Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Dragão do Mar
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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domingo, 11 de janeiro de 2015

Um passeio na história pela Praia de Iracema - Literatura de Cordel



Iracema em 1930 - Nirez

Luís Antonio de Aragão

Apresentação

Só quem viu, sabe. Só quem morou ali alcança o mesmo espanto frente à beleza e o feitiço da praia de dunas brancas, que se estendia da Barra e o Cocó virgem intocada, cuja estória Luís Aragão nos conta em seu romanceiro popular, que atravessa sete dias, sete meses, sete anos, quiçá sete décadas ... E de sete em sete versos, caminha soprado por ventos brejeiros que adejam o areal espetado de coqueiros, aos sons da embolada e do repente, da batida do coco, sob a luz de candeeiros e da Via Láctea, narrando a valentia do jangadeiro.



Heróis sofridos, cujas aventuras Jacaré tão bem simbolizou, assombraram o mundo, indo ao Rio de Janeiro e Argentina, tornando–se mártires e enredo de filme americano. Suas empreitadas, como as dos portugueses, tornaram–se épicas na simplicidade dos brancos lençóis desta praia. Jacaré adormeceu para sempre no fundo do oceano.

São frágeis as jangadas com suas antigas velas de algodãozinho branco, mas possuidoras de tanta ciência na sua construção e na de seus apetrechos, só para poderem ir pra onde Deus quiser...




Mas, frágil também era a praia: logo a história nos conta que foi Netuno, enfurecido, que em represália a construção de um novo cais "No mar fez um levante" e destruiu ruas e sobrados antigos do litoral de Iracema.

Assim, de verso em verso vamos sentindo as perdas quase imperceptíveis, se vistas com as lentes de hoje. Mas, quem viveu, viu. E o cordel nos conta. Enquanto as fotos antigas servem para revelar e enredar.




Mas, o sopro das mudanças trouxe também tantas coisas boas, tantos locais de encontro, típicos. Logo o Ramon, antigo restaurante destruído pelas águas, foi substituído por inúmeros locais que enriqueceram a praia, como Zero Hora, Tony's, o Lido, o Estoril e tantos outros.

Chegaram os clubes Tabajaras, Diários, Jangada e Estoril, caminhando como um prenúncio do que seria a praia para turistas, hoje tão distante daquela Vila de Pescadores.




O Estoril nos remonta a II Grande Guerra, e a uma segunda invasão: esta não das águas, mas de novos costumes. Ali, onde a água traspassava o sólido quebra-mar, numa grande depressão formava–se uma piscina onde a índia sereia, em noite de lua cheia, ia banhar–se.

É essa a Iracema das lendas. Onde nossos olhos hoje "vêem um mar de lama, cheia de pedras cortantes, de bueiros e esgotos...".

(Foto: Nos velhos tempo da Praia de Iracema. Acervo de Holanda Re)

O grande vagalhão não levou apenas Jacaré para o fundo do mar ou deixou a aventura de Tatá perdida próxima do Pólo Sul.

Tantas coisas mais foram levadas e outras tantas foram trazidas.

O Cordelista nos fala dos marcos históricos, das escolas, da folia em Iracema, dos moradores famosos, dos nomes indígenas das ruas... e dos seus ciúmes por Iracema.

Mas, há uma Iracema frente ao mar, arco retesado num gesto simbólico atirando, nossas esperanças para o futuro. Essa a bela mensagem do cordel de Luís Aragão.

Drª. Cláudia Leitão
Secretária de Cultura do Estado





O NASCER DE IRACEMA

Iracema de Alencar
Em honra ao grande escritor
Um filho de Messejana
Homem de culto valor
Que o povo inteiro proclama
É todo mundo lhe chama
Nosso maior escritor



O amor do luso e a Índia
Bem ele imortalizou
De Martim e de Iracema
Moacir se originou
Quando a guerreira esvaiu
Do Mucuripe partiu
Com seu filho emigrou


Ao gosto do mar eu falo
Grito forte na Pocema
Que já foi Praia do Peixe
Ora já foi Praia do Peixe
Mergulhando na história
De um bairro cheio de glória
Da nossa Musa Poema


Enorme de brilho intenso
Era o belo litoral
Da Barra até o Cocó
Puro e tão virginal
Parece assim Deus ter feito

Um lugar assim perfeito
No mundo celestial


Da Praia o nome crescia
Todos queriam ficar
A índia tinha um feitiço
Ninguém queria voltar
Dunas brancas que a areia faz
Vento puro e muita paz
Aqui podiam encontrar


Mais duas ruas havia
Muito além dos Tabajaras
Eram muitas residências
Bonitas e muito caras
Bem distante o mar ficava
Ao longe se caminhava
Por tantas belezas raras


A Dona Maria Júlia
Da imensidão dos coqueiros
O sol quando aparecia
Com seus raios primeiros
No areal que havia
O coqueiral reluzia
Brisa ventos brejeiros

Na vila dos pescadores
Ao clarão da luarada
Dançavam dança do coco
Com repente e embolada
E, o jangadeiro valente
Rumava pra sua gente
No clima da madrugada

E cantava toda à noite
O Marcolino e o Carneiro
Fosse claro ou noite escura
Sob a luz do candeeiro
A Via Láctea brilhava
E todo mundo escutava
O canto do jangadeiro:




"Sete dias, sete meses, sete anos
Sete padres no altar
Sete salas de quadrilha
Sete tambores a rufar
Sete pandeiros tocando
Sete rapazes namorando
Numa noite de luar"
.


Praia de Iracema na década de 60 - Livro Viva Fortaleza


HERÓIS JANGADEIROS E SUAS VIAGENS ESPETACULARES


Bravura de jangadeiro

É de homem destemido

Impetuoso e valente

Corajoso e aguerrido
Somente a Deus é temente
Nada há que não enfrente
Esse herói tão sofrido

No Tempo da servidão
O jangadeiro lutou
Ao transporte de escravos
Ao lado da Redentora
E a classe libertadora
Com ele se rebelou



Um prático-mor da barra
De moral e muita ação
Era Chico da Matilde
Mais tarde do mar Dragão
F. José Nascimento
O líder do movimento
Em prol da libertação

Convidado foi ao Rio
Para nos representar
E lá por Terra da Luz
Foi chamado o Ceará
A jangada nos pertence
É o símbolo cearense
Pelo mundo d’além mar

Setembro de quarenta e um
Meio século tinha ido
Do grande Dragão do Mar
Tudo já era esquecido
E um quarteto valente
De forma diferente
Se mostrou decidido



Ir ao Rio de Janeiro
Falar com o presidente
E partiram de jangada
Orgulho da nossa gente
Não seria uma aventura
E, sim uma forma pura
De mostrar o que se sente
Assim, todo o nosso estado
A decisão apoiou
Até o Doutor Pimentel
Que era o interventor
Chamou "raid" da Coragem
Pois para fazer tal viagem
Tinha que ser lutador

Chico Altino construiu
A jangada dos "sem medo".
Frei Perdigão batizou
Com o nome de São “Pedo”
Para serenar os ventos de açoites violentos
O oceano, tem segredo


Partiram de onde é hoje
O atual Paredão
Fortaleza era Iracema
Iracema era a Nação
Lenço branco se agitava
Banda de música tocava
Era tudo um coração

Parte do mastro e bolina
Com a vela já desfraldada
A bandeira brasileira
Ao vento tremulava
Vinte barcos de escolta
Circulavam sempre em volta
Da “São Pedro” abençoada



Foram 1.500 milhas
Em dois meses e um dia
Temporais e muito sol
Tanta dor e agonia
Por sobre as ondas da morte
Entregues à boa sorte,
Mas lamentos não havia
Os quatro predestinados
Emocionaram o País
Getúlio Vargas contente
A eles abraça e diz:
“Homens d ‘alma corajosa”.
Oh! Gente forte e briosa
O Brasil está feliz

“Não vimos aqui pedir”.
E, sim, reivindicar
Melhor condição de vida
Pro nosso homem do Mar
A nossa classe trabalha
Vive em barraca de palha
E isso tem que mudar".

Disseram que o motivo
Do risco de suas vidas
Foi para chamar a atenção
Que as pessoas desassistidas
Causam dor e sofrimento
E isso, nesse momento,
Há com pessoas queridas


O Rio todo aplaudia
Aos humildes de ação
Desfilou em carro aberto
Aquele grupo mais que irmão
É conto, lenda e poema
Dessa, Praia tão Suprema
Em eterna louvação

Raimundo Correia Lima
Ou simplesmente Tatá
Jerônimo André de Souza
Com dois Manoeis são de cá
Manoel Preto é Pereira
Manoel Jacaré de Meira
No céu já chegaram lá

A história ganhou o mundo
Orson Wells escutou
No ano quarenta e dois veio
Ele um filme iniciou
E em nossa Fortaleza
Sentiu muita tristeza
Com o sofrer do pescador


Por falta de condições
Voltou ao Rio para filmar
Conduzindo os jangadeiros
De retorno aquele mar
E na Barra da Tijuca
Mais de uma cena maluca
O diretor quis mostrar

O herói não é dublê
Esqueceu o escritor
Aquela raça de homens
Não é falsa como o ator
De medo só sabe o nome
Passa frio, passa fome,
Mas não perde o seu valor



E assim ficou o grupo

Esperando um vagalhão
Bem forte como no dia
Da ida à consagração
E no meio da comédia
O final foi de tragédia
Daquela triste lição


Em inglês It’s all true
No português “Tudo é verdade”
O título do filme diz
Da dura realidade
Jacaré morreu no fundo
Do oceano seu mundo
Foi viver na eternidade

Uma segunda viagem
Que Tatá bem comandou
Ao Rio Grande do Sul
Com Mané Preto zarpou
Juntos a Frade e Batista
Não há homem que resista
Aquilo que Deus traçou

“Nossa Senhora d’ Assunção”
Padre Pita batizou
A garbosa jangada
Que a equipe levou
Os gaúchos então viram
Os Pampas aplaudiram
O Ceará que lá chegou


Voltaram de cavalo
Nem navio ou avião
Jangadeiros a galope
E bebendo chimarrão
Homens do meu Nordeste
Quatro cabras da peste
Cada um num alazão

Outros homens de aço
O mar um dia singraram
Luiz, José, Samuel
E Jerônimo mostraram
Não vagaram ao léu
Seguindo estrelas do céu
Pra Argentina rumaram

Luiz era garoupa
Levou a vida a pescar
Tinha este nome de peixe
Sua vida era no mar
A jangada irão chamar
De Tereza Goulart
E a virgem há de os guardar

Portanto trinta e três léguas
Tiveram que recuar
Uma grande tempestade
Os levou noutro lugar
Perdidos na escuridão
Três dias nenhum clarão,
Ficaram sem avistar


Próximo do Pólo Sul
Tudo fica congelado
Noventa dias com fé
Um milagre era esperado
Um apito bem distante
Se ouviu da nau “Bandeirante”
O grupo foi resgatado

Foram a Buenos Aires
Diante da Casa Rosada
Argentinos curiosos
Frondisi era Presidente
A esposa de presente
Lhes deu uma barca de equipada

JANGADAS

Uma mulher bem sabia
Na Praia comerciar
Isaura Carlos de Souza
Se fazia respeitar
A mãe de Pedro Garoupa
Não precisou tirar a roupa
Para se emancipar





“Jaraqui” e “Itajubá”

Eram nomes de jangadas

De Dona Sinhá Garoupa
As duas bem alinhadas
Com as velas de algodãozinho
Mostravam todo o carinho
Por ela, tão refinada

Acervo Clóvis Acário Maciel

Pra fazer boa jangada
Com zelo na construção
A madeira é de piúba
De boa conservação
Vem do Norte do Pará
Tem que se importar de lá
Pois aqui não existe, não

Medindo trinta e seis palmos
É sempre a embarcação
Vinte e dois centímetros cada
Abertos na minha mão
Comprimento da jangada
Pequenina e apertada,
Mas grande no coração


Da família da jangada
Bem muito se fala destes
O bote de treze palmos
De vinte e nove Paquetes
Bote de casco é quarenta
Grande viagem aguenta
Merecem também lembretes

Os seis paus têm seus nomes
Sendo assim intitulados
Os dois do centro são meios
Imediatos encostados
Por “bordos” são conhecidos
Assim bem distribuídos
Memburas dois são chamados





Arranjos de popa e proa
Ostentam a Jangada bela
Sustentando o Mastro Grande
E tem o Banco de Vela
Carlinga é pequenina
Tábua dos meios e Bolinha
Vela de algodão é ela

Presa a Ligeira no Mastro
No Espeques também é
A Escolta amarrada
Se puxa com muita fé
Pra ela se encher de vento
E a Jangada em movimento
Ir pra onde Deus quiser


Os Caçadores são tornos
Tuacu pedra furada
Cuia de Vela é uma concha
A Quimanga é bem guardada
Tupinambaba com anzóis
Samburá peixes pra nós
Bicheira arrasta a pescada

Banco de governo ao Mestre
A Forquilha é bem fixada
Macho e Fêmea remo é leme
A Araçanga e pra porrada
Do anzol arame é Ipú
Búzio que chama é Atapú
Sopra o Terral a Jangada

Acervo Carlos Juaçaba

Bucólico e pequeno Cais
Encostado ao Paredão
Enfileirados Paquetes
Quem pesca tem tradição
Coró, Piaba, Lanceta
O Batata e a Pilombeta
Peixe também é atração









Crédito: http://www.nehscfortaleza.com/





terça-feira, 25 de março de 2014

A União trouxe a Liberdade - Ceará Terra da Luz


Jangadeiros usaram suas embarcações para lutar contra a escravidão no Ceará.


"Acompanhados de seus escravos, alguns negociantes aguardavam na Praia do Peixe – atual Iracema – a chegada das jangadas que iriam transportar quatorze cativos numa viagem até o Sul. Aparentemente, a cena era corriqueira, mas, naquela manhã de 27 de janeiro de 1881, todos foram surpreendidos pela atitude dos jangadeiros. Eles se recusaram a pôr os cativos em suas embarcações, num episódio que marcou para sempre a luta contra a escravidão no Ceará.

Desde o período colonial até os tempos do Império, o comércio interno de escravos, ou tráfico interprovincial, era uma constante no atual território brasileiro. Ele envolvia a transferência de cativos de uma região para outra, fosse por compra, troca, venda ou doação. Desde o século XVIII, o escravismo no Ceará foi, em grande parte, resultado desse tipo de negócio. Os escravos, em sua maioria, eram oriundos de províncias vizinhas, como Pernambuco, Maranhão e Bahia, e também vinham da África pelos portos de São Luís e Recife. Mas foi a partir de 1850, com a proibição do tráfico de cativos procedentes do continente africano, que o tráfico interprovincial passou a se intensificar e a ganhar relevância em todo o território do Império brasileiro.

Enquanto traficantes ganhavam cada vez mais dinheiro com esse comércio, começou a ser organizado um movimento abolicionista local, que teve mais força depois que três anos de seca (1877-1879) que se abateram sobre Fortaleza. A estiagem prolongada vitimou principalmente os escravos, que sofreram com a fome e com diversas doenças, e acabaram servindo de moeda corrente em tempos de penúria, transformando-se na salvação de senhores arruinados. Em 1879, um grupo de jovens que não suportava mais ver as humilhações impostas aos cativos que chegavam com as caravanas vindas do interior, resolveu fazer alguma coisa. Influenciados pelas ideias liberais que estavam em voga, eles organizaram uma associação destinada à compra das alforrias de escravas, já que os homens eram a principal mercadoria do comércio interno. A entidade abolicionista criada por esses jovens ficou conhecida como Sociedade Libertadora Perseverança e Porvir.


Segundo informações do livro de atas da associação, na noite de 26 de janeiro de 1881, o abolicionista José do Amaral sugeriu que se tomasse alguma medida para impedir, à força, que continuasse o tráfico de escravos que saía de Fortaleza. O mais curioso nessa história é que estava presente ao encontro um mulato chamado Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, prático-mor do porto, que posteriormente receberia a alcunha de Dragão do Mar. Ele liderava o grupo dos jangadeiros ao lado do negro liberto Antônio Napoleão, que chegara a juntar vintém por vintém para comprar sua alforria, a da família e a dos amigos, gesto que foi determinante para torná-lo muito respeitado entre a classe.

O fato é que ninguém podia imaginar que homens simples afrodescendentes seriam capazes de desafiar uma organização extremamente poderosa. Mas a proposta dos abolicionistas só poderia dar certo com a participação dos jangadeiros. E foi o que ocorreu. Sem eles, que eram os últimos a ter contato com os escravos embarcados, o movimento não teria sucesso.

Napoleão, Nascimento e seus colegas tinham motivos de sobra para aderir a essa causa. Muitos escravos devem ter pedido a eles que não fossem embarcados e relatado terríveis histórias de sofrimento por terem sido separados dos seus. Assistir a esse teatro de horrores provavelmente fez crescer entre os jangadeiros a consciência de que aquela situação precisava mudar. Mas para que pudessem se organizar a ponto de paralisar o tráfico, teve que surgir entre eles um consenso sobre o que representava aquele ato.


Foi na Perseverança e Porvir que a classe encontrou o apoio necessário para acabar com o  transporte de cativos. E reuniu forças para realizar um feito até então inusitado. Tanto que, naquela manhã de 27 de janeiro, os encarregados do embarque de escravos foram surpreendidos com a recusa dos jangadeiros em transportá-los. Diante da situação, conforme foi noticiado no jornal O Libertador, “os negreiros recorreram a todos os expedientes: oferecimento, promessas, suborno, ameaças; tudo, tudo foi baldado”.

A notícia dessa ação dos jangadeiros se espalhou, e as pessoas começaram a se dirigir à praia para ver de perto uma cena inédita. Afinal, um grupo de pescadores pobres, liderados por negros, pardos e mulatos, enfrentava os representantes de uma elite de poderosos comerciantes e traficantes. Segundo O Libertador, “mais de 1,500 homens de todas as classes e condicções” se encontravam ali, acompanhando a resistência dos jangadeiros. Em solidariedade ao protesto, muitos gritavam: “Nos portos do Ceará não se embarca mais escravos!”. O movimento, que se repetiu algumas vezes nos dias seguintes, até 31 de janeiro, ganhava sua primeira batalha.


Meses depois, em 30 de agosto de 1881, haveria uma nova tentativa de embarcar escravos, desta vez para o Norte. Apesar de o presidente da província e o chefe de polícia recém-nomeados apoiarem francamente os negreiros, os jangadeiros obtiveram outra vitória, e o porto de Fortaleza acabou sendo fechado definitivamente para o comércio interno de escravos. Tudo isso com o apoio do tenente-coronel Francisco de Lima e Silva, parente do duque de Caxias, que estava à frente do 15º Batalhão de Infantaria.

Mesmo com todas as mudanças em curso na sociedade cearense, os negreiros ainda eram capazes de dar algumas demonstrações de força. Os abolicionistas podiam ter o suporte do comandante do 15º Batalhão de Infantaria, mas os comerciantes de escravos ainda conseguiam se valer de todos os meios para manter seus lucros. Segundo o Livro de Actas da Sociedade Perseverança e Porvir, chegou a ser ordenado que uma flotilha da Marinha de Guerra fosse enviada para proteger o tráfico e até bombardear a cidade dos revoltosos. Mas, com o tempo, esse esforço acabaria provando ter sido em vão.

Os abolicionistas teriam muito a perder, pois os negreiros fariam de tudo para não deixar nenhum de seus adversários impune, valendo-se de perseguições, medidas repressivas e punições. Segundo o Livro de Actas, Lima e Silva foi removido do seu cargo, assim como o promotor público da capital, Frederico A. Borges, e de dois oficiais da guarda urbana.Além disso, o Dragão do Mar foi destituído de seu posto de prático-mor do porto.


Os acontecimentos no Ceará acompanharam mudanças na legislação a respeito da escravidão em outros cantos do Império. Nas principais províncias do Sudeste, começaram a ser adotadas leis que restringiam a entrada de escravos vindos do Norte, medidas que geraram um movimento com forte participação popular. Com o fechamento do porto de Fortaleza ao tráfico em 1881, a venda de cativos para outras províncias acabou sofrendo um duro e decisivo golpe, fortalecendo a luta abolicionista, que no dia 25 de março de 1884 acabou levando a Província do Ceará a proibir a escravidão. A luta para acabar com o tráfico interprovincial na região, com a fundamental ação dos jangadeiros, saiu vitoriosa, fazendo a “abolição” chegar ao Ceará alguns anos antes da Lei Áurea, de 1888."


José Hilário Ferreira Sobrinho 
(Professor da Faculdade Ateneu no Ceará 
e autor de Abolição no Ceará: 
um novo olhar(Imeph, 2009).

Bibliografia

AMARAL VIEIRA, Roberto Attila do. Um herói sem pedestal – a Abolição e a República no Ceará. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1958.

GONÇALVES, Adelaide; FUNES, Eurípedes. “Abolição – manifestação e herança. A Abolição da Escravatura no Ceará: uma abordagem crítica”. Cadernos do NUDOC nº 1. Fortaleza: Departamento de História/UFC, 1988.

MOREL, Edmar. Vendaval da liberdade: a luta do povo pela abolição. São Paulo: Global, 1988.


 

domingo, 23 de março de 2014

Especial - 130 Anos da Abolição da Escravatura no Ceará



“No Porto do Ceará não se embarcam mais escravos" 
Francisco José do Nascimento, Dragão do Mar - Janeiro de 1881. 

"A Província do Ceará influenciada pelas ações da Sociedade Cearense Libertadora teve no grito do líder jangadeiro Dragão do Mar, sua mais forte expressão e repercussão. Mas, Como começou o processo escravocrata no Brasil? E Por que a corajosa ação de 'Chico da Matilde' é lembrada até hoje? Se em alguns casos é possível dissociar História do Ceará da do Brasil, pelo menos nesse caso isso é impossível. Para entendermos melhor esse universo de revolta que tomou conta de intelectuais, profissionais liberais e gente do povo como o Dragão do Mar, na segunda metade do século XIX, precisamos voltar um pouco no tempo... 

Sociedade Cearense Libertadora

Como Começou o Processo Escravocrata no Brasil? 
Logo depois de sua 'descoberta’? 

Em 1500, e da implantação do sistema de capitanias hereditárias pela coroa portuguesa, e para dar suporte aos colonos no povoamento e exploração da mais nova colônia lusitana, Vossa Majestade D. João III cria o cargo de Governador-Geral. O primeiro a ser empossado na função foi Tomé de Sousa (1549 a 1553), e trouxe junto com ele, mulheres, o Padre Jesuíta Manuel da Nóbrega e os primeiros escravos africanos a pisar em solo brasileiro. 
Duarte da Costa chega em 1553 trazendo consigo o Padre da Companhia de Jesus - José de Anchieta, (que lançaria base ao que é hoje a maior capital da América Latina - São Paulo). Mesmo o sistema de capitanias hereditárias tendo fracassado, se manteve de pé a São Vicente e a de Pernambuco, principalmente a última devido ao cultivo de cana de açúcar, fazia grande uso do trabalho braçal. Como não tinham escravos africanos em número suficiente, os senhores de engenho começaram a levar cativos - índios. 

Os jesuítas foram terminantemente contra essa ação, pois era função deles catequizá-los, e não aceitavam sua escravidão. Aí toma forma em larga escala a página mais vergonhosa de nossa história - a escravidão. 


Durante todo o século XVI, (1501 a 1600), vindo em navios negreiros abarrotados, (uma parte morria antes de chegar ao destino, e eram jogados ao mar), foram transportados cerca de 100.000 escravos africanos. Já ao final do século XIX, um pouco antes da assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, que pusera fim a escravidão no Brasil, esse número ascende a 1600.000. Submetidos a trabalho forçado, maus tratos e açoites (quando rebeldes), os escravos receberam um tratamento desumano, com o passar dos séculos tornara-se uma vergonha nacional. 

A Inglaterra, logo após a revolução industrial, movida por interesses próprios, começa a pressionar o Brasil para pôr fim ao tráfico negreiro. E aí nasce um termo muito conhecido em nossos dias "lei para inglês ver", devido a inúmeros acordos celebrados com a maior potência mundial, Pré-Eusébio de Queirós, nunca cumpridos. 

Por que a Corajosa Ação do 'Chico da Matilde' é Lembrada Até Hoje? 

Á partir da segunda metade do século XIX, (1801 a 1900), depois da implantação de leis como a Eusébio de Queirós, pregava-se no Brasil como fato o fim do tráfico negreiro, e boa parte da elite; médicos, advogados e jornalistas como José do Patrocínio passaram a se dedicar a causa abolicionista. Mas, a verdade é que ainda havia o vergonhoso tráfico de escravos. E então nós passamos a entender a relevância histórica no grito do líder jangadeiro - Dragão do Mar, quando da chegada de navios negreiros ao Porto do Ceará, (os navios de grande calado não conseguiam aportar devido aos bancos de areia, por isso se fazia necessário o trabalho dos jangadeiros no transporte dos escravos.) Foi com a ação heroica do Dragão do Mar que a Província do Ceará pôs fim de vez ao tráfico negreiro. Como consequência, o Ceará torna-se pioneiro como a primeira província a libertar seus escravos em 25 de março de 1884, portanto a exatos 130 anos. Por isso até hoje é conhecida como - 'Terra da Luz'


Abre também caminho para a assinatura da Lei Áurea, que viraria essa triste página de nossa história, manchada de sangue. O Estado do Brasil em meio a culpa para compensar as enormes desigualdades criadas pela escravidão, criou o sistema de cotas, Lei n.12711/2012, que não chega a ser unanimidade, mas já é um passo importante para a diminuição das desigualdades acumuladas por mais de 400 anos. 


Para homenagear o feito do herói cearense a Petrobrás, por meio de sua subsidiária, a Transpetro batiza um Navio Petroleiro em Pernambuco com o nome de Dragão do Mar

Ainda seguindo como parte das homenagens ao 'Chico da Matilde' o Estado do Ceará dá a um importante equipamento de cultura em Fortaleza seu nome - CentroDragão do Mar de Arte e Cultura
E a Assembleia Legislativa do Ceará em 2011, em proposta do Deputado Lula Morais (PC do B), institui 25 de março - feriado estadual - Abolição da Escravidão!"

Santana Júnior 
(Colaborador do Fortaleza Nobre)



Bibliografia;VICENTINO,Cláudio. História Para o Ensino Médio, História Geral e do Brasil. Editora Scipione. Pág.189, páragrafos 31 ao 38. /AZEVEDO, L. de. História de Um Povo. Editora FTD. Pág.105, pár.6. Web; Wikipédia.



sábado, 16 de fevereiro de 2013

A Prainha de outrora... Parte III


Rua Dragão do Mar

Em pequena casa que tem hoje o nº 198 da rua Dragão do Mar e os números 117 a 119 da rua Almirante Jaceguai, moravam as velhinhas Mariana e Demétria, irmãs de Telésforo de Abreu, ocupante da Casa Boris, como ficou registrado aqui quando foi feita referência a uma das peraltices de Gustavo Barroso.


Casa Boris em 1921. Vista fronto-lateral do prédio - Foto Pierre Seligman

Casa vizinha a essa foi uma das residências do pai do futuro constituinte e deputado federal Luis Cavalcante Sucupira, este enquanto solteiro.  No local atualmente se levanta um sobrado (nº 2012 da Rua Dragão do Mar), onde instalada estava a firma H. B. Transportes.


Rua Dragão do Mar

Do lado leste deste prédio havia um armazém de peles e couros de IONA e CIA, empresa do industrial pioneiro Delmiro Gouveia, cujo gerente era o futuro capitalista José Magalhães Porto, que viria a ser tesoureiro da Liga Eleitoral Católica (LEC), pai do médico José Porto Filho (Zebinha) e avô de Dona Miriam Fontenele Porto Mota, esposa do governador Luis de Gonzaga Fonseca Mota. Em 1983 era um sobrado desocupado e a alugar. É o nº 218 da rua Dragão do Mar.


Rua Dragão do Mar

Prosseguindo na direção leste da rua, encontramos o prédio que tem o nº 242. Pertencia a D. Maria Pio, esposa de José Pio, construtor do primeiro bungalow de Fortaleza, na Praça Cristo Redentor.

Na esquina sudoeste das ruas Dragão do Mar (antiga da Praia e da Alfândega) e Senador Almino (antiga do Arrecife) levanta-se o prédio assobradado em que nasceu e viveu por muitos anos o grande intelectual Araripe Júnior. Tem hoje os números 316 e 322 da Rua Dragão do Mar. Merecia melhor tratamento da parte dos poderes públicos.


Araripe Júnior

Em frente, esquina noroeste das ruas Dragão do Mar e Senador Almino, sem numeração, permanece a casa em que morou Francisco José do Nascimento, o "Chico da Matilde", que tomaria a alcunha de "Dragão do Mar" pelo papel saliente desempenhado junto à capatazia quando do movimento em prol da Libertação dos escravos. Triste destino o deste prédio: abrigou, depois, o Cabaré da Emília Costa

Na esquina nordeste das referidas artérias, em casa que tem o nº 345, morava um cidadão que era conhecido pelo apelido de Precabura. Devia ter vindo de lá, o aprazível recanto das imediações de Messejana.

Relativamente à fronteiriça face sul da rua Dragão do Mar, fique assinalado que se eleva a casa de nº 366, em cujo frontispício se acha registrado o ano de 1925.

Adiante, outra casa, de nº 372, da mesma rua, com o ano de 1929 inscrito em sua frente.
Depois, a casa de nº 380, com o ano de 1928 em sua testada.

Podemos ver, a seguir, a casa de nº 418, com a indicação do ano de 1920, naturalmente o de sua reforma porque muito antes era habitada por José Sérgio de Melo Rabelo, primo do Coronel Franco Rabelo e depois sogro do futuro constituinte e deputado federal Luis Cavalcante Sucupira, cuja família morava nas imediações. Nesta casa Sucupira residiu, após casado, até quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1920.


 Luis Cavalcante Sucupira

Em casa que ainda se acha de pé e exibe em sua fachada o ano de 1914, hoje nº 422 da rua Dragão do Mar, morou o major Peregrino Montenegro, casado com uma irmã do jornalista Matos Ibiapina, diretor de 'O Ceará', jornal de forte conotação anti-religiosa e antigovernamental. Filho desse casal é o jornalista Alci Ibiapina Montenegro.

Na casa ao lado dessa última, atual nº 430 da rua Dragão do Mar, morava o carpina Júlio Bernardo da Silva, construtor das primeiras carrocerias de caminhão no Ceará. Estava abandonada, com o quadrado das antigas janelas fechadas a tijolo.

A casa a leste dessa última, hoje nº 454 da mesma rua, abrigou também, enquanto solteiro, o futuro constituinte e deputado federal Luis Cavalcante Sucupira, pois, durante certo tempo, serviu de residência a seus pais.


Rua Itapipoca

Como que fechando a atual rua Itapipoca, antigo Beco do Sabóia, existe a casa de nº 462 da rua Dragão do Mar. Nela morou Ademar Bezerra de Albuquerque, fundador da Aba Filme. Era funcionário do London Bank e fotógrafo amador, depois profissionalizando-se.


Ademar Bezerra de Albuquerque

Segue-se a essa casa uma outra, de nº 464, que servia de residência do pai do futuro comerciante Manuel Gentil Porto, este neto e aquele genro do coronel José Gentil Alves de Carvalho, fundador da família Gentil.

Finalmente, a rua finda com um sítio pertencente a Manuel Porto.

Encerrando esta viagem sentimental por um bairro decadente, que abrigou gente tão boa, aparece-me que prestei algum serviço a memória da cidade, fixando para sempre coisas que a história, preocupada mais com os grandes acontecimentos, jamais guardaria. Convicto me acho de que as informações aqui prestadas são fidedignas, decorrentes de fontes seguras e sérias, uma das quais foi o próprio Luis Cavalcante Sucupira, cuja colaboração sinceramente agradeço.


Mozart Soriano Aderaldo

Fim

Parte I
Parte II

Fonte: Prainha, um bairro decadente - Mozart Soriano Aderaldo

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