Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Cemitério São João Batista
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



Mostrando postagens com marcador Cemitério São João Batista. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cemitério São João Batista. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Muriçoca - Figura lendária do Theatro José de Alencar



José Cassiano da Silva, figura lendária e popular do Theatro José de Alencar, por muito tempo o mais antigo funcionário do teatro. Contra-regra, depois porteiro, cativava todo mundo com seu jeito simples, espontâneo e despojado.

Em plena forma e muita alegria de viver, José Cassiano da Silva - mais conhecido como Muriçoca - é o porteiro oficial do Theatro José de Alencar há mais de 37 anos. De origem humilde, já exerceu diversas atividades: lidou com a terra no sertão e foi até sapateiro. Hoje, além de trabalhar no TJA, continua fazendo também a cobrança para a Associação dos Merceeiros, cargo que já exercia na época em que conheceu a trupe do teatro dos gráficos, da qual pertenciam o diretor Domingos Gusmão e sua esposa, a atriz Estelita que lhe deu o apelido de Muriçoca. Quanto à terceira idade, Muriçoca não costuma sequer pensar no assunto. Ele se considera uma pessoa muito feliz. ''A gente é que procura ser feliz. Tem muita gente por aí que fica com raiva facilmente, parece que não gosta da vida. Só espero coisa boa na terceira idade porque coisa ruim ficou para trás''

OPovo

Pouca gente sabe, mas a primeira vez que Muriçoca adentrou pelo portão principal do Theatro José de Alencar não foi para trabalhar na portaria. O episódio aconteceu 30 anos antes. Na época, Muriçoca era apenas José Cassiano, um jovem soldado voluntário disposto a lutar na revoluçao de 1932, em São Paulo: "0 teatro se transformou num quartel improvisado, muita gente compareceu e a viagem acabou não acontecendo". Em pouco tempo a frustração deu lugar ao encantamento. Natural do Crato, ele considera o Centro o bairro mais simpático de Fortaleza. O momento mais emocionante de sua vida foi no TJA. Durante a Semana Santa de 1937, ele assistiu a apresentação da peça sacra "0 Gólgota". Durante a cena de luta, a lança perfurou o peito de Jesus. E enquanto o sangue jorrava em cima do palco, Muriçoca chorava na platéia, mesmo sabendo que tudo não passava de encenação. "Vixe Maria, furaram o nosso Senhor!", recordou o porteiro. O apelido Muriçoca surgiu quando ele ainda era contra-regra do TJA e aparecia a todo instante em um lugar diferente: "Esse rapaz é que nem Muriçoca aparece em todo canto...", gritou uma diretora durante os ensaios. Pegou!

Colocarei agora trechos da entrevista dada por Muriçoca - Concedida a Francisco Salvino Lôbo. Essa entrevista está dividida em 9 fitas e pertece ao Museu da Imagem e do Som:

Casa do entrevistado - Rua Adanías de Lima, 348 - Morro do Ouro (Fort. Ce)

Salvino – A gente vai começar pela infância do senhor lá no Crato. Onde o senhor nasceu? O nome dos pais?

Muriçoca – Eu sou filho de pessoas pobres, meus pais, tá ai nesse comércio e eles ficaram órfãos de pai e mãe e foram criados nas casas dos outros, então meu pai é filho de Porteira de Fora e a minha mãe é filha do município de Crato, do Riacho Seco, no sítio do pessoal, aqueles Teles, Fidelmon Teles, Pinheiro, aquele general Raimundo Pinheiro Teles. Você ouviu falar dele? Pois eu nasci naquele canavial. Foi passando-se o tempo e tal, a gente trabalhando na roça. Comecei a trabalhar com cinco ano de idade, em 1919. Em 1919, meu pai plantou um arroz, em um cerco e mandou que eu fosse botar sentido os passarinho e ao mesmo tempo ele disse: José você vai tirar o feixe de capim pro animal. Que lá tem um bananeiral, tinha muito capim de planta, a gente chama de pinga. Ai fui tirar o capim, negócio de 3:00 hora da tarde, 4:00 hora, fui tirar o capim. Quando desci o riacho, quando eu cheguei com o capim em cima, subi, tem aquela subida, batente, ai coloquei o capim em cima, tinha na cabeça, tinha ali assim uma distancia de uns dez metros, a nuvem de passarinho levantou. Vixe Maria! Agora sim. Mas sabe o que foi que eu fiz? Peguei o arroz, ele tava virado as avessa, eu fui cobrindo a casca do arroz. Cobri todinha. Tudo bem. Cinco, seis horas, os passarinho foram dormir, eu fui pra casa. O velho tinha ido pra rua, vender uma carga de venda, na cidade, em Crato. Quando vem a chuva, o arroz nasceu, mas onde o passarinho comeu num nasceu um pé. O velho foi olhar, chegou em casa, o véi era daqueles ignorante, era novo, eu chamo véi, mas era rapaz novo, era homem novo, em 1919, eu tava com cinco ano de idade. Quando me pegou pelo braço, meteu a peia, ai eu pulando, parecia um macaco, o mijo correndo. Ai minha mãe saiu de dentro, disse: o que é isso, Cassiano? Quer matar o menino, o que o menino fez? Esse cabrito sem vergonha deixou o passarinho comer o arroz todo. Ai se agarraram. Até que ele deixou, me soltou. Ela foi cuidar das minhas costa com água de sal. Chicote era de relho cru. Fiquei todo encalombado.
Num precisa se afobar desse jeito, dá no menino, tá todo arrebentado. Passou. Ele continuou pastorar o arroz, ai foi trabalhando e veio o inverno. Ai fumo trabalhando na roça, plantando cana, chegou a época do mês de abril, ai fumo pra plantação de cana. Eu tenho uma irmã, então tavam trabalhando plantando cana e tinha a minha irmã, que a gente saia de lá ia compra uma cachaça na Baixa, um sítio que tinha lá detrás da Baixa, comprava aquele tonel de cachaça, duas, três, pra vender naquelas festazinha, na beira de estrada, minha mãe fazia sempre um bolo de mandioca, de milho.

MURIÇOCA E O ALISTAMENTO MILITAR

Muriçoca- Aí eu me alistei quando cheguei, ele...

Salvino- Aí o rapaz do alistamento perguntou né, a idade.

Muriçoca- Três de setembro de 1913, ai me alistou, na hora que terminou, me deu três mil reis naquela época, eu fiquei todo cheio de vida, já sabia que os outros tavam recebendo, e eu naquele dia num recebi, porque se eu tivesse me alistado no outro dia, tinha sido mais três mil reis a mais, naquele dia eu perdi os três mil reis, aí fui pra casa, quando cheguei em casa a mãe ficou alegre, e chorando porque eu tinha me alistado pra ir pra guerra. Eu digo: não mãe, ninguém vai morrer não, se morrer ninguém nasce pra semente. Aí dei o dinheiro logo a ela, pra ela compra alguma coisa, um feijão, todo dia a gente tinha dinheiro, recebia os três mil reis, aí saía, comprava cigarro, quando, passou uns seis a sete dias, pra gente embarcar, aí eles deram a gente, eu tenho falado tanto, mas as vezes me esqueço do total x, parece que uns nove mil réis, é um negócio assim viu, eu sei que eu deixei uma parte de dinheiro em casa, e fui com outra, agora eu vim com o mesmo dinheiro, aí quando eu sai ela disse, meu pai, minha mãe: num precisa levar mais? Não, precisa não, nós temo. Aí viemo, ai vai chegar coisa boa, quando o trem desembarcou foi aquele choro, aquele pessoal chorando, que a gente ia tudo pra guerra, a família da gente e os conhecido, cidade pequena né, que naquele a chegada do trem e saída era assim, ninguém perdia uma saída do trem, e a chegada, era muito difícil, perder, só se não pudesse deixar aquilo ali, mas você ia assistir a chegada e a saída, e aí fui embora, apitando aquela maria fumaça, quando chega num certo ponto, o trem saía as duas e vinte da tarde, nessa hora mais ou menos mais tarde o pessoal: a galinha, coisa e tal, a galinha muito boa e tal. Então uns comprava, pagava, outros num queria, um camarada, colega meu Xavier e Zé Ferreira, aí Zé Ferreira mais danado: deixa ver. A primeira partida, a segunda, quando foi a da terceira ele disse assim: deixa ver ai menino. Ai: deixa eu ver o dinheiro logo. Tá aqui o dinheiro rapaz. Ficou puxando assim o (?), aí entregou o prato, quando entregou o prato: Ei, me dê o meu dinheiro. Ele botou a comida no chapéu, jogou o prato de ágata: Nós vamo pra São Paulo defender vocês. Não, mas meu dinheirinho o que vou fazer, o que é que vou dizer a mulher? As vezes tinha aquelas pessoa de melhor situação, fazia aquelas comida, pra botar aquelas menino, aquelas mocinhas, pra ir vender, ganhar um tostãosinho, dois, aquele negócio, e o desgraçado vem desse jeito ainda faz isso né, aí eu vi o outro fazer: vou fazer também, aí meti o pau, comecei a fazer, ai foi o resto da tarde, o outro dia quando amanheceu o dia, de nove horas pra dez horas, começavam a vender aquelas galinha, (?) até aqui pelo, no Otávio Bonfim, a gente fazia assim, fiz muito isso, acho que tou pagando certas coisa... ai quando chegamos aqui, descemo aí na estação e tocamo ali, eu num sei, eu tou achando, eu sei que tinha umas planta ali, eu tou achando eles tão fraco assim, de 1932, já tá plantado, 32 pra 98 é uma porção de ano né.

O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Salvino – Os campos de concentração. Aí depois disso o inverno melhorou, como foi a família, a partir daí? (...) Sabe o que eu queria perguntar o senhor? Por mais que a gente é menino, a gente brinca de muita coisinha, a gente brinca até com sabugo que a gente acha. Qual era os seus brinquedos, quando era menino?

Muriçoca- Eu vejo esses menino, tudinho diz: ai que todo mundo, dia de pai, é dia da mãe, e dia de tudo e natal (...) Bom, você agora me tocou num assunto, que fez eu me lembrar das muitas coisas, que eu vejo todo menino hoje quando é natal, dia de festa, dia de ano, todo mundo quer carrinho, quer uma coisa e quer outra. Naquela época, os menino, a gente brincava muito era com aqueles ossos, os corredor de boi, naquele tempo o pessoal matava aquele boi, batia aqui no corredor e num cortava nem nada, soltava ai, batia aquela graxa, aquela gordura como chama o caboco mesmo, e acabar salgava lá e o cachorro iam roer, então a gente fazia, brincava daqueles touros, aqueles grande, era os touro, as mais magra, era as vaca, tinha os bezerrinhos, era a brincadeira daquele tempo, então tinha também aqueles (?), tinha aqueles mucunã, tinha aquelas (?), a gente tirava, fazia era o boi a vaca, jatobá, só dessas coisa né, era os brinquedo daquele tempo e as meninas era sabugo de milho, fazia aqueles negócio, era aquelas bonequinha, aquelas coisas, os pobres que num podia comprar nada né, os rico ainda comprava, tinha aquelas bonequinhas de louça, que os ricos comprava, hoje é tudo, rapaz, é bicicleta, é revolver, é metralhadora, é tudo, aquele negócio, essa rua aqui hoje, rapaz, é cheio de bicicleta, de motocicleta e o pessoal diz que o tempo tá ruim, por isso que eu fico com raiva, eu fico revoltado com isso. Tempo ruim, eu mesmo cheguei nessa rua aqui, dia 8 de março de 1938, eu entrei nessa rua, quem era que via, tinha um camarada que fazia uns tamborete ali na rua da Saudade, uma oficina que fazia aqueles tamboretes redondo, aquelas tábuas comprada no mercado, pra vender no mercado, aquelas mesinhas quadradas, ou então redonda, com aqueles tamborete pra vender, os tamborete era as mobília, hoje o sujeito é sofá de todo jeito, coisa e tal, quando o bicho tá furado nem manda mais consertar, joga é no mato, toca fogo e eu fico olhando isso, ainda diz que o tempo é ruim, nessa época agora é a época que o povo mais como galinha, que é era difícil sujeito comer galinha, apesar de num ser galinha de granja, mas nessa temporada que eu entrei aqui, tinha o pessoal que viajava de trem, comprava aquelas galinha no interior, galinha caipira mesmo, a caipira que passou pra capital, chama galinha pé duro, então, tinha um senhor ali por nome Fernando, que era um bagageiro e o Cangulo também, que era guarda-freio, (?) maquinista, aqui morava muita gente (?) tinha pressa, tinha só que pular o muro, tava dentro do serviço, então, eles trazia as coisa, as coisa de casa, chegava, num passava nem ali no portão, era só jogando no portão e o pessoal pegando, (?) maquinista, (?), só aquele pessoal, eu trabalhando de sapateiro aqui, na trezentos e vinte e oito ali, isso na época de quarenta, 4 de outubro de 1940, mudei pra essa terra em 28.

Salvino – O que eram os magarefes?

Muriçoca – É o pessoal que corta carne, os açougueiros; pessoal que trabalha em carne, açougue, são os magarefe.

Salvino – O senhor falou da legião, que legião era essa?

Muriçoca – A Legião Cearense de Trabalho, foi uma organização que houve naquela época que o comandante diretor era o Tenente Severino Sombra, e tinha aqueles dois movimento, era a Ação Integralista Brasileira e a Legião Cearense do Trabalho.

Salvino – Elas eram ligadas uma a outra?

Muriçoca – Não. Eram inimiga, eram contra. O integralismo, era parte do Hitler da Alemanha e eu como solteiro, esse padre Antônio Gomes, que eu falei, eu ia trabalhar de manhã todo bonito, e ele me convidava pra eu deixar de ser legionário pra ingressar na Ação Integralista Brasileira, que um rapaz novo, forte, ia estudar no ginásio e mais tarde eu me tornaria um oficial do exercito brasileiro e era outro homem, ai eu respondia: “padre Antônio, não, eu quero ficar mesmo como Legião Cearense do Trabalho, sou operário pobre.”

Salvino- Você tava se mudando pra casa do cunhado.

Muriçoca- Mudamo pra lá quando surgiu na época os entegralistas.

Salvino- O senhor da padaria e o ministro era entegralista também ou não?

Muriçoca- Se era eu num sabia não, num tinha conhecimento não, nunca ouvi nem falar esse negócio de política. Tinha um amigo meu, era rapazote, trabalhando em olaria, carregando tijolo, essas coisa de jumento e tal, o Edmundo, ele foi também aprender arte de sapateiro etc. depois veio pra cá pra Fortaleza, sentou praça na polícia, e quando surgiu o movimento dos entegralista, aquela revolução, Plínio Salgado, aquele movimento todinho e os comunistas...

Muriçoca- Aí ela se atuou, pegou lá um mestre e fizeram aquela prece em mim e rezaram. Nessa noite eu já fui dormir. Ela mandou fazer um caldo pra mim, passei o dia melhor, fui melhorando e fiquei continuando. No outro dia ela veio em casa, depois eu já fiquei indo na casa dela. Ela morava pertinho, tem a saída ali, quando chegar onde tem aquela subida que você entra pra lá, tem uma rua, que hoje tá tudo modificado mas era uma casinha beira-e-bica, calçada alta, ela morava ali: “o senhor vai lá pra casa, pode ir?” Eu digo: “vou.” Aí eu sai me arrastando. Nesse tempo eu trabalhava de sapateiro, tinha uma calça de mescla cortada, suja de tinta, cola, grude e tudo, de limpar as mão. Ela disse: “você vai onze hora, que é o tempo que o João vem da estação.” O marido dela era carreteiro e trabalhava na estação, pegava aqueles volume, que tinha um trem chegando de Baturité, disse: “João tá aqui pra prestar atenção na casa.” Era uma parada, ninguém podia fazer esse negócio não, que a polícia batia em cima. Eu fui pra lá, e coincidiu que nesse dia, era um dia 7 de setembro, (...) ela tinha vindo da parada, eu tava sentado na calçada alta, casa dela é calçada alta, com as perna dependurada, ela com um pano amarrado na cabeça, quando foi me avistando: “vixe Maria, que é isso!” Logo na minha porta. Ela era uma preta velha, num era dessas dos cabelo muito enrolado, mas também num era muito solto não, era dos cabelo meio duro. Aí eu disse: “é dona Amélia, eu tou aqui, mas se a senhora acha que num tá dando certo, eu vou-me embora.” Ela disse: “não, pode ficar, eu num tou dizendo isso com o senhor não, seu Zé Cassiano, ave Maria, num se incomode com isso não.”

Muriçoca - Ator

Salvino- Nessa peça qual foi seu papel? Quando você entrou em cena?

Muriçoca- Eu num tô lembrado qual foi a peça, eu sei que eu fiz um detetive, parece que foi essa que ele botou “Muriçoca em Cena” fazendo detetive, mas num tô lembrado qual foi a peça, essa eu num decorei. Aí lá vem o convite pra gente..., quer dizer, já fizemo Maranhão, aí esse convite já foi em Recife, aí num fumo mais em Recife porque pouco tempo foi debandado, todo mundo preso. Aí ficamo no Theatro José de Alencar fazendo umas peçazinha e tal. Aí foi o tempo que o Gusmão adoeceu, ele era diabético, num se tratava e bebia, comia a toa, morreu magrinho, Domingos Gusmão de Mendes, um grande escritor, escrevia bem no Jornal Diário do Povo. Eu tinha uns jornais desse aí mas eu perdi muita coisa. Quando eu entrei no Theatro eu comecei a juntar aquelas papeletas, aqueles reclame, aquelas propaganda, e quando seu Afonso se aposentou ele disse: “Tá aqui Muriçoca, você gosta dessas coisas e eu vou me aposentar, num vou precisar mais disso, tu guarda, fica pra ti essa lembrança, tu gosta disso.” Aí guardei o que eu vinha juntado e o que o seu Afonso me deu, coisa antiga, aquelas peças antigas que veio do Procópio Ferreira, vários artistas, cantores, Vicente Celestino, eu guardei lá.

Os pais

Muriçoca- (…) Eles foram criados órfãos de pai e mãe, que eu já contei, mas numa fazenda da família Teles, o sítio por nome de Riacho Seco no município do Crato. Lá eles cresceram e foram indo, se namoraram. Tinha uma velha por nome Genoveva, na casa, assim eles me contaram depois, era a governanta da casa, era toda a confiança da família, a casa era numa fazenda, num sítio e ela tomava de conta de todo mundo. Então ela notou que eles estavam se namorando, aí perguntou a meu pai e a minha mãe, aí ele disse: “é, eu estou, quero me casar com ela.” “Pois é, então, vou dizer seu Odorico e a dona Mandú.” Que era os donos da casa. “Tá certo.” Aí ela contou a história a eles, eles disseram: “tá tudo bem.” Ai, tava na época da moagem, quando terminou a moagem, que acabou aquele serviço, aí ele foi, pediu pra vir ganhar um dinheirozim, porque lá, naqueles tempos, naqueles anos passados, quando terminava aquele serviço, eles saíam no interior, ali por Ingazeira, Aurora, Missão Velha, Cedro, trabalhando naquele roçado, quebrando milho, apanhando algodão. Então foi e saiu, trabalhando aqui, acolá, até que veio chegando, chegando... Agora, num me recordo bem se nessa época o trem... parece que só vinha até Baturité ou era Senador Pompeu, mas parece que era até Baturité, é tanto que o nome da estrada de ferro antiga é estrada de ferro Baturité, hoje passaram pra Reviação Cearense, depois passou pra Refesa e CBPU (SIC).

Encontro com Daniel Filho (Ator e diretor)

Muriçoca - Daniel Filho, era o diretor do filme, que eu me orgulho muito de ter tido lá um personagem num filme dirigido por Daniel Filho, ele gostava muito do Theatro, quando chegou lá tava a Iramiza Serra, aí ele perguntou: “quem é aquele rapaz acolá?” Ela disse: “é o Muriçoca.” Ele disse: “eu queria falar com ele.” Ela disse: “Muriçoca, o Daniel tá lhe chamando!” Naquela época ela era diretora do Theatro. Ai ele disse: “rapaz, é possível você trabalhar com a gente num filme?”

Memórias do campo de concentração

"Alguns desses guardas eram, inclusive, ex-concentrados, que devido ao “bom comportamento” ou outro motivo que desconheço, conseguia esta promoção. Meu tio, o seu Muriçoca, o qual acho que você conheceu, pois era muito popular em Fortaleza, por ser o porteiro do Teatro José de Alencar; foi guarda do Campo de Concentração do Crato. Esperto como era, além de ter um carisma inconfundível, titio com sua magreza aguda conseguiu driblar as autoridades. Fugindo da seca, ele se alistou para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Ao retornar para o Ceará, mais especificamente para o Crato, ele tratou logo de vestir sua elegante farda. Impressionado a todos, pois um homem fardado naquela época passava a idéia de respeito e autoridade. E, assim, conseguiu ser guarda em vez de concentrado. Que saudades dele! Que Nosso Senhor Jesus Cristo cuide bem de titio Muriçoca!"

(Personagem fictício criado para narrar à história real dos Campos de Concentração, tendo como base o livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”, da professora do Departamento de História da UFC, Kênia Sousa Rios.)


Jornal OPovo - 22 de Dezembro de 2003

Morre funcionário mais antigo do TJA

O tradicional porteiro do Theatro José de Alencar, José Cassiano da Silva, mais conhecido como Muriçoca, faleceu na madrugada de ontem vítima de uma infecção

Uma despedida simples, calorosa, emocionante. Assim como foi o homenageado, José Cassiano da Silva, 90, o seu Muriçoca, figura tradicional do Theatro José de Alencar (TJA) e o mais antigo funcionário. Ele faleceu na madrugada de domingo, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção. O corpo foi velado na sede da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), no Meireles, no início da tarde de ontem, com a presença de parentes, amigos, funcionários do TJA, artistas e políticos. Mas o acolhimento não podia deixar de ser no próprio Theatro, onde ele foi funcionário por quase quatro décadas.

Ao som do saxofonista Elismário, que interpretava composições de Vila-Lobos, gente amiga pôde prestar a homenagem, com a presença da diretora do TJA, Eliza Gunther. Gente que não era tão próxima de Muriçoca também compareceu. Com a instalação de uma feira de ambulantes na porta do Theatro, além da reforma da Praça José de Alencar, o movimento foi intenso.

Para o diretor de Theatro, Haroldo Serra, Muriçoca vai chegar ao céu com a intensão de fazer um acordo com São Pedro, que fica na portaria e recebe quem está chegando. O posto deve ser dividido agora com o novato, educado e vestido com um paletó. ''Meu pai era uma pessoa muito boa, muito querida. Fez muitas amizades na vida'', constata o único filho, Valdizar da Silva, 67.

O corpo de Muriçoca foi enterrado no fim da tarde de ontem em um túmulo da família. O cemitério São João Batista, localizado no Centro, fica em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, Dona Lindu, 88 anos. ''Não deixei minha mãe ir até o Theatro, era emoção demais'', conta Valdizar. Ele acrescenta que o pai vinha sentindo problemas no estômago há algum tempo, além de complicações em uma cirurgia que fez na próstata. O quadro de saúde foi se agravando e levou a uma infecção. Ele tinha duas netas.

''Não tenho palavras para homenagear meu irmão, o melhor irmão do mundo. Se pudesse sair gritando, diria bem alto: muito obrigada'', disse a irmã caçula de Muriçoca, Francisquinha Cassiano. Além dela, são mais quatro irmão vivos. Para o deputado estadual Chico Lopes, presente ao enterro, a cultura cearense perdeu um ativista popular. ''Muriçoca estava lá, nos carnavais da Praça do Ferreira, Guilherme Rocha... O Theatro José de Alencar perde uma figura. Mas a vida tem dessas coisas'', considerou o deputado.

''Era uma figura ímpar. A frase que ele mais gostava era 'seja bem vindo e sinta-se em casa'. Tinha amizades boas no meio artístico, junto a comunidade, entre os políticos. Tinha um quê de alma boa, apesar de ser humano e também ter defeitos. Não reclamava da vida mesmo doente e continuava trabalhando. Continua uma lenda, uma história, a partir do nome dele'', declarou o diretor teatral e ex-administrador do TJA, Fernando Piancó. Na despedida do Theatro, muitos aplausos para o eterno porteiro Muriçoca.


Portal da História do Ceará:

2003 - dezembro - 21 - Morre na madrugada, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção, aos 90 anos de idade, José Cassiano da Silva (Muriçoca), figura popular, elegante, usando gravata borboleta, um dos mais conhecidos e queridos personagens que passaram pelo Teatro José de Alencar - TJA.
Recebeu o apelido após comentário sobre o inseto em 1961.
Em 1932, quando se alistou para servir nas Forças Provisórias, durante a Revolução de 30, veio do Crato para Fortaleza e teve o teatro como primeira casa na Capital, que funcionava como quartel na época.
Foi cobrador da Sociedade dos Merceeiros; em 1965 ele passou a atuar no TJA, como contra-regra, por influência do diretor de teatro Domingo Gusmão de Lima.
Em 1973 foi nomeado funcionário do teatro.
Depois deixou de ser contra-regra e passou a recepcionista de espectadores e visitantes.
Seu corpo foi velado no Palácio da Abolição.
Seu cortejo passou pelo Teatro José de Alencar, onde houve uma homenagem e de lá seu corpo seguiu para o Cemitério São João Batista, localizado no Centro, em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, onde foi sepultado no final da tarde.



Créditos: OPovo, Ceará Cultural, Portal da História do Ceará, MIS e pesquisas na internet

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O bonde (IV) - Soares Moreno


Bonde elétrico Soares Moreno nº 73. Arquivo Luis Antonio Alencar

Assim, a cidade de Fortaleza, por estar dividida em quadrantes, a zona oeste era servida por três linhas de bonde - Jacareacang
a, Via Férrea, por assim dizer, e a linha Soares Moreno, da qual nos ocuparemos agora.

Na retangularidade de um quadrilátero a linha do bonde Soares Moreno - saía da Praça do Ferreira, ponto de convergência de quase todas as linhas, e tomava rumo pela Guilherme Rocha até a rua Tereza Cristina, dobrando à direita e, nesse percurso atingia a esquina da Rua Senador Castro e Silva, onde dobrava à esquerda para estacionar de frente ao Cemitério São João Batista - também conhecido como aprazível “chácara do Sr. Cândido Maia” - decantado nos versos da poetisa Letícia Câmara - tia de D. Hélder Câmara, irmã do dramaturgo teatrólogo Dr. Carlos Câmara. Mas voltando à vaca fria, para ligeira e jocosa explicação sobre a denominação dada ao cemitério. Prendia-se ao fato do Sr. Cândido Maia ser à época o administrador do Cemitério São João Batista, após a mudança do local que deu origem ao segundo. Pois o Cemitério São Casimiro, como anteriormente era conhecido, situava-se ao lado da Estação Central onde hoje se localizam várias dependências da RFFSA (antiga R.V.C.).

Com valiosa informação de um dos maiores conhecedores da história do Ceará, pela vivência no tempo e possuidor de prodigiosa memória - dizia meu inesquecível avô, padrinho e benfeitor - Prof. Dias da Rocha... que na década de 1870 a epidemia que assolou nossa cidade tomou proporções tão agigantadas, que o Cemitério São Casimiro ficou impossibilitado de proceder como fazia antes o sepultamento, diante do grande número de pessoas estrangeiras que aqui chegavam e eram acometidas da peste, razão pela qual abriu-se vala comum para sepultar os vitimados pela peste bubônica.

Dessa forma deu-se início ao Cemitério São João Batista - 1880, sob administração do Sr. Cândido Maia, que durou por muitos anos, passando mais tarde a administração ao construtor licenciado - Marcelo Galvão, o qual permaneceu por longos anos administrando o “Campo-Santo”, como era também conhecido. E como estamos a alguns passos das covas de entes queridos, vale agora lembrar o escrito na lápide do grande poeta Quintino Cunha, onde se lê:

“Diz a Sagrada Escritura,
Que Deus tirou o mundo do nada
E eu nada levei do mundo”

Dizem ainda que os boêmios prosistas aproveitavam o prateado “luar de agosto” e, com seus violões, prostrados à frente da “última morada” entoavam canções, evocando o passado e a lembrança dos entes queridos que dormiam o sono eterno no campo-santo. Também não poderia faltar quem na incredulidade cantarolava:

“incarquei, incarquei a cova dela
uma voz, uma voz lá do alto arrespondeu
Arritira arritira o pé de riba
Deixe o amor, deixe o amor que já foi teu”.

E por aí vão os cantores e trovadores que exprimem seu bem-querer e sua amizade por diversas formas - assim as louvações se repetiam na campa dos que se foram chamados pela morte (parca).
O nosso passageiro ilustre do bonde Soares Moreno é o abolicionista e intérprete comercial Alfredo da Rocha Salgado, morador da grande vivenda “Itapuca Vila”, cujo imóvel num estilo primoroso da arquitetura se sobressaía das demais casas e bangalôs da época. Ocupava quase uma quadra das ruas Guilherme Rocha - frente, Princesa Isabel - lado nascente, Tereza Cristina - lado poente e a poucos metros da rua Liberato Barroso.

Um pouco de sua biografia diz-nos que:

Alfredo da Rocha Salgado nasceu no dia 01.09.1855 e faleceu em 13.04.1947. Intérprete comercial nas línguas inglesa, francesa e alemã; funcionário da Casa Inglesa constituída por sociedade anônima sob o título - Casa Salgado S.A., de grande atuação na economia cearense, sendo a primeira a montar prensa hidráulica para o enfardamento do algodão no nosso Estado.

Entusiasta das causas nobres, foi abolicionista de primeira linha, dos de frente sem receio. Um dos fundadores da afamada sociedade mercantil “Perseverança e Porvir”, em 1879, sob cuja inspiração veio a formar-se a “Cearense Libertadora”, que agitaria e levaria até o final a luta vitoriosa da emancipação dos escravos na Terra da Luz. (Famílias de Fortaleza - Dr. Raimundo Girão, 373/375).

Apesar de ser bom cavaleiro e do animal muito se utilizar como transporte, entretanto na frente de sua chácara, os bondes obrigatoriamente faziam parada, que mais por privilégio atendia quem morava na Vila Ipu e adjacências.
O bonde Soares Moreno era utilizado essencialmente por pessoas que moravam nas ruas centrais até as ruas Pe. Mororó e Agapito dos Santos, bem como os assíduos frequentadores do Cemitério São João Batista, que diariamente visitavam os seus entes queridos como se cumprissem uma verdadeira obrigação de comparecer ao local do sepultamento como se vivo estivesse, ou não tivesse se conformado com a partida do ente querido para o mundo maior.

Assim, o dia de Finados, dia de prestar homenagem aos mortos, levando coroas, flores e velas, tornava grande o movimento na linha de bonde que se encarregava de transportar pessoas de outros pontos da cidade, à Cidade dos pés juntos”, como diz a gíria cearense.

Afinal, em 09 de novembro de 1913, com a presença do intendente municipal Guilherme César da Rocha, marcada pela alegria do povo, ocorre a festividade inaugural do tráfego de bondes elétricos na linha da Estação (Joaquim Távora), no dia 12 de janeiro de 1914, é inaugurada a linha entre a travessa Morada Nova e a Praia de Iracema, denominada Linha da Praia. No mês seguinte, a 14 de fevereiro de 1914, começava a funcionar a linha do Outeiro (Santos Dumont/Aldeota).

Cada passagem custava $100,00 (cem réis).

No livro “História da Energia no Ceará”, de Ary Bezerra Leite, afirma que “Promoção em favor dos estudantes, lançada em 1917, assegurava aos alunos menores de 14 anos das escolas ‘bem conhecidas’, abatimento de 50% das passagens mediante solicitação mensal da direção dessas escolas, constante de emissão de cadernetas de 52 bilhetes nominais e intransferíveis para uso durante o mês especificado e no período entre 6 (seis) horas da manhã e 6h30min (seis horas e trinta minutos) da tarde.” Existiam também “passes” que asseguravam gratuidade a seus titulares nas viagens de bondes, concedida aos empregados da empresa e a outras pessoas, por livre determinação da gerência.
Outro aspecto merecedor de realce refere-se ao fato de a Ceará Tramway Light procurar “desfazer-se do patrimônio insersível da antiga Ferro-Carril”. Por contrato de 31 de janeiro, assumiu a responsabilidade pela conservação e trato de 200 (duzentos) muares o Sr. Francisco Correia, a quem se conferia o direito de “preferencial de compra”.
Mais adiante acrescenta o professor Ary Bezerra Leite em “Os Bondes Elétricos The Ceará Tramway Light and Power Company LTDA”. - Os bondes a burro foram vendidos para empresa Teixeira Mendes, de São Luís, Maranhão, contando que, na chegada, alguns veículos foram jogados ao mar pelos catreiros que protestavam indignados pela compra de verdadeira sucata.
A Ceará Light - pelo que se sabe, fazia algumas concessões aos passageiros concedendo “passes” e outras benesses aos estudantes nos seus bondes; entretanto, tinha uma passageira honorária que nunca pagou passagem nem tão pouco lhe cobravam. Era por assim considerar “a passageira liberada de ônus” - “remida ex-causa” (liberada de ônus) ou “auctoritate propria” (por autoridade própria). Subia no bonde - de repente todos cediam lugar para sentar, não agradecia nem pedia lugar, tudo lhe era ofertado com o máximo respeito e maior cautela para não suscetibilizá-la no menor gesto.

Impassível, quase inerte, enquanto não lhe magoassem os calos, não incomodava ao vizinho nem com esse queria “papo”. Alguma vez se esse estivesse fumando pedia um cigarro... Enfim uma passageira “HONORÁRIA” que durante o período de aula do Liceu dificilmente subia no bonde Jacarecanga. Preferia pegar o Soares Moreno e a pé se deslocar para as casas de pessoas generosas que moravam na Jacarecanga e todos os dias lhe ofereciam almoço e jantar. Desnecessário citar as bondosas famílias.
Essa tão respeitada senhora, literalmente falando, não era senão - a famosa, temida e achincalhada - “Ferruge”. Por ser um tipo exótico e demais conhecida em toda essa nossa Fortaleza, marcou época nos anos 40 e 60 perambulando, percorrendo as ruas centrais, tomando assento nos bares, restaurantes, sem pedir nada. Não ingeria bebida alcoólica. Os esmoleres mais compadecidos ofertavam-lhe dinheiro, cigarros, lanches, etc. Cortavam-lhe os cabelos à moda masculina, ou seja, corte a máquina quase zero - hoje esse corte é bastante usado por atrizes e artistas de televisão - de tal forma o corte do cabelo que quando começava a crescer ela própria se encarregava de puxar os fios arrancando-os, fazendo uma “cara feia” de meter medo. Conduzia como parte de sua indumentária um lençol que a envolvia desde os ombros guarnecendo os braços, para se abrigar do frio das noites, nos locais onde pernoitasse.
Mas esse mutismo era quebrado quando algum aluno do Liceu, - mais freqüente - ou outro gaiato se escondia por detrás do poste de iluminação e gritava: “A Ferrugem é homem” - aí acabava o tempo bom. De repente ela se arvorava, abria o dicionário de pornografia e terminava por exibir as partes pudendas e, batendo com a mão na genitália, dizia: - “Taqui não sou homem não!... seu f.d.p!...”.
Por conseguinte, da “Ferruge” nada se sabia em relação à sua origem. Parecia não ter família aqui e nem se podia atribuir a sua naturalidade diante do seu estado patológico. Insana, não sabia se comunicar. Era de baixa estatura, traços fisinômicos corretos, olhar denunciador da entidade nosológica de que era portadora. De certa forma compensada na sua infeliz sina, porque todos dela se compadeciam e na sua desdita não faltava quem dela se condoesse, ofertando-lhe um prato de comida. Após a refeição se prostrava debaixo do ficus-benjamin, geralmente o da casa do Dr. Pedro Sampaio, esquina da rua Guilherme Rocha com Av. Cel Filomeno Gomes; tirava suas sestas sem nenhuma preocupação, nem de saber se era tempo de plantar ou colher, e, nem de escolher os governantes - porque não sabia o que era eleição, eleitor, e muito menos o que significava o dever de votar, porque disso ela nada atinava e nem desconfiava por ser abúlica. Assim, alheia a tudo que a seu redor se descortinava, sem obrigações ou deveres, a vida não passava do simples amanhecer e anoitecer. Tinha como companheiro da noite, um céu azul anilado escuro, com estrelas cintilantes que vigiavam-na através das réstias que se infiltravam por entre as folhas das árvores a alcatifar o seu manto que servia de proteção ao frio. Ah! Quanta ironia do destino. Pobre “Ferruge” que da sorte foi enteada e como madrasta teve a vida como errante, deve hoje estar no céu. Da vida não tinha consciência por ser tudo sem importância, nem responsabilidade com o viver, por não ter conhecimento da própria existência. Talvez mais feliz do que os que na sua perfeita sanidade mental são verdadeiros desvairados... A “Ferruge” foi feliz porque na sua irresponsabilidade nunca teve o propósito do mal, não soube avaliar o bem, não pecou por pensamentos, palavras ou omissões, mas cumpria sem saber os Dez Mandamentos. Será que foi somente infeliz? Só Freud explica...

Zenilo Almada
Advogado


Gíria cearense - Naturalmente, com o afluxo de grande parte do povo cearense - e nordestino em geral - para outras regiões do Brasil, essa gíria se difundiu e hoje é usada largamente em nosso País.


Linha do Outeiro - (Santos Dumont/Aldeota)


Continua AQUI

Veja também:



Crédito: Artigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza.
Ceará - Domingo, 8 de dezembro de 2002
e Fotos Arquivo Fortal


quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Cemitério São João Batista


Fachada antiga do Cemitério de São João Batista sendo demolida- Arquivo Nirez

O Cemitério São João Batista foi inaugurado no dia 5 de abril de 1866 para substituir o Cemitério de São Casimiro que ficava no local onde depois construíram as oficinas e prédios administrativos da Estrada de  Ferro de Baturité. O terreno do cemitério comporta hoje os prédios e galpões da RFFSA.

Sobre a construção do cemitério


Cemitério São João Batista -Álbum Fortaleza 1931


Nota fiscal de compra de jazigo no cemitério São João Batista de 05/04/1957  
Acervo do Prof. Victor Bessa

Fachada pela Avenida Filomeno Gomes - Foto de Cláudio Lima


Seu fechamento foi determinado em virtude do terreno sofrer influência de dunas móveis e por ficar próximo do núcleo urbano de então. Em 1880 foram exumados do cemitério São Casimiro os restos de pessoas ilustres como Pessoa Anta e Padre Mororó e transferidos para o cemitério São João Batista. O cemitério é administrado pela Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza e tem uma área total de 95 mil m².



Com sua grande variedade de estilos, que se misturam com os rituais de dor, saudade e orações, o São João Batista é um espaço de inestimável relevância para a nossa história cultural. O São João Batista é um espaço central de informações históricas e culturais.



Foto de Cláudio Lima

Como testemunha material de várias temporalidades, a sua existência não é somente uma fonte para classificação técnica sobre arte ou arquitetura, é cenário de uma infinidade de obras. Sua importância histórica estende-se além do limite físico de seus muros, envolvendo-se intimamente com a história e a evolução da cidade de Fortaleza.


Muro do Cemitério na Rua Padre Mororó

Sua administração ficou a cargo da Santa Casa de Fortaleza que, por lei provincial de 1860, já era responsável pela gestão do São Casimiro. Poucos sabem, mas quem visita o São João Batista tem a possibilidade de aprender muito sobre a história de Fortaleza. Barão de Studart, Frei Tito, Tristão Gonçalves e Virgílio Távora, além de famílias tradicionais como Jereissati e Vidal Queiroz, são apenas algumas entre as personalidades sepultadas no local.

O muro lateral do Cemitério que pega toda a Rua Tijubana - Foto Ápio

Fundado em 1866, o cemitério localiza-se na rua Padre Mororó, no bairro Jacarecanga, próximo à Catedral Metropolitana de Fortaleza.


Outras personalidades que foram enterradas no São João Batista:


Barão de Camocim

Barão de São Leonardo

Barão de Studart

Francis Reginald Hull (Mister Hull)

General Sampaio

Carlos Jereissati

Carlos Virgílio Távora, ex-deputado federal do Ceará


Caio Prado

Cego Aderaldo, poeta cantador e rabequista

Cônego Bessa, religioso e político

Demócrito Rocha, telegrafista, odontólogo, escritor, poeta, e jornalista

Faustino de Albuquerque e Sousa, desembargador e ex-governador do Ceará

Francisco Armando Aguiar, ex-deputado estadual

Francisco de Meneses Pimentel, ex-interventor federal no Ceará, advogado e professor

Franklin Gondim, comerciante ex-interventor federal do Ceará

Hélio Melo, escritor, gramático, filólogo e professor

João Dummar, Pioneiro em rádio difusão

Juarez Barroso, escritor e jornalista

Manuel Cordeiro Neto, ex-chefe de polícia do Ceará e ex-prefeito de Fortaleza

Manuel Fernandes Vieira, magistrado e ex-deputado

Natércia Campos, escritora e professora

Osíris Pontes, comerciante e deputado estadual do Ceará

Paulo Sarazate, Deputado Governador e senador do Ceará


Parsifal Barroso, ex-deputado, ex-governador, ex-ministro e membro do Instituto do Ceará

Plácido Castelo, jornalista, advogado, político e professor


Rogaciano Leite

Soares Bulcão, jornalista, poeta, historiador, político e orador

Frei Tito

Tristão Gonçalves

Virgílio Távora

Messias Pontes, jornalista,radialista, militante político, Presidente do Comitê de Imprensa da Câmera Municipal de Fortaleza, Presidente do Comitê de Imprensa da Assembleia Legislativa Estadual, Diretor da Associação Cearense de Imprensa ( ACI)... Faleceu no dia 09 de novembro de 2013 aos 66 anos.


Trancoso e outras narrativas mitológicas

D. Neta, funcionária da Santa Casa de Misericórdia e presta serviços na secretaria do Cemitério, em depoimento amistoso, sem qualquer manifestação de medo porque por muitos anos, convive na "Chácara do Sr. Cândido Maia*", afirma por ser do seu conhecimento que o coveiro Luizinho, certa vez, no final da tarde, quando não havia mais nenhum coveiro, observou que, na avenida principal do cemitério, duas crianças brincavam fagueiras por entre os túmulos e capelas na circunvizinhança da extensa alameda, margeada por adultos ciprestes e algarobeiras perfiladas em linha reta sombreiam e divide em duas vias até alcançar a Av. Filomeno Gomes, próximo à Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes e a Escola de Aprendizes Marinheiros.



Segundo a informante, o coveiro Luizinho, vendo que já entardecia e a noite se aproximava, ficou perplexos ao olhar aquelas duas crianças que brincavam despreocupadamente sem que viesse nenhuma pessoa para conduzi-las a sua casa. Atônito com aquela situação, dirigiu-se às crianças, e, ao alertá-las, observou que desapareceram misteriosamente sem deixar nenhum vestígio de sua existência, cujo sumiço foi disfarçado sem percepção.

A dançarina do Maguari

Corre à boca miúda também, impressionante episódio com um casal que se conheceu num baile do Clube Maguari. De repente veio àquela admiração causada à primeira vista numa forte simpatia. Depois de muito valsar, se comprometeu a jovem em fornecer o endereço para prolongar aquele feliz encontro transformando-o em namoro. Já próximo ao término do baile, deixaram o recinto do clube e o jovem rapaz pôs-se a cumprir o prometido para deixar a jovem em sua residência, cujo endereço lhe fora fornecido pela mesma que conhecera momentos antes.

Ao caminhar em direção da casa, a linda moça suplica: Entre aqui nessa rua por gentileza! Dobraram na Rua do Cemitério (Rua Padre Mororó) e ao se aproximar do portão principal, ela suspirou dizendo: Pare aqui. E ao chegar defronte ao cemitério evaporou-se numa transformação repentina.

Cemitério São João Batista -Álbum Fortaleza 1931

O jovem rapaz não se conformando, com o sumiço da jovem, logo ao amanhecer se dirigiu para o endereço fornecido pela dançarina da noite anterior e, ao indagar sobre a jovem dançarina foi informado que se tratava de uma ente querida que deveria ter colado grau de professora na noite anterior e era filha da informante, falecida há mais de dois anos. Ao jovem nada restou senão se unir a família e orar para ser recebida no Céu e não deixar corações empanados por tristeza a quem não pode satisfazer a beleza que o amor produz.

O Desempregado

Certa pessoa nutria grande devoção por almas e tinha por ofício visitar todas as segundas-feiras o cemitério para fazer suas orações. Desempregado, procurava um lenitivo para resolver a aflita situação econômica porque passava naquele momento, sem condição de manter a família e atender as necessidades mais prementes de um chefe de família.

Assim, numa segunda-feira ao percorrer uma rua que dar acesso ao cemitério deparou-se com um cidadão a ele se dirigindo indagou: Está à procura de emprego? Sim. Então vá nesse endereço que estão precisando dos seus trabalhos. Chegando ao local, foi informado que aquela pessoa que fizera a indicação tinha falecido. Entretanto sabedores que o extinto gostava muito de ajudar aos necessitados e conhecendo de quem se tratava deu-lhe emprego, prestando homenagem a quem se compadecera em vida de angustiante situação da pobreza, repartindo com necessitados o que lhe sobrava. 

Cemitério São João Batista -Álbum Fortaleza 1931

A menina-serpente

Outra história que passa numa das mais antigas e pomposas catacumbas, é o túmulo da menina-serpente, construído de pura argamassa, situado no 1º plano do Cemitério São João Batista, datado no inicio do século XIX, que apesar da forte estrutura e correntes de ferro maciço em redor do mausoléu, todos os anos se abrem em profundas fendas, caindo todo reboco.

Dizem que uma pessoa foi morta ainda criança amaldiçoada pela mãe, e, em noites de lua cheia percorre o Cemitério e ruas próximas a Igreja São João Batista, amedrontando pessoas, transformada em serpente, quebrando as correntes, rachando as paredes e abrindo fendas no túmulo.

A Plutocracia no Cemitério

Os que cultuam histórias de "Trancoso" falam de inúmeras histórias sobre os que já se foram desta para outra vida, mas, ainda assim, alimentam a mente como se caixão tivesse gaveta e mortalha tivesse bolso. Praticam atos de impiedade humilhando os menos favorecidos por terem vividos em cabedais de ouro, e, só depois conceberão que "tu és pó e em pó te tornarás". Porque para outra dimensão nada se leva, além das boas ações aqui praticadas dividindo com os mais pobres um pouco do que sobra, pois, "É dividindo que se multiplica", diz o velho adágio popular; de resto, mais nada.

Dos zelos

É preciso cuidar bem do espírito , para não ficar eternamente no limbo, purgando os pecados, que dão de logo ingresso ao inferno junto aos cães coxos, bem rabudos pagando crueldades aqui praticadas e as que não tiveram sequer um pequeno rasgo de bondade para praticar. Mas não esqueçam: o diabo também têm os seus... suas manhas e preferências. Entretanto melhor é fugir dos gracejos e deixar de lado os espíritos zombeteiros e chalaceadores que por aí, dizem, existir perturbando as almas que só querem orações jaculatórias como penitência.

Mas há quem afirma que o caifás, satanás e ferrabrás são na realidade o "manda chuva" do inferno. São os que possuem os maiores garfos e tomam conta das ardentes brasas. Por isso se roga tanto - "Livrai-nos Senhor do fogo do inferno" e das coivaras que esperam certas pessoas que aqui se vangloriam de riqueza e do poder. E se puderem recobrar fisionomias, êta que decepção tamanha será esse reencontrar após a morte.

Cemitério São João Batista -Álbum Fortaleza 1931

Do tinhoso

É bem melhor nos consolarmos com o que temos e merecemos. Ao demônio não se engana facilmente, - dizem os que com ele têm afinidade e gozam dos seus afetos e benquerença. Proclamam os cães antes de pular das suas exuberantes e impetuosas labaredas em língua de fogo... e antes de pedir permissão ao Cérbero para recorrer os recantos das profundezas de seus territórios e crescem os demônios mais argutos na proporção dos nossos pecados até nos conduzir às suas trevas. Contudo, isso não passa das manifestações de lucubração que cada um tem e se desenvolvem em cada bestunto tornando ilusões passageiras de um reino invisível e animam o presente põe de lado o passado e aspiram com ansiedade um futuro cheio de ventura.

O nosso campo santo tem e teve histórias do "arco da velha" desde sua fundação do tempo da "peste bubônica" ou febre amarela, que não havia tempo para sepultar todos os mortos pela epidemia alastrante, porque embora se abrissem valas, tamanha era a urgência para enterrar os entes queridos que afetados não resistiam as intempéries que se alastravam.

Lendas e lendas

Nessa época era ainda o Cemitério Croatá, também conhecido como São Casimiro, na Praça Castro Carreira ou Estação Central, no quadrilátero pelas ruas Senador Castro e Silva, Rua General Sampaio, Rua Dr. João Moreira, no prolongamento da Av. Tristão Gonçalves, Av. Imperador e adjacências. Contam também que os cadáveres ficavam superficialmente enterrados, dada a exiguidade de tempo para inumá-los.

Com a chegada do verão o sol causticante sobre as valas deixavam expelir gases da decomposição de cadáveres, subindo labaredas incandescentes para o alto em forma de "língua de fogo", emanadas das gorduras dos corpos, conhecida como fogo-fátuo, que causava verdadeiras assombrações aos que assistiam aquele despropositado espetáculo, e logo desapareciam em contato com a atmosfera.

Aos mais ingênuos era a maldição que se aproximava dos incautos espectadores que corriam desesperadamente à procura de refúgio e abrigo mais seguros, ou suas casas que deveriam ser mais bem protegidas para livrarem-se o mal ou castigo que vinha do Céu.

*Cândido Maia serviu como administrador do Cemitério de São João Batista, desde 1887 até 1925, ano em que faleceu, sem nunca haver gozado férias e nem licença no emprego.




Fontes: Pesquisas na internet/Cafofo/Wikipédia/Diário do Nordeste

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: