá era ponto de desembarque dos ônibus que vinham do interior, com entrada pelo Antônio Bezerra.

A praça e a Igreja de Nossa Senhora das Dores pareciam geminadas, sequer dando oportunidade de se pensar em uma, sem estar pensando na outra. Até se tinha a impressão de que a primeira era uma extensão da segunda, e vice-versa.

Arquivo Nirez

Era só atravessar o passeio de pedra tosca, entre as ruas Justiniano de Serpa e Dom Jerônimo, e lá se estava em frente ao Santuário de Santo Antonio, parede e meia com a igreja.

Nos dias de terça-feira, acontecia a distribuição do pão dos pobres. Nem se falava do Lula, mas o bairro, ou melhor, os frades franciscanos do Otávio Bonfim, já engatavam movimentos sociais de combate à fome, com a ajuda dos paroquianos.

Uma grata recordação que vem daqueles tempos está ligada ao Cine Familiar, que ficava na lateral esquerda da igreja, fazendo quina com a Rua Dom Jerônimo. O Vavá era o grande artífice da 7 ª arte.

 
O Cine Familiar - Arquivo Nirez


Era ele que cuidava da exibição das películas, já que sabia só tudo sobre como manejar os rolos na velha geringonça, fazendo hoje com que nos lembremos do Cinema Paradiso.

Tudo isso se foi na enxurrada do tempo, mas o que até agora não sai das retinas cansadas, nem dos ouvidos adormecidos, é a imagem do trem, meio sujo, vindo dos lados do Acarape, rodando e rangendo sobre os trilhos presos aos dormentes, que iam dar na Estação João Felipe. Poderia ser o inverso, se o destino mudasse para Maracanaú.

Arquivo Nirez

Nas manhãs de sábado, não tinha passeio melhor do que pegar os filhos menores, subir no trem, e, de joelhos, nas poltronas rasgadas, acompanhar, das janelinhas abertas, o desfile de casas, árvores, pessoas que, indiferentemente à observação, postavam-se à beira do caminho.

Não se sabia, àquelas alturas, o que era uma bala perdida. No entanto, vez por outra, um garoto mais afoito pegava sua baladeira e conseguia estraçalhar a vidraça ou alcançar a cabeça de um passageiro menos avisado. Quem morava nas imediações da linha férrea, junto à parada do trem, no Otávio Bonfim, costumava despertar com o som estrépito da máquina, anunciando sua chegada à estação.

Muitos dos moradores da área residiam em casas construídas pela RVC, no último quarteirão da Rua Domingo Olimpio e já na Av. José Bastos, indo para a Av. Bezerra de Menezes.

Arquivo Nirez

Na verdade, o ícone de maior destaque, naquele quadrilátero urbano, era a Igreja de Nossa Senhora das Dores, apinhada de fiéis, nas missas dominicais, e que, em tempo de festa, ´mandava ver´ com grandes atrações, incluindo, barracas, quermesses, lembrando antigos costumes das cidadezinhas do Interior.

Aquele pedaço de Fortaleza foi sempre um reduto da família Gurgel. Se não era parente, era amigo ou conhecido. Na Rua Justiniano de Serpa, morava D. Dulce Gurgel Valente, mãe do Fernando, dono da Mecesa, do Flávio, funcionário do Dnocs, da Adélia e da Fernanda.

Do outro lado da Bezerra de Menezes, já depois da linha do trem, ficava a Siqueira Gurgel. Era lá onde se fabricava o Sabonete Sigel, o óleo Pajeú, a gordura de coco Cariri e o famoso sabão Pavão.
Havia, na época, um jingle muito popular: ´uma mão lava a outra com perfeição, e as duas lavam roupa com sabão pavão´. O óleo de algodão Pajeú, produzido na Siqueira Gurgel, ficou na história, isso porque a lata trazia estampada a figura de uma negrinha de tranças, bem sapeca em seus modos. Os tempos mudaram, a Siqueira Gurgel foi vendida e a área pertence hoje a uma rede de Hipermercado.

Ninguém lembra mais que na confluência da José Bastos com Bezerra de Menezes havia a Farmácia da D. Rosélia, mãe dos Professores Benito e Lúcio Melo, servindo a toda a população do bairro, necessitada de remédios, curativos e injeções.

A pracinha, mesmo depois de passar por sucessivas reformas, que lhe presentearam com canteiros, mudas de plantas, calçamento novo, perdeu um bocado do seu encanto. Ficou menos bucólica e mais suja.

A Sumov, então, deu lugar à Regional I, tornando-se um ninho de políticos ligados à gestão municipal. O que não mudou, foi a questão física do perímetro. Por um lado, caminha-se para o Beco dos Pintos, por outro, vai-se para o Cercado do Zé Padre.

Essa é uma versão de Fortaleza, em tempo real. Há marginalidade, há religiosidade, há urbanidade, tudo convivendo democraticamente, em que pese a violência instituída que está impondo aos moradores do bairro fechar suas portas, tão logo o sol descamba na linha do horizonte. Sinais dos tempos!

O Morro do Ouro, tão percorrido pelos frades, quando iam levar donativos às crianças e aos velhos, já não é igual àquele que Eduardo Campos imortalizou em peça teatral, de sua autoria.

A linha divisória entre os bairros de Otavio Bonfim e de Monte Castelo, onde os moradores do Morro fizeram ali o seu ´establishment´, está pontuada de balas, saídas das armas dos traficantes e também de desordeiros.

A despeito de tudo, ainda rescende no ar o cheiro bom das flores do jardim japonês, uma bem sucedida iniciativa do Sr. Jusako, nipônico fugido da guerra e que aqui construiu uma família de nobres exemplares.

Cine Nazaré

Essa é uma página da vida, e para caracterizar bem o tempo, é o ´retrato´ de uma época perdida na lembrança.

Parafraseando o fado português ´Mouraria´, não há como deixar de cantar o bairro, em louvação semelhante à que foi feita à Rua da Palma, da antiga Lisboa: ´Ah, meu Otávio Bonfim, contigo deixei minha alma, sem ti que será de mim?´


Fonte: Wikipédia, Diário do Nordeste, Paulo Elba e pesquisas diversas na internet

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: