Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Teatro
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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terça-feira, 7 de outubro de 2014

Nos palcos de Fortaleza



Fortaleza afrancesada. Aspecto da Praça General Tibúrcio - Acervo MIS

Nos primeiros anos do século XX, a cidade de Fortaleza encontrava-se sob um processo de transformações, ganhando novos espaços, técnicas e habitantes. Devido aos problemas provocados pelas secas no interior do Estado do Ceará, muitos sujeitos migraram para Fortaleza, esperando que nesta as condições de vida fossem melhores, assim, os retirantes foram alocando-se em espaços ainda não habitados e dando novos aspectos à cidade. Além disso, Fortaleza adquiria novidades tecnológicas oriundas dos países europeus e Estados Unidos, como por exemplo, a arquitetura de ferro, os bondes, a iluminação a gás e o cinematógrafo, assim, novos prédios foram sendo construídos. 




Jardins 7 de Setembro na Praça do Ferreira. (Cartão colorizado do início do Século XX)

Destes ressaltamos o Theatro José de Alencar, que foi edificado entre os anos de 1908 a
1910 para servir como teatro oficial ou público de Fortaleza, mas esta também possuía seus teatros particulares de iniciativa de empresários ou de companhias dramáticas.

Assim, Fortaleza vai modificando a sua forma, onde a prática teatral teria seu espaço. Nessas mudanças na morfologia da cidade de Fortaleza têm-se as disputas políticas entre os correligionários da oligarquia acciolina e os seus opositores, que são difundias nos periódicos A Republica, órgão oficial do governo acciolino e tendo como principal redator Antônio Arruda; O Unitário, jornal político e opositor a gestão de Nogueira Accioly e cita-se como redatores João Brígido, Rodolpho Ribas e Armando Monteiro e Jornal do Ceará, definido como órgão político de oposição e seu redator e proprietário foi Waldemiro Cavalcanti. Nesses periódicos também podemos perceber uma análise do cenário artístico da capital cearense, através de anúncios dos espetáculos, da descrição dos concertos, das peças e dos filmes exibidos, dos elogios ou desmerecimento dos artistas e ressaltando os cinemas e teatros existentes nas suas concorrências em busca de público. As conturbações políticas são refletidas na prática teatral em Fortaleza, onde os discursos são modificados, os espaços são diferenciados e assim por diante. 



A opereta A Valsa Proibida do cearense Paurillo Barroso em 1964 mobilizou a cidade nos anos 40, quando da temporada de estréia no Theatro José de Alencar

A prática teatral vai ganhando significados diferentes ao longo dos anos, neste sentido, as atribuições dadas ao teatro em Fortaleza no início do século XX refletem seus valores, seus conflitos, suas relações sociais e assim por diante, que podem ser verificados nos discursos jornalísticos.

Os primeiros teatros da cidade de Fortaleza




O primeiro teatro, registrado pela história, existente em Fortaleza foi o Concórdia datado de 1830, também conhecido como Casa da Ópera e popularmente deTeatrinho da Concórdia, sendo um estabelecimento particular, obra de negociantes portugueses e de empregados dos comércios, sendo localizado em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário. Em 1842 o Teatro da Concórdia transferiu-se para a Rua Formosa, 72 (atual Barão do Rio Branco) com o nome de Teatro Taliense, funcionando, ali, até 1872. Neste, pela primeira vez, um grupo de fora se exibiu, os músicos italianos Ugaccioni, os quais acabaram se fixando em Fortaleza depois de muito sucesso. Os espectadores do Taliense eram membros da elite, cujo senhoras com seu figurino eram o ponto alto de elegância.


Prédio do Círculo de Operários Católicos, onde foi construído o Teatro e Cinema São José.  Livro Fortaleza e a Era do Cinema

Em 1874, surge o Theatro São José na Rua Amélia (atual Senador Pompeu, entre
Guilherme Rocha e Liberato Barroso), onde se estabeleceu até 1884. Foi inaugurado em março pela Sociedade Dramática, de Antônio Joaquim de Siqueira Braga, permanecendo até hoje. O grupo amador Recreio Familiar ocupou o seu palco com animadas comédias, além dos incidentes engraçados:



A prática teatral em Fortaleza em meados do século XIX possuía certa informalidade, que anos mais tarde seria criticada pelos periódicos da capital. Tem-se também no Teatro São José apresentações das Meninas Riosas, dupla de mocinhas de muito sucesso eOs Campanólogos, estes grupo de cinco músicos que tocavam com cento e tantas campanhias e oitenta copos.

Localizado na esquina da Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) com a Rua Misericórdia (João Moreira), defronte ao Passeio Público, foi inaugurado a 21 de janeiro de 1977, o Theatro de Variedades, este não possuía teto e para sentar-se os espectadores levavam cadeiras.


Antiga Rua da Misericórdia em frente ao Passeio Público, onde em 1977 funcionou o Teatro de Variedades. Arquivo Nirez

Nos anos de 1880 a 1896, no mesmo local do Teatro Variedades, funcionou o Theatro São Luiz, considerado o mais importante anterior ao José de Alencar e de iniciativa do tabelião Joaquim Feijó de Melo. Muitas companhias que excursionavam em direção ao Norte passavam por Fortaleza e faziam apresentações de óperas, operetas, dramalhões, dramas e comédias no Teatro São Luiz:

Funcionou nos fins do século passado. Foi à fase retirante do Teatro em Fortaleza. No palco deste teatro contracenaram os mais célebres artistas brasileiros e portugueses daqueles tempos. Companhias que demandavam o Pará, então o foco de arte no Norte, faziam uma temporada no São Luiz para um público de gosto exigente, representado óperas, operetas, dramalhões e comédias, caprichosamente.


Na última década do século XIX, verificamos que a prática teatral em Fortaleza vai adquirindo um discurso de formalidade, onde o teatro deveria seguir uma estrutura específica conforme os grandes centros europeus e a capital federal, ou seja, o Rio de Janeiro, o público apresentaria um comportamento civilizado, os artistas teriam seus
reconhecimentos sejam locais ou nacionais, as peças encenadas seriam de prestígio e assim por diante. Mas o discurso não significa afirmar na existência de formalidade na prática teatral na capital cearense, pois essa vai ganhando formas diferentes conforme os sujeitos que a realizam, apesar de estarem nos palcos da cidade de Fortaleza.


“Com extraordinária concorrência”: os teatros particulares e as inovações tecnológicas
As transformações da cidade da cidade são responsáveis pela criação desse novo modo de exprimir os desejos, atingindo seu desenvolvimento em “Viação Urbana”. (RODRIGUES, 2000, p.66). 



Livro Fortaleza e a Era do Cinema

No início do século XX foram aparecendo outros teatros e grupos dramáticos na capital cearense, como por exemplo, o Theatro João Caetano; o Theatro Iracema; o Theatro Rio Branco; o Theatro Art Nouveau e o Theatro Polytheama. Alguns desses teatros surgiram por investimentos de empresários, mas também por iniciativas de grupos dramáticos ou sociedades esportivas, como por exemplo, o Theatro João Caetano. Este foi oriundo do Clube Atlético, que era uma sociedade esportiva formada por jovens do comércio, onde além das práticas atléticas, também organizavam seus dramas, tragédias, etc. (COSTA, 1972, p. 25-26). Tais teatros e grupos dramáticos foram desenvolvendo práticas sociais e culturais na cidade de Fortaleza, nas quais foram ganhando contornos diversos, pois os teatros particulares não eram apenas investimentos de empresários, também eram espaços de diversões e sociabilidade de parte da sociedade fortalezense. 



Os teatros particulares recebiam companhias dramáticas oriundas da capital federal e de Portugal, como por exemplo, a Companhia Alves da Silva, que encenou diferentes peças no palco do Theatro Iracema. Mas também recebiam as companhias dramáticas cearenses, que em sua maioria eram formadas por membros da elite, como no caso do Clube de Diversões Artísticas organizado por Papi Junior, onde agia diretor, autor, ator e ensaiador, tal grupo propôs organizar um teatro nos fundos do Clube Iracema. (GIRÃO, 1997, p. 144). 



Alguns encontravam na ida ao teatro uma forma de divertimento, mas para outros a diversão estava nas encenações das peças, na escrita destas, na organização do cenário etc. Portanto, os teatros particulares também foram sendo construídos para colocar em seus palcos grupos cearenses de arte dramática, definidos como amadores por Raimundo Girão, mas que os periódicos davam os devidos valores, não apenas pelos seus redatores frequentarem os mesmos espaços desses artistas, mas também por estes incentivarem a prática teatral na cidade de Fortaleza, já que essa é proposta como uma atividade de país civilizado: 

Judiciosos são, sem dúvida, os desejos expostos em favor dos artistas, elemento forte e poderoso, que em todo paiz civilisado concorre com seu prestígio para a formação e organização do Estado, constituindo uma classe nobre, digna e respeitada tal qual sonha o articulista d’A Republica.  (Grafia da época)

Mas tais artistas não eram membros apenas da elite, pois muitos faziam do palco o seu ganha pão do dia-a-dia. Os periódicos anunciavam os espetáculos, que ocorriam nesses teatros particulares, convidando o público para prestigiar e contribuir financeiramente com esses artistas, ao mesmo tempo, incentivando o hábito de frequentar tais teatros. Os empresários encontravam nas páginas desses jornais a forma de propaganda das suas casas de espetáculos, assim, o Jornal do Ceará noticiava:

“sabbado, no Theatro realisar-se-á o espectaculo de variedadesda 
artista cantora Victorina Cezana, que o dedicou ás familias cearenses”.   (Grafia da época)

As notícias dos espetáculos seguem com argumentos para incentivar a ida do público aos teatros, ao mesmo tempo em que ressaltam os valores defendidos pelos redatores dos periódicos, como por exemplo, a importância da família para o desenvolvimento social e cultural da cidade de Fortaleza. Portanto, a prática teatral em Fortaleza era uma diversão ou lazer, um negócio, uma atividade cultural, uma forma de sociabilidade e assim por diante.
Mas nos primeiros anos do século XX, o teatro encontrou no cinema uma concorrência. Com a chegada das maquinas de projeção de filmes na capital cearense, os teatros particulares abriram os seus espaços para essa novidade tecnológica, que segundo os jornais suas sessões eram bastante concorridas, onde “todas as noites, enchentes à cunha, todos devem aproveitar as boas noitadas, que está proporcionando o Rio Branco”


Atrás da Maison Art Nouveau, ficava o Cinema Di Maio.

Este era mencionado pelos periódicos em alguns momentos como cinema e em outras ocasiões como teatro, mas percebemos como os espetáculos teatrais foram perdendo espaço para a exibição de filmes, onde tais sessões poderiam ser acompanhadas de orquestras, números de mágicas ou mesmo encenação de peças, mas estas tornavam secundária diante da novidade que atrai cada vez mais público. Este seria composto por empresários, políticos, militares, intelectuais, trabalhadores do comércio, funcionários públicos etc. Tal público vai encontrando divertimento nos cinemas que vão surgindo, como por exemplo, o Cinema Di Maio pertencente ao Vitor Di Maio e localizado na Rua Guilherme Rocha, atrás da Maison Art Nouveau e o Cinema Cassino Cearense de Julio Pinto e com sede na Rua Major Facundo no antigo Palhabote, bar que pertenceu a Antônio Dias Pinheiro

Diante das novidades tecnológicas, que expressavam os desejos de civilidade dos discursos jornalísticos, onde a cidade é percebida como um “lugar da cultura”, ou melhor, “de produção cultural” (BARROS, 2007, p. 81-82), o comportamento do público era questionado nos discursos jornalísticos: 

Hontem á noite ao theatrinho, onde se dava um espectaculo cinematographico, houve o que se chama um rolo, entre um filho do dono da casa, o filho do Snr. Guilherme Moreira e o septuagenário, Coronel César da Rocha, intendente desta capital.
Houve entre as três partes litigantes, murros, taponas e quedas, terminando o sarilho pela prisão, que effetuou o último, do moço Mesiano, a quem aplicou ainda alguns murros, quando o mettia no xadrez. (...) Deixemol-os a divertirem-se que tudo vem a ser progresso
da liberdade, costumes novos, decência e gravidade dos homens da situação e governança. Até pouco tempo tínhamos duellos em brigas de dois, já agora temos triellos ou brigas de três.
 
 (Grafia da época)

A desordem descrita pelo jornal O Unitário ocorrida no Theatro Rio Branco demonstra que novos valores chegavam à cidade de Fortaleza junto com as novidades tecnológicas oriundas dos grandes centros europeus e Estados Unidos, como por exemplo, o progresso. Nos discursos jornalísticos Fortaleza estava se desenvolvendo, ou seja, o progresso estava chegando não só com o cinema, mas com os bondes, a iluminação a gás, etc, e com ele também chegava à civilização, portanto, o comportamento de brigas entre os membros do público de uma casa de espetáculo foi ironizado e criticado pelo jornal O Unitário, já que “triellos” não é algo para se considera como civilizado. Neste sentido, Fortaleza com seus teatros particulares e cinemas, que podem ser considerados meios urbanos de concretização e circulação da produção cultural da cidade, pode ser percebida como o “lugar da civilização”? Afinal, “a associação entre cidade e civilização remonta aos primórdios do desenvolvimento urbano” (BARROS, 2007, p. 82). Tal questão nos remete ao que se propõe por civilização, no caso dos periódicos da capital cearense podemos percebê-la como valores de comportamento e desenvolvimento da cidade, neste sentido, os discursos jornalísticos pretendem Fortaleza como um lugar de civilização, isso não significa afirmar que ela era representada nas práticas sociais urbanas. 

Os teatros particulares foram tornando-se pequenos para receber as grandes companhias dramáticas nacionais e estrangeiras, os cinemas foram adquirindo seus espaços, assim, as transformações que ocorriam na cidade de Fortaleza foram impulsionando novos desejos, dentre estes, citamos a construção do teatro público ou oficial defendida pelos intelectuais, artistas, políticos, jornalistas da capital cearense. 



Primeira montagem do Auto da Compadecida no Teatro José de Alencar em 1960. Acervo Almir Terceiro Teles

Em 1981 juntaram-se Virgílio Augusto de Morais, João Brígido, João Joaquim Simões, Manuel Gomes Barbosa e Antônio Papi Junior para formar a Companhia Cearina com objetivo de construir um teatro na atual Praça José de Alencar (GIRÃO, 1997, p. 142).
Assim, no final do século XIX e início do século XX, as discussões em torno da edificação do teatro público ou oficial vão ganhando força e neste contexto têm-se as disputas políticas do governo acciolino. 

Continua...


Camila Imaculada Silveira Lima 
Mestranda em História pela Universidade Estadual do Ceará

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Liga Contra os Chapéus nos Cinemas e Teatros





































O ano era 1917...

Desde o aparecimento dos primeiros cinemas, na Europa e nos Estados Unidos da América, os empresários dessas casas viram-se obrigados a promover campanhas educativas, através de projeções fixas de avisos e recomendações.
Mensagens do tipo - “Por favor não fume! È desagradável para senhoras.”, “Damas! Retirem gentilmente seus chapéus!", “Favor ler os títulos para si mesmo. Ler alto perturba o vizinho!”, “Não cuspa no chão!” - são lidos,mundo à fora, em todos os idiomas.

E numa época em que os chapéus femininos eram obrigatórios, ditados pelo império da moda, foram estes uma fonte de constante protesto. O semanário cearense, "Perfil", ano II, agosto de 1917, dá noticia da criação em Fortaleza da “Liga contra os Chapéus nos Cinemas e Teatros":

LIGA CONTRA OS CHAPÉUS NOS CINEMAS E TEATROS

“Por todo êste mês será fundado nesta cidade a “Liga contra os Chapéus nos Cinemas e Teatros”. Excusado é entrarmos em minudencias quando todo mundo, pelo título, sabe os fins a que se destina a novel e justa sociedade.

Efetivamente é um suplício pior do que o de Tantalo ou mesmo do Conde Ugolino a gente ter de assistir uma sessão de cinematógrafo ou teatro com um chapéu "dreadnought” em nossa frente. Achamos “trop chic, excessivement chic” o chapéu na mulher, mas achamos “trop grave, excessivement grave” quando elas o conservam no alto da sinagoga.

Calculem as nossas gentilíssimas leitoras um homem pequeno sentado por trás de uma mulher de grande chapéu.

Já o nosso velho amigo e confrade Mário de Almeida, escrevia, com todo o
"humour", há pouco o seguinte trecho que bem vale ser lido: Entre as nossas elegantes apareceu um chapéu enorme, um chapéu desabado, onde a costumada pluma à Gainsborough é substituido por uma simples rosa chá, minúscula, pendida naquela imensa roda maciça de carro minhoto. Tinha razão “à bessa” o escritor alfacinha classificando de “roda de carro minhoto” aos modernos chapéus. Tem, também, carradas de razão, o amigo carioca que o apelidou de “dreadnought".

Que um doutor José Silveira, um tenente Pedro Bittencourt, um doutor W. Watson, um José Vianna, um Pedro Barboza (Pedrão) e outros tenham à sua frente uma roda de carro minhoto, vá lá, mas, um homem pequeno é que não está direito.

Por um formidando “furo” sabemos que a “Liga”será composta dos seguintes
cavalheiros: o primeiro tenente dr. Àlvaro Rêgo, o doutor Benjamin Moura, o jornalista H. Firmesa, o acadêmico Edgar Pinto, o comerciante Cassiano Rocha, o senhor Álvaro Cabral (Cabralzinho), o senhor José Porto (Portinho), o senhor Miguel Xavier, o dentista \/irgílio Morais (Moraisinho), o comerciante Bernardino Proença (Proencinha), o senhor Hypolito Lima, o senhor Carlos Costa (anão do 'Diário do Estado'), os Irmãos Patrício, o senhor Raimundo João, o doutor Domingos Solon, o senhor Christovam Guerra, o caricaturista Roman Scall, o doutor Carlos Alberto e o senhor Francisco Vasconcelos.

(Grafia da época) 

Nós cá de casa secundamos à ideia e estamos às ordens da futura “Liga".

Fonte:  Livro Fortaleza e a Era do Cinema de Ary Bezerra Leite


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Pelas Praças da cidade - Parte II


Praça José de Alencar em 1910 - Arquivo Nirez

Limitada pelas ruas Guilherme Rocha, 24 de maio, Liberato Barroso e General Sampaio. O homenageado é José Martiniano de Alencar, neto de Bárbara de Alencar, heroína da Revolução de 1817.


Praça José de Alencar em 1929

 José Martiniano de Alencar (mais conhecido como José de Alencar), nasceu no Ceará no dia primeiro de maio de 1829. Vai morar em São Paulo e se matricula em 1846 na Faculdade de Direito onde começou a se dedicar às letras. Formado em Direito, em 1850 começa a escrever para o Correio Mercantil. Resolve se dedicar ao Jornalismo e se torna um crítico extraordinário. Sarmiento (2006, p. 36) afirma que seus romances começam a ser publicados “em 1857 o escritor inicia no “Diário do Rio” onde é publicado o seu primeiro romance: Guarani. A repercussão do romance foi internacional, o maestro Carlos Gomez, na Itália, escreveu a famosa ópera: O Guarani”


Praça José de Alencar com a Igreja do Patrocínio e o Prédio da Fênix Caixeiral. O prédio da Fênix foi demolido e no lugar foi construído o CEMJA

De 1861 a 1877, José de Alencar é eleito deputado pelo Ceará. Escreveu vários livros, romances, peças de teatro, etc. e morreu em 1877. Antes de 1870 a praça era conhecida como Praça do Patrocínio pelo fato de está em frente à Igreja Nossa Senhora do Patrocínio. A partir deste ano, apesar do povo continuar se referindo a praça pelo nome antigo, passou a se chamar Marquês de Herval. Em 1896 foi lançada no centro da praça a pedra fundamental que seria hoje o Teatro José de Alencar. Contudo, por inúmeras razões, o projeto não foi concretizado. Apenas em 1904, no Governo de Nogueira Acióli, a construção do teatro é oficialmente autorizada. Sua inauguração deu-se em 17 de Junho de 1910. Em 1929, por razão da comemoração dos cem anos de José de Alencar, a praça passou a ser chamada pelo nome do romancista. Nesta época, foi inaugurado o conjunto escultórico no centro da praça. 


Prédio localizado na Praça José de Alencar, rua 24 de Maio esquina com Guilherme Rocha, hoje faz parte do "beco da Poeira". Na parte de baixo desse prédio funcionou um curso de datilografia, em frente estava localizado a famosa Fênix Caixeiral, foto tirada próximo a igreja do Patrocínio - Arquivo Nirez

A praça ficou conhecida desde 1938, por praça José de Alencar pela estátua do romancista e pelo teatro, permanecendo até os dias de hoje. O Monumento é a estátua de José de Alencar que foi inaugurada em primeiro de maio de 1929. José de Alencar foi consequência de um concurso público elaborado para todo o Brasil em 17 de setembro de 1928 no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro, saindo como vencedor o escultor paulista Humberto Bartholomeu Cozzo. A comissão julgadora foi composta por José Mariano Filho, Gustavo Barroso, Ronald de Carvalho, Nogueira Silva e Gilberto Câmara.


Praça José de Alencar em 1981 - Foto Gentil Barreira

No memorial descritivo ele justifica seu projeto no binômio simplicidade e originalidade. Justifica preferir a posição de José de Alencar sentada por achá-la mais adequada a um homem que agiu mais com o cérebro que com ações; sentado, interrompe suas anotações para concentrar seu pensamento numa visão que só ele vê ao longe.


Praça Marquês do Herval - Arquivo Nirez

O monumento é feito de granito branco de Itaquera e pesa sessenta quilos. Os baixos relevos foram inspirados nos romances de Iracema e o Guarani. De estilo Art Déco” a obra de Cozzo é uma das mais apreciadas da cidade de Fortaleza.






"Foto feita no dia 24 de maio de 1900. Ali foi inaugurada, nesta data citada, a estátua do general Antônio de Sampaio, ferido mortalmente no dia 24 de maio de 1866 na Batalha de Tuiuti. Foi dado então o nome da Rua General Sampaio, da Rua 24 de Maio e inaugurada a estátua. Ao fundo vemos a Fábrica Proença. Achamos que a data deve ser esta pela movimentação e pelo acúmulo de gente e bandeiras em redor da estátua.
O 24 de maio da rua é a data da Batalha de Tuiuti onde o general Sampaio foi baleado mortalmente sagrando-se herói nacional. Não tem nada a ver com libertação dos escravos. A grande festa que houve no dia 24 de maio de 1900 foi na Praça Castro Carreira. Esta foto está na direção da Rua Castro e Silva e vê-se ao fundo a Fábrica Proença, local hoje ocupado por um shopping. Os galpões da estrada de ferro ficam à direta da foto, ficou fora da objetiva." Nirez

No início, em 1830, a praça era chamada de Campo D'Amélia, já em 1882 foi chamada de Senador Carreira, em 1890 de Vila Férrea e a partir de 1932 de Castro Carreira, mais conhecida como Praça da Estação. Na praça era o lugar onde as pessoas praticavam esportes como cavalhada e torneios hípicos da argolinha e onde as tropas coloniais e, posteriormente, as imperiais davam treinamento as suas milícias. Com a construção da Estrada de ferro de Baturité, em 1871, as pessoas passaram a chamá-la de praça da estação e a inauguração foi em 1900. Limitada pelas ruas General Sampaio, 24 de maio, Dr. João Moreira e Castro e Silva


Estátua de General Sampaio na Praça da Estação - Arquivo Nirez

O homenageado é o Dr. Liberato de Castro Carreira destacado no cenário político nacional por sua inteligência e cultura, Dr.Castro nasceu em 1820 em Aracati – CE e morreu em 1903 no Rio de Janeiro. Foi médico, senador e financista. Foi homenageado como médico da pobreza em Fortaleza, em 1845; médico consultante do Hospital Militar, em 1847 e em 1880 foi eleito com a maioria dos votos para Senador. O Monumento é a estátua de General Sampaio antes localizada na parte central da praça, a estátua do General Sampaio feita em granito cearense era fundida em bronze sobre um pedestal. Foi inaugurada em 1900, data do nascimento do patrono da Infantaria. Hoje, não é mais observada neste lugar, pois mudou-se para a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção (Quartel General).


Foto de 1909



Continua...

Parte I
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Crédito: O Centro Histórico de Fortaleza e seu patrimônio cultural arquitetônico

sábado, 17 de julho de 2010

Todas as ferramentas de Crispim

O centenário do Theatro José de Alencar deve tributos a um sem número de fortalezenses: servidores, platéia e contribuintes em geral. A história desses indivíduos está por trás da construção coletiva que esse equipamento cultural representa – esta é apenas mais uma delas

Por Yuri Leonardo Silva e Janaina Bezerra Pinto

"Não dá pra trabalhar no Theatro José de Alencar nessa condição, dona Silêda!" – esclareceu Seu Crispim. Já haviam se passado cinco minutos de conversa em que o marceneiro-eletricista-pedreiro-pintor-cenotécnico explicava para a Silêda Franklin, até hoje diretora administrativa do TJA, o motivo de todo constrangimento: um furo na sola do sapato.

Francisco Crispim de Oliveira foi o faz tudo mais aprumado de que se tem notícia no hoje centenário Theatro. Trabalhava a pano passado, de cinto, sapato e meia. A camisa abotoada de mangas compridas era tal qual uma segunda pele. Mesmo em face do trabalho braçal mais exaustivo, Crispim não abria mão da aparência impecável. “A elegância personificada”, nas palavras de Silêda.

Perceba que a disputa de homem mais cheiroso e bem vestido era arrolada também pelos lendários Seu Muriçoca, o porteiro, e Trepinha, o palhaço – carismáticos os dois e já conhecidos do público assíduo.

A fineza do quebra-galho, porém, estava também nos modos e no carinho declarado pela primeira casa de espetáculos pública de Fortaleza. Funcionário da Secretaria de Cultura do Estado, desde 1971, foi relocado para o Theatro durante a quinta e maior reforma da Casa, vinte anos depois.

Iniciada em 1989, a intervenção construiu um centro técnico e incorporou a estrutura da antiga Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Ceará – o Cena, frequentado por centenas de estudantes dia após dia. Com o acréscimo de três palcos, além de salas para ensaios e para a chamada residência artística, o José de Alencar transformou-se em um centro cultural.

Os amantes da Casa foram também agraciados com um sistema de ar-condicionado e com o aprimoramento da acústica do palco principal. Mas o significado daquelas paredes imponentes está além do monumento nacional tombado em 1964. As escadarias que dão acesso às altas e pesadas portas são testemunhas centenárias dos idos do século passado.

Bem ali, futuros nomes de rua sorriram das galhofas de figuras anônimas. Madrugadas adentro, os funcionários do Teatro se deixaram ficar um pouco mais no trabalho, escolhendo qual bar os receberia sóbrios para depois devolvê-los cambaleantes à calmaria das ruas.
Já no início da década de 1990, burburinhos sobre atos violentos tornavam-se a cada dia mais frequentes, e o comércio ambulante já tomava os espaços públicos, mas não sejamos avexados, que essa história teve um começo.

A testemunha de ferro e vidro

Um século antes, surgia em Fortaleza a Companhia Cearina, formada por idealistas inconformados com a inexistência de um grande teatro na Capital – já beneficiada com o progresso das estradas de ferro e com as novidades trazidas pelos navios que atracavam no porto.

Em paralelo, grupos amadorísticos de teatro pululavam na província de Fortaleza bem antes de o estado corresponder às necessidades da população de aproveitar o tempo livre. As horas de folga eram consumidas em tardes no Passeio Público, na fruição de bandas de música - fardadas ou das companhias de comércio, que perambulavam pelas ruas do Centro; além da programação de festas religiosas, clubes e bailes realizados nas casas de famílias da sociedade.

Mesmo com estas atividades preenchendo a “agenda cultural”, um desejo permanecia inalcançado pelos citadinos e era reverberado pela Companhia: a casa de espetáculos oficial do Estado, que deveria ser edificada à beira da Praça do Patrocínio – atual Praça José de Alencar.
À época, o grupo se desfez como uma tentativa frustrada, mas a história lhe dá os créditos pelo olhar visionário. Em 17 de junho de 1910, o Theatro José de Alencar já nasceu gigante, chegou como filho esperado da elite fortalezense.
O templo de ferro esverdeado e vidro multicolorido surgiu como um luxo, cresceu nos corações como um orgulho da terra e firmou-se como um abrigo de artistas ao longo das décadas da nossa história.

Entanto, acima de todos os títulos, o TJA foi testemunha das reinvenções do Centro. Viu insurgir a oposição à oligarquia Acciolina no mesmo Passeio Público que executou os Confederados do Equador. Presenciou os olhares cansados de quem vinha do Inhamuns arrastado pela fome, mas, sobretudo, pela esperança de encontrar abrigo entre as riquezas do algodão.

Sentiu crescerem os muros da cidade e as barreiras interpessoais. Presenciou os transeuntes mudarem de trajes, largarem mão dos chapéus, relaxarem nos botões abertos das camisas - as calçadas servindo de cama, de ponto de venda, de lata de lixo.

As pessoas deixaram de desejar morar no Centro. E, mesmo a Igreja do Patrocínio, patrimônio tombado pelo Estado, sem ter para onde ir, fincou cercas em torno de si para se resguardar da própria gente.

O Theatro viu tudo. Crispim e Teresinha eram meninote e mocinha quando damas e cavalheiros passeavam em seda francesa e linho irlandês pela Praça do Ferreira. Ainda brincavam nas ruas barrentas de Maranguape, ignorados do Centro das Coca-Colas - as moças prendadas e de família, namoradeiras dos soldados estadunidenses aportados em meado de 1940 na capital cearense dos 200 mil habitantes.

Mas algo nos modos e nas feições desse marceneiro e dessa caixeira-viajante, ele falecido e ela envelhecida, aproxima os dois e não está muito distante do refinamento fortalezense dos tempos da Segunda Guerra Mundial. O destino talvez já estivesse traçado para que se reencontrassem na década de 1980, no Centro do sol renitente espelhado em asfalto.

Os anos e a vida talhariam o jovem franzino em cavalheiro pobre e polido. Ao longo de conversas e experiências, o rapazote lograria a maestria de carpinteiros, eletricistas, pintores e tantos outros profissionais anônimos que permeavam o bairro. Perderia a mocidade, deixaria esvair pouco a pouco a saúde em maços de cigarro, doses de whisky e garrafas de cerveja. Encomendaria roupas feitas por alfaiates do bairro Parque Araxá, e conquistaria o coração de Maria Moura de Oliveira, a primeira mulher.

Através de um homem de poder, a cidade o agraciaria com a chave da casa de um marechal: Humberto de Alencar Castello Branco. Alguém, cujo cargo ninguém sabe ao certo, “botou uma pessoa pra cuidar do lugar porque a casa vivia fechada”, recorda a filha Edna de Oliveira, que décadas atrás se mudaria com o resto da família para o Centro.

O casal não viveu junto ali mais de dois anos: um derrame cerebral deixaria o pai viúvo. Consolos da dor e do desamparo, as tertúlias e os bares acolhiam o homem das várias profissões após as horas de trabalho. As pretendentes apareciam aos montes, mas a família era categórica: “eu queria uma mulher que cuidasse do meu pai”, relembra Edna.

Durante nossa prospecção por impressões do faz-tudo, tivemos o deleite de vivenciar uma reunião da velha guarda de funcionários do TJA sob o Palco Principal. Todos sentados nos velhos sofás negros do porão, às gargalhadas e atropelando as falas uns dos outros.

“Ele gostava de uma cervejinha danada!” apontou Francisco Brasil, enfático. “Mas não aprontava confusão com ninguém!”, retrucou Mauro Coutinho. Às vezes, chegava pra trabalhar com a “cara amassada”, ao que os amigos emendavam: “Tu num pode beber, Crispim!”

Por essa época, a comerciante Teresinha Silvério voltou do Norte do país, aonde foi ganhar a vida com a venda de confecções, e reencontrou o conterrâneo de Maranguape a procura de um rabo de saia que lhe engomasse as camisas. Do alto dos saltos Luís XV e com o lápis dos olhos irretocável, ela aceitou viver junto dele nos porões da General Bezerril, no 38.

PORTAS ABERTAS AO GRANDE PÚBLICO

O Centro de homens e mulheres rotos, das calçadas tomadas pela sobrevivência e dos prédios abandonados. Este é o cenário onde se redesenha o centenário Theatro. Sobrevivente de outros ares, mutante enraizado naquelas paragens, ele precisou subverter-se para resistir.

Passou de mimo das elites à praça do povo.
Desde 1999, abriu as portas ao grande público e viu reflorescer o jardim de Burle Marx. Mantendo a postura de proximidade com os inúmeros frequentadores anônimos do Centro, ao longo do ano do centenário, estão previstos cortejos com artistas de rua, brincantes e manifestações de festas e folguedos populares representativos da cultura cearense.

MEU AMADO FANTASMA

Já ia alta a madrugada de quinta-feira e Tereza não conseguia dormir. Faltava-lhe um pedaço, àquela hora entretido em um bingo qualquer e regado a várias doses de Dreher. Ela podia apostar, depois de tanto tempo de convívio, que a voz de Altemar Dutra embalava os jogos do companheiro. Levantou-se, ajeitou os cabelos à penteadeira, calçou os saltos e subiu altiva os lances de escada que a apartavam da rua.

Encontrou Francisco esquecido das horas. Nos dedos gastos, mais um cigarro. “Eu vou tirar você desse lugar/ eu vou levar você pra ficar comigo!” - gritava a vitrola. A mulher subiu o batente desbotado, repousando a mão direita sobre o ombro do marido. “Fia!”, ele arriscou, no tom de voz dos meninos travessos que escondem a baladeira detrás de si. “Bora pra casa, Crispim!” De braços dados, afinal, traçaram o caminho de volta.
A mesma cena se repetiu muitas vezes no passado e ainda faz saudade nos relatos da velha senhora. Viva lembrança nos sonhos das noites frias, quando ela imagina sentar-se no colo do esguio e agora fantasmagórico boêmio.
Das memórias, restou a imagem do homem que ano após ano pintava a fachada da casa do ex-presidente brasileiro. Não era o dono do sobrado, nem somente o pintor. Não tinha riquezas materiais, mas não era pobre. Crispim é representante legítimo da nobreza dos porões do Centro. No Theatro, ainda reina cheiroso e elegante, longe das vistas voltadas para o palco, próximo do apreço dos companheiros de trabalho.

Na própria casa, dividia espaço com os restos mortais de dias áureos: a morada do futuro marechal, depois o órgão administrativo, em seguida a pinacoteca e, por fim, a sede cearense da Associação dos Diplomados das Escolas Superiores de Guerra. Restaram apenas salas e corredores abandonados da casa de múltiplas identidades. O arquivo morto, há muitos anos, ocupa o sobrado onde Crispim e a família se ajeitavam no longo vão, abaixo das imensas toras de Carnaúba, sobre onde marchavam os generais.


Crédito: Jornal O Estado

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Muriçoca - Figura lendária do Theatro José de Alencar



José Cassiano da Silva, figura lendária e popular do Theatro José de Alencar, por muito tempo o mais antigo funcionário do teatro. Contra-regra, depois porteiro, cativava todo mundo com seu jeito simples, espontâneo e despojado.

Em plena forma e muita alegria de viver, José Cassiano da Silva - mais conhecido como Muriçoca - é o porteiro oficial do Theatro José de Alencar há mais de 37 anos. De origem humilde, já exerceu diversas atividades: lidou com a terra no sertão e foi até sapateiro. Hoje, além de trabalhar no TJA, continua fazendo também a cobrança para a Associação dos Merceeiros, cargo que já exercia na época em que conheceu a trupe do teatro dos gráficos, da qual pertenciam o diretor Domingos Gusmão e sua esposa, a atriz Estelita que lhe deu o apelido de Muriçoca. Quanto à terceira idade, Muriçoca não costuma sequer pensar no assunto. Ele se considera uma pessoa muito feliz. ''A gente é que procura ser feliz. Tem muita gente por aí que fica com raiva facilmente, parece que não gosta da vida. Só espero coisa boa na terceira idade porque coisa ruim ficou para trás''

OPovo

Pouca gente sabe, mas a primeira vez que Muriçoca adentrou pelo portão principal do Theatro José de Alencar não foi para trabalhar na portaria. O episódio aconteceu 30 anos antes. Na época, Muriçoca era apenas José Cassiano, um jovem soldado voluntário disposto a lutar na revoluçao de 1932, em São Paulo: "0 teatro se transformou num quartel improvisado, muita gente compareceu e a viagem acabou não acontecendo". Em pouco tempo a frustração deu lugar ao encantamento. Natural do Crato, ele considera o Centro o bairro mais simpático de Fortaleza. O momento mais emocionante de sua vida foi no TJA. Durante a Semana Santa de 1937, ele assistiu a apresentação da peça sacra "0 Gólgota". Durante a cena de luta, a lança perfurou o peito de Jesus. E enquanto o sangue jorrava em cima do palco, Muriçoca chorava na platéia, mesmo sabendo que tudo não passava de encenação. "Vixe Maria, furaram o nosso Senhor!", recordou o porteiro. O apelido Muriçoca surgiu quando ele ainda era contra-regra do TJA e aparecia a todo instante em um lugar diferente: "Esse rapaz é que nem Muriçoca aparece em todo canto...", gritou uma diretora durante os ensaios. Pegou!

Colocarei agora trechos da entrevista dada por Muriçoca - Concedida a Francisco Salvino Lôbo. Essa entrevista está dividida em 9 fitas e pertece ao Museu da Imagem e do Som:

Casa do entrevistado - Rua Adanías de Lima, 348 - Morro do Ouro (Fort. Ce)

Salvino – A gente vai começar pela infância do senhor lá no Crato. Onde o senhor nasceu? O nome dos pais?

Muriçoca – Eu sou filho de pessoas pobres, meus pais, tá ai nesse comércio e eles ficaram órfãos de pai e mãe e foram criados nas casas dos outros, então meu pai é filho de Porteira de Fora e a minha mãe é filha do município de Crato, do Riacho Seco, no sítio do pessoal, aqueles Teles, Fidelmon Teles, Pinheiro, aquele general Raimundo Pinheiro Teles. Você ouviu falar dele? Pois eu nasci naquele canavial. Foi passando-se o tempo e tal, a gente trabalhando na roça. Comecei a trabalhar com cinco ano de idade, em 1919. Em 1919, meu pai plantou um arroz, em um cerco e mandou que eu fosse botar sentido os passarinho e ao mesmo tempo ele disse: José você vai tirar o feixe de capim pro animal. Que lá tem um bananeiral, tinha muito capim de planta, a gente chama de pinga. Ai fui tirar o capim, negócio de 3:00 hora da tarde, 4:00 hora, fui tirar o capim. Quando desci o riacho, quando eu cheguei com o capim em cima, subi, tem aquela subida, batente, ai coloquei o capim em cima, tinha na cabeça, tinha ali assim uma distancia de uns dez metros, a nuvem de passarinho levantou. Vixe Maria! Agora sim. Mas sabe o que foi que eu fiz? Peguei o arroz, ele tava virado as avessa, eu fui cobrindo a casca do arroz. Cobri todinha. Tudo bem. Cinco, seis horas, os passarinho foram dormir, eu fui pra casa. O velho tinha ido pra rua, vender uma carga de venda, na cidade, em Crato. Quando vem a chuva, o arroz nasceu, mas onde o passarinho comeu num nasceu um pé. O velho foi olhar, chegou em casa, o véi era daqueles ignorante, era novo, eu chamo véi, mas era rapaz novo, era homem novo, em 1919, eu tava com cinco ano de idade. Quando me pegou pelo braço, meteu a peia, ai eu pulando, parecia um macaco, o mijo correndo. Ai minha mãe saiu de dentro, disse: o que é isso, Cassiano? Quer matar o menino, o que o menino fez? Esse cabrito sem vergonha deixou o passarinho comer o arroz todo. Ai se agarraram. Até que ele deixou, me soltou. Ela foi cuidar das minhas costa com água de sal. Chicote era de relho cru. Fiquei todo encalombado.
Num precisa se afobar desse jeito, dá no menino, tá todo arrebentado. Passou. Ele continuou pastorar o arroz, ai foi trabalhando e veio o inverno. Ai fumo trabalhando na roça, plantando cana, chegou a época do mês de abril, ai fumo pra plantação de cana. Eu tenho uma irmã, então tavam trabalhando plantando cana e tinha a minha irmã, que a gente saia de lá ia compra uma cachaça na Baixa, um sítio que tinha lá detrás da Baixa, comprava aquele tonel de cachaça, duas, três, pra vender naquelas festazinha, na beira de estrada, minha mãe fazia sempre um bolo de mandioca, de milho.

MURIÇOCA E O ALISTAMENTO MILITAR

Muriçoca- Aí eu me alistei quando cheguei, ele...

Salvino- Aí o rapaz do alistamento perguntou né, a idade.

Muriçoca- Três de setembro de 1913, ai me alistou, na hora que terminou, me deu três mil reis naquela época, eu fiquei todo cheio de vida, já sabia que os outros tavam recebendo, e eu naquele dia num recebi, porque se eu tivesse me alistado no outro dia, tinha sido mais três mil reis a mais, naquele dia eu perdi os três mil reis, aí fui pra casa, quando cheguei em casa a mãe ficou alegre, e chorando porque eu tinha me alistado pra ir pra guerra. Eu digo: não mãe, ninguém vai morrer não, se morrer ninguém nasce pra semente. Aí dei o dinheiro logo a ela, pra ela compra alguma coisa, um feijão, todo dia a gente tinha dinheiro, recebia os três mil reis, aí saía, comprava cigarro, quando, passou uns seis a sete dias, pra gente embarcar, aí eles deram a gente, eu tenho falado tanto, mas as vezes me esqueço do total x, parece que uns nove mil réis, é um negócio assim viu, eu sei que eu deixei uma parte de dinheiro em casa, e fui com outra, agora eu vim com o mesmo dinheiro, aí quando eu sai ela disse, meu pai, minha mãe: num precisa levar mais? Não, precisa não, nós temo. Aí viemo, ai vai chegar coisa boa, quando o trem desembarcou foi aquele choro, aquele pessoal chorando, que a gente ia tudo pra guerra, a família da gente e os conhecido, cidade pequena né, que naquele a chegada do trem e saída era assim, ninguém perdia uma saída do trem, e a chegada, era muito difícil, perder, só se não pudesse deixar aquilo ali, mas você ia assistir a chegada e a saída, e aí fui embora, apitando aquela maria fumaça, quando chega num certo ponto, o trem saía as duas e vinte da tarde, nessa hora mais ou menos mais tarde o pessoal: a galinha, coisa e tal, a galinha muito boa e tal. Então uns comprava, pagava, outros num queria, um camarada, colega meu Xavier e Zé Ferreira, aí Zé Ferreira mais danado: deixa ver. A primeira partida, a segunda, quando foi a da terceira ele disse assim: deixa ver ai menino. Ai: deixa eu ver o dinheiro logo. Tá aqui o dinheiro rapaz. Ficou puxando assim o (?), aí entregou o prato, quando entregou o prato: Ei, me dê o meu dinheiro. Ele botou a comida no chapéu, jogou o prato de ágata: Nós vamo pra São Paulo defender vocês. Não, mas meu dinheirinho o que vou fazer, o que é que vou dizer a mulher? As vezes tinha aquelas pessoa de melhor situação, fazia aquelas comida, pra botar aquelas menino, aquelas mocinhas, pra ir vender, ganhar um tostãosinho, dois, aquele negócio, e o desgraçado vem desse jeito ainda faz isso né, aí eu vi o outro fazer: vou fazer também, aí meti o pau, comecei a fazer, ai foi o resto da tarde, o outro dia quando amanheceu o dia, de nove horas pra dez horas, começavam a vender aquelas galinha, (?) até aqui pelo, no Otávio Bonfim, a gente fazia assim, fiz muito isso, acho que tou pagando certas coisa... ai quando chegamos aqui, descemo aí na estação e tocamo ali, eu num sei, eu tou achando, eu sei que tinha umas planta ali, eu tou achando eles tão fraco assim, de 1932, já tá plantado, 32 pra 98 é uma porção de ano né.

O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Salvino – Os campos de concentração. Aí depois disso o inverno melhorou, como foi a família, a partir daí? (...) Sabe o que eu queria perguntar o senhor? Por mais que a gente é menino, a gente brinca de muita coisinha, a gente brinca até com sabugo que a gente acha. Qual era os seus brinquedos, quando era menino?

Muriçoca- Eu vejo esses menino, tudinho diz: ai que todo mundo, dia de pai, é dia da mãe, e dia de tudo e natal (...) Bom, você agora me tocou num assunto, que fez eu me lembrar das muitas coisas, que eu vejo todo menino hoje quando é natal, dia de festa, dia de ano, todo mundo quer carrinho, quer uma coisa e quer outra. Naquela época, os menino, a gente brincava muito era com aqueles ossos, os corredor de boi, naquele tempo o pessoal matava aquele boi, batia aqui no corredor e num cortava nem nada, soltava ai, batia aquela graxa, aquela gordura como chama o caboco mesmo, e acabar salgava lá e o cachorro iam roer, então a gente fazia, brincava daqueles touros, aqueles grande, era os touro, as mais magra, era as vaca, tinha os bezerrinhos, era a brincadeira daquele tempo, então tinha também aqueles (?), tinha aqueles mucunã, tinha aquelas (?), a gente tirava, fazia era o boi a vaca, jatobá, só dessas coisa né, era os brinquedo daquele tempo e as meninas era sabugo de milho, fazia aqueles negócio, era aquelas bonequinha, aquelas coisas, os pobres que num podia comprar nada né, os rico ainda comprava, tinha aquelas bonequinhas de louça, que os ricos comprava, hoje é tudo, rapaz, é bicicleta, é revolver, é metralhadora, é tudo, aquele negócio, essa rua aqui hoje, rapaz, é cheio de bicicleta, de motocicleta e o pessoal diz que o tempo tá ruim, por isso que eu fico com raiva, eu fico revoltado com isso. Tempo ruim, eu mesmo cheguei nessa rua aqui, dia 8 de março de 1938, eu entrei nessa rua, quem era que via, tinha um camarada que fazia uns tamborete ali na rua da Saudade, uma oficina que fazia aqueles tamboretes redondo, aquelas tábuas comprada no mercado, pra vender no mercado, aquelas mesinhas quadradas, ou então redonda, com aqueles tamborete pra vender, os tamborete era as mobília, hoje o sujeito é sofá de todo jeito, coisa e tal, quando o bicho tá furado nem manda mais consertar, joga é no mato, toca fogo e eu fico olhando isso, ainda diz que o tempo é ruim, nessa época agora é a época que o povo mais como galinha, que é era difícil sujeito comer galinha, apesar de num ser galinha de granja, mas nessa temporada que eu entrei aqui, tinha o pessoal que viajava de trem, comprava aquelas galinha no interior, galinha caipira mesmo, a caipira que passou pra capital, chama galinha pé duro, então, tinha um senhor ali por nome Fernando, que era um bagageiro e o Cangulo também, que era guarda-freio, (?) maquinista, aqui morava muita gente (?) tinha pressa, tinha só que pular o muro, tava dentro do serviço, então, eles trazia as coisa, as coisa de casa, chegava, num passava nem ali no portão, era só jogando no portão e o pessoal pegando, (?) maquinista, (?), só aquele pessoal, eu trabalhando de sapateiro aqui, na trezentos e vinte e oito ali, isso na época de quarenta, 4 de outubro de 1940, mudei pra essa terra em 28.

Salvino – O que eram os magarefes?

Muriçoca – É o pessoal que corta carne, os açougueiros; pessoal que trabalha em carne, açougue, são os magarefe.

Salvino – O senhor falou da legião, que legião era essa?

Muriçoca – A Legião Cearense de Trabalho, foi uma organização que houve naquela época que o comandante diretor era o Tenente Severino Sombra, e tinha aqueles dois movimento, era a Ação Integralista Brasileira e a Legião Cearense do Trabalho.

Salvino – Elas eram ligadas uma a outra?

Muriçoca – Não. Eram inimiga, eram contra. O integralismo, era parte do Hitler da Alemanha e eu como solteiro, esse padre Antônio Gomes, que eu falei, eu ia trabalhar de manhã todo bonito, e ele me convidava pra eu deixar de ser legionário pra ingressar na Ação Integralista Brasileira, que um rapaz novo, forte, ia estudar no ginásio e mais tarde eu me tornaria um oficial do exercito brasileiro e era outro homem, ai eu respondia: “padre Antônio, não, eu quero ficar mesmo como Legião Cearense do Trabalho, sou operário pobre.”

Salvino- Você tava se mudando pra casa do cunhado.

Muriçoca- Mudamo pra lá quando surgiu na época os entegralistas.

Salvino- O senhor da padaria e o ministro era entegralista também ou não?

Muriçoca- Se era eu num sabia não, num tinha conhecimento não, nunca ouvi nem falar esse negócio de política. Tinha um amigo meu, era rapazote, trabalhando em olaria, carregando tijolo, essas coisa de jumento e tal, o Edmundo, ele foi também aprender arte de sapateiro etc. depois veio pra cá pra Fortaleza, sentou praça na polícia, e quando surgiu o movimento dos entegralista, aquela revolução, Plínio Salgado, aquele movimento todinho e os comunistas...

Muriçoca- Aí ela se atuou, pegou lá um mestre e fizeram aquela prece em mim e rezaram. Nessa noite eu já fui dormir. Ela mandou fazer um caldo pra mim, passei o dia melhor, fui melhorando e fiquei continuando. No outro dia ela veio em casa, depois eu já fiquei indo na casa dela. Ela morava pertinho, tem a saída ali, quando chegar onde tem aquela subida que você entra pra lá, tem uma rua, que hoje tá tudo modificado mas era uma casinha beira-e-bica, calçada alta, ela morava ali: “o senhor vai lá pra casa, pode ir?” Eu digo: “vou.” Aí eu sai me arrastando. Nesse tempo eu trabalhava de sapateiro, tinha uma calça de mescla cortada, suja de tinta, cola, grude e tudo, de limpar as mão. Ela disse: “você vai onze hora, que é o tempo que o João vem da estação.” O marido dela era carreteiro e trabalhava na estação, pegava aqueles volume, que tinha um trem chegando de Baturité, disse: “João tá aqui pra prestar atenção na casa.” Era uma parada, ninguém podia fazer esse negócio não, que a polícia batia em cima. Eu fui pra lá, e coincidiu que nesse dia, era um dia 7 de setembro, (...) ela tinha vindo da parada, eu tava sentado na calçada alta, casa dela é calçada alta, com as perna dependurada, ela com um pano amarrado na cabeça, quando foi me avistando: “vixe Maria, que é isso!” Logo na minha porta. Ela era uma preta velha, num era dessas dos cabelo muito enrolado, mas também num era muito solto não, era dos cabelo meio duro. Aí eu disse: “é dona Amélia, eu tou aqui, mas se a senhora acha que num tá dando certo, eu vou-me embora.” Ela disse: “não, pode ficar, eu num tou dizendo isso com o senhor não, seu Zé Cassiano, ave Maria, num se incomode com isso não.”

Muriçoca - Ator

Salvino- Nessa peça qual foi seu papel? Quando você entrou em cena?

Muriçoca- Eu num tô lembrado qual foi a peça, eu sei que eu fiz um detetive, parece que foi essa que ele botou “Muriçoca em Cena” fazendo detetive, mas num tô lembrado qual foi a peça, essa eu num decorei. Aí lá vem o convite pra gente..., quer dizer, já fizemo Maranhão, aí esse convite já foi em Recife, aí num fumo mais em Recife porque pouco tempo foi debandado, todo mundo preso. Aí ficamo no Theatro José de Alencar fazendo umas peçazinha e tal. Aí foi o tempo que o Gusmão adoeceu, ele era diabético, num se tratava e bebia, comia a toa, morreu magrinho, Domingos Gusmão de Mendes, um grande escritor, escrevia bem no Jornal Diário do Povo. Eu tinha uns jornais desse aí mas eu perdi muita coisa. Quando eu entrei no Theatro eu comecei a juntar aquelas papeletas, aqueles reclame, aquelas propaganda, e quando seu Afonso se aposentou ele disse: “Tá aqui Muriçoca, você gosta dessas coisas e eu vou me aposentar, num vou precisar mais disso, tu guarda, fica pra ti essa lembrança, tu gosta disso.” Aí guardei o que eu vinha juntado e o que o seu Afonso me deu, coisa antiga, aquelas peças antigas que veio do Procópio Ferreira, vários artistas, cantores, Vicente Celestino, eu guardei lá.

Os pais

Muriçoca- (…) Eles foram criados órfãos de pai e mãe, que eu já contei, mas numa fazenda da família Teles, o sítio por nome de Riacho Seco no município do Crato. Lá eles cresceram e foram indo, se namoraram. Tinha uma velha por nome Genoveva, na casa, assim eles me contaram depois, era a governanta da casa, era toda a confiança da família, a casa era numa fazenda, num sítio e ela tomava de conta de todo mundo. Então ela notou que eles estavam se namorando, aí perguntou a meu pai e a minha mãe, aí ele disse: “é, eu estou, quero me casar com ela.” “Pois é, então, vou dizer seu Odorico e a dona Mandú.” Que era os donos da casa. “Tá certo.” Aí ela contou a história a eles, eles disseram: “tá tudo bem.” Ai, tava na época da moagem, quando terminou a moagem, que acabou aquele serviço, aí ele foi, pediu pra vir ganhar um dinheirozim, porque lá, naqueles tempos, naqueles anos passados, quando terminava aquele serviço, eles saíam no interior, ali por Ingazeira, Aurora, Missão Velha, Cedro, trabalhando naquele roçado, quebrando milho, apanhando algodão. Então foi e saiu, trabalhando aqui, acolá, até que veio chegando, chegando... Agora, num me recordo bem se nessa época o trem... parece que só vinha até Baturité ou era Senador Pompeu, mas parece que era até Baturité, é tanto que o nome da estrada de ferro antiga é estrada de ferro Baturité, hoje passaram pra Reviação Cearense, depois passou pra Refesa e CBPU (SIC).

Encontro com Daniel Filho (Ator e diretor)

Muriçoca - Daniel Filho, era o diretor do filme, que eu me orgulho muito de ter tido lá um personagem num filme dirigido por Daniel Filho, ele gostava muito do Theatro, quando chegou lá tava a Iramiza Serra, aí ele perguntou: “quem é aquele rapaz acolá?” Ela disse: “é o Muriçoca.” Ele disse: “eu queria falar com ele.” Ela disse: “Muriçoca, o Daniel tá lhe chamando!” Naquela época ela era diretora do Theatro. Ai ele disse: “rapaz, é possível você trabalhar com a gente num filme?”

Memórias do campo de concentração

"Alguns desses guardas eram, inclusive, ex-concentrados, que devido ao “bom comportamento” ou outro motivo que desconheço, conseguia esta promoção. Meu tio, o seu Muriçoca, o qual acho que você conheceu, pois era muito popular em Fortaleza, por ser o porteiro do Teatro José de Alencar; foi guarda do Campo de Concentração do Crato. Esperto como era, além de ter um carisma inconfundível, titio com sua magreza aguda conseguiu driblar as autoridades. Fugindo da seca, ele se alistou para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Ao retornar para o Ceará, mais especificamente para o Crato, ele tratou logo de vestir sua elegante farda. Impressionado a todos, pois um homem fardado naquela época passava a idéia de respeito e autoridade. E, assim, conseguiu ser guarda em vez de concentrado. Que saudades dele! Que Nosso Senhor Jesus Cristo cuide bem de titio Muriçoca!"

(Personagem fictício criado para narrar à história real dos Campos de Concentração, tendo como base o livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”, da professora do Departamento de História da UFC, Kênia Sousa Rios.)


Jornal OPovo - 22 de Dezembro de 2003

Morre funcionário mais antigo do TJA

O tradicional porteiro do Theatro José de Alencar, José Cassiano da Silva, mais conhecido como Muriçoca, faleceu na madrugada de ontem vítima de uma infecção

Uma despedida simples, calorosa, emocionante. Assim como foi o homenageado, José Cassiano da Silva, 90, o seu Muriçoca, figura tradicional do Theatro José de Alencar (TJA) e o mais antigo funcionário. Ele faleceu na madrugada de domingo, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção. O corpo foi velado na sede da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), no Meireles, no início da tarde de ontem, com a presença de parentes, amigos, funcionários do TJA, artistas e políticos. Mas o acolhimento não podia deixar de ser no próprio Theatro, onde ele foi funcionário por quase quatro décadas.

Ao som do saxofonista Elismário, que interpretava composições de Vila-Lobos, gente amiga pôde prestar a homenagem, com a presença da diretora do TJA, Eliza Gunther. Gente que não era tão próxima de Muriçoca também compareceu. Com a instalação de uma feira de ambulantes na porta do Theatro, além da reforma da Praça José de Alencar, o movimento foi intenso.

Para o diretor de Theatro, Haroldo Serra, Muriçoca vai chegar ao céu com a intensão de fazer um acordo com São Pedro, que fica na portaria e recebe quem está chegando. O posto deve ser dividido agora com o novato, educado e vestido com um paletó. ''Meu pai era uma pessoa muito boa, muito querida. Fez muitas amizades na vida'', constata o único filho, Valdizar da Silva, 67.

O corpo de Muriçoca foi enterrado no fim da tarde de ontem em um túmulo da família. O cemitério São João Batista, localizado no Centro, fica em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, Dona Lindu, 88 anos. ''Não deixei minha mãe ir até o Theatro, era emoção demais'', conta Valdizar. Ele acrescenta que o pai vinha sentindo problemas no estômago há algum tempo, além de complicações em uma cirurgia que fez na próstata. O quadro de saúde foi se agravando e levou a uma infecção. Ele tinha duas netas.

''Não tenho palavras para homenagear meu irmão, o melhor irmão do mundo. Se pudesse sair gritando, diria bem alto: muito obrigada'', disse a irmã caçula de Muriçoca, Francisquinha Cassiano. Além dela, são mais quatro irmão vivos. Para o deputado estadual Chico Lopes, presente ao enterro, a cultura cearense perdeu um ativista popular. ''Muriçoca estava lá, nos carnavais da Praça do Ferreira, Guilherme Rocha... O Theatro José de Alencar perde uma figura. Mas a vida tem dessas coisas'', considerou o deputado.

''Era uma figura ímpar. A frase que ele mais gostava era 'seja bem vindo e sinta-se em casa'. Tinha amizades boas no meio artístico, junto a comunidade, entre os políticos. Tinha um quê de alma boa, apesar de ser humano e também ter defeitos. Não reclamava da vida mesmo doente e continuava trabalhando. Continua uma lenda, uma história, a partir do nome dele'', declarou o diretor teatral e ex-administrador do TJA, Fernando Piancó. Na despedida do Theatro, muitos aplausos para o eterno porteiro Muriçoca.


Portal da História do Ceará:

2003 - dezembro - 21 - Morre na madrugada, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção, aos 90 anos de idade, José Cassiano da Silva (Muriçoca), figura popular, elegante, usando gravata borboleta, um dos mais conhecidos e queridos personagens que passaram pelo Teatro José de Alencar - TJA.
Recebeu o apelido após comentário sobre o inseto em 1961.
Em 1932, quando se alistou para servir nas Forças Provisórias, durante a Revolução de 30, veio do Crato para Fortaleza e teve o teatro como primeira casa na Capital, que funcionava como quartel na época.
Foi cobrador da Sociedade dos Merceeiros; em 1965 ele passou a atuar no TJA, como contra-regra, por influência do diretor de teatro Domingo Gusmão de Lima.
Em 1973 foi nomeado funcionário do teatro.
Depois deixou de ser contra-regra e passou a recepcionista de espectadores e visitantes.
Seu corpo foi velado no Palácio da Abolição.
Seu cortejo passou pelo Teatro José de Alencar, onde houve uma homenagem e de lá seu corpo seguiu para o Cemitério São João Batista, localizado no Centro, em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, onde foi sepultado no final da tarde.



Créditos: OPovo, Ceará Cultural, Portal da História do Ceará, MIS e pesquisas na internet

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