Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Benfica
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



Mostrando postagens com marcador Benfica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Benfica. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Hospital Mira Y López - 44 Anos



Casa das Missões em 1930 
A Casa das Missões dos Padres Lazaristas holandeses foi aberta em 31 de março de 1927 e, funcionava como alojamento de padres vindos da Europa para trabalhar no Norte e Nordeste do Brasil.
Em 1969 o prédio foi vendido e transformado no Hospital Mira Y López.

Casa das Missões em 1931

Prédio do Hospital Mira Y López é vendido 
(Reportagem do Jornal Diário do Nordeste em agosto de 2012)
"O futuro do Hospital Psiquiátrico Mira Y López, no Benfica, que dispõe de 200 leitos de internação, sendo 160 conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e 40 particulares, é incerto. Funcionários relatam que a direção realizou uma reunião, na semana passada, para anunciar a venda do imóvel e a demissão de todos. Em torno de 100 pessoas cumprem aviso prévio. O que se comenta é que o proprietário teria uma dívida de R$ 7 milhões.
O imóvel deve ser entregue em até dois meses. Há 18 pacientes sem vínculo familiar morando no hospital. Eles devem ser transferidos para duas residências terapêuticas que ainda serão inauguradas.
A unidade só deve funcionar até setembro, pois o prazo dado para entrega do imóvel ao novo dono é de dois meses. Caberá a ele decidir o que será feito do local. Pacientes que possuem vínculo familiar começaram a ter alta. Os demais, conforme informações dos funcionários, serão transferidos para outras unidades. Há dez dias, quando teve início o processo de altas, eram 198 pacientes internados. Ontem, eram 166. Desses, 135 pelo SUS e 31 particulares.

Após sete anos trabalhando na unidade, Francisco Milton, se mostrou inconformado por perder o emprego. "O Mira Y López tem história, são 44 anos de hospital. No dia que eu tive que assinar o meu aviso prévio, me deu uma tristeza. Quem é que gosta de ficar desempregado? E esses pacientes, vão para onde?", indaga, sem saber o que vai fazer quando terminar o aviso prévio.



Foto de 2006. Arquivo Elmo Júnior.
Na tarde de ontem, um paciente de Ibiapina, município localizado a 360 Km da Capital, que sofre de esquizofrenia, teve alta e seria levado para casa por um motorista da Prefeitura, mas não foi, porque o motorista não estava num carro adequado para transportar um paciente no estado que ele se encontrava - caindo do banco e com os joelhos feridos. "Disseram que ele estava normal", justificou o motorista, antes de desistir de levar o homem para casa.
A auxiliar Edilene Maria Sales, 51, que sofre de transtorno bipolar e costuma se internar, em média, três vezes por ano na unidade, estava triste. "Este é o melhor hospital que a gente tem, é uma pena. Se pudesse, reverteria essa situação", sugere.

A coordenadora de saúde mental do Município, Rane Félix, disse que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) não foi informada, oficialmente, do fechamento desses 200 leitos. Acrescenta que há dois anos, quando a mesma polêmica veio à tona com a possibilidade de venda do hospital, foi firmado um acordo no qual os proprietários se comprometeram a não fechar a unidade. "Eles disseram que o espaço era muito grande e que iriam transferir os leitos para outro prédio, com estrutura menor".



Foto: Rodrigo Carvalho

Preocupação
A preocupação maior de Rane Félix é com os cerca de 18 moradores da unidade - pacientes crônicos que não têm vínculo familiar e estão há muitos anos no hospital. Estes deverão ser transferidos para as duas residências terapêuticas que serão inauguradas, ainda sem data prevista. Será entregue, ainda, até o fim do mês de agosto, a Unidade de Saúde Mental do José Walter, com 20 leitos. "Os demais vamos redistribuir na rede", diz.
A coordenadora de saúde mental do Município se queixa do curto prazo para transferência dos pacientes: dois meses. "Não vamos 'jogar' para Messejana, já estamos querendo tirar eles de lá. O que a gente tem que fazer é cuidar das pessoas, e não fechar um hospital de uma hora para outra. Dois meses é muito pouco, precisamos de cinco a seis meses para fazer essa transição", frisa."


Reportagem: Luana Lima


Tristeza e revolta


“É com pesar que nós, Maria Stael Torres de Melo Santiago Filha, médica psiquiatra, e Leônia Maria Santiago Cavalcante, psicóloga, estamos vivenciando o fechamento do Hospital Mira Y Lopez, estabelecimento dedicado à saúde mental e idealizado com muito amor pelo nosso pai, Dr. Leão Humberto Montezuma Santiago*, e sócios, Dr. Glauco Bezerra Lôbo e Dr. Roberto Augusto de Mesquita Lôbo. Foram 43 anos de existência, de serviço prestado com dignidade e humanidade à população cearense. É um momento de profunda tristeza e frustração para nós, funcionários e todo o corpo clínico que, durante muito tempo, dedicou-se ao tratamento de portadores de transtorno mental. Essa é a realidade da saúde mental no Brasil. Suas portas estão fechando por falta de condições na manutenção de uma estrutura e atendimento digno aos pacientes. Convém salientar ainda que a verba destinada à instituição sempre foi um descaso. Com diárias irrisórias, dívidas acumularam-se tendo em vista a incapacidade de se manter a infraestrutura do hospital. A doença mental, infelizmente, não dá ibope e nunca foi alvo de promessa por parte dos políticos. Não deve ser surpresa para a Secretaria de Saúde do Ceará o fechamento de mais um hospital psiquiátrico, visto que a condição de funcionamento não vem permitindo a sobrevivência dessas instituições. Esta expressão e revolta, vale dizer, é fruto do amor incondicional de nosso pai pelo paciente em sofrimento psíquico. Emílio Mira Y Lopez, psiquiatra e psicólogo, autor de um grande exemplar denominado "Os 4 Gigantes da Alma - Ira, Poder, Medo e Amor", foi a inspiração para o nome do Hospital Mira Y Lopez. Segundo ele, "a ira, o poder e o medo" são obstáculos para a evolução humana. A realidade é que o poder não oferece condições para que o amor transforme essa triste situação vivenciada por muitos de nós. Que esse momento nos faça refletir sobre o papel e função da instituição hospitalar psiquiátrica na atual conjuntura do suporte e tratamento aos portadores de transtorno mental. Observa-se uma mensagem ambivalente: determina-se a extinção e, ao mesmo tempo, critica-se o fechamento, discurso este esquizofrenizante!”


Stael Torres de Melo Santiago Filha 

Leônia Maria Santiago Cavalcante


Médicos que fizeram a diferença:

  • Dr. Roberto Augusto de Mesquita Lôbo, cearense de Santa Quitéria, psiquiatra renomado, foi fundador diretor do Hospital Psiquiátrico Mira y López, em Fortaleza. 

"Um ser humano de qualidades excepcionais, culto e detentor de um grande conhecimento profissional. Aprendi a admirá-lo desde os meus tempos de estudante de medicina, quando prestei serviços ao Hospital Psiquiátrico Mira y López, do qual Roberto era um dos diretores."






Foto da década de 80, em destaque o Dr. Roberto Lôbo - Foto de Paulo Gurgel 

  • Dr. Airton Monte era envolvido no trabalho psiquiátrico com doentes mentais no Hospital Mira Y Lópes. Natural de Fortaleza, onde nasceu em 1949, Airton Monte era médico psiquiatra formado pela Universidade Federal do Ceará em 1976. 


"Médico psiquiatra formado pela Universidade Federal do Ceará, cronista do jornal O Povo, comentarista de rádio, redator de televisão, letrista, teatrólogo, iniciou-se na revista 'O Saco', onde publicou contos. Um dos fundadores do Grupo Siriará de Literatura.
Publicou “O Grande pânico” (1979), “Homem não chora” (1981), "Alba Sanguínea" (1983) e “Moça com flor na boca” (2005), adotado pelo vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC). Participou de algumas antologias: Os Novos Poetas do Ceará III, Antologia da Nova Poesia Cearense, Verdeversos e 10 Contistas Cearenses. Tem também um livro de poemas."

Diário do Nordeste

Airton Monte faleceu em 10 de setembro de 2012, vítima de câncer.

  • Dr. Heraldo Guedes Lobo.
"Indicaria e indico a todos que precisam de um milagre, que conheçam esse profissional, pois ele claro com a ajuda de Deus me devolveu a alegria de viver... Sou paciente já curada."


 Socorro Farias 
(Já foi interna do Mira Y Lópes)

Hospital Mira Y López - Foto de Herlanio Evangelista
Um prédio histórico que merecia e deveria ser tombado como patrimônio histórico de Fortaleza.
No ano de 2012, o prédio do Hospital Mira Y López foi um dos pedidos pela população para a transformação em bem material.

Quem foi Mira Y López?




Emílio Mira y López foi sociólogo, médico psiquiatra e psicólogo, professor de Psicologia e de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madrid. A sua visão da psicologia está intimamente ligada à fisiologia, já que entendia que os estados mentais estavam relacionados com mudanças musculares com origem nos órgãos sensoriais resultantes da interação com o mundo externo e interno do indivíduo.





Mira y López nasceu em Cuba em 1896, filho de Rafael Mira Merino e de Emilia López García, ambos espanhóis. 



Depois de terminar o bacharelado com brilho, estudou Medicina em Barcelona, onde foi aluno de Augusto Pi i Suñer, professor que sobre ele exerceu uma influência decisiva.


Em 1919, dois anos após obter a licenciatura, venceu o concurso para o lugar de chefe da seção de Psicofisiologia do Instituto de Orientación Profesional de Barcelona, serviço de que chegou a ser diretor em 1926. Entretanto, em Abril de 1922, defendeu na Universidade de Madrid a sua tese doutoral sob o título: Correlaciones somáticas del trabajo mental.
Em 1930, presidiu em Madrid o Congresso Internacional de Psicologia e entre 1932 e 1939 foi diretor e consultor do Instituto Pere Mata de Reus e diretor do Instituto Psicotécnico da Generalidade da Catalunha. Em colaboração com os médicos Alfred Strauss, Adolfo Azoy e Jeroni de Moragas i Gallissà criou La Sageta, a primeira clínica de psiquiatria e avaliação psicológica infantil de Espanha.
Mais tarde foi diretor do centro de orientação e seleção profissional da Escuela del Trabajo e em 1933 venceu o concurso para a cátedra de Psiquiatria da Universidade de Barcelona.

Uma conferência do Dr. Mira Y López em 17 de julho de 1937
No Rio de Janeiro, foi nomeado em 1947 diretor do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), cargo que ocupou até falecer.
Colaborou no Dicionário de Medicina do doutor Manuel Corachán.

Foto de 1949
Toda trajetória de Mira y López colaboraram para o surgimento do PMK, Partindo da Medicina, que o levou à Psiquiatria e depois à Psicologia. As atividades de Mira culminaram num período em que a Espanha estava em grande efervescência cultural. Foi escritor, editorialista, conferencista, brilhante orador, professor de Psiquiatria, de Psicologia (psicologia forense, psicologia experimental, psicopatologia infantil), membro e representante de vários conselhos de Psiquiatria na Espanha e criador de vários testes psicométricos.

Hospital Psiquiátrico "Mira y López", (Santa Fé, Argentina) em 1943. 
É um dos mais importantes do país.
Introduziu-se no campo da Psicologia, trabalhando com orientação profissional, depois com testes de psicotécnicos para seleção de motoristas. Criou seu célebre percepto taquímetro e inventou uma prova rudimentar para estudar a dispersão da atenção numa tarefa psicomotora contínua. Teve a intuição de que esses teste mediam não só a capacidade de atenção, mas também traços emocionais e aspectos da personalidade e de conduta.
Mira se concentrou em estudos nas técnicas expressivas, que se diferenciavam das projetivas por serem testes que não fogem de nosso controle, sendo alterado conforme a vontade consciente.
Inicialmente os métodos eram centrados na análise dos movimentos faciais, mas com o decorrer do tempo Mira sentiu necessário medir outras expressões mais distantes do controle consciente.

Dr. Mira em 1955
Dr. Emilio Mira y López faleceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 1964.

De entre a sua extensa produção escrita, que compreende mais de 30 livros publicados, cerca de 200 trabalhos científicos catalogados e numerosas conferências e cursos ditados, destacam-se as seguintes publicações:


  • El Psico-Anàlisi (1926);
  • Manual de psicología jurídica (1932);
  • Manual de psiquiatría (1935);
  • Psicoterapia; Psicopatología dels estats passionals (1938);
  • Psicología evolutiva del niño y el adolescente (1941);
  • Los fundamentos del psicoanálisis (1943);
  • Cuatro gigantes del alma. El miedo, la ira, el amor y el deber (1947);
  • Educación pre-escolar. Su evolución en Europa, en América y especialmente en la República Argentina;
  • Le psychodiagnostic miocinètique (1951);
  • Psicología experimental (1955);
  • Hacia una vejez joven (1961);
  • La mente enferma (1962);
  • La doctrina psicoanalítica (1963);
  • Psicología de la vida moderna (1963).
  • Futebol e Psicologia (1964) junto a Atahyde Ribeiro da Silva - Editora Civilização Brasileira S.A; Rio de Janeiro - RJ, 1964, 1ª edição;




*Em 15 de abril de 1997, morre, aos 72 anos de idade, o médico psiquiatra Leão Humberto Montezuma Santiago (Leão Santiago), que nas horas vagas era cantor.
Era cearense do Crato onde nasceu a 21 de abril de 1925.

Editado 28/02: Soube ontem que a demolição do prédio já teve início, a parte da entrada pela Avenida da Universidade, praticamente já não existe mais, infelizmente!
É, mais um patrimônio nosso é vendido e nossa história indo para o poço do esquecimento...







Fontes: Diário do Nordeste, Álbum Fortaleza 1931, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Wikipédia e http://www.miraylopez.com

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Futerrádio ou radiobol



O PV na década de 40


De há muito, velho amigo, ex-repórter esportivo, insiste na produção de artiguete nosso sobre o futebol dos meados da década de cinquenta aos da de sessenta do século passado. Tempo em que o “pebol” era mais esporte, mais rádio e mais fraternidade. Televisão não existia e as jornadas esportivas” das tardes dos sábados e domingos, viam-se ao Sol. Iluminação elétrica para as “pelejas” surgiu anos depois. “Senhoras e senhores! Diretamente do Benfica, no Estádio Presidente Vargas, transmitiremos mais uma partida de futebol pelo campeonato alencarino! Agora mesmo, ingressam na Tribuna de Honra as autoridades civis, militares e eclesiásticas.” 

PV nos anos 60 - Grupo de árbitros

Na maioria das vezesali não existia ninguém.” Somente o floreio imaginativo do locutor de cabine ou, por vezes, o do de “pista”, este responsável por comentários e entrevistas com atletas no campo. “Preparado para a contenda?”E o “center half”, em um chavão de todos, não titubeava: “Estou pronto física, mental e psicologicamente!”. O PV dividia-se em duas partes de arquibancadas. A “geral”, do “lado do Sol”, com ingressos a preço popular. E, as “sociais”, do “lado da sombra”, com entradas mais caras. As torcidas não possuíam áreas diferentes. Todas juntas. Um colorido variado e festivo. O ato de violência maior consistia em jogar bagaços de laranja nos torcedores que teimavam em assistir o jogo em pé, prejudicando a visão dos demais. Até 1957, quando chegaram a Fortaleza os Spica, rádios portáteis inexistiam no Estádio. O Torneio Início abria o campeonato com a participação de todos os times, começando ao meio-dia e encerrando-se no final da tarde do domingo anterior ao começo do primeiro turno.


Time do Fortaleza 1947

Os auxiliares do árbitro principal eram osbandeirinhas. Escanteio conhecia-se por corner. Bola na trave dizia-se “pau-de-trave”. A defesa constituía-se de dois “backs”. Novos craques formavam-se na Escolinha do Fortaleza e dos Dentes-de-leite do Ceará Sporting Club

O Ceará em 1958

O programa esportivo cômico-satírico do rádio cearense era oBola-de-meia, produzido e interpretado pelo jornalista José Oli Moreira.

Geraldo Duarte 
 (Advogado, administrador e dicionarista)
  

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Avenida Carapinima - Um símbolo do Benfica III



"Ali viveram também grandes  jogadores de futebol, como Airton Monte e Jombrega, este vítima dos fanáticos do futebol, ao ser responsabilizado pela derrota da Seleção Cearense frente à do Pará. Isto sem falar na beleza das moças do bairro, culminando com a Miss Brasil Emília Correia Lima. Os concursos de beleza que movimentavam a cidade provocando uma maior venda de jornais, como Rainha do Algodão, Glamour Girl, Rainhas de Colégios, Rainha dos Jornalistas, os mais belos olhos da cidade, eram sempre ganhos por alguma moça do Benfica. Isto sem falar do Renato Aragão que já estudava na Faculdade de Direito, trabalhava na TV Ceará e namorava a Marta, que era nossa vizinha. Também o Tom Cavalcante morou na Carapinima, bem em frente à casa da Marta, na modesta Vila das Irmãs.
Era filho de Sr. Hugo e sua família veio de Sobral. O outro comediante, Chico Anísio, que
junto com os outros dois alcançou notoriedade no país, morou na Avenida João Pessoa,
também no Benfica. Sua casa dava fundos  para a Rua Carapinima, onde funcionava a garagem da empresa de ônibus do seu pai. Não posso esquecer o Dilcimar Oliveira, grande comunicador que atuou no jornalismo local,  chegando depois a escrever no Le Monde e o inesquecível tenor Abel, que atuou no filme “Ligações Perigosas”. Além do músico Zezinho que alegra ainda hoje as noites de Fortaleza. Como vê, uso a memória para registrar e celebrar todas essas pessoas, que com sua linguagem erudita, professoral, escrita e oral contribuíram para a formação de jovens, o deleite de  muitos, como no caso dos três humoristas mencionados. Discursando, escrevendo substanciosos artigos, poemas, contos e traduções, dignificaram suas profissões.

Francisco José Róseo  de Oliveira foi conhecido nacionalmente.
Casado com uma senhora belíssima, a dona Cleide. De fato, perdeu o seu filho caçula, o Luis
Antonio Róseo, que recebeu uma homenagem em poema do meu irmão, o cordelista Luis
Antonio Aragão. Os versos eu sei de cor...  A morte dele comoveu todo o bairro, pois se
tratava de uma criança que fazia o curso primário. Vamos aos versos:

                                                 Chorar, chorar...
                                                 Nas minhas lágrimas
                                                 Rolam os sentimentos
                                                 Por alguém que jaz amor.
                                                 Sem túmulo, sem um abrigo,
                                                 Entregue aos mistérios
                                                 Do Oceano que levou consigo,
                                                 Seu corpo e minhas esperanças
                                                 De encontrar meu grande amigo.
                                                 Ó, mar, resolve meu dilema,
                                                 Porque não vou odiar-te,
                                                 Pois sei que inspiraste
                                                 As frases deste poema.
                                                 Mas livra de teus laços,
                                                 Esta vítima inocente,
                                                 E lança nos meigos braços
                                                 De quem por ele chora e sente.

Com a criação da Universidade Federal do Ceará que adquiriu grande parte dos bangalôs e sobrados do bairro. Muita gente mudou-se para outros locais e o bairro consagrou a fama de “intelectual”. Ficaram famosas as festas do CEUClube dos Estudantes Universitários. É claro que a Universidade estimulou a corrida dos jovens ao vestibular e o
Conservatório de Música recebeu muitos alunos. É fora de dúvida que a Universidade continua tendo um papel importante em todo o Estado do Ceará. Mas não se pode negar que ela foi uma das responsáveis pela descaracterização do Benfica e da Gentilândia por causa da sua própria expansão e em face da construção de novos edifícios. Até a maravilhosa fonte que ficava em frente da reitoria da Universidade, antigo solar da família Gentil, onde chegou a se hospedar Getúlio Vargas, foi retirada dali e hoje está no centro da cidade em frente à sede do Banco do Nordeste. Vale acrescentar que o bairro do Benfica, cresceu em importância com o advento da Universidade. As mulheres passaram a ter a oportunidade de ingressar em outras faculdades e não só na de Filosofia. Algumas vindas do interior e hospedavam-se em casas de parentes, ou ainda nos pensionatos para moças, que passaram a ser comuns naquela época e hoje quase não existem mais. Notadamente, o bairro do Benfica era todo verde, parecia um parque ecológico enquanto que hoje, apesar da preservação do meio ambiente, ele já não é tão verde assim. A necessidade de modernização  retirou os trilhos dos bondes, ruas foram alargadas e encolheu-se o espaço da casa. Hoje ela não vai até a rua. Algumas secretarias foram acrescentadas à prefeitura e ao governo do estado. A SUMOV, por exemplo, pertinente a Superintendência de Urbanização, entre outros órgãos, transformaram ruas em avenidas modificando a paisagem urbana. A violência se reflete em várias facetas. É o caso da Igreja dos Remédios, hoje protegida por uma infinidade de grades e há ausência de cadeiras nas calçadas para as longas conversas de outrora. As televisões e os computadores estabelecem um novo tipo de comunicação. Os debates sobre política e economia feitos na ágora foram substituídos por conversas fúteis sobre novelas e programas sem nenhum conteúdo cultural e são duvidosas produções artísticas.  
O escoamento de gêneros in natura, faz-se hoje muito mais por caminhão. Não se ouve mais “lá vem o trem”. O trem que antes transportava gente do povo, fardos de algodão, mamona, feijão, farinha, oiticica e bovinos, equinos e suínos, vindos de outras cidades cearenses como Cedro, Iguatú, Senador Pompeu, em vagões chamados gaiolas. 

Observe-se que a modernização do Porto do Mucuripe, em Fortaleza, e a inauguração do Porto do Pecém deram novo ânimo às exportações do estado. Virou história o início do Porto do Mucuripe quando à distância se avistava  o grande guindaste Titã e da Maria Fumaça trazendo as pedras para o porto. Nós, meninos, da Rua Carapinima, meninos dos bairros do Benfica e circunvizinhos fomos levados para conhecer o “Passatempo”, precária estação de passageiros, local onde ocorreram os primeiros embarques e desembarques. Na Cia. Docas do Ceará empenhei-me muito pelo tombamento do Titã na ponta do quebra-mar e também do Passatempo, mas não tive êxito. Ainda bem que ainda resta a Ponte Metálica onde essa operação de embarque e desembarque já havia existido entre 1920
e 1952. Claro que está numa cidade banhada pelo mar não se pode esquecer dos passeios na
orla. Assim, a criançada toda e os jovens do bairro eram de vez em quando premiados."


Paulo Maria de Aragão
(Advogado e professor universitário)

Parte I
Parte II
Crédito: Carapinima: A história de uma rua -Regina Stela Ferreira Moreira 
(Formada em jornalismo pela Faculdade Celso Lisboa (Rio de Janeiro)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Avenida Carapinima - Um símbolo do Benfica II



"...Outro motivo de atração da rua era a proximidade do Chateau da Santa, palavra vinda da influência francesa, bem nítida naquela época, como eram chamados os cabarés de luxo. No Chateau da Santa,  moravam e trabalhavam lindíssimas mulheres, vindas de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão e de outros Estados, dava uma fugida no final da noite para ver o vai e vem dos carros importados no local. Eu era então um rapazote, tinha mais ou menos uns dez anos, estou falando dos meados dos anos 50. Estou falando de tempos em que as galinhas passavam até de um quintal para o outro... tempos singelos onde os moradores se integravam. Estava também a Carapinima próxima ao REU, Residência dos Estudantes Universitários, onde tanques enormes eram destinados à criação de peixes. Numa época em que ninguém falava da preservação do meio ambiente, os peixes eram intocáveis, as árvores eram protegidas e nas escolas todas  as crianças plantavam uma no Dia da Árvore.
Mas, para ser sincero, do ponto de vista da preservação dos pássaros, muitos passarinhos eram capturados, como rolinhas, galos de campina e até pássaros grandes, todos vendidos na feira do bairro da Gentilândia. Havia ainda o que chamo ágora, uma esquina da Rua Carapinima, a ágora Carapiniana fazendo esquina com a Rua Francisco Pinto. Ali tudo se discutia, todos os assuntos, e se planejavam alguns namoros. Este ponto tinha um efeito de reunir os jovens da rua. Era um território neutro para os debates das lideranças radicais ou não. Era também um ponto onde se discutia a vida privada, onde se procurava descobrir segredos da vida alheia, enfim, um ponto estratégico de interação entre jovens e adultos que vinham de outras ruas como a Dom Jerônimo, Joaquim Feijó, Valderi Uchoa, João Gentil e Francisco Pintoformando um elo entre os rapazes dos bairros próximos. Esses encontros, marcados por tantas histórias, funcionava em frente a Bodega do Seu Chiquinho. Era um ponto bem sortido sobre uma alta calçada, implicando na subida  de alguns degraus que serviam de assento, principalmente para aqueles que haviam  bebido alguma coisa e estavam tontos ou ligeiramente ébrios. Gente de todos os níveis ali se reunia. 


José Brasil, um dos fundadores do Clube Nacional, agremiação dos Correios e Telégrafos, estava sempre por ali fungando e tomando rapé. E foi um dos descobridores de  craques do nosso futebol, como Pacoti, um grande artilheiro do Vasco da Gama...
Só havia dispersão dos encontros em dias de muita chuva... Os assuntos principais, além da política, futebol e mexericos, eram música e cinema, os temas preferidos. 
As chanchadas da Atlântida eram imitadas e alguns pretendiam copiar Oscarito e Grande Otelo.
Quanto aos filmes de Hollywood, os épicos religiosos de Cecil B. de Mille com os “Dez
Mandamentos” e “Cleópatra”. Outro diretor consagrado era o mestre do suspense, Alfred
Hitchcock: “O Sexto Sentido” e “Os Pássaros”. Também havia os  interessados em música clássica e gostavam de se destacar pela sua cultura. Adotavam um linguajar excêntrico e enchiam-se de vaidades para falar de Mozart, Strauss, Beethoven, List e Tchaikovski. Alguns cantavam imitando Mario Lanza. Ali aprendi que Lanza foi o maior tenor popular depois do italiano Caruso, consagrado como o maior cantor de ópera de todos os tempos. 


Havia ainda gente fascinada por carros. Discutia-se a qualidade de marcas, mecânica e o efeito da maresia sobre os veículos. Em Fortaleza já existia  a FORMASA, revendedora da linha FORD. A sensação do final da década de 60 foi o Ford Gálaxie 500, belo e imponente. 

Lançamento do Ford Gálaxie 500 - Acervo Guilherme da Costa Gomes

Este exemplar, o primeiro modelo de Gálaxie a chegar a Fortaleza, foi recuperado pela família do empresário Gerardo Matos, proprietário da dita revendedora, e é uma relíquia para exposições. O Gálaxie começou a ser fabricado no Brasil na década de 60, tinha bancos inteiros, ar condicionado e direção hidráulica. 

Naquela esquina cada um se sentia importante, um tipo de dono do mundo... Às vezes os transeuntes, mesmo os mais respeitáveis, não escapavam as sátiras.
Contudo, os frequentadores da esquina tinham o mérito de exaltar as pessoas do bairro. Era o caso do Sr. Moisés Laerte Pinto que eu já mencionei, e que por conta de sua atividade
religiosa kardesista, excluía a ideia de ambição comercial e o Professor Antonio Viana Filho, professor, poeta e poliglota e um dos homens mais cultos que eu já conheci. Este homem não recebeu o reconhecimento do mundo intelectual  e da mídia, pois mereceria assento na Academia Cearense de Letras
Outro assunto  também cogitado era falar de Artes. Havia unanimidade com relação a obra do cearense Antonio Bandeira, celebridade da pintura internacional que quando vinha de Paris visitava sempre a sua irmã Julia, que morava em frente a minha casa. Dizia-se que ele era o único pintor brasileiro a viver do produto de seu trabalho. Além de se comentar da sua finura e paciência no trato. Em 1960 o seu sobrinho Dandão, nosso amigo Francisco Ivan, mais tarde, uma vítima do latrocínio em nossa Capital, hospedou-se com um amigo na casa do tio na Rua República do Peru, em CopacabanaDepois de muitos goles, chegaram ao apartamento do pintor onde encontraram muitas telas armadas destinadas à inauguração de um órgão do governo em Brasília. Bisnagas à mão, desfiguraram toda a obra do pintor. Mesmo assim, Bandeira manteve alojado o sobrinho em atenção à irmã, mas dispensou seu amigo. Podemos desse episódio concluir sobre o caráter generoso do grande Bandeira. Infelizmente ainda não mereceu do povo brasileiro o reconhecimento pelo seu inegável talento artístico, e sequer seu nome foi indicado na relação de Cearense do Século XX pelos nossos próprios conterrâneos...


“Ao longe despontava um minúsculo ponto de luz, que se ampliava lentamente. Antes de atingir a parte curvilínea da via férrea, o possante farol alumiava a rua. Deslizando imponente e mítica, sobre duas paralelas de aço, a Maria Fumaça dividia os bairros do Benfica e Porangabuçu. O barulho cadenciado e sinfônico opunha-se ao silêncio. Um terremoto prazeroso. O apito ecoava. A cortina fumígena deixava o gostoso cheiro da lenha queimada. Foram-se seus tempos gloriosos. Ficaram as saudades. A velha “Maria” não mais viaja pachorrenta pelos trilhos, mas viaja pelos caminhos da alma sobre os
dormentes do coração, das lembranças, talvez mais reais que a própria realidade.”


Quando olho a Avenida de  hoje em que a pacata Rua Carapinima se transformou, vejo o desaparecimento da maioria das casas de então, tudo imposto em nome da modernidade nas obras do inacabado metrô de Fortaleza. Não tive a intenção de produzir um documentário, contudo, reconheço que ele deveria existir com a finalidade de preservação da história urbana da cidade. Gosto de escrever explorando idéias e sentimentos. Nas minhas lembranças tudo é tão claro como se fossem visões, mas sou consciente que só posso chegar até o redescobrimento de valores e belezas da vida, aparentemente perdidos no tempo. Espero que alguém possa escrever sobre a Rua Carapinima, até mesmo um romance nos moldes de Os Meninos da Rua Paulo” do  escritor húngaro Francisco Molnár. Este livro que eu li rapazinho, tomado por empréstimo da Biblioteca Circulante do Colégio Sete de Setembro na Avenida do Imperador, onde também estudei,  é a saga da meninada dos arrabaldes de Budapeste, em 1889, portanto, no final do século XIX. Esses meninos lutaram firmemente por um terreno, mas nas palavras do autor “ganharam a guerra, mas perderam a terra, porque ali devia subir um arranha-céu”. Gosto do registro do cotidiano, parte integrante da história humana. Gosto de preservar as tradições e os valores do passado, independente de que os fatos tenham contornos diversos e um maior  ou menor grau de importância. Retratar o cotidiano é dizer como se comportam os habitantes das cidades. É tratar das múltiplas formas de comunicação humana, dos rumos e linguagens, neste caso, do meu tempo. Identificar a rua é também revê-la, revisitá-la... A identificação da área é somente uma parte da dinâmica de retorno à realidade. Esta dinâmica reforça,  na forma e no conteúdo, a fusão entre o tempo passado e o tempo presente. Ver uma parte da  rua com a morte decretada pelo ritmo da expansão urbana, é verificar a força dos interesses por um sistema de transporte moderno, contudo, não desapareceu o universo em transformação, aparentemente soterrados, pois persevera nos seus habitantes a importância do humanismo bebido nos nossos lares e escolas e presente na formação de cada um de nós. Não desapareceu o denominador comum, o reviver em torno da Igreja dos Remédios e da Universidade que tanto modificaria o bairro do Benfica.


Igreja e Universidade nortearam as aspirações dos bons pais em relação ao futuro dos seus
filhos. Neste momento, a rua parece um monte de areia e pó, mas examinada pelos olhos
nostálgicos da memória dos que ali moraram ficam evidentes os fundamentos que a tornaram um traço de união de muitas famílias, ligadas tanto geográfica como afetivamente. Cheguei à conclusão que não interessam os rumos truncados, desfeitos e desviados da vida dos moradores da Carapinima. Nenhum desses fatos pode anular a importância do acontecido no próprio ato de fazer e refazer continuamente a ação humana, complementando o curso de uma História maior. 
Extinguiram-se as serenatas e  as canções de amor passaram a ser objeto de contratos. Onde foi parar o romantismo? Também se cantava na igreja em homenagem aos noivos e em louvação ao Senhor... Essas atividades não passam, hoje, de mais um meio de vida, de sobrevivência.

O silêncio do  passado...

As pilhérias dirigidas a alguns personagens que por ali passavam não tinham a intenção de ofender. Alguns apelidos dados eram até bem pertinentes e, às vezes, incorporados pelo próprio personagem faziam com que tudo parecesse uma piada. O Ivan, impecável nas suas
vestimentas, recebeu o apelido de Ivan Cabeção e nunca se aborreceu com isso. De fato tinha a cabeça grande...  Claro que em alguns casos as pessoas não aceitavam o apelido. Era o caso do Sr. José Rocha, chamado de Jacaré. Ao vê-lo a turma gritava: “joga o 15 na víspora ou no bingo porque hoje vai dar Jacaré”, e o tempo fechava... De qualquer forma, aquele espaço físico testemunhou relações sociais hoje dispersas, mas mantidas então mesmo com a
influência de padrões culturais diferentes. A esquina era  o próprio show, substituindo o
computador e a influência da TV. Aliás, falando-se em show, alguns tinham uma bela voz e
cantavam no melhor estilo romântico de Pat Boone, canções como April Love, BernardineJambalaya. Interpretava ainda canções de Elvis Presley (It’s Now or Never, Love me Tender), Nat King Cole (Unforgettable, Monalisa), Neil Sedaka (Oh Carol, Bad Girl) e dos Beatles (Twist and Shout, Help). Naquela esquina eram marcados muitos encontros entre os amigos para juntos irem às diversas festas de casamentos, aniversários e batizados. Claro que só iam os convidados. Marcadas pela animação essas festas aconteciam no contexto familiar, em alguns casos com festa dançante na sala da frente, e uma boa música na radiola. Mais fáceis de frequentar, eram as festas de bairros, como as quermesses e as festas juninas. No caso das quermesses, figura obrigatória era o irradiador, o que hoje chamamos locutor. O interessante aí eram os recados que ele dava antes de colocar as mensagens sonoras oferecidas por moças e rapazes. Dependendo da situação amorosa  escolhia-se a música para esse tipo de comunicação. Nelson Gonçalves era quase sempre o cantor escolhido e as músicas preferidas eram: Boneca de Trapo, Fica Comigo Esta Noite e A Volta do Boêmio. Também Altemar Dutra fazia muito sucesso com Que Queres Tu de Mim, Contigo Aprendi e Brigas. Quando a moça ou o rapaz não queria se identificar, usavam-se as iniciais O.X., ou seja, Ontoim Xofer ou então se usava chamar a atenção de alguém das iniciais 13-12-4 – correspondente à quantidade de letras do nome da pessoa para quem a música  era destinada. O alto-falante gritava e aumentava a pretensão de conquistas e, ao mesmo tempo, proporcionava o retorno de amores perdidos e o reatamento dos amores interrompidos.


Em geral eram instalados tanto nos postes como nos galhos de árvores e eram usados não só nas quermesses, mas nos comícios eleitorais. Tentou-se mesmo colocar altofalante nas festas do Sábado de Aleluia quando do animado julgamento do Judas. Dois estudantes de Direito, Expedito e Afonso Nunes de Sena, este mais tarde juiz, exercitavam-se na oratória. Ao julgamento do Judas, seguiam-se festas no bairro, principalmente na casa de
Dona Julia Bandeira e em todas as casas da redondeza havia várias iguarias, como também acontecia nas festas que homenageavam Santo Antonio, São João e São Pedro. Aliás, a Semana Santa era celebrada com rigor. Na Semana Santa as imagens eram cobertas, tal como hoje com tecido roxo. A Páscoa era sacrossanta. Os pais, em sua maioria mandavam os filhos confessar-se na igreja e o jejum e abstinência não podiam ser violados. As rádios tocavam músicas sacras e a visitação ao Horto da Igreja dos Remédios, reproduzia as cenas da Paixão de Cristo. Fazia-se a Via Sacra recordando-se a Paixão de Cristo. Nesta época de pesar não se jogavam peladas na rua e nem havia reuniões na “ágora”. Farra mesmo era o dia de Sábado de Aleluia, quando se queimava o Judas não sem antes se fazer à leitura do seu testamento. A festa do Afonso se realizava num terreno baldio ao lado de sua casa e na leitura do testamento já se sabia que alguns iriam ser atingidos  pela rima popular e iriam figurar no rol dos herdeiros. Mesmo com a vigilância dos pais, sempre se podia provar às escondidas um pouco de vinho ou então um pouco de sangria, que era o vinho com água e açúcar.


Já havia advertências sobre o perigo do uso dos balões, contudo eles não eram rigorosamente proibidos até porque não eram tão modernos como os de hoje. Por força dos ventos, os balões vinham da Gentilândia e passavam pelos céus da Carapinima. Com o céu estrelado era um espetáculo maravilhoso, ainda porque cortar papel  de seda colorido e pedaços de bambu para armar os balões era um acontecimento na vida da meninada, tal qual fazer as bandeirolas para enfeitar os terreiros onde se dançava a quadrilha. Por conta dos ensaios anteriores das quadrilhas, muitas vezes os flertes já se faziam namoros. Em volta da fogueira a festa era armada. Eram montadas com pedaços de madeiras nas coxias da calçada, e nelas eram assados milhos e batatas doces. Também se levava muito a sério a escolha de padrinhos e madrinhas de fogueira e pelo tempo afora os afilhados tomavam a benção aos
padrinhos. De fato era uma beleza ver a rua toda iluminada com fogueiras e com as roupas
típicas e alegres com estampas coloridas. Nessas festas evitava-se o uso de bebidas alcoólicas.
Serviam-se sucos, refrigerantes e aluá de abacaxi, resultado da imersão das cascas num pote
de barro com água pura por cerca de três dias. Depois de coado podia ser adoçado com açúcar
ou rapadura. Em torno da fogueira, cadeiras na calçada, a conversa fluía sem fim... Comia-se
canjica de milho verde, totalmente diferente da servida no Sul do Brasil, o pé-de-moleque tipo de bolo de massa de mandioca com ovos, manteiga, castanha e açúcar preto, ficando com uma cor escura. Daí o seu nome. Às vezes acontecia um pequeno acidente com os fogos de
artifícios mas eram usados foguetes, traques, estrelinhas e os rabos-de-saia, pois não tinham
direção certa e soltavam fagulhas. As músicas que animavam festas e conversas eram por toda a cidade de Fortaleza os baiões, xotes e xaxados inspirados em temas do sertão e quase  sempre cantados por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Com essa história da minha rua e do bairro onde ela se inseria como núcleo polarizador associado às peculiaridades da Fortaleza de então procuro contribuir para a reconstituição dos costumes, linguagens e fatos da época. Tempo em que o retrato da namorada guardado na carteira de notas tinha escrito o tradicional “não me esqueça”. Estou ciente de que muitas coisas não se pode restaurar, mas o meu propósito ao falar da Rua Carapinima é falar dos tempos de uma cidade mais segura e de um tempo compartido e dividido entre a casa e a rua. O interessante é que nessa rua, nesse bairro conviviam pessoas de vários níveis intelectuais. Ali viveram a escritora Marta Brasil, autora de livros didáticos, a Professora de Canto Dona Guilhermina, o Dr. Antonio Ferreira Antero, um dos engenheiros fiscais da obra do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, o famoso farmacêutico José Arthur de Carvalho e Dona Almerinda, fundadora do Colégio Santa Cecília, mais tarde entregue as Damas da Instrução Cristã. Isto sem falar do  meu pai Luiz Aragão, contador, professor e autodidata em botânica, além do famoso filósofo Antonio Viana, o famoso fotógrafo Fernando Leitão e o erudito ecologista Guimarães Duque, um dos maiores estudiosos das xerófilas em todo o mundo. Tinha também o Dr. Carlos Ribeiro, proprietário de grande parte dos terrenos do bairro, avô do atual senador e ex-governador do Ceará, Tasso Jereissati, e que era simples, caridoso e generoso. Era um dos tipos mais querido do bairro, chegando a distribuir frutas de seu sítio com os moradores da rua, havia também a Dona Estelaprofessora que educou muita gente no bairro, irmã de um jornalista, o Sr. Murilo que escrevia para o jornal “O Nordeste”. Não posso esquecer o também jornalista, deputado e presidente do Conselho de Finanças do Município, Antonio de Pádua Campos, que morava num bairro que se confundia com o Benfica, que era a Gentilândia. Bastava atravessar a Avenida Visconde do Cauípe que já estava na Gentilândia. O estudioso de piscicultura Rui Simões de Meneses e sua mulher Mariana, uma grande bióloga. O poeta e professor Antonio Damásio da Cunha e o professor Moreira Campos, da Academia Cearense de Letras e Conferencista na Universidade de Colônia, na Alemanha, sua obra daria um livro. O professor de desenho e trabalhos manuais Jaime Alberto da Silva, pai da folclorista Elzenir Colares. É uma lista inumerável falar de tantas pessoas que tiveram sucesso profissional e moraram naquela rua e naquele bairro.


Paulo Maria de Aragão
(Advogado e professor universitário)

Continua...

Parte I
Crédito: Carapinima: A história de uma rua -Regina Stela Ferreira Moreira 
(Formada em jornalismo pela Faculdade Celso Lisboa (Rio de Janeiro)


NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: