Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Ceará Tramway Light
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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sábado, 12 de julho de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960



"Em 1958, os ônibus de Fortaleza eram palcos de todo o inesperado que pode se criar quando muita gente diferente se junta num mesmo espaço a caminho de destinos mais ou menos próximos. Podiam até mesmo ser reflexos diminuídos da grande cidade que se formava, tamanhas suas contradições. Vistas das janelas dos ônibus, de alguma forma, as ruas deixavam de ser caminhos ordenados pelos construtores da cidade para se tornarem veredas imprevisíveis, incertas até mesmo da chegada. Nos ônibus, o acolhimento da racionalidade urbana cedia assento para a aventura das relações humanas em movimento. Para enfrentar os ônibus, o conselheiro Milton Dias sugeria certo alheamento do real, como uma cautela frente à impossibilidade de compreensão do cotidiano vivido.
Então eram eles, os ônibus, por suas incongruências, os lugares possíveis de se
conhecer a gente da cidade."

Patricia Menezes




O CASO DA LIGHT

Andar de ônibus é talvez a aventura capaz de traduzir com mais precisão a realidade da cidade em disputa, pouco se sabe das discussões que envolveram a formação do moderno sistema de transporte de passageiros de Fortaleza. Nos primeiros momentos, esse enfrentamento se deu entre os bondes elétricos da The Ceará Tramway Light and Power e as pequenas empresas de ônibus que se multiplicaram na cidade depois de 1926.



Para o seu João Batista de Paula, o “Batista da Light¹, os maiores problemas que surgiram foram a Guerra e os ônibus. Se, para os ônibus, o racionamento de gasolina durante a Segunda Guerra Mundial trouxera inevitáveis transtornos com o gasogênio – improviso mecânico que permitia o tráfego de automóveis através da combustão de carvão –, para a Light, responsável pela eletricidade e pelos bondes da cidade, as dificuldades se multiplicaram na razão do tamanho da companhia e do seu papel determinante do desenvolvimento urbano de Fortaleza no final dos anos 1940.
Funcionário de carreira, seu Batista foi o único nome cearense que esteve à frente da The Ceará Tramway Light and Power Limited em Fortaleza, – afora o interventor nomeado pelo Governo Federal do Presidente Dutra, já nos últimos meses de funcionamento da empresa. Batista começou a trabalhar em 1914 como contínuo e foi galgando postos até chegar à gerência – o posto máximo da empresa no Brasil – em 1934, em substituição a Mr. Hull², que fora afastado quando a legislação brasileira impediu que estrangeiros exercessem funções de comando no País. Com 40 anos de trabalho na companhia, seu Batista conhecia a Light como ninguém. Lidava com intimidade com os problemas da vida dos trabalhadores e resolvia com desenvoltura as complicadas relações com os acionistas na Europa.


Em 1945, seu Batista pedira à sede da companhia em Londres que enviasse um lote de peças para que ele recolocasse em funcionamento grande parte da frota de bondes elétricos que estava encostada na garagem da Light, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Eram, ao todo, 53 tramways. Ele bem sabia
que eram pouquíssimos para atender os 195 mil habitantes da cidade, espalhados
ao longo dos caminhos das nove linhas de carris e em arrabaldes bem mais distantes do Centro. Mas comprar novos bondes e ampliar a instalação de trilhos e cabos elétricos impunha importantes negociações com os capitalistas ingleses. 


A fotografia dos anos 30 nos mostra um bonde elétrico da Ceará Tramways, Light & Power em Fortaleza. Está perto da Praça do Ferreira, na rua Pedro Borges esquina com Floriano Peixoto, em Frente à Mercearia Leão do Sul.


Portanto, resolver o problema de conservação da frota existente, sem dúvida, já
seria um grande benefício para Fortaleza.
A preocupação de seu Batista em aumentar o número de bondes urbanos era coisa que os jornais já estavam cansados de reclamar. A cidade estava se transformando numa metrópole, fazendo da desorganização da circulação e da deficiência do transporte coletivo problemas urgentes. Essas questões haviam
inspirado o Secretário de Segurança Pública do Estado, Raimundo Gomes de Matos, ainda em 1945, a contratar o senhor Rui Toledo para planejar melhorias nos deslocamentos da Capital. Era sabido que o descontrole do crescimento de Fortaleza transbordara as expectativas dos planos urbanísticos anteriores e exigia que o saber técnico tentasse esquadrinhar novamente o movimento da cidade.


Chegando de São Paulo pouco depois da substituição do titular da Secretaria por Romeu Martins, o senhor Rui de Toledo considerou o trânsito de Fortaleza um caos e, no tempo curto de seu contrato, limitou-se a sugerir medidas que visavam “melhorar a educação” das pessoas nas ruas. Recomendou, inclusive, a adoção de traves laterais nos bondes, de forma a impedir que os passageiros subissem por qualquer lado do carro e viajassem dependurados nos estribos, como bochecheiros³. Tais traves, finalmente, poderiam evitar as constantes paradas dos bondes para embarques fora dos pontos, que eram grandes obstáculos ao fluxo de automóveis.
As medidas eram tímidas. Mesmo com a confusão do tráfego e a notória escassez de veículos de transporte coletivo, havia dias que somente 8 dos 53 bondes elétricos entravam em circulação, tão deteriorada estava a frota da Light.


Seu Batista alegava que a companhia não dispunha de peças sobressalentes para reposição, pois a tecnologia dos tramways era inglesa e a crise do comércio
marítimo durante a Guerra impedia que os navios chegassem à Fortaleza.

Não há nervos que resistam à passagem na via pública dos calhambeques da companhia inglesa. São tramways desgastados pelo uso e máquinas corroídas pelo tempo. Controles que descontrolam os motorneiros e desconsertam os tristes passageiros.


Então, restava improvisar. Em janeiro de 1946, um grupo de trabalhadores da Light revelou ao repórter do Correio do Ceará que algumas peças quebradas
eram substituídas por engenhos feitos de cimento e cal pelos mecânicos da empresa, garantindo um número mínimo de bondes circulando, mesmo em
condições duvidosas. Os resultados de tal tática eram os frequentes acidentes e
incêndios espontâneos que revelavam aos assustados passageiros as deficiências
da oficina da companhia. Uma semana depois da revelação, o Unitário publicou o acidente com o bonde da linha José Bonifácio:

O bonde incendiou sua caixa de máquinas provocando, além dos ferimentos em seu guiador, susto nos passageiros que ali viajavam.  Unitário, Fortaleza, 21 jan. 1946. Em março de 1946, a falha nos freios de um bonde causou uma colisão que levou um garoto à morte. Correio do Ceará, Fortaleza, 13 mar. de 1946.

Mas, com o final da Segunda Guerra, a retomada do movimento internacional nos portos brasileiros e o começo da recuperação da Europa, as esperanças do seu Batista de receber a encomenda de peças da Grã Bretanha aumentaram. Ele planejava recolocar nas ruas os bondes elétricos que estavam parados ainda no ano de 1946.

Tomadas as providências para receber o carregamento, seu Batista viajou ao Rio de Janeiro para discutir com as autoridades do governo soluções para a crise financeira da Light. Deixou a gerência e a negociação sobre o dissídio dos
trabalhadores da empresa sob os cuidados de seu imediato, o engenheiro chefe,
Mr. Brown.
Naquele tempo, a Light mobilizava grande número de trabalhadores da cidade. Basta lembrar que logo no começo de suas atividades, em 1913, tratou de empregar, só na operação dos carris urbanos, 64 motorneiros – que guiavam os bondes – 64 condutores – que cobravam as passagens – e 25 fiscais, ou seja,
153 trabalhadores. Com o passar do tempo, o contingente de empregados só fez
crescer, principalmente depois que a empresa substitui a Ceará Gás Company na distribuição de eletricidade para iluminação das ruas, em 1934.

Eram muitos funcionários, se comparados às pequenas empresas de transporte por ônibus que existiam nos anos 1940. Trabalhavam em condições precárias mas, irmanados no embate com os patrões ingleses, formavam um grupo mais ou menos homogêneo. No começo dos anos 1920, criaram a Associação União e Progresso dos Trabalhadores da Light que se transformou, em 1931, no Sindicato de Operários da Light. E no passo da sua organização, já haviam deflagrado grandes greves que chegaram a paralisar a cidade em 1917, 1919 e 1926. Em 1926, o movimento paredista obrigara o Presidente do EstadoJosé Moreira da Rocha, a mobilizar forças para impor medidas de “caráter conciliador e, por último, de pronta reação, [somente quando então] os ânimos se acalmaram voltando os grevistas ao labor honesto e profícuo de sua profissão”. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa pelo Desembargador José Moreira da Rocha, presidente do Estado. Fortaleza: Typographia Gadelha, 1926. 

Os operários de bondes, força e luz eram, portanto, protagonistas de uma longa
história de reivindicações de trabalho.
Enquanto seu Batista estava às voltas com a crise da Light, em 1946, o governo federal regulou o direito de greve. Então, o Sindicato dos Operários em Empresas de Carris Urbanos de Fortaleza encaminhou à Delegacia Regional do Trabalho um memorial descrevendo as muitas responsabilidades dos trabalhadores da Light. No documento, o sindicato enumerava os desafios do aumento do custo de vida, das baixas remunerações e propunha, enfim, um
aumento que variava entre 50% e 80% sobre os salários. Naquele tempo de
escalada da carestia, os trabalhadores da Light ganhavam entre Cr$ 145,00 e Cr$
1.000,00. A fórmula de reajuste escalonado dos ordenados era uma alternativa à
conhecida inclinação da companhia em não diminuir sua margem de lucros. A
Delegacia do Trabalho despachou o pedido à gerencia da Light determinando um prazo de 48 horas para que patrões e empregados entrassem em acordo.

No dia 30 de março o prazo se esgotou, mas a Light não atendeu a reivindicação. Argumentava que não tinha dinheiro para arcar com o aumento. Mr. Brown, “em todo o caso – frisou – na resposta a ser enviada ao sindicato, ‘- Sugeriremos que seja utilizado, para cobrir esse aumento, o saldo resultante do aumento das tarifas de força e luz e cuja aplicação é da alçada do Governo’”.

Ou seja, naquele contrato em que as obrigações da companhia e do Governo não estavam muito claras, tanto os resultados dos aumentos de tarifa de bondes, luz e força quanto as responsabilidades de oferecer o serviço de qualidade à população se confundiam. Aliás, nos anos 1940, a constante das relações entre o Governo e Light era um jogo de compensações no qual os pedidos da empresa para autorização de aumentos no preço dos bondes correspondiam a compromissos de investimentos em novas linhas, cuidados com os tramways ou com a folha de pagamento do pessoal do tráfego. Mas, na maioria das vezes, os aumentos de tarifas não bastavam para cobrir os gastos da empresa. Então, os investimentos no serviço de transporte da cidade ficavam para depois.

Daí decorria o costumeiro desrespeito aos acordos firmados com as autoridades. Pouca gente acreditava nas promessas para minimizar o “castigo dos passageiros de bondes”. O sonho do seu Batista de aumentar a frota tornou-se bravata de 1º de abril em 1946, junto com as ironias urbanas sobre o funcionamento da iluminação e dos telefones, do tabelamento do preço do peixe, da chegada de navios.


Mentiras do Dia:
A Light adquiriu quarenta bondes novos, com assento de veludo e vai manter corrente contínua.

A sensação de que pouco se poderia esperar tornou-se mais concreta quando o vapor Benedict chegou a Fortaleza, em 3 de maio de 1946, com peças capazes de restaurar somente 10 dos bondes elétricos, que, segundo Mr. Brown, depois dos reparos, poderiam ser reintegrados às linhas da cidade em 10 semanas. 
A frustração daqueles que esperavam que os 53 bondes operassem só foi minorada pelas manchetes de jornais que sugeriam benfazejas expectativas do modelo alternativo de transporte coletivo na cidade:

ÔNIBUS ENCOMENDADOS
Segundo o nosso informante que é pessoa merecedora de fé, a Empresa Pedreira”, que explora as linhas de JacarecangaBrasil Oiticica, dentro de três meses, estará com mais 3 ônibus em circulação.
O sr. Jose Setúbal Pessoa, que mantém serviço de ônibus nas linhas de Praia de Iracema, Mucuripe e Seminário, inaugurou um novo veículo e tem encomenda de mais três.
 A “Empresa Salvador”, cujos carros trafegam para Monte Casteloantigo açude de João Lopes, lançou em circulação um carro novo e tem
encomendado mais dois.  

A “Empresa S. Gerardo” e “Severino” que exploram as linhas de Alagadiço, Benfica e Joaquim Távora , estão também com diversos veículos em construção.
Como observam os nossos leitores, nos três próximos meses, o nosso sistema de transportes inter-urbanos terá melhorado consideravelmente, marchando para uma solução definitiva e satisfatória a crise que ora nos aflige.

A comparação da ineficiência da gigante inglesa com as pequenas empresas de ônibus era inevitável. Como explicar que, cobrando passagens ao mesmo preço, os ônibus fossem tão mais confortáveis, seguros e rápidos? Numa leve alfinetada na omissão dos homens públicos, os passageiros acreditavam que “o cúmulo da boa vontade seria a gerência da Light fazer alguns consertos nos calhambeques com que serve à população”.


No dia 14 de maio de 1946, seu Batista voltou do Rio de Janeiro munido da panacéia que tiraria a Light do vermelho. Urgia mudar a matriz de energia elétrica da cidade, substituindo a queima de carvão e lenha por caldeiras capazes de processar óleo diesel na usina do Passeio Público. Era uma alternativa eficiente que deixaria Fortaleza livre dos lapsos de fornecimento e, de uma vez por todas, do fantasma da falta de energia elétrica. Ao mesmo tempo, o diesel colocaria a Light novamente em condições financeiras de operar.
Mas tal mudança, como de costume, exigiria o esforço coletivo, traduzido na elevação das tarifas de força e luz. Afinal, não se podiam esperar novos investimentos da Inglaterra, abalada como estava com os sacrifícios da Segunda Guerra, assim como todos os países do Velho Continente... O dinheiro teria de sair do Brasil. De acordo com o seu Batista, esses mesmos motivos tinham impedido as chegada das prometidas peças para os bondes estragados no vapor Benediet:

Não é verdade que seja velho todo o material recém chegado da Inglaterra. Recebemos Cr$ 600 mil cruzeiros de equipamentos, rodas, engrenagem, etc. Apenas os motores e controles indispensáveis não puderam vir saídos de fábrica. É que não houve meios de trazer os novos. E a não vir nada, preferimos trazer uns usados, em boas condições ainda. Que se compreenda: todas essas dificuldades de transporte em Fortaleza, de vinda de material novo, tudo isso é doença geral, doença do após-guerra. Que é que podemos fazer além do que
fazemos? Onde é que buscaremos bondes novos?


Enquanto isso, motorneiros e condutores esperavam o fim do impasse dos
salários. E, em poucos dias, as alegações de que a Light estava sem dinheiro
caíram por água abaixo. A Justiça do Trabalho determinou o pagamento do
aumento salarial, descartando a desculpa de que a empresa só dava prejuízos. Os juízes consideraram que há tempos a companhia não cumpria seus acordos com o poder público. Na última negociação, por exemplo, comprometera-se, em troca do aumento nas passagens, a retirada dos “bondes da Praça do Ferreira, fazendo-se, em substituição, instalação de trilhos nas ruas Barão do Rio Branco e Liberato Barroso. Além disso havia a junção das linhas Via Férrea com Soares Moreno, o prolongamento da linha Jose Bonifácio e outros serviços [...] A elevação das tarifas e das passagens de bondes entrou imediatamente em vigor, mas os melhoramentos e ampliações que a Light se obrigara ainda [continuavam] a ser esperados pela população de Fortaleza".

Uma devassa nas contas da Light revelou que "a soma dos saldos verificados entre as despesas e a receita da mesma [companhia] depois de 1932,
[ascendia] a elevada quantia de CR$ 26.008.820,35. Ainda mesmo deduzido o
valor dos descontos de previsão reservados anualmente pela empresa, apurou-se
um lucro liquido de mais de dez milhões de cruzeiros". É certo que tal conta,
encomendada pela Justiça do Trabalho, divergia completamente das planilhas
preparadas pelos guarda-livros da Light, que apontavam um déficit muito maior. De qualquer forma, com os novos cálculos em mãos, os trabalhadores pediram a prisão preventiva do gerente da Light, caso não cedesse os novos salários.

Seu Batista estava certo de que a Light não estava em condições de pagar novos salários. Argumentou que só a majoração nos preços de luz e transporte
traria recursos para honrar o aumento, mas sabia que tal solução demandava
muitos estudos do Governo do Ceara. Então, desistiu. Pediu ao interventor federal no Ceará, Ministro Pedro Firmeza, que providenciasse a intervenção federal na companhia.

Em 1° de junho de 1946, sob a orientação do Ministro do Trabalho, o Presidente Dutra decretou a intervenção, nomeando o Capitão Josias Ferreira Gomes novo administrador da Ceará Light.

Continua...


  • ¹  João Batista de Paula nasceu na cidade de Quixadá, estado do Ceará, em 26 de março de 1895.

Filho de José Ferreira de Paula Filho e Maria Carminda do Carmo Paula, ambos analfabetos e trabalhadores rurais.

No ano de 1919 casou-se com sua prima legítima, por parte de mãe, Sarah do Carmo Paula (09/07/1894).
Batista e Sarah do Carmo Paula, mais velha que Batista alguns meses, tiveram três filhos: Margarida Maria de Paula Ventura (26/09/1919), Luiz Gonzaga do Carmo Paula (19/02/1923) e João Batista de Paula Filho (28/07/1925).

Batista começou a trabalhar com 12 anos de idade quando deixou a casa de seus pais, em Quixadá, para ser caixeiro da mercearia de Pedro Gurgel do Amaral, em Senador Pompeu, uma pequena cidade com 30 mil habitantes, localizada às margens do Rio Codiá, no coração do Ceará.

Dois anos depois, em 28 de junho de 1909, mudou-se para Fortaleza. Empregou-se na Casa Correia. De lá saiu para a Casa R. Guedes que funcionava no antigo local do Cartório Pergentino Maia.

Com dezessete anos, no ano de 1912, foi admitido pela South América, no serviço de recebimento de material para a instalação da Usina do Passeio Público e as linhas de bondes, com o salário de 150 mil réis por mês.

Seis meses depois passou a ganhar 200 mil réis.

A South América durou pouco. Construiu alguns trechos da Estrada de Ferro de Baturité, mas em novembro de 1913, faliu e Batista foi demitido.

No ano de 1914, Batista conseguiu emprego de Almoxarife na Ceará Light (Ceará Tramways Lyght and Power Cº Ltd) que no ano de 1911 havia celebrado com a municipalidade um contrato por 75 anos para a implantação e exploração de bondes a tração elétrica, na cidade de Fortaleza.

O seu salário inicial como Almoxarife era de 250 mil réis.

Foi caixa durante seis anos. Depois chefe do tráfego, chefe do escritório, assistente do gerente e, finalmente, em 26 de setembro de 1934, gerente. Foi gerente durante vinte anos.





  • ² Depois de seu afastamento, Mr. Hull tornou-se Cônsul britânico em Fortaleza. Sua influência sobre os destinos da Light, entretanto, persistiu durante toda a gerência de Batista e até mesmo do interventor federal na empresa. A sede do consulado inglês funcionava nas dependências da Companhia, no Passeio Público, até a encampação pela
Prefeitura, em 1948, o que pôde indicar a estreita ligação dos acionistas estrangeiros com as tomadas de decisão para o funcionamento e para a distribuição dos lucros da empresa.




  • ³ OS BOCHECHEIROS


Data: 22/03/1939 - Fonte: O Estado, p. 03

Pegar uma bochecha nos desengonçados carros da Light, no seu percurso em volta da Praça do Ferreira, é vêso antigo da nossa molecagem. É tão grande é o número desses pequenos vagabundos que, por vezes, ambos os estribos dos carros se apresentam completos, impossibilitando de forma absoluta a que nos mesmos se suba ou deles se desça.

Não raro os nossos jornais têm clamado por medidas coercitivas, aliás, de facílima execução, sem que até agora se prestasse atenção ao caso.

Não há dúvida, porém, quanto à necessidade dos mesmos, pelo que as solicitamos.

Os goleiros e os vagabundos estão ali a desafiar a atenção da nossa polícia que, talvez, com um simples guarda e a Madalena fizesse cessar esse abuso. Uma ou duas colheitas lei as naquele local entre a garotada bochecheira e barulhenta, tiraria à mesma esse costume condenável sob todos os pontos de vista.


Grafia da época


Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960, Site do João Scortecci, Museudantu.org.br, Arquivo Nirez e Cepimar


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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

The Ceará Tramway Light and Power



A Ceará Tramway, Light & Power Co., Ltd., registrada em Londres em 11/12/1911, comprou os sistemas da Companhia Ferro-Carril do Ceará e da Ferro Carril do Outeiro e inaugurou a primeira linha de bondes elétricos da capital cearense em 9/10/1913, com bitola de 1.435 mm. Os britânicos tinham sido decerto desencorajados por suas experiências na Amazônia, e as suas instalações cearenses foram menos ambiciosas que os empreendimentos em Manaus e Belém.

Todos os veículos elétricos de Fortaleza tinham um padrão, com troles: a United Electric construiu 30 em 1912 e dez em 1924. A linha de bondes de Fortaleza foi fechada por problemas elétricos em 19/5/1947 - três semanas após o fechamento do sistema de bondes em Belém - e nunca reabriu. Vinte anos depois, em 25/1/1967, a Companhia de Transportes Coletivos inaugurou duas linhas de trólebus entre o lado Oeste da cidade e o Largo do Carmo. Os nove veículos Massari, construídos em São Paulo, rodaram até 2/1972. 


Bonde de primeira classe (permitido a entrada apenas de pessoas decentemente vestidas*em frente a Pharmácia Galeno na Major Facundo - Foto do Álbum de Fortaleza 1931

Em 08 de maio de 1911 cria-se a Usina de Luz e Força do Passeio Público, da firma The Ceará Tramway Light & Co., para alimentar os bondes, que eram de tração animal e passariam a ter tração elétrica.

09 de maio de 1912 foi o lançamento da pedra fundamental da usina e casa das máquinas para bondes (Tramways) elétricos de Fortaleza, da The Ceará Tramway Light & Co., no Passeio Público (Usina).
A Estação Central era no chamado calçamento de Messejana, depois Boulevard Visconde do Rio Branco, entre a Rua Padre Valdevino e a Rua da Bomba (hoje Rua João Brígido).
Na pedra inaugurada lê-se a seguinte inscrição. “Esta pedra foi lançada no dia IX de Maio de MCMXII, para inaugurar o começo dos trabalhos de eletrificação dos Tramways da cidade de Fortaleza sendo presidente do estado o coronel Antônio Frederico de Carvalho Motta e intendente municipal o Dr. Marinho de Andrade.”

Em 06 de junho de 1912 são transferidos os direitos da Companhia Ferro-Carril do Ceará (bondes de tração animal), já da firma J. Pontes & Companhia, para a The Ceará Tramway Light & Co Ltd.

Bonde de segunda classe – Foto do Álbum de Fortaleza 1931

Segundo o jornal Folha do Povo de 27/09/1913 os fios elétricos da Ceará Light ocasionavam perigo para a população:

Escrevem-nos 
Agora, sr. Redator que estamos nas vésperas de inauguração dos serviços de bondes urbanos por tração elétrica e de luz elétrica para as casas particulares, é bem justo que se pergunte por que razão a companhia inglesa não impregnou fios isolados na construção desse ultimo serviço?
Quem quer que tenha contato, em dadas condições, com estes fios condutores de energia elétrica para os domicílios da urbs, estará fulminado.
Bastará tão somente para isto que estes fios fiquem em contato direto ou indireto com os postes de ferro colocados nas calçadas, para que a corrente a ele se transmita, ficando assim uma ameaça.”

O Jornal O Unitário de 28 de novembro de 1913 já contava a novidade que estava por vim:

"Teve lugar ante-hontem á noite, depois de paralyzado o trafego da companhia de bondes, a experiencia de tracção e luz electrica da Ligth and Power, dando optimo resultado.

Acompanhado dos engenheiros e electricistas da companhia, o seu gerente, que ante-hontem mesmo chegára no "Sergipe", fez sahir um dos carros da estação, percorrendo com elle todo o trecho da linha que se prolonga dalli pela esrrada de Mecejana afora.

Grande massa de curiosos invadio o carro que, embora os protestos dos electricistas inglezes , percorreu ainda grande parte da linha da estação.

Como já dissemos, foi magnifico o resultado da experiencia, sendo bem possivel que a inauguração official se dé nos primeiros dias de outubro."


Em 09 de outubro de 1913 é o início, precisamente às 16h30min, do funcionamento da Usina do Passeio Público e dos bondes de tração elétrica, da The Ceará TramwayLight & Co., em substituição aos de tração animal, sendo a primeira linha do Joaquim Távora, que saía da Praça do Ferreira pela Rua Major Facundo, dobrava à esquerda na Rua Pedro I e ia até o Parque da Liberdade, dobrando à direita na Avenida Visconde do Rio Branco e voltando pela mesma avenida, Rua Pedro I, dobrando à esquerda na Rua Floriano Peixoto e chegando na Praça do Ferreira.
Mas os bondes puxados a burros ficariam ainda por algum tempo, administrados também pela Light. 

Garagem com ônibus e seus 'chauffeurs' – Foto do Álbum de Fortaleza 1931

* Sobre os bondes de primeira classe, o jornal O Unitário de 19/10/1913 trazia a seguinte reclamação:

"Não ha negar que a introducção dos bondes electricos aqui, em Fortaleza, trouxe crescidas vantagens à população.
Era esse melhoramento de ha muito tempo almejado.
Entretanto, mal acaba de levação a effeito, surgem novas reclamações do publico, que pede seja supprida quanto antes, uma falta consideravel que ainda resta.
E’ o caso que os novos vehiculos, pertencendo a uma só classe, são destinados ao transporte de pessôas que vistam decentemente.
Ora, nem toda gente póde satisfazer de modo cabal esta condição.
Os moradores dos arrabaldes, por exemplo, si são humildes, deixam de vir ao interior da cidade, a negocio por falta de bondes de 2ª classe, pois nos de 1ª não são admitidos.
Mesmo nas vias mais centraes ficam prejudicados os servos, que precisam ir ao mercado, pela manhã, e não o fazem sinão a pé.
E’ fácil imaginar o transtorno causado por essa lacuna, cujo preenchimento é o que pretendemos solicitar nestas linhas, não só porque o achamos carecida e de alcance, como tambem porque, assim procedendo, satisfazemos grande numero de leitores que nos teem procurado e, concomitantemente, a população em geral.


O Jornal Folha do Povo de 23/11/1913 trazia algumas leis que o público precisava conhecer:

"A camara municipal de Fortaleza, resolve:
Art 1- É proibido fumar nos três primeiros bancos dos carros de passageiros das linhas de Tramways.
Art 2- É proibido cuspir nos mesmos.
Art 12- A velocidade dos carros eletricos será no máximo de 18 Kilometros por hora, podendo, nas linhas de "arrabaldes" atingir 25 Kilometros por hora.
As distancias a percorrer pelos bondes electricos, tomando como ponto inicial de partida a Praça do Ferreira, são pouco mais ou menos os seguintes:
 
Metros
Linha da Praia
1530
Via Férrea
930
Estação (Messejana)
2450
Fernandes Vieira
1800
Bemfica
2630
Alagadiço
5440
Outeiro
2500
Praça dos Coelhos
1100
O Outeiro aumentou mais um Kilometro por hora, em um minuto deve o bonde fazer trezentos metros (300ms)." 

Ônibus da Ceará Light sentido Porangaba - Foto do Álbum de Fortaleza 1931

Um atropelamento noticiado pelo Jornal Diário do Estado de 13 de janeiro de 1916:

"Hontem, o bonde da "Light" n. 10, da linha de Fernandes Vieira, que vinha fazer 2 horas e 47 minutos na Praça do Ferreira, guiado pelo motorneiro n. 117, Vicente Rufino, atropelou na esquina da rua 24 de Maio o popular Pedro Martins da Silva, que se achando muito embriagado atravessou a linha na occasião em que o bonde passava. Martins, recebeu algumas escorriações, sendo transportado para a Santa Casa, onde recebeu curativos.
O motorneiro julgando ter morto o atropelado evadi se.
A policia do segundo districto teve conhecimento do facto."

Outro acidente, agora envolvendo um Carroção da Light versus carroça, também noticiado pelo Diário do Estado no dia 17 do mesmo mês e ano:

"Sabbado, ás 10 horas da manhã, na rua da Praia, o carroção da "Light" n. 34, guiado pelo motorneiro n. 148, Cicero Guedes, choucou-se com uma carroça, não se registrando, porém, em virtude desse incidente nenhum caso fatal."

O Bonde da Praça do Coelho - Diário do Estado do dia 18 de outubro de 1916:

"Diversas pessoas nos têm vindo trazer reclamações contra o estado quasi inascessivel em que fica o bonde da Praça do Coelho, no fim da referida linha. Com effeito, o estribo dos carros fica, naquelle ponto, a cerca de um metro de altura, a ponto de ser extremamente difficil a uma senhora descer ou subir no bonde.

Ao senhor E. du D. Scott, digno gerente da "Light", que sempre se tem mostrado solicito em bem servir ao publico, pedimos que mande tomar qualquer providencias no sentido de fazer cessar semelhante incommodo para os passageiros."

Vista Parcial da Usina da Light - Foto do Álbum de Fortaleza 1931

ANDOU AOS MURROS COM O MOTORNEIRO - Diário do Ceará – Pela polícia e nas ruas, p. 02 de 18/11/1922:

"O engraxador Manoel Gomes da Silva, viajando, á noite, num bonde da “Light”, entendeu de injustificadamente, espancar o conductor do mesmo, provocando, assim, o estacionamento do carro, pelo que foi recolhido ao xadrez."

UM CONDUCTOR DESPUDORADO - O Nordeste de 14/04/1923: 

"Os passageiros do bonde da linha da F. Vieira, que vinha fazer 9 horas da noite, na praça do Ferreira, viram-se, hontem, obrigados a assistir a scenas que não podiam deixar de indigná-los, pela offensa ao seu decoro.

É o caso que viajava, também naquelle vehiculo uma meretriz.

Pois bem: o conductor do bonde, sem o menor respeito aos passageiros, esteve todo o tempo da viagem a dirigir pilherias á mesma e a praticar outros actos que offendem, altamente, o decoro publico e revoltou aos que iam no bonde.

Denunciado o facto, que nos relatou um dos passageiros, esperamos que o digno gerente da Light tome, no caso, as providencias que se requerem. "

PELO MENOS, O CAMINHO DO CEMITERIO FICOU MELHOR - Diário do Ceará de 20/10/1923:

"A carreta de concertos da Ceará Light, nestas ultimas noites, tem andado numa actividade vizivel, e ainda bem que os felizes dormentes accordados pela zoada de suas rodas, ao levantarem, de manhã, hontem, tiveram o prazer de observar que, pelo menos, o caminho do Cemiterio ficou melhor.

Temos escripto algumas notas sobre o serviço de bondes, e aqui estamos no dever de louvar o gesto de sr. Smith, actual gerente da Companhia.

É que s. s., attendendo ao mau estado dos cabos troley da linha Mororó, entre a praça Marquez do Herval, da rua General Sampaio ao fim da linha, ordenou a sua substituição. Esse serviço tem sido feito todo á noite visto que, durante o dia, perturbaria o trafego.

É assim que um dos cabos troley já é novo em fio, e, o outro, dentro em pouco tambem o será; o comprimento do fio substituido anda perto de mil metros."

Ponto de partida dos bondes

A LIGHT VAE MAL... - Jornal do Comércio de 23/04/1924:

"Quase que diariamente são verificados descarrillamentos ou outros accidentes nos bonds da Light.
Hontem, por exemplo, o carro do Matadouro, que sahiu da praça às 11 horas, repleto de passageiros, ao chegar na curva entre à praça do Carmos e a rua Major Facundo, descarrillou, soffrendo os passageiros um atrazo de muitos minutos e ficando aquelle trecho sem poder dar passagem aos demais carros.
Foram feitas baldeações até que se restabeleceu o trafego interrompido naquelle ponto, o que se deu, cerca de uma hora depois do occorrido."

BONDE “VERSUS” AUTOMOVEL - Jornal do Comércio de 05/06/1924:

"Hontem, por volta das 13 1/2 horas, o auto particular n. 101, de propriedade do sr. Octavio Philomeno, guiado pelo chauffeur José Candido, ao fazer a curva entre as ruas Barão do Rio Branco e Misericordia, foi de encontro ao bonde da Light n. 13, que o poz a alguns metros de distancia, por ter perdido os freios e não ter podido o chauffeur fazer uma rapida manobra, em vista de se achar ao lado um montão de areia.
O carro fôra posto a serviço ha poucos dias e sahiu bastante damnificado.
Os passageiros, srs. Octavio Philomeno e Francisco Vieira Carneiro, sahiram illesos.
A policia tomou conhecimento do facto."

Manutenção de bonde na Fortaleza dos anos 20
O veículo da foto é um caminhão destinado à manutenção da rede aérea do sistema de bondes da cidade de Fortaleza durante os anos 10 e 20. Pertencia à Ceará Tramways, Light & Power, empresa que implantou o serviço de bondes elétricos a partir do ano de 1913

LIGHT PASSA À ADMINISTRAÇÃO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA - Jornal O Povo de 19/07/1948:

"Gabinete do prefeito


De ordem do exmo. sr. Prefeito Municipal de Fortaleza, dr. Acrísio Moreira da Rocha, torno público, para conhecimento geral, que s. excia., dando cumprimento ao disposto no Decreto número 25.232, de 15 de julho de 1948, emanado do Governo Federal, e publicado no Diário Oficial da República, de 17 do mesmo mês e ano, assumirá, hoje, segunda-feira, dia 19, a administração da “Ceará Tramway Light Power Company Limited”, cujos serviços que são os de energia elétrica da capital cearense, com o respectivo acervo de bens e instalações, passarão, assim, em virtude da determinação contida no art. 2º do decreto citado, à administração da Prefeitura Municipal de Fortaleza.
O ato terá lugar na séde dos escritórios daquela companhia, situada à Travessa Dr. João Moreira, canto com a rua Floriano Peixoto, iniciando-se às 17 horas.

Fortaleza, 19 de julho de 1948

R. ROCHA MOREIRA
Chefe do Gabinete do Prefeito."

FOI INICIADA A RETIRADA DOS TRILHOS DE BONDE - Jornal O Povo 08/11/1948:

"A Prefeitura Municipal determinou a retirada de todos os trilhos de bonde da cidade, já tendo sido o serviço iniciado pela antiga linha de José Bonifácio, onde dois quarteirões já os não têm.

A reportagem do O POVO procurou entender-se, a respeito, com a gerencia da Light, sendo informada de respeito, com a gerencia da Light, sendo informada de que a retirada se processará em todas as linhas, ignorando entretanto, qual o destino a ser dado aos trilhos, que são de grande valor comercial e representam grande tonelagem."

A fotografia dos anos 30 nos mostra um bonde elétrico da Ceará Tramways, Light & Power em Fortaleza. Está perto da Praça do Ferreira, na rua Pedro Borges esquina com Floriano Peixoto, em Frente à Mercearia Leão do Sul

NUNCA MAIS OS BONDES VOLTARÃO A TRAFEGAR “OS TRILHOS SERÃO VENDIDOS A QUEM DER O MELHOR PREÇO” FALA O PREFEITO SOBRE A RETIRADA DO PRECIOSO MATERIAL DA LIGHT - Correio do Ceará de 09/11/1948:

Desfazendo boatos

54.000 metros lineares com o peso de 2.000 toneladas
Aumento do patrimônio da antiga companhia inglesa
Já começou, pelo fim das linhas de José Bonifácio e Alagadiço a retirada dos trilhos dos antigos bondes da Ceará Tramways.
Os trabalhos estão sendo desenrolados de maneira acelerada, encontrando-se já removidos os trilhos dos três últimos quarteirões das linhas mencionadas.
Segundo estamos informados, o trabalho será logo mais iniciado também nas demais linhas, devendo ser concluído dentro de pouco tempo.

FALA-NOS O PREFEITO MUNICIPAL

Interpelado hoje de manhã a propósito da retirada dos trilhos de bondes, disse-nos o Prefeito Acrísio Moreira da Rocha.

“A retirada dos trilhos de bondes, das ruas da cidade é um ato de ordem técnico-administrativa tomado por mim como supervisor da Ceará Light, depois de estudos acurados que me levaram à convicção do acerto dessa medida.

Sei que inimigos de administrações criteriosas e honestas olham para esse ato meu, enxergando nele, malevolamente, um pasto para boatos tendenciosos e mentiras eivadas todas da mais acentuada falta de escrúpulo. Sei também, o propósito do assunto que um intrigante havia dito ter eu prometido, na campanha eleitoral, a volta dos bondes para agora, retirar os seus trilhos.

Jamais prometi volta de bondes e, para esses perturbadores profissionais, que vivem de inverter os fatos, adulterando a verdade dos mesmos, aqui vai a minha resposta: - estou retirando, por livre e espontânea vontade e por minha absoluta e inteira responsabilidade, os trilhos de bondes, numa extensão de cinquenta e quatro mil metros lineares, com uma pesagem total de cerca duas mil toneladas. Destinam-se à venda esses trilhos retirados, com exceção de apenas quatrocentos metros que, colocados por empréstimo no fim da antiga linha de José Bonifácio, dali foram tirados, há poucos dias, por ordem minha, para serem devolvidos à R.V.C., repartição a que pertencem.

Eu, que estudei o assunto, com todos os seus detalhes, posso assegurar ser melhor ter os trilhos guardados e expostos à venda do que tê-los enterrados sujeitos exclusivamente ao desgaste.

Ao expor os trilhos a venda, entrega-los-ei a quem der melhor preço aplicando a renda assim obtida em melhoramentos para o serviço de fornecimento de energia elétrica da capital cearense.

Uma parte, porém, do total de trilhos eu a tirarei para usá-la no serviço de distribuição de linhas, destinando-a a sustentar os postes de alta tensão.

No final, só resultados benéficos – tenho certeza – advirão dessa medida, inclusive o aumento do patrimônio da “Ceará Light” que, presentemente administrada pelo Prefeito de Fortaleza, vai ascender a um estágio mais elevado de eficiência, pois, dentre outros o meu governo tem os propósitos de aparelhar eficazmente a Usina, estender amplamente as redes de iluminação, fazendo-as acompanhar o rítmo de progresso da cidade, produzir com mais baixo custo, a energia elétrica e garantir as obrigações da empresa para com seus servidores.

Isto conseguirei – finalizou o Prefeito Acrisio sorrindo – mesmo enchendo de máguas os boateiros impenitentes e sem critério que, não tendo ocupações na vida, profissionalizam-se em difundir maledicências como autênticos solapadores de boa ordem administrativa que, entretanto, comigo nada conseguem porque, de qualquer modo, cumprirei o meu programa doa a quem dor”.


Ônibus da Ligth-Arquivo Assis de Lima

FORTALEZA E OS VELHOS BONDES DA LIGHT - O Estado - 19/10/1951:

"As picaretas da municipalidade retornaram, em ritmo acelerado, à ingrata tarefa de arrancar os trilhos dos bondes, no trecho central da Floriano Peixoto. São os últimos, parece. Mas levam consigo a dolorosa certeza de que a nossa capital jamais verá trafegar os velhos bondes, que lhe enchiam as ruas de poesia e de vivacidade. Não cabe a administração atual a menor culpa. E talvez nem mesmo possa ser apontado um culpado, exceto o descalabro a que foi condenada a velha Companhia inglesa.

De qualquer maneira, há um grande erro em tudo isto. Vivemos uma época de progresso e tumulto, perdoado o acacianismo da afirmação. Aí estão as máquinas cinematográficas, colhendo os flagrantes das festas onde o Prefeito aparece, com a jovialidade e a simpatia dos homens felizes. Mas ninguém se lembrou de fixar o flagrante do último bonde, transitando pelas ruas de Fortaleza. Não existem, sequer, conforme fomos informados, uma fotografia, um desenho, uma lembrança.

A retirada dos bondes mais pareceu um ato de condenação. Um ato que não deveria deixar a mínima memória. E agora a Prefeitura com rapidez e eficiência, a faina destraidora...

No entanto, os homens da Prefeitura, talvez com a mesma picareta que destroem o calçamento e com a mesma colher com que, decerto, o reconstruirão, deveriam também consertar as calçadas das nossas ruas. São buracos imensos, tijolos, arrancados, poças de água e de sujo. Um transeunte mais descuidado poderá tropeçar e quebrar um pé ou uma perna. É verdade que o perigo se destina apenas ás pessoas que andam a pé. E só elas o enxergam.

O Prefeito não os vê. E os engenheiros muito menos. Pois eles andam sempre de automóvel, o que é mais cômodo e menos perigoso.

Agora que as obras da municipalidade estão sendo executadas na própria rua, com a retirada dos trilhos, aí fica mais uma sugestão ao Prefeito. Vamos consertar as calçadas. Vamos obrigar os proprietários a faze-lo, se a obrigação não for da alçada da Prefeitura Municipal."

Ônibus da Ligth-Arquivo Assis de Lima

O FIM DA LIGHT - O Povo - 09/03/1955:


A velha usina do Passeio Público está vivendo os derradeiros momentos de sua lenta agonia de morte. Seguindo o destino natural das coisas, vai desaparecer, de uma vez para sempre, do cenário da vida social e comercial da cidade, à qual tão relevantes serviços prestou, quando em pleno rendimento de suas hoje esfaceladas caldeiras. Dentro de pouco tempo mais, deixarão de pulsar os seus geradores.

Não podemos saber ainda qual o destino que será dado ao acervo da arcáica maquinária. Temporariamente, pelo menos, permanecerá onde está. Talvez como o velho gasômetro, ficará no mesmo local onde funcionou por tanto anos, por coincidência bem próximo uma da outra – dois marcos do progresso urbanístico da capital cearense, marcando duas épocas já definitivamente ultrapassadas.

Embora agonizante, a velha Light se portou, até agora, como um verdadeiro gigante, resistindo, com uma têmpera britânica, aos embates do tempo, dando o último de sua potencialidade em benefício da cidade que serviu e desserviu na medida de suas possibilidades. Tudo tem um limite, até para os organismos meramente mecânicos. E a Light chegou ao seu limite.

Ônibus da Ligth-Arquivo Assis de Lima


BONDES ELÉTRICOS - Diário do Nordeste 10/09/2000 - Opinião do Leitor:

Sr. Editor,

Acabo de ler uma entrevista concedida por Acrísio Moreira da Rocha, ex-prefeito de Fortaleza no período de 1947/1950, vangloriando-se por ter conseguido a encampaçõa da empresa inglesa “The Ceará Tramways Light and Power & Cia”, concessionária de transporte por bondes elétricos e energia elétrica para Fortaleza desde 1913. À época da encampação uma passagem de bonde da Praça do Ferreira até o fim de cada linha custava cem réis (um tostão). Você com apenas cem réis ia até o fim da linha de qualquer bairro: Jacarecanga, Praia de Iracema, Benfica, etc. Esse ex-prefeito, incontinente, vendeu os bondes elétricos, os trilhos de ferro, os cabos de cobre que levavam eletricidade para movimentar os bondes para Recife-Pernambuco, sem no entanto, oferecer nenhuma outra opção de transporte coletivo. Naquele tempo não existia Ettusa (Empresa de Transporte Urbano S/A), nem qualquer outro meio de transporte público. Com tanto dinheiro não foi construída nenhuma obra de vulto para justificar. É lamentável a insensibilidade desse ex-prefeito.

José de Lima Monteiro - Aldeota



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 Créditos: Cronologia Ilustrada de Fortaleza – Nirez, 
Museu virtual do transporte Urbano,  Cepimar e Assis de Lima


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