Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Fortaleza antiga - Rivalidade no transporte coletivo na década de 20 (Parte IV)
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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Fortaleza antiga - Rivalidade no transporte coletivo na década de 20 (Parte IV)


4º Round


"Art.1º Fica o Presidente da Província autorizado a conceder à Companhia Carril,  a garantia de juros de 7% ao anno sobre o capital despendido ou que vier a despender na construcção de linhas de carris de ferro nas ruas da capital e da linha férrea para Mecejana, até a somma de tresentos contos de réis.
Art.2º A garantia de juros será por espaço de vinte annos, e começará do dia em que for aberta ao trafego qualquer linha ou secção da linha."

(Lei Provincial nº 1967 de 17 junho de 1882)

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Como vimos, além de todos os benefícios e facilidades, a empresa Ferro Carril do Ceará ainda desfrutou da chamada “garantia de juros” delimitadas na Lei nº 1967 de 1882.
Essa garantia de juros era um resguardo para o capital do empresário que era investido.
À Ferro Carril foi concedido uma garantia de juros de 7%, significando, assim, que, quando a empresa aplicasse seus dividendos na construção, reforma e exploração dos trilhos e, por ventura não obtivesse o lucro de 7% sobre o valor anual do seu capital, os sócios proprietários poderiam procurar o governo, que se responsabilizava por ressarcir a sua diferença. Em outras palavras, o governo adotava uma política de dar aos investidores uma segurança na aplicação do capital investido, que de certa forma seria revertido aos cofres da empresa. Se o prazo de concessão era de 50 anos, e as garantias de juros eram de 20, isso significava que em quase metade dos anos de trabalho da empresa essa não teria despesas no quadro do seu investimento.


Reminiscências... 
A Vassoura: Orgão da limpeza da rua e dos bolços (Ce) - 1898

A relação da companhia de bondes com as autoridades públicas não se limitou ao transporte de passageiros. Em decorrência do precário serviço de circulação de veículos, a Câmara Municipal assinou um convênio com a Ferro Carril, para que esta conduzisse as carnes verdes do matadouro ao mercado público da cidade (Lei Provincial nº 17 de 12 de agosto de 1880)Esta foi mais uma iniciativa que facilitou o trabalho da empresa, assim como aumentou os seus ganhos e, em contrapartida mais uma vez aliviava a prefeitura municipal de Fortaleza de não ficar responsável pela condução dessa mercadoria.
É interessante perceber que a lei exposta, uma lei provincial, aprovou um contrato feito entre a Câmara Municipal com a Ferro Carril. Esse transporte coletivo, mesmo que fosse relativo a Fortaleza, era regularizado e controlado pelo poder público Provincial. Ou seja, para a Câmara Municipal tentar impor ou regularizar alguma medida referente ao serviço de transporte de tração animal, esta precisava da condescendência da Assembleia Legislativa Provincial do Ceará. Essa situação sofreu mudanças em alguns quesitos, quando o Governo Estadual se absteve da responsabilidade de fiscalizar as empresas de bondes e transferiu essa responsabilidade aos órgãos municipais “transferindo à Intendência Municipal de Fortaleza a fiscalização da Companhia Ferro Carril do Ceará”. (Decreto nº 151 de 30 de janeiro de 1891).

Bondes de tração animal. Foto do livro Impressões do Brasil início do séc. XX

As relações entre governo e Ferro Carril, nem sempre foram tão harmoniosas. Isso devido às quebras de compromissos firmados com a empresa desde o contrato inicial de 1875. Dentre os atritos que começaram a ocorrer entre poder público e poder privado estava a não conclusão das obras da linha de carris de Mecejana. Além disso, refletia-se bastante nessa divergência o mau estado em que estavam conservadas as linhas e o material rodante (herança que a futura empresa que iria trabalhar no transporte de bondes, Light, também iria adotar e seria causa de desavenças tanto por parte do poder público, quanto por parte dos usuários). Essas desavenças levariam o poder público a se posicionar de uma maneira mais enérgica em relação à Ferro Carril do Ceará, tanto que o senhor Cezidio d’Albuquerque Martins Pereira, “Director de Secção da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior”propôs uma lei em que o Presidente do Estado ficasse autorizado a rever o contrato celebrado, em 28 de Agosto de 1875, mediante as seguintes bases:


Praso do privilegio «o mesmo das leis e contractos respectivos»;
Reversão para a municipalidade de todas as linhas construidas e materiaes dellas, findo o praso;
Dispensa de prolongar a companhia uma das linhas até Mecejana, ficando, porém obrigado a prolongar a linha da estação até a extrema do municipio da capital;
Faculdade para reduzir a bitola das linhas existentes, augmentando o numero das viagens;
Delimitar a area privilegiada ao perimetro das ruas que existiam edificadas no tempo da primitiva concessão, respeitando-se igualmente as mesmas linhas cujos traçados já estejam approvados.
Lei Estadual nº 116 de 23 de setembro de 1893

Reminiscências... Jornal O Cearense de 1º de novembro de 1879 

De todas as imposições que se materializaram na lei, a que tem grande importância para a construção do nosso trabalho se encontra no art 2º. Conforme esse artigo, o poder público mandava um recado para a empresa Ferro Carril de que ao terminar o prazo de concessão todo o seu material de trilhos seria revertido à municipalidade. Não podemos esquecer que a próxima empresa que comprará as ações da companhia Ferro Carril será a empresa inglesa Light, que herdará todos os privilégios da companhia de bondes à tração animal, entretanto, as imposições serão também herdadas.
Isso pode ser a causa da explicação dos grandes problemas que ocorreu no setor do transporte em relação aos investimentos não realizados pelas empresas concessionárias. Pois qual o sentido de se investir demasiadamente em um setor, se ao final do término do contrato, todo o seu material seria repassado para o governo municipal? Qual o interesse de um investidor privado em proporcionar melhorias na estrutura de seu negócio, cedendo um bom serviço, se ele vai perdê-lo? Isso foi comprovado com o passar dos anos, especialmente quando a Light era a portadora da concessão, que quanto mais o tempo passava e chegava próximo ao final de seu contrato (década de 1940), menos investimentos eram apresentados pela empresa.


Reminiscências - Jornal A República.

Essa prática da entrega dos trilhos para a municipalidade também foi meta geral pretendida pelo Estado em relação às empresas que visavam trabalhar com bondes de veículos de tração elétrica, tanto na capital do Ceará quanto nas regiões adjacentes e em cidades do interior, como foi autorizada às Câmaras Municipais das cidades de Porangaba, Mecejana, Soure, Redenção, Iguatú, Icó e Aracati a conceder privilégios para a instalação de trilhos desde que: “Os privilégios não poderão exceder de 25 annos e serão concedidos sem ônus para os municípios ou indemnização de qualquer espécies, devendo todo o material fixo e rodante reverter para a respectivas câmaras, findos os prazos estipulados”. (Lei Estadual nº 43, de 28 de agosto de 1911).

É importante frisar uma constatação: o sistema de transporte coletivo em Fortaleza não foi criado em um determinado momento ou por um único ato. Ele foi marcado por sucessivas leis e determinações que iam tentando moldar ou agilizar sua construção. O que tanto a empresa Ferro Carril, como depois a Light tiveram foi uma abertura das autoridades públicas que foram determinantes para alavancar a atuação dessas empresas, através de longos prazos de concessão e em ajuda para o caixa das empresas, como exemplo as isenções de impostos à empresa “Ferro Carril do Ceará”. (Lei Estadual n° 663, de 26 de agosto de 1901).


Reminiscências - Jornal O Ceará 14/09/1928.

A Companhia Ferro Carril do Ceará passou às mãos dos empresários ingleses após algumas transações de vendas com grupos locais: o grupo J. Pontes & Cia, cujos sócios eram Thomé Augusto Mota, João Pontes de Medeiros e Solón Costa e Silva, que foi proprietário da empresa entre 1898 e 1905. De 1906 a 1912 a empresa passou ao grupo T.A. Motta & Cia, de propriedade dos sócios Thomé A. da Mota e Solón Costa e Silva. Em 1907, quando a Ferro Carril pertencia ao capitalista Tomé Augusto da Mota, a Secretaria do Estado dos Negócios do Interior concedeu-lhe mais um privilégio, visando dotar a cidade de Fortaleza em pouco tempo de um serviço de transporte mais dinâmico com força motriz elétrica. Perante a Lei nº 916, o poder público estadual autorizava a concessão para estabelecimento, uso e gozo de uma usina geradora de energia elétrica.
O privilégio da empresa Ferro Carril ainda fora ampliado, a partir de uma rodada de negociações, que levou a reformas das condições contratuais. A grande vitória da empresa foi conseguir prorrogar por trinta e cinco anos o prazo do seu privilégio na distribuição do transporte coletivo. Mas para ser merecedora dessa prorrogação, a empresa de bondes deveria substituir a tração animal pela elétrica (Lei Estadual n° 1008, de 19 de agosto de 1910)
Tal imposição acarretou a venda da Ferro Carril para empresários ingleses que tinham condições de efetivar o oneroso serviço de implantação da eletricidade em Fortaleza. Isso ocorreu quatro meses depois com a venda da Ferro Carril para City Improvements Co Ltda que, em pouco tempo, construiria a Ceará Light, em 1912, para operar o serviço de transporte coletivo servido por bondes de tração elétrica.


Posto Central da Ferro Carril, na praça do Ferreira, logo após sua transferência para a Light
(1912). – Acervo Cepimar

Nessa imagem, encontramos o ponto central onde os bondes da empresa Ferro Carril do Ceará tinham seu ponto de partida, sempre saindo do coração da cidade. Quando esta passa para a empresa inglesa, o posto central ainda continua na Praça do Ferreira. É importante salientar que a Light, com a compra dos aditivos da Ferro Carril, passou a cumprir com as demandas dos contratos que pertenciam à empresa de bondes de tração animal. Neste sentido, a empresa britânica tanto recebia os privilégios oriundos de contratos anteriores, quanto estava submetida a todo um “jogo” de regras e cumprimento de determinadas imposições por autoridades fiscalizadoras da cidade. Dentre outros aspectos, a Light estava se enquadrando no serviço de transporte sob a suprema inspeção do Secretário da Justiça e Segurança Pública, vinculada a uma Inspetoria de Veículos em que o Delegado de Polícia estava encarregado da matrícula e da fiscalização dos veículos.

Crédito: MANOEL PAULINO SECUNDINO NETO ( “Light 'versus' Ribeiro &Pedreira”)

Veja também:
Parte I
Parte II
Parte III

Recortes de jornais: Biblioteca Nacional/Digital Brasil

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