Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Itapuca Villa
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



Mostrando postagens com marcador Itapuca Villa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Itapuca Villa. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O bonde (IV) - Soares Moreno


Bonde elétrico Soares Moreno nº 73. Arquivo Luis Antonio Alencar

Assim, a cidade de Fortaleza, por estar dividida em quadrantes, a zona oeste era servida por três linhas de bonde - Jacareacang
a, Via Férrea, por assim dizer, e a linha Soares Moreno, da qual nos ocuparemos agora.

Na retangularidade de um quadrilátero a linha do bonde Soares Moreno - saía da Praça do Ferreira, ponto de convergência de quase todas as linhas, e tomava rumo pela Guilherme Rocha até a rua Tereza Cristina, dobrando à direita e, nesse percurso atingia a esquina da Rua Senador Castro e Silva, onde dobrava à esquerda para estacionar de frente ao Cemitério São João Batista - também conhecido como aprazível “chácara do Sr. Cândido Maia” - decantado nos versos da poetisa Letícia Câmara - tia de D. Hélder Câmara, irmã do dramaturgo teatrólogo Dr. Carlos Câmara. Mas voltando à vaca fria, para ligeira e jocosa explicação sobre a denominação dada ao cemitério. Prendia-se ao fato do Sr. Cândido Maia ser à época o administrador do Cemitério São João Batista, após a mudança do local que deu origem ao segundo. Pois o Cemitério São Casimiro, como anteriormente era conhecido, situava-se ao lado da Estação Central onde hoje se localizam várias dependências da RFFSA (antiga R.V.C.).

Com valiosa informação de um dos maiores conhecedores da história do Ceará, pela vivência no tempo e possuidor de prodigiosa memória - dizia meu inesquecível avô, padrinho e benfeitor - Prof. Dias da Rocha... que na década de 1870 a epidemia que assolou nossa cidade tomou proporções tão agigantadas, que o Cemitério São Casimiro ficou impossibilitado de proceder como fazia antes o sepultamento, diante do grande número de pessoas estrangeiras que aqui chegavam e eram acometidas da peste, razão pela qual abriu-se vala comum para sepultar os vitimados pela peste bubônica.

Dessa forma deu-se início ao Cemitério São João Batista - 1880, sob administração do Sr. Cândido Maia, que durou por muitos anos, passando mais tarde a administração ao construtor licenciado - Marcelo Galvão, o qual permaneceu por longos anos administrando o “Campo-Santo”, como era também conhecido. E como estamos a alguns passos das covas de entes queridos, vale agora lembrar o escrito na lápide do grande poeta Quintino Cunha, onde se lê:

“Diz a Sagrada Escritura,
Que Deus tirou o mundo do nada
E eu nada levei do mundo”

Dizem ainda que os boêmios prosistas aproveitavam o prateado “luar de agosto” e, com seus violões, prostrados à frente da “última morada” entoavam canções, evocando o passado e a lembrança dos entes queridos que dormiam o sono eterno no campo-santo. Também não poderia faltar quem na incredulidade cantarolava:

“incarquei, incarquei a cova dela
uma voz, uma voz lá do alto arrespondeu
Arritira arritira o pé de riba
Deixe o amor, deixe o amor que já foi teu”.

E por aí vão os cantores e trovadores que exprimem seu bem-querer e sua amizade por diversas formas - assim as louvações se repetiam na campa dos que se foram chamados pela morte (parca).
O nosso passageiro ilustre do bonde Soares Moreno é o abolicionista e intérprete comercial Alfredo da Rocha Salgado, morador da grande vivenda “Itapuca Vila”, cujo imóvel num estilo primoroso da arquitetura se sobressaía das demais casas e bangalôs da época. Ocupava quase uma quadra das ruas Guilherme Rocha - frente, Princesa Isabel - lado nascente, Tereza Cristina - lado poente e a poucos metros da rua Liberato Barroso.

Um pouco de sua biografia diz-nos que:

Alfredo da Rocha Salgado nasceu no dia 01.09.1855 e faleceu em 13.04.1947. Intérprete comercial nas línguas inglesa, francesa e alemã; funcionário da Casa Inglesa constituída por sociedade anônima sob o título - Casa Salgado S.A., de grande atuação na economia cearense, sendo a primeira a montar prensa hidráulica para o enfardamento do algodão no nosso Estado.

Entusiasta das causas nobres, foi abolicionista de primeira linha, dos de frente sem receio. Um dos fundadores da afamada sociedade mercantil “Perseverança e Porvir”, em 1879, sob cuja inspiração veio a formar-se a “Cearense Libertadora”, que agitaria e levaria até o final a luta vitoriosa da emancipação dos escravos na Terra da Luz. (Famílias de Fortaleza - Dr. Raimundo Girão, 373/375).

Apesar de ser bom cavaleiro e do animal muito se utilizar como transporte, entretanto na frente de sua chácara, os bondes obrigatoriamente faziam parada, que mais por privilégio atendia quem morava na Vila Ipu e adjacências.
O bonde Soares Moreno era utilizado essencialmente por pessoas que moravam nas ruas centrais até as ruas Pe. Mororó e Agapito dos Santos, bem como os assíduos frequentadores do Cemitério São João Batista, que diariamente visitavam os seus entes queridos como se cumprissem uma verdadeira obrigação de comparecer ao local do sepultamento como se vivo estivesse, ou não tivesse se conformado com a partida do ente querido para o mundo maior.

Assim, o dia de Finados, dia de prestar homenagem aos mortos, levando coroas, flores e velas, tornava grande o movimento na linha de bonde que se encarregava de transportar pessoas de outros pontos da cidade, à Cidade dos pés juntos”, como diz a gíria cearense.

Afinal, em 09 de novembro de 1913, com a presença do intendente municipal Guilherme César da Rocha, marcada pela alegria do povo, ocorre a festividade inaugural do tráfego de bondes elétricos na linha da Estação (Joaquim Távora), no dia 12 de janeiro de 1914, é inaugurada a linha entre a travessa Morada Nova e a Praia de Iracema, denominada Linha da Praia. No mês seguinte, a 14 de fevereiro de 1914, começava a funcionar a linha do Outeiro (Santos Dumont/Aldeota).

Cada passagem custava $100,00 (cem réis).

No livro “História da Energia no Ceará”, de Ary Bezerra Leite, afirma que “Promoção em favor dos estudantes, lançada em 1917, assegurava aos alunos menores de 14 anos das escolas ‘bem conhecidas’, abatimento de 50% das passagens mediante solicitação mensal da direção dessas escolas, constante de emissão de cadernetas de 52 bilhetes nominais e intransferíveis para uso durante o mês especificado e no período entre 6 (seis) horas da manhã e 6h30min (seis horas e trinta minutos) da tarde.” Existiam também “passes” que asseguravam gratuidade a seus titulares nas viagens de bondes, concedida aos empregados da empresa e a outras pessoas, por livre determinação da gerência.
Outro aspecto merecedor de realce refere-se ao fato de a Ceará Tramway Light procurar “desfazer-se do patrimônio insersível da antiga Ferro-Carril”. Por contrato de 31 de janeiro, assumiu a responsabilidade pela conservação e trato de 200 (duzentos) muares o Sr. Francisco Correia, a quem se conferia o direito de “preferencial de compra”.
Mais adiante acrescenta o professor Ary Bezerra Leite em “Os Bondes Elétricos The Ceará Tramway Light and Power Company LTDA”. - Os bondes a burro foram vendidos para empresa Teixeira Mendes, de São Luís, Maranhão, contando que, na chegada, alguns veículos foram jogados ao mar pelos catreiros que protestavam indignados pela compra de verdadeira sucata.
A Ceará Light - pelo que se sabe, fazia algumas concessões aos passageiros concedendo “passes” e outras benesses aos estudantes nos seus bondes; entretanto, tinha uma passageira honorária que nunca pagou passagem nem tão pouco lhe cobravam. Era por assim considerar “a passageira liberada de ônus” - “remida ex-causa” (liberada de ônus) ou “auctoritate propria” (por autoridade própria). Subia no bonde - de repente todos cediam lugar para sentar, não agradecia nem pedia lugar, tudo lhe era ofertado com o máximo respeito e maior cautela para não suscetibilizá-la no menor gesto.

Impassível, quase inerte, enquanto não lhe magoassem os calos, não incomodava ao vizinho nem com esse queria “papo”. Alguma vez se esse estivesse fumando pedia um cigarro... Enfim uma passageira “HONORÁRIA” que durante o período de aula do Liceu dificilmente subia no bonde Jacarecanga. Preferia pegar o Soares Moreno e a pé se deslocar para as casas de pessoas generosas que moravam na Jacarecanga e todos os dias lhe ofereciam almoço e jantar. Desnecessário citar as bondosas famílias.
Essa tão respeitada senhora, literalmente falando, não era senão - a famosa, temida e achincalhada - “Ferruge”. Por ser um tipo exótico e demais conhecida em toda essa nossa Fortaleza, marcou época nos anos 40 e 60 perambulando, percorrendo as ruas centrais, tomando assento nos bares, restaurantes, sem pedir nada. Não ingeria bebida alcoólica. Os esmoleres mais compadecidos ofertavam-lhe dinheiro, cigarros, lanches, etc. Cortavam-lhe os cabelos à moda masculina, ou seja, corte a máquina quase zero - hoje esse corte é bastante usado por atrizes e artistas de televisão - de tal forma o corte do cabelo que quando começava a crescer ela própria se encarregava de puxar os fios arrancando-os, fazendo uma “cara feia” de meter medo. Conduzia como parte de sua indumentária um lençol que a envolvia desde os ombros guarnecendo os braços, para se abrigar do frio das noites, nos locais onde pernoitasse.
Mas esse mutismo era quebrado quando algum aluno do Liceu, - mais freqüente - ou outro gaiato se escondia por detrás do poste de iluminação e gritava: “A Ferrugem é homem” - aí acabava o tempo bom. De repente ela se arvorava, abria o dicionário de pornografia e terminava por exibir as partes pudendas e, batendo com a mão na genitália, dizia: - “Taqui não sou homem não!... seu f.d.p!...”.
Por conseguinte, da “Ferruge” nada se sabia em relação à sua origem. Parecia não ter família aqui e nem se podia atribuir a sua naturalidade diante do seu estado patológico. Insana, não sabia se comunicar. Era de baixa estatura, traços fisinômicos corretos, olhar denunciador da entidade nosológica de que era portadora. De certa forma compensada na sua infeliz sina, porque todos dela se compadeciam e na sua desdita não faltava quem dela se condoesse, ofertando-lhe um prato de comida. Após a refeição se prostrava debaixo do ficus-benjamin, geralmente o da casa do Dr. Pedro Sampaio, esquina da rua Guilherme Rocha com Av. Cel Filomeno Gomes; tirava suas sestas sem nenhuma preocupação, nem de saber se era tempo de plantar ou colher, e, nem de escolher os governantes - porque não sabia o que era eleição, eleitor, e muito menos o que significava o dever de votar, porque disso ela nada atinava e nem desconfiava por ser abúlica. Assim, alheia a tudo que a seu redor se descortinava, sem obrigações ou deveres, a vida não passava do simples amanhecer e anoitecer. Tinha como companheiro da noite, um céu azul anilado escuro, com estrelas cintilantes que vigiavam-na através das réstias que se infiltravam por entre as folhas das árvores a alcatifar o seu manto que servia de proteção ao frio. Ah! Quanta ironia do destino. Pobre “Ferruge” que da sorte foi enteada e como madrasta teve a vida como errante, deve hoje estar no céu. Da vida não tinha consciência por ser tudo sem importância, nem responsabilidade com o viver, por não ter conhecimento da própria existência. Talvez mais feliz do que os que na sua perfeita sanidade mental são verdadeiros desvairados... A “Ferruge” foi feliz porque na sua irresponsabilidade nunca teve o propósito do mal, não soube avaliar o bem, não pecou por pensamentos, palavras ou omissões, mas cumpria sem saber os Dez Mandamentos. Será que foi somente infeliz? Só Freud explica...

Zenilo Almada
Advogado


Gíria cearense - Naturalmente, com o afluxo de grande parte do povo cearense - e nordestino em geral - para outras regiões do Brasil, essa gíria se difundiu e hoje é usada largamente em nosso País.


Linha do Outeiro - (Santos Dumont/Aldeota)


Continua AQUI

Veja também:



Crédito: Artigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza.
Ceará - Domingo, 8 de dezembro de 2002
e Fotos Arquivo Fortal


sábado, 10 de outubro de 2009

Itapuca Villa

Atendendo a pedidos:

"O nosso passageiro ilustre do bonde Soares Moreno é o abolicionista e intérprete comercial Alfredo da Rocha Salgado, morador da grande vivenda "Itapuca Vila", cujo imóvel num estilo primoroso da arquitetura se sobressaía das demais casas e bangalôs da época. Ocupava quase uma quadra das ruas Guilherme Rocha - frente, Princesa Isabel - lado nascente, Tereza Cristina - lado poente e a poucos metros da rua Liberato Barroso."


História do bonde Soares Moreno




Um dos maiores referenciais da cidade” era a Itapuca Villa, em Jacarecanga. Construída em 1915, ocupava a quadra da rua Guilherme Rocha, entre as ruas Princesa Isabel e Tereza Cristina. Foi construída pelo empresário Alfredo Salgado, refletindo uma mansão da Índia-inglesa.

Ficou abandonada durante quase meio século, desde a morte de seu dono, infelizmente mais uma parte de nossa história foi perdida com a demolição de mais esse patrimônio. :(


Todos os materiais para sua construção vieram do exterior inclusive as madeiras. Seu proprietário, Alfredo Salgado, viajava para a Europa com frequência para contratar novos jardineiros. Foi abandonada em 1946.

Em dezembro de 1993, é demolida a tradicional casa construída por Alfredo Salgado, na Rua Guilherme Rocha, a Itapuca Vila, de arquitetura inglesa.

Itapuca em 1974. Acervo Fco de Deus




 Detalhes da Itapuca por M Cals

Um pouco da biografia de Alfredo da Rocha Salgado diz-nos que:


Ele nasceu no dia 01.09.1855 e faleceu em 13.04.1947. Intérprete comercial nas línguas inglesa, francesa e alemã; funcionário da Casa Inglesa constituída por sociedade anônima sob o título - Casa Salgado S.A., de grande atuação na economia cearense, sendo a primeira a montar prensa hidráulica para o enfardamento do algodão no nosso Estado.


Entusiasta das causas nobres, foi abolicionista de primeira linha, dos de frente sem receio. Um dos fundadores da afamada sociedade mercantil "Perseverança e Porvir", em 1879, sob cuja inspiração veio a formar-se a "Cearense Libertadora", que agitaria e levaria até o final a luta vitoriosa da emancipação dos escravos na Terra da Luz. (Famílias de Fortaleza - Dr. Raimundo Girão, 373/375).



No lugar da Itapuca, hoje se encontra o CEJA Professor Gilmar Maia de Sousa, um centro de educação de jovens e adultos:







Fotos antigas: Arquivo Nirez
Recortes de jornais - Fundação Biblioteca Nacional

Um Conto no Passado: cadeiras na calçada

Houve um tempo em Fortaleza, em que as pessoas colocavam as cadeiras nas calçadas e contavam histórias umas às outras. Os mais velhos contavam e os mais jovens ouviam extasiados. Era um tempo em que a televisão ainda não havia alienado nossos ouvidos e nossos olhos.

Foi partindo desse referencial que Raymundo Netto escreveu seu livro Um conto no passado: Cadeiras na Calçada. Escreveu e inscreveu na Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, sendo então ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação e Divulgação de Obra Inédita na categoria Romance.

Publicado em 2004 pelas Edições Livro Técnico, na ficha catalográfica está escrito ´conto cearense´. Essa falta de uma definição do gênero pode até ser proveitosa, pois cabe ao leitor rotular do que quiser. Eu chamaria apenas de ´Narrativas´. O importante nesse livro é a viagem que o autor faz por uma Fortaleza que não existe mais, começando por um tempo em que a Barão do Rio Branco ainda se chamava Rua Formosa e em que as fachadas das casas apresentavam frontões, cimalhas, ´jacarés´ na platibanda e arabescos que o tempo se encarregou de devastar pelas mãos destruidoras de seus moradores.

Raymundo Netto, no entanto, reconstrói esse contexto devastado. Restaura a antiga paisagem, usando seus ´chinelos de cordovão´, como fazia aquele esperto novo rico personagem machadiano. Depois acende um candeeiro para verificar as rótulas das janelas, as taramelas das portas, os punhos das redes, feitas com algodão do Seridó. Vai em seguida à Pensão de D. Amélia Campos, sem esquecer uma passada no Café Java para um dedo de prosa com Antônio Sales e Mané Coco.

Isso torna-se possível quando o jovem escritor de posse de seu candeeiro de porcelana com manga de vidro, começa a clarear um passado que teima em se esconder na penumbra do tempo. Daí ele se dirige de fraque e com o cabelo besuntado de brilhantina para um baile na Itapuca Villa, na Guilherme Rocha, um pouco antes do aristocrático Jacarecanga, onde o morador se distinguia pelo tamanho do seu bangalô ou pelo número de compartimentos de sua mansão. É então que todo um clima da belle époque fortalezense é criado pelo autor ao som da música ´Ontem ao luar´, tomando champagne, usando pincenê e transitando na rua de cabriolet.

Raymundo Netto consegue estabelecer um diálogo da ficção com a realidade. Para que o real se imponha sobre o ficcional ele acrescentou à sua narrativa, imagens fotográficas da Fortaleza histórica. Ícones da arquitetura fortalezense ilustram quase todas as páginas do livro e conferem ao leitor a possibilidade de, mesmo enveredando pelo enredo fictício, não desgrudar do nosso patrimônio cultural. É por isso que os bancos da Praça do Ferreira recebem os nomes que um dia ostentaram para o público e entraram para o folclore: ´Banco da Opinião Pública´, ´Banco da Democracia´, ´Banco dos Comunistas´ e o ´Banco que não teve nome´.

Nessa mesma Praça do Ferreira ainda se mantém de pé, abrigando uma agência da Caixa Econômica, o Palacete Ceará. Ali, no andar térreo, funcionava a Confeitaria Rotisserie e na parte superior o animado Clube Iracema. Isso tudo no tempo em que motorista era chofer, a Major Facundo era Rua do Palma, o Majestic era o cinema chique e Ponce de Leon era o Rei Momo do carnaval. Todos esses acontecimentos ocorrendo quando o Estoril ainda era Vila Morena, a Segunda Guerra nem havia começado, a morte do bode Ioiô causava consternação na cidade e Manezinho do Bispo, semianalfabeto, lançava livros de moral e humor.

Ao lado do caminho ficcional do livro, trafega uma via histórica e real da cidade de Fortaleza. O hospital principal é a Santa Casa de Misericórdia, fundada em 1861. O Passeio Público vai dando espaço para a Praça do Ferreira. A estátua de Nossa Senhora da Paz se ergue defronte à Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Centro, e não em frente da Igreja da Paz, na Aldeota. As praças são iluminadas por combustores de gás carbônico que em dia de lua cheia não eram acesos, por economia. E essa penumbra que se instalava, vai se instalando à proporção que mergulhamos no passado.

Nesse passado não tão remoto abrem-se as cortinas da década de 1930 e ocorrem várias mudanças sociais a partir da Revolução que depôs o Presidente da República, no caso, Washington Luiz. Aqui no Ceará terminava o mandato de Matos Peixoto que à frente do governo do Estado, destacava-se pelos bailes que promovia no Palácio da Luz e no Clube Iracema. O seu grande destaque era o fato de ser exímio dançarino.

É no início dessa década, mais precisamente em 1931, que aos noventa e cinco anos, falece Juvenal Galeno que deixa sua casa como ponto de encontro até hoje de intelectuais e artistas, na rua General Sampaio, 1128. E vem a descrição do poeta ´sentado numa rede, de gorro azul na cabeça e provando seu rapé, enquanto ditava para Henriqueta, sua filha, alguns versos´. No ano seguinte, 1932, perdíamos Rodolfo Teófilo, o benemérito da pátria. Essas personalidades e os fatos históricos vão sendo tratados ao longo da narrativa.

Finalmente chega-se ao final do livro como quem acaba de fazer um passeio pela Fortaleza dos tempos idos. Pensa-se tratar-se, o autor, de um velho fortalezense revivendo seu passado. Raymundo Netto, no entanto, ainda não chegou aos quarenta anos. É, todavia, amante desta cidade. E sofre com a sua descaracterização. Daí justifica porque escreveu o livro. ´Escrevi porque me dói no coração o abandono e a ingratidão mesquinha por parte dos filhos dessa cidade que não aprenderam a amá-la... É a nossa Fortaleza como uma mãe esquecida´.


Fonte : Caderno 3 – 24 de julho de 2007 - Diário do Nordeste
 
NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: