Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Praça da estação
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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domingo, 28 de julho de 2013

Cine Luz - 1931


O Cine Luz fundado em 1931, na Praça Castro Carreira - Ary Bezerra Leite

O mais popular de nossos cinemas, frequentado por pessoas simples e humildes, provavelmente tenha sido o Cine Luz, principalmente nos seus últimos anos de funcionamento. A razão dessa frequência nitidamente popular, advinha de sua localização na Praça Castro Carreira ou Praça da Estação, na esquina das ruas General Sampaio com Castro e Silva, no lado oposto da Estação Central dos trens da Rede de Viação Cearense.

Marciano Lopes, no seu livroRoyal Briar, comenta essa característica do Cine Luz, na década de 40, em contraste com outro cinema da mesma rua - o Rex: "Também na General Sampaio, ficava o Cine Luz, contudo na esquina da Praça da Estação. Nivelava-se, socialmente, ao Majestic, e era preferido pelos moradores do Arraial Moura Brasil, do “Curral” e das "Cinzas”, devido à proximidade com aqueles aglomerados humanos."

Quando de sua inauguração, entretanto, o Cine Luz propunha-se a ser um cinema destinado a um público do melhor nível social, tendo como destaque ter sido o primeiro dos pequenos cinemas que surgiram já sonorizados, ainda no período do processo Vitaphone.

O Cine Luz era localizado à rua General Sampaio, 526, esquina com rua Castro e Silva, e tinha outro acesso pela Praça Castro Carreira, 85. Foi inaugurado pela Empresa Cine Luz Ltda., de Bernardino Proença Filho e José Bezerra Rocha, no dia 28 de março de 1931, com o filme, distribuído pelo Programa Matarazzo, "Dama Escarlate (The Scarlet Lady; Columbia Pictures Corp., 1928, 7 rolos, direção de Alan Crosland, produção de Harry Cohn, argumento de Bess Meredithedição de Frank Atkinson, com Lya de Putti (Ao lado), Don Alvarado e Wamer Oland).

O surgimento do Cine Luz foi acolhido pela imprensa, tendo aGazeta de Noticias” (27.03.31) publicado:

CINE LUZ - SUA INAUGURAÇÃO AMANHÃ

Conforme anunciamos há dias, acaba de ser instalado mais um cinema nesta capital.

Trata-se do Cine Luz, de propriedade da  Empreza Cine Luz Ltda.", constituída pelos Srs. Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha.

O Cine Luz funcionará no prédio da antigaFábrica Proença, à rua General Sampaio nº48, esquina com a Praça Castro Carreira, e se acha confortavelmente instalado, de acordo com os requisitos indispensáveis a um cinema moderno. O salão de projeções é amplo e arejado e está muito bem mobiliado, de maneira a satisfazer as exigências do público em matéria de conforto.

A Fábrica Proença (em destaque) na Praça Castro Carreira - Nirez

A Empreza Cine Luz possue instalações de Electrola e Alto-falantes dynamicos da "Radio Corporation Company, de New York, para a synchronização motivada de todos os films a exhibir.

A inauguração do Cine-Luz, realizar-se-á amanhã, sábado, com um lindo programa escolhido a capricho e em duas sessões: às 18 1/2 e às 20 1/2.

Nessas sessões será focalizada a excelente pelicula "A Dama Escarlate", do Programa Matarazzo, com os queridos artistas Lya de Putty, Don Alvarado e Wamer Oland.

Completará o programa, um jornal noticioso.
É de se esperar, pois, que a inauguração do Cine-Luz constitua um acontecimento social com a afluencia numerosa dos elementos mais distinctos da sociedade cearense.

(Grafia da Época)

A respeito do novo cinema, o periódico católicoO Nordeste (28.03.31) dedica a seguinte nota:

MAIS UM CINEMA EM FORTALEZA

Inaugura-se, hoje, às 18:30, à rua General Sampaio nº48, esquina com a praça Castro Carreira (prédio da antiga "Fábrica Proença") mais um cinema em Fortaleza.
Trata-se do "Cine Luz”, de propriedade da “Empreza Cine Luz Ltda."constituida pelos Srs. Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha.

Essa nova casa de diversões se apresenta com instalações modernas e confortáveis, dispondo de electrolas e alto falantes dynamioos, da “Radio Corporation Company", de Nova York, para a syncronização motivada dos seus filmes.
O ato inaugural constará da fita “A Dama Escarlate”, em duas sessões, uma às 18:30 horas e outra às 20 horas.

Durante toda a Semana Santa o "Cine-Luz” exhibirá o primoroso film sacro "A Vida de Christo" colorida, com syncronização movida, última cópia da "Pathé Fréres", de Paris, recebida, directa e exclusivamente pela “Empreza Cine Luz Ltda”.

(Grafia da Época)

Os proprietários do Cine Luz, nesse primeiro ano de existência, tudo fizeram para assegurar um nível comparável aos melhores cinemas da Empresa Ribeiroconsiderando-se inferior apenas ao Cine Moderno, como atesta uma notícia do Correio do Ceará" (08.06.31):

A EMPREZA CINE LUZ OS NOVOS FILMS A SEREM EXHIBIDOS

O Cine Luz, da Empreza Cine Luz Ltda., de propriedade exclusiva dos Srs Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha, cavalheiros conceituadíssimos em nosso meio social, vem se estabelecer, no intuito de melhor servir aos seus numerosos frequentadores, várias soirées onde se exhibem as melhores cintas que se projectam nesta capital.

Às terças feiras funccionam as soirées d'art; às quintas e aos sabbados realizam-se as sessões populares com films appropriados e a preços accessiveis à bolsa de todos; aos domingos têm lugar as sessões Chics onde se apresentam films escolhidos.

Com esta organização os Srs Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha que já dotaram a nossa capital com excellente salão de projecção, o mais moderno de quantos existem e só inferior ao Moderno, procuraram servir ao nosso povo, correspondendo aos anseios de progresso que o caracteriza e justa é a preferencia que lhes tem dispensada.

(Grafia da Época)

O cinema com seus 800 lugares, divididos entre cadeiras e geral, conseguiu algum sucesso de público. Seu primeiro aniversário foi comemorado com brindes para os frequentadores. O Correio do Ceará" (28.03.32), noticia:

O 1°ANNIVERSÁRIO DO CINE LUZ

Hoje transcorre o primeiro anniversário do conceituado centro de diversões da Praça Castro Carreira, Cine Luz.

Em sua missão de agradar o número avultado de habitués deste aprazível cinema, a empresa organizou um atrahente programma, comemorando o feliz acontecimento.

Será levada a scena a revista burleta em 3 actos, Ultimo dia de Carnaval"Entre as senhoras e senhoritas que comparecerem a alegre noitada de hoje, serão sorteados trez brindes, no valor de 145$000.
Até o geral fará hoje a "sua independência”.

A conceituada Empreza de Cigarros Iracema Ltda.", distribuirá nelle grande numero de brindes.
E, para completar a atração da noite de hoje os preços das entradas serão minimos, contentando a todos.
As cadeiras a 2$200 e a geral a $500.
E, terminando, felicitamos a Empreza do Cine Luz, que tão bem tem sabido contentar a nosso ultra-exigente publico.

(Grafia da Época)

A tentativa de fazer um cinema ou um circuito Independente em Fortaleza, a partir do Cine Luz, com lançamentos próprios, também se frustou. Incorporado ao Grupo Severiano Ribeiro, em 1933, no que pese a existência de Investimentos para remodelação do prédio, assumiu gradualmente o status de “poeira", cinema para público menos exigente. Com uma geral na frente, próxima à tela, de bancos corridos, separada da área de cadeiras por uma grade. 
A noticia da reforma do prédio aparece no “Correio do Ceará” (27.06.33):

O "CINE LUZ" PASSA POR COMPLETA REFORMA

O velho e antigo casarão da Praça Castro Carreira, antiga Fábrica Proença, onde se aloja atualmente o popular salão de projecõees Cine-Luz, passa por completa reforma, adaptando-se a uma apreciável casa de diversões como as exigências do público que o frequenta está a pedir.

A Fábrica Proença (em destaque) na Praça Castro Carreira - Assis Lima

Assim é que, a “Empreza Ribeiro”proprietária desse salão e locataria do alludido predio, fal-o passar por uma pintura geral, transforma o seu velho piso, remodela-o enfim de modo a tornar esse centro de diversões procurado pela população amante do cinema, que lhe fica
nas imediações.

Cena do filme Três Pequenas do Barulho de 1936

A popular casa de exibição prosseguiu em sua programação de filmes mudos, até desaparecer em agosto de 1936. Não definitivamente. A 23 de fevereiro de 1939 é reinaugurado, agora equipado com projetores sonoros, exibindo na sessão inaugural a película Três Pequenas do Barulho (Three Smart Girls; Univesal Pictures Corp., 1936, 86 minutos, direção de Henry Koster, produção de Joseph Pastemak, argumento e cenário de Adele Comandini, edição de Ted Kentmúsica de Charles Previn, canções de Kus Kahn, Walterdusmann e Bronislau Kaperfotografia de Joseph Valentine, com Deanna Durbin, Barbara Reed, Binnie Bames, RayMilland, Nan Grey, Alice BradyCharles Winninger, Mischa Auer, Ernest Cossart e Hobart Ca vanaugh).

(Grafia da Época)


Continua...


Fonte:  Livro Fortaleza e a Era do Cinema de Ary Bezerra Leite

terça-feira, 26 de março de 2013

Rede de Viação Cearense (RVC) - O Ceará nos trilhos


Ícone de esboçoOs trens estabelecem os caminhos do progresso cearense, provocam mudanças na sociedade e criam uma nova paisagem. 

RVC - Mapa de 1924 com as estradas existentes e as planejadas

Locomotiva Ifocs de 1922, uma das máquinas mais possantes que rodavam nos trilhos cearenses. Arquivo Diário do Nordeste

A primeira concessão para a construção de estradas de ferro no Ceará deu-se com um decreto de 1857, em um empreendimento que deveria construir e explorar uma via férrea a qual, partindo de Camocim e imediações de Granja, seguiria para o Ipu, passando por Sobral. Um projeto arquivado. Outro marco da história ferroviária cearense data de 1968, quando foi apresentado o projeto de uma linha ferroviária ligando Fortaleza à vila de Pacatuba, com um ramal para a cidade de Maranguape. Outro projeto que não saiu do papel.

Inauguração da Estação de Cangaty em 8 de dezembro de 1890 (atual Caio Prado). Arquivo Diário do Nordeste

Só dois anos depois, nasceria o projeto da primeira estrada de ferro construída no Ceará, a Via Férrea de Baturité. E, em 13 de março de 1873, chegavam a Fortaleza as primeiras locomotivas, desembarcadas no trapiche do Poço das Dragas (antigo porto). “O prédio da estação ainda estava em obras quando recebeu as máquinas à vapor que, sendo arrastadas por tração animal com a afixação de trilhos portáteis, foram transformadas num show de apresentação, ao desfilarem pela Rua da Ponte (Alberto Nepomuceno) e Travessa das Flores (Castro e Silva) até a Praça da Estação. (Trecho do livro Estradas de Ferro no Ceará” de Assis Lima e José Hamilton Pereira)

Vista panorâmica da Estação e cidade de Baturité. Foram os atrativos do Maciço que motivaram a primeira Estrada de Ferro no Ceará. Arquivo Diário do Nordeste

Estação Professor João Felipe logo depois de sua inauguração, em 1888. Arquivo Diário do Nordeste

Um novo “espetáculo” aconteceu cinco meses depois, quando a locomotiva A Fortaleza rodou cinco vezes - desta vez com os próprios motores - da Estação Central até a parada Chico Manoel, no Cruzamento das Trincheiras, atual Liberato Barroso. O primeiro trecho da ferrovia, ligando o Centro ao Distrito de Arronches (Parangaba), ficou pronto em setembro de 1873, quando, com restrições, uma locomotiva e alguns vagões chegaram, pela primeira vez, a Parangaba.

Lideranças políticas reunidas na Estação de Missão Velha, em 1926, com o objetivo de preparar uma estratégia para combater a Coluna Prestes. Arquivo Diário do Nordeste

A estação de Crateús foi inaugurada em 12 de 12 de 1912. Arquivo Diário do Nordeste

Em seguida, foram inauguradas as estações de Mondubim, Maranguape e Maracanaú (1875) e Monguba e Pacatuba (1876). O governo imperial encampou a ferrovia em 1878 e estabeleceu algumas mudanças no projeto original, além de ordenar a construção de uma nova estrada ligando o porto de Camocim até Sobral e o início dos estudos para a construção da nova estação central, que seria inaugurada em 1880.

Uma cena de 1888: Ernesto Lassanse, diretor da EFB, e Caio Prado, presidente do Ceará, ao lado de uma das locomotivas da EFB. Arquivo Diário do Nordeste

Estação de Juazeiro do Norte era a segunda maior em movimentação de passageiros. Arquivo Diário do Nordeste

Ícone de esboçoSobrou pouco no CearáÍcone de esboço

A ferrovia chegou ao Ceará na época do Império. Em 1870 foi fundada a Companhia da Via Férrea de Baturité, que ligaria a capital, Fortaleza, à serra. 

O trem chegou a Baturité dez anos depois, em 1882, ainda sob o reinado de D. Pedro II, cujo retrato feito naquele ano por Descartes Gadelha, está até hoje conservado no prédio da estação. Nesta mesma época, iniciava-se a construção da  Estrada de Ferro Sobral.

Estação de Sobral - Acervo Silveira Rocha


Em 1919, as obras de  expansão das duas ferrovias cearenses viraram frente de trabalho para os flagelados da grande seca que se abateu sobre a região. As duas estradas de ferro,  desde 1915 unificadas na Rede de Viação Cearense, passaram a ser subordinadas à Inspetoria Federal de Obras contra a Seca (Ifocs). Em 1920, 12.850 operários estavam envolvidos na construção da ferrovia, inclusive velhos e crianças que pouco podiam ajudar no trabalho.
Quando as primeiras máquinas diesel começaram a operar no Ceará, em 1949, a RVC tinha um total de 86 locomotivas a vapor, todas operacionais. Hoje, restam apenas três destas locomotivas e só duas permanecem no Ceará. As outras 83 máquinas foram cortadas e vendidas como sucata, nos anos 60, em nome da modernidade.

(Foto ao lado:A máquina de Baturité foi salva pelo esquecimento).

Em Fortaleza, ficou uma Alco 0-4-0T de manobra da antiga Rede de Viação Cearense.  Ela ganhou tender e o tanque foi preenchido com areia para aumentar a aderência e tracionar cargas maiores. Rodou até 1964, puxando o "Trem dos Operários", que ia da Estação Central de Fortaleza até Urubu (atual Demósthenes Rochert), onde havia oficinas, escola e a vila operária da ferrovia. Há dúvidas quanto a data de fabricação desta locomotiva.

A estação de Baturité conserva até hoje um raro retrato a óleo de D. Pedro II em uniforme militar, datado de 1882.   Foto Revista Ferroviária

Na placa da porta dianteira da caldeira está o ano de 1912,  mas registros da Alco indicam que a RVC recebeu apenas um lote de seis 0-4-0T todas fabricadas em 1921.
A segunda locomotiva que restou no Ceará está na Estação de Baturité,  a 105 km de Fortaleza. Sem nenhuma placa, tudo indica que ela, também 0-4-0, pertença ao mesmo lote da Alco de 1921. Esta máquina ficou décadas esquecida enterrada, na Pedreira Monguba, a 29 km de Fortaleza. Mas foi justamente este desleixo que acabou por salvá-la da destruição, quando foi descoberta  em 1982.

 Estação Ferroviária de Baturité em meados de 1920. Autor: Ralph Mennucci Giesbrecht

Ícone de esboçoEstrada de Ferro de BaturitéÍcone de esboço

A EFB foi fruto da sociedade surgida no dia 5 de março de 1870, entre o Senador Tomás Pompeu de Sousa Brasil, Gonçalo Batista Vieira (Barão de Aquiraz), Joaquim da Cunha Freire (Barão de Ibiapaba), o negociante inglês Henrique Brocklehurst e o engenheiro civil José Pompeu de Albuquerque Cavalcante.
O objetivo era o escoamento da produção serrana em Pacatuba e Maranguape para o Porto de Fortaleza. Após a assinatura do contrato de construção da ferrovia entre a Companhia e o Governo Provincial do Ceará o projeto passou a ter como ponto final à cidade de Baturité, produtora de café.

A estação de Baturité em 2002. Foto João Carlos Reis Pinto

A estação central, atualmente Estação João Felipe foi erguida ao lado do antigo Cemitério de São Casimiro. A função do cemitério foi transferido para o Cemitério São João Batista e sob esse foi construído o escritório central e as oficinas.

Escritório central construído no terreno do antigo Cemitério - Arquivo do Blog Ceará Nobre

Os trilhos do primeiro trecho, de 7,20 km, começaram a ser assentados em 1 de julho de 1873, sendo entregue ao tráfego em 14 de setembro de 1873. Apesar de a inauguração deste trecho só ter ocorrido em 29 de novembro do mesmo ano e a estação central foi inaugurada no dia seguinte, 30 de novembro. As estações de Mondubim e Maracanaú foram inauguradas em 14 de janeiro de 1875 e a de Pacatuba em 9 de janeiro de 1876. A situação financeira da companhia ficou ruim durante a seca entre 1877 e 1879 e as obras foram paralisadas. O Governo Imperial, através do Decreto no 6.918, de 1 de junho de 1878, assumindo a parte construída da ferrovia e os direitos da Companhia de prolongar os caminhos de ferro até o município de Baturité. Em 1910 a Estrada de Ferro de Baturité foi somada a Estrada de Ferro de Sobral criando a Rede de Viação Cearense.

A estação de Baturité em 2005. Foto Itamar Lima

A Estrada de ferro de Baturité ligou a Capital ao sul do estado, até o Cariri. A Rede de Viação Cearense - RVC - em 1975 foi incorporada a Rede Ferroviária Federal e finalmente foi privatizada em 1997 passando então para o domínio da empresa "Companhia Ferroviária do Nordeste" atual Transnordestina Logística S.A.
Ainda no transporte ferroviário existem dois sistemas de metrô no Ceará. O Metrofor, que é o metrô de Fortaleza interligando vários bairros da cidade e também as cidades de Maracanaú e Caucaia e o Metrô do Cariri que interliga as cidades do Crato e Juazeiro do Norte. Estes dois metrôs têm projetos para expansão de suas linhas.

Rede de Viação Cearense - Arquivo Assis de Lima

Alguns Fatos Históricos

Ícone de esboçoEm 1875, é inaugurado o primeiro grande trecho da Companhia Cearense da Via Férrea de Baturité, depois Estrada de Ferro de Baturité - EFB, depois Rede de Viação Cearense - RVC que foi subordinada à Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS (hoje DNOCS). Teve ligação com Sobral e Campina Grande em 1957; passa a ser subordinada ao Departamento Nacional de Estradas de Ferro em 1941 e em 1957 a fazer parte da Rede Ferroviária Federal S. A. - RFFSA.
Atualmente denomina-se Companhia Ferroviária do Nordeste - CFN.

Ícone de esboço03/fevereiro/1910 - A Estrada de Ferro de Baturité - EFB, que vinha sendo administrada por Novis & Porto, passa a ser administrada pela firma South American Railway Construction Company Limited - Sarccol, passando a ter na direção os engenheiros Francis Reginald Hull (Mr. Hull), William Huggins e J. Lorimer e passando a denominar-se Rede de Viação Cearense - RVC.

Ícone de esboço01/setembro/1915 - O Governo da União assume a direção da Rede de Viação Cearense - RVC, com o engenheiro Enrique Eduardo Couto Fernandes, em substituição aos administradores da South American.

Ícone de esboço06/abril/1920 -A Rede de Viação Cearense - RVC passa a ser administrada pela Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS, hoje Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, em função da construção das grandes barragens do Nordeste, obedecendo ao Aviso nº oito.

Ícone de esboço05/abril/1924 - A Rede de Viação Cearense - RVC deixa de ser subordinada ao IFOCS e volta à jurisdição do Ministério da Viação, em virtude do Aviso nº 150G.

Ícone de esboço04/outubro/1930 - São inauguradas, no bairro do Urubu, as oficinas da Rede de Viação Cearense - RVC, construída pela firma Alfredo Dolabela Portela.
Depois foi Oficina Demóstenes Rockert (1951).

Ícone de esboço22/novembro/1951 - Criado, pela Lei nº 1153, o distrito de Mondubim, hoje bairro.
Até então era um lugarejo nascido da estação de trem da antiga Estrada de Ferro de Baturité, depois Rede de Viação Cearense - RVC e, posteriormente, Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA.

Ícone de esboço01/janeiro/1963 - A Rede de Viação Cearense - RVC, antiga Estrada de Ferro de Baturité - EFB depois Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA, aposenta definitivamente as locomotivas Maria Fumaça, ficando somente com as máquinas movidas a óleo diesel.

Ícone de esboço13/novembro/1961 - Paralisação do tráfego da RVC, tendo o superintendente desta, gen. Humberto Moura, declarado que não se tratava de uma greve, mas de um motim.
Já, os chefes do movimento afirmaram que só voltariam ao serviço quando aquele dirigente saísse.

Saiba Mais

A Rede de Viação Cearense (RVC) foi a empresa ferroviária que fundiu a Estrada de Ferro de Baturité e Estrada de Ferro de Sobral com planos de expandir a rede por todo estado do Ceará.
Esteve arrendada à South American Railway Company desde 1909, e em 1915 passou para administração federal.
Em 1957 passou a ser uma das subsidiárias da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e em 1975 foi absorvida.


traitht.gif (20556 bytes)Crédito: Revista Ferroviária, Wikipédia, Estações Ferroviárias, Diário do Nordeste (Délio Rocha), Livro “Estradas de Ferro no Ceará” de Assis Lima e José Hamilton Pereira, livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo e Revista do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico) de 1981


domingo, 6 de janeiro de 2013

Os enterros na Fortaleza antiga



Cemitério São João Batista em 1931

Em maio de 1934, o cronista João Nogueira estabelecia uma relação entre a velocidade que caracterizava os novos tempos e a mudança de atitudes frente ao traspasse. No tocante aos cortejos fúnebres, ele apontou o transporte do féretro e os trajes dos acompanhantes como índices  na percepção dessa mudança. 


Cemitério São João Batista em 1931

Os enterros atuais puxados a máquina, passando velozes, os convidados vestidos de todas as cores, não infundem aquele respeito, que impunham antigamente. Tal é a força dos costumes que hoje não causa o mínimo reparo um homem acompanhar um enterro ou assistir a uma missa de sétimo dia, vestido de qualquer cor, mas ai daquele que não se apresentar de branco de rigor ou de smoking em um sarau dos nossos clubes elegantes. Tratamos a Morte com pouca cerimônia e a Dança com o maior respeito...


Cemitério São João Batista em 1931

A cidade não mudava apenas em suas pedras e topônimos: à transformação material e onomástica somava-se o desaparecimento de costumes antigos, no desencadear de lembranças nos  memorialistas em apreço. As descrições pormenorizadas de João Nogueira acerca da grande movimentação que envolvia os enterros de outrora confirmam que eles eram grandes eventos públicos a concentrar a atenção da  população e mobilizar considerável soma de recursos simbólicos. É com embevecimento que o engenheiro recorda os funerais de há meio século.



Antiga Igreja da Sé com seu cruzeiro

Há cinquenta anos passados os enterros entre nós eram verdadeiras procissões, que se estendiam, algumas vezes, por mais de um dos nossos quarteirões. Abria o préstito uma cruz negra de cuja peanha pendia uma  saia, que era um pano de veludo preto com franjas douradas, afetando a forma desta peça de vestuário. As irmandades marchavam em longas filas, solene e silenciosamente. Precedido pelo cura da , vinha o féretro, levado por quatro empregados da Misericórdia, vestidos de preto, com cartolas de oleado reluzente, casacas e calças debruadas de amarelo.


A Santa Casa ainda com um só pavimento. Foto de 1911

Os empregados da Santa Casa encarregados de conduzir o ataúde eram popularmente conhecidos como “gatos pingados”. Em razão de seu trajar chamativo, sempre foram citados por quantos memorialistas recordassem os enterros da Fortaleza antiga. Nas Memórias, Gustavo Barroso entreviu a mudança nos sentimentos com respeito aos mortos que foi suscitada pelo automóvel. Conforme já foi assinalado, sua introdução no ambiente urbano inaugurou novos ritmos e expectativas, afetando várias dimensões da vida cotidiana. Os ritos fúnebres estavam inclusos nessa transformação, conforme é possível inferir da passagem em que a velocidade dos cortejos motorizados é contraposta à solenidade dos enterros a pé, com o caixão conduzido pelos referidos empregados, em um “andar ritmado e lento”. 


Cândido Portinari

Como que ainda estou vendo os enterros. Todos a pé. Muito solenes. Na minha meninice, os mortos não usavam automóvel para a derradeira viagem. Nem se sabia o que era automóvel. Os vivos parece que não tinham pressa em se verem livres dos mortos, nem 
estes pressa em se verem livres dos vivos. À frente dos enterros, uma cruz alçada, de saiote preto, o padre paramentado e dois coroinhas. O caixão levado a mão pelos parentes e amigos ou por quatro gatos pingados de andar ritmado e lento, de  sobrecasacas negras e cartolas de oleado. No acompanhamento, somente homens, todos de luto, silenciosos e compungidos.¹



Não há mudança cultural que não se faça perceber no surgimento de novos objetos – e no desaparecimento de outros. As  procissões noturnas, iluminadas com tochas e fachos, talvez não fizessem mais sentido em uma cidade iluminada pela energia elétrica e abastecida de veículos. Sua estranheza foi evocada por Gustavo Barroso, em outra passagem do texto. 

Lembro-me vagamente de ter visto, quando muito pequenino, um dos últimos enterros à noite, à luz de tochas e archotes, costume antigo e lúgubre. Se não vi, ouvi descrevê-los tantas vezes  em casa que a descrição se mistura lá nos recessos do meu cérebro às cousas reais e acaba feita realidade pelo contato.


Cemitério São João Batista em 1931

Esse é um termo essencial da memória: muitas vezes não é possível distinguir entre nossas próprias lembranças e o que nos foi contado por outrem. Tais operações geralmente são inconscientes, mas no caso de Gustavo Barroso, artesão da memória, a possibilidade é vislumbrada. Ao lado de outros relatos, a imagem confirmava: os mortos já não se enterravam como antes. 


Cemitério São João Batista em 1931

A necessidade de relatar como eram os enterros de antigamente revelava um presente marcado pela supressão de referências à morte: do mesmo modo que o passado, os mortos eram banidos do cotidiano da cidade. O primeiro desaparecia nas contínuas reformas que depuravam o espaço urbano de seus traços indesejáveis; os últimos eram abolidos das vistas 
públicas através dos automóveis, que, velozes, os despachavam mais rapidamente para o outro mundo.


Antiga rua das Flores (Castro e Silva) por onde seguiam os cortejos fúnebres até o Cemitério São João Batista. Arquivo Nirez


Talvez muitos saudassem o progresso no que poupava  aos fortalezenses. Pois as procissões se estendiam por 1300 metros, ao longo da rua das Flores, que conduzia da igreja da Sé ao Cemitério São João Batista (daí talvez a origem do nome). Tão grande percurso, realizado sob as intempéries da natureza e sobre um calçamento pouco convidativo às longas caminhadas, assumia contornos de sacrifício – quase uma via-crúcis: “Era, em verdade, um sacrifício ir um homem, da Matriz ao Cemitério, vestido de preto, sol das quatro horas pela frente, sobre um péssimo calçamento”.


Fachada antiga do Cemitério São João Batista sendo demolida. Arquivo Nirez

Mas ritos fúnebres cumprem a função social de mostrar às pessoas que elas são importantes para os outros. Não circunscrever a morte com eles pode transformar o ato de morrer em uma “situação amorfa, uma área vazia no mapa social”.

O ritual que cobria esse momento crítico talvez se destinasse a marcá-lo, realçá-lo em meio ao cotidiano de fatos muitas vezes indistintos,demonstrando, assim, o quanto significava a perda de um membro para a coletividade. Era um ritual para os vivos, antes de ser para os mortos; estes se iam, mas aqueles ficavam, e eram reconfortados por  saber que, quando sua 
hora chegasse, sua partida também seria sentida pelos outros. 


Cemitério São João Batista em 1931

Na percepção do engenheiro, ninguém se queixava da  caminhada torturante em virtude dos “sentimentos que a todos  animavam” Trata-se, evidentemente, de uma visão carregada de subjetividade, mas que bem expressava o quanto poderia ser angustiante para alguns o vazio que a ausência do ritual criava.

Esse vácuo também era formado na destruição de fragmentos do passado que compunham a paisagem da cidade. 
Esta era expulsa da cidade tanto nas transformações do espaço quanto no desaparecimento de antigos ritos fúnebres. Mas os memorialistas a introduziam no discurso, e lembravam que o dever com os mortos  ia muito além do cerimonial adequado, mas implicava reconhecê-los: nas esquinas, praças, árvores, topônimos... Vestígios do passado transmutados em lápides. 

João Nogueira recordou, com enlevo, os “enterros de anjinhos”. 


Enterro de anjinhos - Imagem meramente ilustrativa - Acervo José Elson

Eram festivos e risonhos os enterros de anjinhos ao tempo em que a Fortaleza não tinha pretensões a  Metrópole... Os sinos da (os menores) repicavam alegremente e a família do  anjinho convidava quantos meninos pudesse para acompanhar o saimento. Não se encomendavam os  anjinhos. Porque encomendá-los Àquele que dissera: Deixai vir a mim os pequeninos? A inocência daquelas aves abria-lhes as portas do reino dos céus. Enquanto os pequenos convidados esperavam pela hora da saída, recebiam, de agrado, toda sorte de guloseimas. Depois, lá se ia o alegre bando acompanhado, não raro, por músicos que tocavam, durante o trajeto, polcas, quadrilhas e outras peças alegres. E era assim que  as mães piedosas deixavam que voassem as andorinhas, em busca de 
paragens luminosas. Felizes tempos aqueles!


Enterro de anjinhos - Imagem meramente ilustrativa - Acervo José Elson

Eram tempos mais felizes aqueles? Quem sabe? De qualquer forma, o engenheiro encontrava regozijo na lembrança. Mas o  encontraria do mesmo modo se a tradição continuasse? Talvez sim, mas de  uma forma distinta, porque presença. A ausência faz o memorialista, a mudança reelabora seus sentimentos com respeito à cidade em que vivera por longo tempo, produz memórias que não são a Fortaleza de antigamente, mas fragmentos recolhidos e dispostos segundo critérios de afetividade.



No entanto, é provável que João Nogueira e Gustavo Barroso tenham sido levados, pelas circunstâncias que deparavam no presente, a idealizar as atitudes dos antigos com relação aos mortos. O testemunho de João Nogueira sobre a demolição do antigo Cemitério de São Casimiro, em 1877, e a sombra do desprezo que pairava sobre os que ali repousavam, parece apontar nesse sentido. 


Início do século XX

Local onde antes esteve o Cemitério de São Casimiro - Álbum Fortaleza 1931

Muita gente passa hoje em frente às oficinas da Baturité sem suspeitar ao menos que todo aquele movimento se opera sobre um chão de repouso e de morte. Parte das oficinas, o  Chaler, a Carpintaria, os Depósitos e desvios estão assentes sobre o local do antigo Cemitério de São Casimiro [...]. Aí se fizeram enterramentos até abril de 1865, época em que foi fechado sob pretexto de se achar quase dentro da cidade, estar sendo invadido pelas areias do morro, estarem sepultados nele inúmeros coléricos. Daí por diante jazeu em completo abandono, até que em 1877 se resolveu a sua demolição. [...] 


Compreendem-se perfeitamente as razões porque se fechou o Cemitério Velho; o que porém nunca pudemos compreender foi o abandono, de que fomos tantas vezes testemunhas, daquele humilde Campo Santo. Em 1878 já estava quase tudo em ruínas: túmulos desmoronados, catacumbas abertas, deixando ver o seu horripilante conteúdo, ossos dispersos pelo chão, onde os animais pastavam tranquilamente. Dir-se-ia que na cidade não restava mais nenhum parente, nenhum amigo de nenhum daqueles que repousavam ali.




Traslado dos restos mortais do General Sampaio na Avenida Bezerra de Menezes, com a presença do então Governador Virgílio Távora (1966).


À vista dessas poucas (e chocantes) linhas, impõe-se repensar as assertivas que atribuíam aos antigos maior respeito e consideração aos mortos. Afora a ordem de “autoridade competente” para exumação dos restos de mortos ilustres antes da profanação (como o do Boticário Ferreira, a quem se atribui, juntamente com Silva Paulet e Adolfo Herbster, o traçado ortogonal das ruas de Fortaleza), o único que parecia se importar com o desrespeito era uma velha casuarina


A velha casuarina em destaque

Do nosso antigo cemitério resta apenas um único monumento: uma casuarina, que o acaso conservou.  Último morins, único amigo sobrevivente de quantos viu sepultar. Dizem que quando se revolvem as cinzas dos seus mortos ouve-se pela calada da noite um vozear 
baixinho por entre a vetusta ramaria.²

Por entre a folhagem da árvore, diziam escutar-se um último alento aos mortos, cujos despojos não voltariam nunca “ao  pó sagrado de que nos fala a Escritura, mas à areia negra do esquecimento e do desprezo”.³

Foto de 1922, época da reforma da Praça Castro Carreira (Estação)

¹BARROSO, Gustavo. Memórias. Coração de menino. Op. Cit., p. 62-3. O jornalista Carvalho Lima, sob o pseudônimo de “Ancião”, faz reparos à crônica “Os primitivos enterros”, de Raimundo de Menezes, onde os encarregados do transporte do ataúde eram lembrados. Estes não seriam empregados da Santa Casa, mas trabalhadores de rua contratados para cada enterramento, e subdividiam-se em três categorias,  segundo as posses do morto: 12$00020$000 e 30$000. Cada qual trajava uma indumentária diferente (os descritos pelos memorialistas pertenciam à última categoria). (O Estado, 13/02/1938. Apud MENEZES, Raimundo de. Coisas que o tempo levou:  crônicas históricas da Fortaleza antiga. 3. ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 77) 

²No texto que dedica ao oitizeiro do Rosário, João Nogueira menciona outras árvores conhecidas de Fortaleza. Além do cajueiro do Fagundescuja história já é conhecida, havia a “árvore da liberdade”, coqueiro plantado em 1831, no antigo Pátio do Palácio (atual praça General Tibúrcio), por ocasião da abdicação de D. Pedro Io “cajueiro botador”, “velho” que “não se impunha ao respeito”, por prestar-se ao chiste popular: sob sua fronde ocorria a eleição dos maiores mentirosos da cidade, que sempre terminava em cervejadas, nos botequins da praça do Ferreira, onde estava localizado; por último, um coqueiro da praça da Estação, que não tinha história conhecida: “É um velho que tem atravessado a vida sem viver. Sabe-se apenas que nas noites de luar conversava com o oitizeiro. O que diziam, ninguém entendia... Agora  emudeceu para sempre, porque morreu o único amigo que lhe restava e o entendia”. NOGUEIRA, João. Op. Cit., p. 161.

³O historiador Simon Schama faz uma instigante reflexão acerca das ligações das árvores 
com o sagrado, na simbologia de pinturas e xilogravuras da Idade Média. Esses entes da 
natureza foram apropriados por catequistas cristãos que deram combate a cultos fetichistas, e se empenharam em converter seus praticantes através de sua associação ao Crucificado. (SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 221-232) 



Crédito: Tempo, progresso, memória: um olhar para o passado na Fortaleza dos anos trinta - Carlos Eduardo Vasconcelos Nogueira, Álbum Fortaleza 1931 e Arquivo Nirez

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